Mulher Bendita

Pe. Julio Maria espiritualidade

Um verdadeiro tratado sobre a Virgem Maria, completíssimo!

 A MULHER BENDITA

diante dos ataques protestantes

ou

Respostas irrefutáveis às objeções protestantes contra o culto da Sma. Virgem Maria

pelo

P. Júlio MARIA

Missionário de N. Sra. do Smo. Sacramento

 

1936—

Tipografia do O LUTADOR

Manhumirim -—Minas

 

Ao ilustre e zeloso Bispo diocesano Sua Excia. Rvma.

D. José Maria Parreira Lara

dedico este trabalho como expressão de veneração e de amor filial.

O AUTOR.

 

 

Imprimatur

Caratinga, 20 Decembris 1935

t+ Josephus Maria

 

 

Carta aprobativa

de Sua Excia. Rvma.

D. José Maria Parreira Lara

D. D. Bispo de Caratinga

 

Caratinga, 10 de Janeiro de 1936.

Meu caro Padre Júlio Maria,

Li com imensa satisfação o seu novo livro: Mulher Bendita, diante dos ataques protestantes, e me edifiquei muito com estas belas e fulgurantes páginas que constituem um verdadeiro monumento em honra da Sma. Virgem Maria.

Fazia-se sentir entre nós a falta de um livro de teologia mariana, mas de uma teologia popular, ao alcance de todos, sem entretanto perder a profundeza e a segurança da doutrina.

V. Revma. produziu esta obra desejada.

Seu livro é admirável, tanto pelo fundo como pela forma:

O fundo é de uma doutrina sólida, clara, bem provada e de uma argumentação irrefutável.

A forma é alerta, entusiasta, de uma expressão comunicativa e de um vigor irresistível.

Os dois se combinam para formar uma obra de primeiro valor. É a refutação completa, fulminante de tudo quanto os protestantes objetam contra o culto de Maria Sma.

Os assuntos são tratados por mão de mestre, e creio que no Brasil nada de comparável tem sido escrito sobre o culto e as prerrogativas de Deus.

O seu livro é daqueles que nunca morrem, porque se elevam acima das vulgaridades, dos lugares comuns, e haurem a sua vida e o seu sucesso na elevação da doutrina, na sublimidade de suas ideias e no modo vivo de apresentar as verdades.

De todo coração lhe concedo o imprimatur do novo livro, que vem enriquecer a coleção já grande das obras de seu incansável apostolado, e peço a Deus que este belo livro penetre em todas as famílias, para em toda parte esclarecer e estender o culto da Mãe de Jesus...

Sou com toda a estima de V. Revma.

Humilde Servo

+ José Maria

Bispo de Caratinga

 

Introdução

Que é necessário ler

Defender a honra de uma mãe querida é dever e felicidade para um filho amoroso.

É a razão de ser do presente livro. Não precisaria de outra apresentação.

Diariamente são atacados pelas blasfêmias, ora ignorantes, ora maldosas, das seitas protestantes, a dignidade, a glória, as prerrogativas, o poder da Virgem Santíssima.

Como pode um filho calar-se diante dos ataques contínuos dirigidos à sua Mãe?

Urge, pois, lhes dar uma resposta completa, fulminante, sem réplica.

Pode haver, sem dúvida, entre estes protestantes pessoas de boa fé, devido à ignorância religiosa em que vivem, seduzidas também, como o são pela livre interpretação da Bíblia; porém da parte de seus pastores, há muita perfídia e má fé, ou então uma ignorância fenomenal.

Entre estes pastores há muitos traficantes, tristíssimos cavadores da vida, fazendo de seu ofício, não um instrumento de fazer amar a Deus, mas, sim, de ódio, de calúnia contra a Igreja Católica, vendendo as almas a troca do dinheiro que lhes vai proporcionando a sua vida de caluniadores.

É preciso desmascarar estes mercadores de almas do próximo, e refutar os erros que vão espalhando, não só na alma de seus adeptos, mas no espírito dos católicos incautos.

 

I. A fonte dos erros protestantes

Escondida na relva rastejante da estrada, a serpente venenosa do erro procura morder o transeunte descuidado, seja ele quem for.

É preciso assinalar a presença da serpente, para precaver de seu contato o viandante e evitar-lhe a mordedura.

O ódio destes infelizes sectários, excitado pela serpente que já seduzira nossos primeiros pais, concentra-se de modo particular sobre a Virgem Santíssima, por saberem que, no dizer dos santos, um verdadeiro devoto de Maria não pode perder-se.

Satanás, que quer perder as almas, custe o que custar, procura arrancar das mãos dos cristãos esta garantia de salvação e, para isso, suscita bandos de exploradores que ele intitula e faz chamarem-se pelo nome de pastores, mas que não passam de lobos devoradores, como diz o Mestre divino.

Estes pastores querem antes de tudo ganhar a vida, e como não se pode ser bom protestante, sem atacar a Igreja Católica, ei-los a repetirem a dúzia de objecções tolas, que aprenderam nos pasquins da seita, sem querer compreender a resposta Católica.

À necessidade de ganhar a vida sucede o fanatismo; ao fanatismo sucede o materialismo grosseiro e ao materialismo sucede o ateísmo completo.

Numa reunião geral de pastores, na Alemanha, dizem os jornais que sobre 1000 pastores presentes havia 800 que nem acreditavam mais na divindade de Jesus Cristo, nem na inspiração da Sagrada Escritura.

Em tais condições compreende-se o ódio que tais homens votam à Igreja Católica, onde todos são unidos na fé, na moral e no culto.

Esta explosão de ódio se concentra sobre a Virgem Imaculada, sob o pretexto de que seu culto é pagão, é idolatria, abuso, excesso, etc.

Pobres cegos! Infelizes caluniadores!

 

II. A feição especial deste livro

É pois de absoluta necessidade mostrar a Mãe de Jesus, na auréola de sua grandeza, de seu poder, de seu amor e de sua misericórdia, e mostrá-la, não somente por considerações piedosas, entusiastas, mas com provas autênticas, tiradas diretamente da Sagrada Escritura.

É a feição especial deste livro.

É um livro de doutrina.

Um livro evangélico.

Um livro de exegese, mostrando os fundamentos do culto de Maria Sma., os alicerces evangélicos da sua grandeza e a fragilidade das objecções adversas.

Nenhuma tese, nenhum princípio, nenhuma conclusão, nenhum título será admitido neste livro que não tenha a sua base na Sagrada Escritura.

Deve ser um livro revelador... indicador... iluminador... e tudo isto não pode ser feito senão pela palavra de Deus contida na Sagrada Escritura e na tradição ininterrupta das doutrinas apostólicas.

 

III - O dragão de sete cabeças

A serpente, a mesma serpente do paraíso terrenal, procurando morder e perder as almas, está reencarnada no ódio protestante.

É mister, diante desta serpente, mostrar a Mulher Bendita, que já uma primeira vez lhe esmagou a cabeça, ao pé da cruz, no alto do Calvário, e que continua a esmagá-la por onde rastejar a serpente.

A mulher Bendita esmagou a cabeça da serpente, como Deus o predisse no paraíso: Esta te esmagará a cabeça (Gn3,15); porém, a tal serpente tem inúmeras outras cabeças; é um dragão de sete cabeças, como viu o Vidente de Patmos. Eis o dragão... tendo sete cabeças (Ap11,3).

E não somente tem sete cabeças, mas cada uma delas foi se proliferando, produzindo centenas de outras cabeças.

Quando Lutero lançou ao mundo o seu brado de revolta contra a Igreja, era apenas uma abeça, mas logo cresceram em redor do Luteranismo o Calvinismo, o Anglicanismo, o Presbiterianismo, o Metodismo, o batisanismo, etc... até perfazer o numero de mais ou menos 900 seitas (n.e.: em 1936!).

É o mesmo dragão... mas de cabeça multiforme só havendo de comum entre estas cabeças: o ódio à Igreja Católica, as blasfêmias contra a Virgem Santa e as calúnias contra os Sacerdotes.

Ódio, blasfêmia e calúnia, é o tríplice alicerce do protestantismo em geral, e de cada seita em particular.

 

IV. A mulher Bendita

Em outros volumes já respondi ao ódio sectário contra a Igreja (1), contra os sacerdotes (2), contra a doutrina Católica (3); no presente do quero responder às blasfêmias atiradas à puríssima Virgem, à Mulher Bendita entre todas as mulheres.

Nada inventarei... recolherei os ataques nas vistas e livros protestantes, dando sempre a preferência a trabalhos assinados por sumidades da seita.

Não se admire o leitor ao ver-me insistir, de modo particular, sobre o grande privilégio da Imaculada Conceição de Maria, pois é ele a preparação à incomparável dignidade de Mãe de Deus e o resumo de todas as suas prerrogativas.

Admitido este primeiro privilégio, devem-se admitir todos os outros, pois estes brotam daquele, como o fruto brota da flor.

A maternidade divina de Maria Sma. é o princípio de toda a sua grandeza.

A Imaculada Conceição é a preparação a esta grandeza.

A Assunção ao Céu é o seu corolário indispensável.

(1) O Cristo, o Papa e a Igreja.

(2) Luz nas trevas, ou respostas irrefutáveis às objecções protestantes.

(3) Ataques protestantes.

 

V. Para quem este livro?

Para quem?

Para todos.

Leiam este livro aqueles que querem conhecer bem a Mãe de Jesus e amá-la muito.

Estas paginas abrir-lhes-ão horizontes novos na devoção mariana, e lhes mostrarão uma Maria, que talvez desconheçam.

Quanto aos infelizes protestantes... estes, sim, é que deviam lê-lo; e lendo-o, estou certo que reconheceriam o erro em que laboram... mas eles têm medo da luz, não o lerão, senão por raríssimas excepções... os pastores não o deixarão ler!... pobres e infelizes protestantes!... oremos por eles... são tão infelizes!

Leiam-no, sobretudo, esta legião de Filhos e Filhas de Maria, flor e esperança da Mocidade Católica, que hoje constitui a vanguarda da regeneração de um Brasil futuro, e esta leitura será para eles um farol e um estandarte.

Leiam-no católicos e protestantes sinceros, e verão iluminarem-se todos os recantos e esconderijos do erro e da ignorância, para mostrar-lhes a bela e incomparável fisionomia da Mãe de Jesus e Mãe dos homens.

 

P. Júlio Maria

Ne serivam vanum, Due, pia Virgo, manum.

+

 

 

CAPITULO I

O culto de Maria Santissima

É sabido que o protestantismo concentrou o seu ódio sobre a Virgem Santíssima, Mãe de Deus.

Porque este ódio?

Para poderem os seus adeptos protestar contra a Igreja Católica.

É a grande, e talvez a única razão.

A Igreja Católica, na unidade perfeita e na firmeza granítica de seu ensino, atribui a cada pessoa o culto que lhe compete.

Adora única e exclusivamente a Deus, porque só Ele é Senhor Supremo, só Ele é Deus, é Somente Ele tem direito ao culto supremo da adoração.

Dominus Deus noster, Dominus unus est. (Dt6,4).

Venera a Virgem Maria, por ser Mãe de Jesus Cristo e, como tal, revestida de uma dignidade acima de todas as dignidades, tendo direito a um culto acima do culto tributado aos santos.

Super modum, Mater mirabilis (2Mc7,20).

Honra os Santos, por serem amigos de Deus e por gozarem, como tais, perto de Deus, de um poder de intercessão acima das criaturas neste mundo.

Mirabilis Deus in sanctis suis (Sl67,36).

Temos, deste modo, um tríplice culto, essencialmente distinto um do outro, numa gradação harmoniosa e lógica.

1. O culto de adoração (latria) devido a Deus.

2. O culto de super veneração (hyper-dulia) devido à Maria Sma.

3. O culto de veneração (dulia) devido aos santos.

Tal é a base do culto católico, e basta compreender estas noções, para compreender a injustiça e o ridículo das objecções protestantes, acusando os católicos de Maríolatras, de adorarem a Mãe de Jesus.

Vamos examinar tais objecções neste primeiro capítulo, dando-lhes a resposta que merecem.

 

I. A Mariolatria

Não quero inventar nenhuma objecção; os amigos protestantes se encarregam da fabricação e da propaganda.

Vou tirar literalmente de seus escritos as tais objeções, para eles não me poderem acusar de exagero ou de má interpretação.

Eis a acusação de Mariolatria, tal qual a transcrevo de um jornal protestante.

Chama-se Mariolatria a adoração de Maria Sma.

Diz o articulista:

Indiscutivelmente, e não há quem ouse negar, no catolicismo Maria ocupa o lugar de destaque, é o "fac totum" da corte celeste. Todas as invocações, todas as adorações são dirigidas, apenas e unicamente a ela. Representa no catolicismo tudo, a substância e a essência. A Maria são feitos os sermões e oferta dos presentes, os fieis são convidados a confiar quase que exclusivamente nela e no seu poder absoluto.

Essa adoração toda, essa idolatria, criou o que se chama de Mariolatria, que não passa de uma criação tardia, muito tempo depois de lançadas as bases do catolicismo.

Maria começou a sair do silêncio em que a tinham envolvido os escritores do Novo Testamento, no meado do IV século. Fui obra de uma seita, composta quase que só de mulheres, aparecida na trácia e na Scisia superior, que começou a divulgar aos quatro ventos a divindade de Maria, o torná-la digna de adorações e cultos.

Estes sectários foram chamados de "Coliridianos", por oferecerem à Mãe de Jesus algumas tochas chamadas em grego Kohhúga.

Nos primeiros séculos nós não encontramos culto algum a Maria. Todos são uníssonos e de acordo em pregar digno de culto somente Deus e o seu unigênito filho Jesus Cristo.

Nem Justino Martyr, nem Irineu, nem Tertuliano, nem Cypriano, nem Laitancio, podem ser invocados como sustentadores e propagadores do culto da grande "mãe de Deus", porque eles, como São Pedro, São Paulo e São João, não aludem a outra mediação senão à de Deus e Jesus Cristo.

Volvamos ao passado, isto é, aos primeiros séculos e os percorramos com atenção.

século I. Clemente Romano, o suposto sucessor de São Pedro, escreve nas suas Constituições Apostólicas: "Não é permitido avizinhar-se a Deus onipotente, que por Jesus Cristo seu filho". (Const. Apost. Liv. 2 e 33)

Século II. Inácio, discípulo do apóstolo João, escreve de Roma aos filadelfos:

"Nas vossas orações deveis ter perante os olhos apenas Jesus Cristo e o pai de Jesus Cristo”.

Século III. Orígenes disse claramente: "Não tenhamos a disfarçatez de invocar algum outro, a não ser aquele que é Deus sobre todas as coisas, bastando a tudo por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo.

século IV. Atanásio pregava e escrevia: "Nós verdadeiramente somos adoradores de Deus, porque não invocamos nem criaturas nem homens; invocamos o filho, que por nascimento procede de Deus, e que é o verdadeiro Deus, que nasceu homem, é verdade, porém que não obstante é Deus e Salvador."

Século V. João Capistrano se opõe àqueles que queriam introduzir outros mediadores além de Cristo.

Nestes cinco primeiros séculos não se concebia outra adoração, outra veneração que não fosse Deus e Jesus Cristo. Como, pois, pode o "catolicismo passar uma esponja no quadro negro do passado, e fazer valer sob todos os pontos de vista a opinião da seita de Coliridianos?

Como, pois?

Deixando mesmo em segundo plano Jesus Cristo? Mas porque? Acaso admitem a imaculada conceição de Maria?

 

II. O fac-totum da corte celeste

Tal é a objeção em toda a sua brutalidade, ignorância e nudez.

Em síntese, acusam a Igreja Católica de fazer de Maria Sma.:

1. O fac-totum da corte celeste;

2. Um objeto de adoração;

3. O objeto de um novo culto;

4. Uma novidade desconhecida no Evangelho e nos primeiros tempos do cristianismo.

Tomemos, uma por uma, todas as objeções e lhes demos uma resposta clara e sucinta, que dissipe todos os erros e faça refulgir a única verdade Católica.

Maria Santíssima não é, nem pode ser o "fac totum". É uma heresia, que a significação dos próprios termos refuta.

O fac totum é Deus; e por isso só a Ele é devida toda a honra e glória nos séculos dos séculos, como diz o Apostolo (1Tm1,17).

O termo adoração exprime o culto desta honra suprema; e este termo é exclusivamente reservado ao culto de Deus.

O termo — super-veneração — exprime o culto que prestamos à Mãe de Deus; e nada tem de comum com a adoração, do modo que, neste culto, o excesso é impossível; para que houvesse excesso, necessário seria que, ultrapassando o culto de super-veneração, alguém deslisasse na oração, o que nenhum católico faz nem pode fazer.

Qual é pois, exatamente, o lugar de Maria Sma. na hierarquia divina da religião?

É simples, é belo. É São Paulo quem nos vai fornecer a descrição, em sua linguagem figurada teológica. Ele escreve: Assim como num só corpo temos muitos membros, e nem todos os membros tem a mesma função, assim, ainda que muitos, somos um só corpo em Cristo, e cada um de nós membros uns dos outros (Rm12,4-5)

Ora, vós sois corpo de Cristo, e membros unidos a membro (1Cr12,27).

E ele é a cabeça do corpo da Igreja, e é o princípio, o primogênito dentre os mortos; de maneira que Ele tem primazia em todas as coisas, porque foi do agrado do Pai, que residisse Nele toda a plenitude, e que por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas. (Cs1,18-19).

Eis uma figura esplendida da Igreja.

A Igreja é o corpo místico de Jesus Cristo.

Um corpo possui necessariamente três partes:

A cabeça, o pescoço, os membros inferiores.

É uma figura muitas vezes empregada pelo Apóstolo.

A cabeça é o Cristo.

Os membros somos nós.

E como são ligados à cabeça os membros deste corpo?

Pelo pescoço.

O pescoço é pois a parte mediana, que é um membro do corpo, mas com esta particularidade, que é membro que toca, ao mesmo tempo, a cabeça e os membros.

E entre os diversos membros deste corpo qual é a criatura que toca ao mesmo tempo Deus e as criaturas?

É a Virgem Maria.

Pela sua natureza, ela é uma simples criatura; pela sua dignidade, ela é Mãe de Deus.

E que união mais intima pode existir entre duas criaturas do que a união de Mãe e filho?

Eis porque Maria Sma. é chamada pelos santos: opescoço do corpo místico de Jesus Cristo.

Esta figura exprime admiravelmente o lugar que Maria Sma. ocupa na Igreja e no culto católico.

Ela não é a cabeça; ela é membro.

Ela não é um simples membro, mas entre todos os membros goza do privilégio único e incomunicável, de ser diretamente unida à cabeça, enquanto todos os outros membros o são por intermédio do pescoço.

Eis como cai por terra a primeira objeção protestante, acusando a Igreja de fazer de Maria Sma, o fac totum da religião.

O fac totum e a cabeça é Jesus Cristo.

O intermediário, o membro de ligação entre Jesus Cristo e os homens, é Maria Sma.

Ora, quem é capaz de confundir o pescoço com a cabeça?

Quem não vê que de nenhum modo e nunca e pescoço pode substituir a cabeça, ou ser colocado em cima da cabeça?

A comparação de São Paulo é pois típica, profunda, expressiva, e indica para cada parte de corpo místico do Salvador o seu lugar próprio.

Jesus Cristo,

Maria Sma.,

Os homens.

 

III. Um objeto de adoração

Passemos depressa sobre tão bolorenta objeção.

É triste ser obrigado a responder a tais tolices.

No século vigésimo virá ainda à baila a idolatria?

É dizer que por este mundo afora a grande maioria da população, estes milhares e milhares de homens educados e instruídos adoram imagens, como vulgares fetichistas, atribuindo vida a um pedaço de pau, implorando favores de um toco de madeira, pedindo saúde e vida de um bloco de cimento... prostrando a fronte no pó do caminho diante de um papelão. Não vê o protestante que tudo isso é sumamente ridículo, e que si tal coisa podia ser praticada antigamente pôr um zulú selvagem, não pode nunca penetrar na mente de um homem civilizado,

Se perguntássemos a qualquer criança, si tal ou tal santinho é um Santo vivo, que come, bebe e dorme, a criança responderia que não. mas que é apenas um retrato, uma representação.

Qual o homem, até analfabeto, que ignora que “não é a imagem ou o retrato que ele venera ou invoca, mas sim a pessoa representada pela imagem?

Ninguém adora imagens; mas sendo a imagem a representação de Jesus Cristo, pode-se adorar Jesus Cristo, representado pela imagem.

Ninguém adora a Virgem Sma., que não é Deus nem deus, mas uma simples criatura, elevada, por graça e favor de Deus, à mais alta dignidade de que pode ser revestida uma criatura: a maternidade divina... e como tal merece ser honrada, venerada: — como Mãe de Deus — e não adorada como Deus.

Tudo isso é tão claro, que só uma cegueira obcecada é capaz de reproduzir tais acusações.

Adorar não é beijar ou inclinar-se... Os pais beijam os filhos; os inferiores inclinam-se diante de seus superiores, sem adorá-los.

A adoração não consiste só no ato exterior, mas sim no espírito que pretende tributar honras divinas a qualquer pessoa.

Não querendo alguém adorar, não adora.

E nenhum católico já teve a ideia de adorar outra pessoa a não ser Deus.

E eles mesmos devem saber melhor o que pretendem fazer do que os seus detratores.

 

IV. Um novo culto

O bom protestante nos acusa de termos criado um novo culto, que ele chama Mariolatria.

Não criamos nada. Só Deus pode criar pessoas e coisas; e os amigos protestantes podem criar objeções.

Lutero criou a Bibliolatria e a Odiolatria, como criou a libertinolatria, adorando a Bíblia e desprezando o seu conteúdo; adorando o ódio, para melhor vilipendiar a Igreja; adorando a carne pela vida dissoluta e sacrílega.

Diz o articulista que o culto de Maria começou a sair do silêncio em que a tinham envolvido os escritores do Novo Testamento, no meado do século IV.

É muita ignorância do Evangelho, meu caro amigo!... É preciso muita ingenuidade para aventar uma tal asserção.

O culto de Maria Sma. está todo indicado, delineado e desenvolvido no próprio Evangelho.

Leiam o Evangelho, caros protestantes... mas leiam-no inteiro, e não simplesmente as passagens, escolhidas por vós... que mais ou menos pareçam favorecer as vossas opiniões erradas pela livre interpretação dos textos.

O culto de Maria Sma. é essencialmente um culto evangélico, todo evangélico... e apesar de todas as homenagens que prestamos à Mãe de Jesus, nunca chegaremos a igualar nem de longe às homenagens que lhe presta o Evangelho.

Fóra do Evangelho, o culto da Mãe de Jesus seria um culto incompleto, atrofiado, raquítico...

No Evangelho ele toma uma expansão divina, e se eleva às alturas que causam vertigem àqueles que sabem refletir.

Dizer que o culto de Maria é uma novidade é afirmar a novidade do Evangelho, a novidade das catacumbas dos primeiros séculos, onde se encontra a cada passo a expressão da veneração e do amor com que os primeiros fieis cercavam a Virgem Imaculada... seria extinguir com um só golpe os acentos amorosos dos Padres dos primeiros séculos, que exaltaram a Virgem Santa com um entusiasmo jamais igualado nos séculos posteriores.

Não, não! tais documentos não se destroem; tais acentos não se abafam; tais brados não se extinguem; e enquanto o Evangelho for Evangelho, poderemos e deveremos dizer que o culto da Mãe de Deus é um culto instituído por Deus, transmitido pelo Evangelho e praticado por todos os séculos.

Dirão talvez que Jesus Cristo exaltou pouco a sua Mãe.

Mas para que exaltar com palavras aquela que está exaltada acima de todas as criaturas, pela santidade, pela dignidade, pelas prerrogativas, que fazem de Maria a mulher Bendita entre todas as mulheres.

Para que repetir continuadamente uma verdade palpável, indiscutível, aceita por todos, nos primeiros séculos?

Maria é mãe de Jesus.

Jesus é Deus.

Maria é pois Mãe de Deus.

Que é que se pode dizer mais?

Um tal título não esgota todos os demais títulos?

Haverá ainda honras superiores a estas?

É impossível!

Maria é Mãe de Deus; como tal, ela é necessariamente a mais santa e mais gloriosa de todas as criaturas.

Jesus Cristo falou pouco de sua Mãe?

Perfeitamente... e assim devia ser.

Jesus veio, como Ele mesmo afirmou, não para os justos, mas para os pecadores. Non veni vocure justos, sed peccatores (Lc5,32).

Ele veio restituir a saúde aos enfermos e não aos que não precisam de médico — Non egent, qui sani sunt, medico. (Lc5,31).

Para quem devem pois irradiar as ternuras de seu coração?

Não é para os infelizes, para os pecadores?

De Pedro Ele fará o chefe de sua Igreja.

De Mateus, o publicano, fará o seu Evangelista.

De Saulo, o perseguidor, fará o Apostolo das nações.

De Madalena, a pecadora, fará uma amante estática.

De um ladrão crucificado fará a primeira conquista de sua morte.

De pobres pescadores Ele fará seus apóstolos.

já pensaram nisso os caros protestantes?

Poderia o Coração de Jesus, terno, amoroso e zeloso da honra de sua mãe associar a Virgem Imaculada a todos estes pecadores convertidos?

Podia Ele colocar sobre a cabeça de sua Mãe a mesma coroa de louvores?

Não!... Isso seria rebaixar a Virgem Santa, em vez de exaltá-la.

A Pedro Ele disse: Tu és bem-aventurado (Mt16,17).

A Mateus disse; Segue-me (Mt9,9).

A Paulo disse: Eu sou Jesus, a quem tu persegues (At9,5).

A Magdalena disse: Teus pecados estão perdoados (Lc7,48).

Ao ladrão disse: Hoje estarás comigo no paraíso (Lc21,43).

Aos apóstolos disse: Vós sois meus amigos (Jo15,15).

Mas à Maria Ele disse: Tu és minha Mãe (Mt2,11).

Que poderia Ele dizer mais?...

Jesus Cristo esgotou-se nesta única palavra.

 

V. A obscuridade de Maria

Diz o amigo protestante que os Escritores Sagrados envolveram Maria Santíssima num silêncio completo.

Que estranha asserção!

Que calúnia!

Quanta ignorância do Evangelho!

Se Jesus Cristo falou pouco de sua mãe Santíssima, os anjos falaram, os evangelistas falaram, o povo falou, o céu e a terra falaram...

Até Lutero falou...

Será preciso recolher tudo o que disseram?

Seria escrever um livro. Resumamos, pois.

Disse acima que o culto de Maria é essencialmente um culto evangélico, e provando isso, tudo está provado.

Que culto mais evangélico do que aquele que começa no Evangelho com esta homenagem vinda do céu: Ave, gratia plena. Ave Maria, cheia de graça; o Senhor é convosco; Bendita sois vós entre as mulheres!

Que culto mais evangélico do que aquele que nos mostra Maria cooperando, pelo livre consentimento de sua fé, de sua virgindade, de sua humildade, ao mistério inicial do cristianismo, coberta pela sombra do Altíssimo, revestida do Espírito Santo, e concebendo em seu seio virginal o próprio Filho de Deus!

Que culto mais evangélico do que aquele que nos representa Maria, Mãe de Deus, respirando com Ele o mesmo sopro, vivendo com Ele do mesmo sangue, levando-o em suas entranhas, comunicando-o, pela sua voz, a João Batista e a Isabel!

Que culto mais evangélico do que aquele que lhe prestam Isabel e João: a primeira aclamando-a a Mãe de seu Senhor; o segundo exultando no seio materno, recebendo a santificação que a voz de Maria lhe transmite!

Isabel, repleta do Espírito Santo, exclama em alta voz, repetindo e completando as palavras do anjo: Bendita sois vós entre as mulheres; e bendito é o fruto de vosso ventre!

E sob esta impressão do Espírito Santo Isabel presta à Mãe de Deus um culto de veneração inigualável: Donde me vem esta dita que a Mãe de meu Senhor venha ter comigo?... Bem-aventurada és tu, que creste, porque se hão de cumprir as coisas que te foram ditas da parte do Senhor. (Lc1,43)

Que culto mais evangélico do que aquele que,na ocasião destas palavras de Izabel, como que para aprová-las e aplicá-las, o próprio Deus faz exalar da alma inspirada de Maria, dizendo: De hoje em diante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque Aquele que é Todo Poderoso fez em mim grandes coisas (Lc1,48).

Que culto mais evangélico do que aquele que após Isabel, a inspirada, continuam a prestar à Maria os pastores e os magos, adorando o menino Deus, nos traços de Maria, sua Mãe. (Mt1,11)

O Santo velho Simeão, associa em sua profecia a Virgem Mãe a todas as contradições a que estava sujeito o seu Filho, e de modo particular a aquele gladio de dor que deverá uni-los no grande suplício. (Lc2,34)

Que culto mais evangélico do que esta homenagem filial de confiança, de ternura, de abandono que o menino Deus prestou à sua Mãe, fazendo de seu seio Virginal seu trono, seu refúgio, seu alimento!

Que pode haver de mais admirável que esta homenagem de submissão que Jesus lhe tributa, vivendo até os trinta anos na obscuridade de Nazaré, na intimidade de sua Mãe... mostrando-se submisso a ela em tudo? (Lc2,51)

Que culto mais evangélico do que aquele que nos manifesta a divina atenção do Filho de Deus ao pedido de sua Mãe, nas Bodas de Caná, onde, para satisfazer Maria Sma., adianta a hora de sua manifestação, pelo milagre da mudança da água em vinho, fazendo o seu primeiro milagre e confirmando a fé de seus apóstolos! (Jo2,1-11).

Que culto mais evangélico do que aquele que presta a Maria Sma. aquela mulher do Evangelho, exclamando no auge de seu entusiasmo pela palavra divina: bem-aventuradas os entranhas que te trouxeram e o seio que te amamentou! (Lc9,28).

Que culto mais evangélico do que aquele que inaugurou solenemente ao pé da cruz, quando a divina Vítima dá a Maria Sma. como mãe à humanidade inteira, na pessoa do apóstolo amado, daquele que melhor descreverá a divindade de Jesus Cristo e as ternuras de seu coração!

Eis o culto de Maria, fundado no Evangelho, e dimanando do Evangelho como de sua fonte divina, através dos séculos.

Eis o culto de Maria Sma. não escondido nas trevas, nem envolto no silêncio, mas divinamente proclamado em face do universo.

Os séculos ouvirão e compreenderão estes exemplos e estas lições evangélicas, e é para corresponder-lhes que os cristãos de todos os tempos vão prostrar-se aos pés de Maria, implorando-lhe seu auxílio e a sua intercessão.

Limitemo-nos a estas citações. Elas são todas diretas, literais, dirigindo-se diretamente à Mãe de Jesus.

Para estabelecer e provar o culto evangélico de Maria Sma. não é necessário recorrer às aplicações místicas, metafóricas, da Sagrada Escritura; é o bastante recolher as passagens que narram a sua união com Jesus, a sua ação e os louvores que lhe dirigem os evangelistas.

Só isto é uma verdadeira teologia Mariana... assim como é uma teologia evangélica.

Reflitam sobre isso os caros protestantes, e escutem o seu bom senso, o seu coração e o Evangelho, em vez de reproduzirem mentirosas objeções, inventadas pelo despeito e o ódio.

Reflitam e serão obrigados a confessar que, de fato, o culto de Maria Sma. não é uma invenção da Igreja Católica, mas bem uma instituição divina, expressa a cada passo nas páginas do Evangelho.

 

VI. Maria na primitiva Igreja

O articulista citado pretende ainda que nos primeiros séculos não se encontra culto algum a Maria.

Desculpe-me, caro protestante; tal asserção é completamente falsa, tão falsa como o foi a precedente, invocando o silêncio dos evangelistas sobre o mesmo culto.

Quero mostrar-lhe aqui o contrário.

A prova mais sólida são, sem dúvida, os monumentos arqueológicos e estes monumentos abundam e são de uma expressão irrefutável.

Nos dois primeiros séculos as perseguições ininterruptas dos imperadores romanos e do paganismo abalado pela nova doutrina obrigaram os cristãos a se refugiarem no seio das catacumbas.

Estas catacumbas eram imensos subterrâneos em que haviam Igrejas, salas de reuniões, cemitérios, etc...

Era ali no seio da terra, nas trevas da noite e dos subterrâneos, que se desenvolvia a vida e a atividade dos primeiros cristãos.

Era ali que levantavam os monumentos aos mortos, aos mártires, aos vencedores do século, das paixões e do demônio.

Era ali que perpetuavam na pedra e na tela, com o martelo, formão e pincel, a sua crença combatida mas triunfante.

E eis porque as catacumbas são monumentos imperecíveis e expressivos da fé dos primeiros séculos.

São livros, nos quais se pode ler o que, no tempo dos Apóstolos e de seus primeiros sucessores, se acreditava, venerava e implorava.

Abramos um instante este livro sublime e leiamos nele os sentimentos dos primeiros cristãos para com a Mãe de Jesus.

Eis o que escreve o Padre Marchi em seu Monumento da arte cristã em Roma. Trata-se da cripta de Maria do menino Jesus, na catacumba Santa Inês.

* * *

Acima do pequeno altar desta cripta, escreve ele, vê-se uma representação da Virgem em meio corpo; assentada, tendo sobre os joelhos o menino Jesus.

A Virgem estende os braços na atitude de oração.

O menino não faz este gesto, como para indicar a distância infinita entre a Mãe e o Filho.

Esta pintura pertence ao segundo século.

Vê-se que era costume unir a Virgem Sma. a seu divino Filho, representá-los e invocá-los juntos.

Na mesma catacumba encontravam-se diversas outras pinturas da Virgem, tendo sempre os braços estendidos em atitude de oração. É a mesma fisionomia, a mesma expressão virginal, faltando apenas o menino Jesus, o que lhes fez dar o nome de orantes.

Tais orantes são verdadeiras imagens de Maria Sma., pois diversas entre elas trazem escrito, em baixo, o nome: Mara, e outras Maria.

O que completa a asserção é que, em diversas partes, tal orante está ao lado de uma imagem de Nosso Senhor, fazendo o par simétrico.

Em baixo de uma delas está escrito: Maria Virgo, Minester de tempulo Cerosale.

Da comparação dos diversos quadros a ciência arqueológica concluiu que tais orantes, que são numerosas nas catacumbas, representam realmente a Mãe de Jesus, ficando como tantas testemunhas da extensão de seu culto entre os primeiros cristãos.

Eis o que escreve outro ilustre sabio (Carlos Lenormant) depois de ter visitado as catacumbas de santa Domitilia:

Visitando o primeiro salão da catacumba, encontrei ali uma pintura do Bom Pastor, que datava, com toda certeza, do fim do primeiro século.

Parecia o mesmo traçado e o mesmo colorido dos quadros encontrados no quarto sepulcral da pirâmide de Caius Ceslius, que tinha visitado pouco antes.

Ao lado do Bom Pastor havia outras figuras de Jesus Cristo e dos Apóstolos.

Todos eram da mesma época.

O Sr. de Rossi levou me a outro quarto, onde havia a Virgem Maria tendo o seu Filho sobre os joelhos, recebendo os presentes dos Reis Magos.

Ó doce e piedosa comparação! Rafael deve ter visto diversas pinturas das catacumbas e delas se aproveitado.

Seu Adão e Eva, da abóbada da sala della Signatura no Vaticano, encontra-se quase idêntico 'no cemitério de Domitila.

Por sua vez, a Virgem da mesma catacumba possui a graça casta e a forma esbelta de uma madona de Rafael.

A fé do católico exalta-se, reconhecendo com provas indubitáveis o culto da Mãe de Deus, estabelecido nas épocas mais remotas da primitiva Igreja.

Estas pinturas são veneráveis e garantias certas da antiguidade apostólica do culto da Virgem Sma.

Se tratássemos com incrédulos, podíamos citar ainda, como prova deste culto nos primeiros tempos, os Evangelhos apócrifos, compostos nos primeiros séculos, que dizem mais respeito a Maria Sma. do que ao Salvador.

Outra prova se encontra nas diversas liturgias que, por todos os entendidos, são reputadas de origem apostólica e que consagram parte de suas preces e glorificações ao culto da Mãe de Deus.

As testemunhas citadas e as catacumbas me parecem suficientes para um coração sincero, desejoso de conhecer a verdade. O culto da Mãe de Deus existiu durante a vida de Maria Sma entre os Apóstolos; e por eles foi tranmitido aos seus sucessores e às igrejas por eles fundadas, ao ponto que em toda parte, onde penetrou culto divino do Salvador, penetrou com ele e ao lado dele o culto terno e suave da Mãe de Jesus,

 

VII. Santos dos primeiros séculos

O articulista termina o seu ataque com citações de santos dos primeiros tempos, que absolutamente nada dizem a respeito ou contradizem o que ele pretende fazê-los dizer.

Diz, por exemplo, que nem Justino mártir, nem Irineu, nem Tertuliano, nem Cipriano, etc. nada disseram a respeito do culto da Mãe de Jesus.

É absolutamente falsa esta asserção. Os santos padres citados falaram como nós falamos hoje, como vou prová-lo; mas se eles não tivessem dito nada a respeito, provaria isso que o tal culto não existia?

Escreve-se sobretudo sobre assuntos discutidos e não admitidos por todos.

O articulista, por exemplo, nada escreve sobre o sol, a lua e os planetas, limitando-se a atacar o ulto de Maria Santíssima, Provaria isso que o sol e lua não existem?

Nem todos os Santos escreveram sobre o culto da Mãe de Jesus, pela razão simples, de muitos o serem escritores, ou não terem ocasião de escrever sobre tal assunto, porque estando fora de toda discussão, não precisava de defesa, nem e refutação de erros contrários.

Para provar o erro do articulista, sem prolongar muito a discussão, vou citar aqui apenas umas passagens dos santos da primitiva Igreja.

que paciente e conscienciosamente recolhi das obras deles.

Escute bem o amigo, e examine, para ver ai entre a linguagem dos santos dos primeiros séculos e dos tempos modernos há qualquer discrepância de doutrina ou de pensamentos!

Após os primeiros cristãos, a tradição é constante.

Desde o primeiro século, São Dionísio, o Areopagita, declara que teria tomado Maria como uma divindade, se a fé não lhe tivesse ensinado que a onipotência só podia formar uma imagem tão perfeita de sua divindade.

São Dionísio, mártir, escreve: Maria mostra-se cada vez mais amante para com aqueles que a amam.

No segundo século S. Irineu proclama Maria Sma. a nossa Medianeira, e diz: os laços pelos quais Eva se deixou acorrentar pela sua credulidade, Maria quebrou-os pela sua fé.

Tertuliano — Eva acreditou no demônio, transformado em serpente, Maria acreditou na palavra do anjo Gabriel; a falta que a primeira cometeu pela sua credulidade, a segunda apagou pela sua fé.

 

Orígenes consagra-lhe as páginas, mais eloquentes de seu talento, proclamando-a “nossa advogada" e a Imaculada Maria, Mãe imaculada, diz ele, daquele que é santo e sem mancha.

E ainda: pode-se dizer a Maria do um perfeito cristão: Eis o vosso filho!

No terceiro século, São Cipriano a exalta como digna e gloriosa Mãe de Deus, merecedora das homenagens de todas as criaturas.

Maria, diz ele, como os outros, participava da natureza humana, mas não do pecado original.

No quarto século, São Basílio, em sua liturgia, ordena que o diácono, precedendo o Bispo, diga ao povo em alta voz: Lembremo-nos da Santíssima o Imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa Soberana Senhora!

Maria, após Deus, escreve ele, é nossa única esperança.

E ainda: Maria tanto sobrepuja todas as outras criaturas, como o sol sobrepuja os outros astros; e mais além: Deus abriu-nos em Maria uma a casa de saúde pública.

E ainda: Em tudo segui e invocação de Maria, pois Deus quer que ela nos socorra em tudo.

Ao lado de São Basílio aparece uma legião de apóstolos da Virgem Sma., cuja palavra e cuja pena espalharam em toda parte o amor da Mãe de Jesus. São os Santos: Cirilo, Efrem, Epifânio, Atanásio, Gregório de Nazianzo, Ambrósio, Crisóstomo, Agostinho etc... etc.

Daí em diante nem se pode mais enumerar Apóstolos de Maria... são: uma legião, e com uma eloquência cada vez mais sublime, todos eles exaltam a gloriosa Mãe de Jesus.

Não podendo haver discussão sobre os séculos seguintes, limito-me a citar uns curtos trechos dos Santos Padres do quarto século; os outros podem ser encontrados em meu livro: “Porque amo a Maria”.

SÃO CIRILO foi a alma do Concílio de Éfeso, onde exaltou admiravelmente a Mãe de Deus.

Eis o que ele disse nesta ocasião perante a grande assembleia dos Bispos reunidos em Éfeso.

Devemos comportar-nos de tal modo, que mereçamos a graça de bem morrer. É preciso sobretudo saber o que é necessário para ter uma firme esperança de entrar no céu.

Sabeis todos que é fácil àqueles que a rainha favorece com sua proteção, ter entrada na corte e alcançar o que se deseja.

E nós alcançaremos tudo o que desejarmos, tendo a Sma. Virgem por auxiliadora, medianeira e protetora perto do rei; pois sabemos que ela suplicará por nós..

Ó vós que reinais com os bem-aventurados na morada resplandecente de luz e de toda especie de beleza, atendei-nos!

Alcançai misericórdia para aqueles que vos conjuram, e abri-lhes as portas do céu!

Et nos retique quodcumque volumus obtinemus, sanctissimam Deiparam habentes auriliatricem, mediatricem et patronam apud Regem (Or. in V. dom.)

SANTO EPHREM diz:— Maria é a gloriosa medianeira entre Deus e os homens.

O Senhor não deixará por muito tempo suplicar-lhe por nós aquela que, em qualidade de terna Mãe, enxugou-lhe as lágrimas no berço.

Maria é o vaso admirável escolhido por Deus.

Maria é a porta do céu, é é a escada oferecida a todos para subir até lá,

Maria é a chave do céu e do reino de Jesus Cristo.

Maria é o remédio das almas e uma luz resplandecente que ilumina o mundo.

 

SANTO EPIFÂNIO diz por sua vez: Maria é como uma mesa divina fornecendo ao mundo a vida divina.

Maria é o livro misterioso que deu a lei ao mundo, o Verbo divino.

Maria é no Cristo e com o Cristo.

Bem-aventurada Maria, quando Jesus menino brincava em redor desta terna Mãe!

Maria é o templo e o trono da divindade.

Maria procura com toda solicitude a salvação dos homens.

 

SANTO ATANÁSIO exclama:— Proclamemos, sem cessar, bem-aventurada a Virgem Maria, sob todos os aspectos.

Maria é esta escada que Jacó viu elevar-se até o céu.

Maria, nova Eva, é a mãe da vida.

Maria, no céu, fica ao lado de seu Filho, como Rainha e como Soberana.

 

SÃO GREGÓRIO diz que Maria é o firme apoio dos que creem e a vitória das almas piedosas.

Maria é a mais doce e a mais clemente de todas as mães.

 

SANTO AMBRÓSIO tem páginas sublimes sobre o culto de Maria:— Maria, diz ele, é o espelho e o modelo de toda justiça.

Como a pureza e a glória, não há virtude que não resplandeça nela.

Maria foi tal, para que a sua vida servisse de regra para todos nós.

Maria foi esta virgem milagrosa, ao mesmo tempo isenta do nó do pecado original e da casca do pecado venial.

Maria é o porta estandarte das Virgens, é a Senhora da Virgindade.

S. CRISÓSTOMO diz:— É uma coisa digna e justa exaltar Maria, proclamando-a sempre Santíssima e sem mancha.

Maria é uma âncora e um porto seguro, para aqueles que são batidos pelas tempestades.

SANTO AGOSTINHO é inesgotável em falar da Virgem Santíssima:— Que direi em vosso louvor, ó bem-aventurada Virgem, eu dotado de um Espírito tão medíocre, pois tudo o que poderei dizer de vós, ficará infinitamente abaixo de vossa excelência e de vosso mérito.

Não podemos exaltar bastante a Maria!

Imploremos todos a proteção de Maria sobre a terra, para que se digne, no céu, recomendar-nos a seu Filho, por uma prece assídua.

Maria apressa-se em socorrer os humildes.

Maria é a escada celeste, pela qual Deus baixou até nós.

Maria foi tão Santa, que o Espírito Santo se dignou descer sobre ela.

Maria é a reparadora do gênero humano.

Maria é a reparadora da vida e porta do paraíso.

Ela é a mãe dos vivos... feridos por Eva, temos sido curados por Maria.

Deus deu o nome de mar ao conjunto das águas e o de Maria ao conjunto das graças.

Ó Maria, vós sois cheia da graça que encontrastes diante do Senhor, e merecestes espalhá-la sobre o universo inteiro.

Ai de nós, pobres criaturas, que podemos nós dizer que seja digno dela, mesmo se todos os membros de nosso corpo se transformassem em línguas, pois ela é mais elevada que o céu e desce mais baixo que o funde dos abismos? (Orat. 35 de Sanctia)

Eis apenas umas curtas citações entre milhares de outras.

Oh! diga-me, caro protestante, comparando estes acentos de amor e de confiança para com a Mãe de Jesus com as invocações que hoje a Igreja lhe dirige ainda, qual é a diferença que o amigo encontra.

Nenhuma!

As aclamações dos fiéis de hoje são apenas a repetição das aclamações dos santos dos primeiros séculos.

A fé não muda.

A confiança não muda.

O culto não muda.

Eis porque Maria Sma. é hoje na Igreja Católica o que ela sempre foi e o que sempre será: a poderosa e carinhosa protetora, medianeira, a porta do céu, a escada celeste de Jacó.

 

VIII Conclusão

Parece-me ter provado clara e solidamente a tese oposta ao articulista protestante, mostrando que os católicos não adoram a Sma. Virgem, prestando-lhe um culto que convém única e exclusivamente a Deus, mas honram, louvam e invocam-na, por ser ela Mãe de Jesus Cristo, ou Mãe de Deus, e como tal estando numa hierarquia à parte, acima de todos os santos e abaixo de Deus.

Mostrei depois que o culto de veneração é um culto essencialmente evangélico, tendo na Sarada Escritura, não simplesmente a sua base, mas a sua manifestação, a sua irradiação nas almas e no mundo.

Tudo isso é claro e insofismável.

Sendo um culto evangélico, sempre deve ter sido praticado na Igreja.

E de fato o foi...

Desde o primeiro século até os nossos dias o culto de Maria Sma. foi sempre o mesmo, não em intensidade e extensão, mas em substância e até no modo de manifestá-lo.

Através dos séculos podia-se seguir, passo por passo, uma plêiade de santos que escreveram ou pregaram, ensinando a mesma doutrina.

Onde Jesus Cristo reina, ali reina a Sma. Virgem... e onde Jesus Cristo é renegado, ali também é rejeitada a sua divina Mãe.

O culto de Jesus e de Maria são inseparáveis, como são inseparáveis o filhinho e a mãe.

Os seus cultos, essencialmente distintos, desenvolvem-se um ao lado do outro... e quando as almas sobem a Deus pela adoração, são como que carregadas pelo amor da Mãe de Jesus.

Nas passagens dos santos da primitiva Igreja pode-se ver claramente que as suas expressões são nossas expressões, e que a sua doutrina é absolutamente a mesma que a Igreja ainda professa.

já no 3º e 4º século, os santos Padres aclamam-na como Imaculada, Advogada, Medianeira, Intercessora, Porta do Céu, etc etc... títulos que até hoje a Igreja aplica à Virgem Santa e que tanto exaspera os pobres e infelizes protestantes.

E porque acham eles tais títulos novidades, invenções, quando logo em seguida dos apóstolos tais títulos são dados à Maria Sma. pelos primeiros cristãos pregadores e pelos primeiros escritores.

E donde tinham eles recebido estes títulos?

Naturalmente, dos próprios Apóstolos.

É o culto de Maria Sma. como que remontando em linha reta e luminosa até aos Apóstolos..., estando a sua primeira proclamação e manifestação no próprio Evangelho.

Caros protestantes, deixai falar um pouco o vosso coração e o vosso bom senso, e em vez de escutar o ódio que vos legaram, como tétrica herança, os vossos reformadores, lede o Evangelho, escutai a vossa consciência, e vereis que a verdade, a única verdade, está no ensino do Catolicismo,

Sede filhos de Maria Sma. como o quer o Salvador; respeitai e amai aquela a quem Jesus Cristo tanto amou, e que Ele nos deixou, no alto do Calvário, para ser a nossa Mãe.

O ódio nunca foi virtude.

O ódio para com uma mãe é um crime.

O ódio para com a Mãe de Jesus é uma heresia, é uma blasfêmia.

Oh doce e carinhosa Mãe, vós que sois o farol que nos indica o caminho de Jesus, iluminai os pobres protestantes, mostrai que sois Mãe deles, e fazei brilhar diante de seus olhos a luz da bondade e do amor que tão barbaramente lhes esconde o erro protestante, e que tão horrivelmente deforma o preconceito sectário.

 

CAPITULO II

A Imaculada Conceição

SEGUNDO A TEOLOGIA

Não querendo admitir o culto de Maria Sma., os protestantes rejeitam naturalmente cada uma das prerrogativas de que Deus adornou a alma da Mãe de Jesus.

Admitir qualquer prerrogativa, qualquer dom especial, seria distingui-la das demais criaturas, e exaltá-la acima das outras dignidades; e isso não podem aceitar, pois toda exaltação em uma criatura supõe um direito, e todo direito exige um dever em outra criatura.

Direito e dever são correlativos e um não existe sem o outro.

Não querendo aceitar nenhum dever para com a Mãe de Jesus, os protestantes não admitem nenhum direito da parte dela.

A conclusão é lógica, embora o princípio seja de uma falsidade tangível.

A Igreja Católica, baseada sobre a Bíblia, sobre a razão e sobre a tradição apostólica transmitida através dos séculos, como crença universal, declarou que a Mãe de Jesus foi concebida isenta do pecado original, preservada da mancha deste pecado pelos méritos antecipados do Salvador.

Tal verdade, gloriosa para a Mãe de Jesus e base de suas grandezas, não pode agradar aos amigos protestantes, aos quais repugna sumamente o culto de Maria Sma.

Examinemos as razões contrarias citadas por eles, assim como as provas em favor, aduzidas pela Igreja Católica.

 

I. As objeções protestantes

Quais são as grandes objeções dos protestantes contra a Imaculada Conceição de Maria Sma.

A primeira (negativa) é: "a Imaculada Conceição não figura na Bíblia."

A segunda (positiva) é de S. Paulo que disse: todos os homens pecaram num só (Rm5.12).

Examinemos o valor destas duas objeções.

Diz o articulista que tal dogma não figura na Bíblia.

Mostrarei mais adiante como é falsa e que ele ali figura em diversos lugares. não pelo nome, mas pela verdade. Pouco importa que ali não se encontre o nome. O nome de uma coisa é feito para manifestar a existência desta coisa; e antes de ter um nome, a coisa já deve existir.

O nome pouco importa e pode ser mudado.

A palavra syphilis é de recente adoção, e hoje os médicos vêem syphilis em toda parte, embora não haja mais do que em tempos passados.

É o que outrora se chamava "impureza de sangue". Na Bíblia não figuram as moléstias: oftalmia, clorose, lumbago, meningite, coriza, epistaxis, etc., etc. embora as moléstias existissem neste tempo como hoje; a diferença é que outrora chamavam-se tais moléstias: dor de olhos fraqueza, dor dos rins, febre cerebral, resfriamento, sangria de nariz, etc.

Apoiando-se sobre tal principio os protestantes pronunciam a sua própria sentença de morte, pois nem o nome de sua seita figura na Bília.

Onde encontrar, por exemplo, Luteranos, Calvinistas, Anglicanos, Metodistas, Anabatistas, batistas, Huguenotes, hussistas, quakers, adventistas etc? parando aqui para não repassar as 880 seitas protestantes (em 1936!), com pretensão de cada uma ser representante da Bíblia e da verdade autêntica.

Tudo está na Bíblia, dizem, e nem eles ali figuram.

A conclusão é que eles mesmos são obrigados a confessar que há coisas reais que não figuram na Bíblia.

Não admitindo isso, são obrigados a admitir que eles mesmo não são uma coisa real, mas simplesmente imaginaria.

Quem sabe se não teriam razão?

Em todo caso o argumento negativo perde todo o seu valor e nada prova.

Quanto ao argumento positivo, vejamos de perto.

S. Paulo diz que todos os homens pecaram num só (Rm5. 12).

Estamos de pleno acordo: É o pecado original.

Note bem o amigo protestante que é um pecado de transmissão. É um só quem pecou: Adão; e este pecado transmitiu-se a todos.

Mas, pecar e receber a transmissão do pecado são duas coisas distintas.

Maria Sma. pecou em Adão.

Mas o pecado de Adão, que devia ser-lhe transmitido, segundo a lei, não o foi, por preservação divina.

Maria Sma. é do sangue de Adão e Eva: Como tal pecou em Adão, mas como tal pecado em Adão, é transmitido pelo sangue, é perfeitamente possível a Deus impedir esta transmissão.

Tal preservação é feita em virtude da antecipação dos merecimentos do Salvador.

Deste modo, Maria é a primeira resgatada e e mais sublime troféu de vitória do Redentor.

É o milagre que Deus fez.

O sangue pecaminoso de Adão e Eva devia chegar até Maria Sma., mas antes de participar de seu ser, neste momento quase imperceptível, em que a alma criada por Deus devia unir-se ao sangue formado pelos progenitores, para formar a pessoa de Maria Sma., Deus retirou o pecado e a Virgem nasceu do sangue regenerado, purificado de Adão e Eva, sendo ela, Maria, preservada de todo contacto do pecado.

Tal é o privilégio da Imaculada Conceição.

Bem vê o meu caro protestante que a leí geral, traçada por S. Paulo, não foi violada de modo nenhum, mas basta saber interpretal-a.

Podemos, pois, repetir com o Apostolo.

Todos pecaram em Adão.

Mas: todos não receberam o sangue pecaminoso de Adão.

Jesus Cristo não podia recebê-lo, por ser Deus.

Maria Sma. não podia recebê-lo, por ser Mãe de Deus.

O Cristo foi isento do pecado original por natureza.

Maria Sma. o foi por preservação, São João Batista o foi por purificação.

Eis como cabe o argumento positivo contra a imaculada Conceição.

Destes dois argumentos, nenhum pode sustentar-se, sem cair na mais flagrante contradição.

Logo, os dois argumentos protestantes, contra a Imaculada Conceição, são de nenhum valor, e nada provam contra a doutrina ensinada pela Igreja Católica.

 

II. O que é o pecado original

Para a nítida compreensão da Imaculada Conceição, é preciso ter uma noção exata do pecado original.

Tendo uma noção errada do mal, errada deve ser também a noção da reparação como a da preservação deste mal.

É a infelicidade de nossos contraditores protestantes, que se apegam ao texto da Bíblia, limitando-se às palavras, sem penetrar no amago das verdades que as palavras significam.

O pecado original é o pecado cometido por dão e Eva, desobedecendo a Deus.

Este pecado, em Adão, era atual, e o afastou Deus como fim sobrenatural.

Em nós, é um pecado de raça. O gênero humano forma um corpo único, cuja cabeça natural é moral é Adão, de modo que a cabeça pecando, todos os membros participam deste pecado.

Quando Deus criou nossos primeiros pais, estabeleceu-os no estado de inocência, de justiça original e de santidade, outorgando-lhes dons de três qualidades: naturais, sobrenaturais e preternaturais.

Os dons naturais são as propriedades do corpo e da alma, exigidas por sua natureza de homem, para alcançar o seu fim natural.

Os dons sobrenaturais são: graça santificante que fez deles filhos adotivos de Deus e a predestinação à visão beatifica.

Os dons preternaturais consistem na imunidade do sofrimento, da morte, da concupiscência e da ignorância.

Assim cumulados de toda sorte de benefícios, sem direito algum a tais bens, Adão e Eva desobedeceram a Deus, cometeram um pecado mortal, comendo do fruto da arvore do bem e do mal. (Gn2,17)

O pecado, como diz São Paulo, entrou no mundo por um homem só. (Rm5,12)

As consequências deste pecado foram desastrosas.

Logo, Adão e Eva perderam todos os dons que excediam as exigências da natureza humana.

Como vimos acima, tinham eles recebido três espécies de dons: perderam logo os dons sobrenaturais e preternaturais, conservando apenas, e ainda muito enfraquecidos, os dons naturais, próprios de sua condição de criaturas racionais.

Privado dos dons gratuitos, diz S Beda, o venerável, Adão, pecador, foi vulnerado na sua própria natureza.

Gratuitis spoliatus, vulneratus in naturalibus.

Como disse supra, o pecado de Adão foi um pecado pessoal nele, mas também um pecado de raça, ou de natureza, enquanto ele era a cabeça da humanidade, de modo que, todos aqueles que partilham esta natureza, ou pertencem à raça humana, deviam partilhar deste pecado, causando na humanidade inteira: A perda dos dons sobrenaturais e preternaturais e o enfraquecimento dos dons naturais.

Os dons sobrenaturais foram recuperados pela Encarnação e Redenção do Salvador, que exigem a nossa cooperação; mas ficamos privados dos dons preternaturais, que constituem o efeito permanente da queda de nossos primeiros pais.

O homem fica sujeito ao sofrimento, à morte, à concupiscência e à ignorância.

Contra o sofrimento e a morte não há outro remédio, senão a conformidade à vontade divina; contra a concupiscência e a ignorância há a luta para dominá-las e libertar-se de seu jugo.

Quanto aos dons naturais, não foram retirados em sua constituição intrínseca, mas em seu exercício, em seu uso, porque as paixões desnorteiam o juízo e enfraquecem a vontade.

Tal é o pecado original em sua fonte e em suas consequências; compreendidas estas verdades, ser-nos-à fácil compreender as exceções a esta lei geral.

 

III. A conceição de Maria Sma.

O erro fundamental dos protestantes é a ideia que nós atribuímos a Maria Sma. uma conceição divina, como não tendo ela nascido como as demais criaturas.

É um erro, atribuindo à doutrina Católica o que ela não ensina. A Igreja não ensina isso.

A conceição de Maria Sma. é humana, completamente humana, e não tem nada de divino. Ela foi concebida pelas vias ordinárias da natureza; só a conceição de Jesus Cristo é divina, operada pela virtude do Espírito Santo, sem a participação do homem.

Maria Sma. teve pai e mãe: São Joaquim e Sant'Anna. Nada houve de extraordinário, nem de milagroso no ato de sua conceição, nem em seu nascimento: Ela é filha da raça humana... participando do sangue desta raça, e como tal, apesar de não ter o pecado original. como explicarei em seguida, ela pecou em Adão, conforme a lei geral já citada de S. Paulo: Todos os homens pecaram num só (Rm5,12)

Até aqui tudo é natural, aqui se apresenta o sobrenatural: o milagre.

Se a conceição de Maria Sma. não é divina, ela é entretanto milagrosa nofato.

É o próprio Evangelho que atesta o milagre.

Como prova do milagre que ia operar-se em Maria Sma., o Arcanjo cita um milagre já operado em Santa Isabel:

Eis que também Isabel, tua parente, concebeu um filho na sua velhice. (Lc1,36)

E não somente concebeu em sua velhice, o que já é um milagre, mas concebeu, sendo estéril, o que constitui um segundo milagre: "Não tinham filhos, porque Isabel era estéril e ambos se achavam em idade avançada." (Lc1,7)

Sant'Anna concebeu, apesar de sua esterilidade e de sua velhice, e depois de ter concebido a mais santa das crianças, recaiu em sua esterilidade.

A conceição de Maria é pois milagrosa, no fato, mas não é divina.

Se fosse divina, Maria Sma. não precisaria de redenção; sendo humana, embora milagrosa, ela precisava ser resgatada, como qualquer outro descendente de Adão.

A redenção supõe uma queda, pelo menos em Adão.

Para ser resgatado, é preciso ser, de qualquer modo, escravo do pecado.

Maria Sma. não foi escrava do pecado, como pessoa, mas o foi como pertencente à raça humana.

Jesus Cristo é Salvador do gênero humano inteiro, conforme a doutrina tão acentuada por Paulo; e nada autoriza uma exceção, nem em favor da Mãe de Jesus.

Uma tal exceção seria inútil à sua glória; pois não somente a Virgem Mãe não fica diminuída nem humilhada, por ser devedora de sua glória aos méritos do Salvador, mas mais exaltada, como fica mais exaltado o próprio Redentor, em contar a sua própria Mãe como primeiro troféu da sua morte.

Para provar esta redenção, Suarez usa do seguinte argumento:

S. Paulo diz que: se um só morreu para todos é porque todos estavam mortos. (2Co5,14)

Ora, Jesus Cristo morreu também para Maria, logo, ela estava morta em Adão.

Entende-se por: morta em Adão, o fato de Maria, em virtude de sua conceição, estar sujeita pecado original, por direito, que teria contraído sem uma intervenção divina, porém não foi sujeito ao pecado, de fato porque uma graça singular do Redentor a preservou, afastando dela a dura necessidade da mancha original.

 

IV. A preservação de Maria

A redenção é dupla: libertadora e preservativa.

A redenção libertadora repara as ruínas feitas pelo pecado, restituindo ao homem o que lhe tirou o pecado, fazendo-o passar de estado de pecado ao estado de graça.

É a redenção comum a todos os homens.

A redenção preservativa consiste, não em reparar as ruínas, mas em impedir tais ruínas. Ela não levanta a natureza decaída, mas a impede de cair. Ela não purificou a Mãe de Jesus, mas a impediu que contraísse a mancha original.

Em síntese, devemos dizer que: Jesus Cristo, morrendo na cruz e salvando o gênero humano, salvou, pois, também a Virgem Santíssima, como fazendo parte da humanidade.

A qualidade de Redentor convém pois perfeitamente a Jesus Cristo, a respeito de sua própria Mãe.

É deste modo que Maria participou dos méritos de seu divino Filho, não como nós, mas de um modo que lhe é todo peculiar, preservando-a de uma mancha que devia contrair e não contraiu.

São Francisco de Sales exprime esta verdade de um modo tão singelo, quão gracioso! "A torrente da iniquidade original (1) veio lançar as suas ondas impuras sobre a conceição da Virgem Sagrada, com a mesma impetuosidade que sobre a conceição dos outros filhos de Adão; mas chegando ali, elas não passaram além, mas pararam, como outrora o Jordão no tempo de Josué.

(1) Tratado do amor de Deus.

A torrente parou as suas águas, por respeito à arca da aliança, e o pecado original retirou as suas ondas, por respeito ao Tabernáculo da verdadeira aliança, que é a Virgem Maria".

Não posso deixar de citar uma passagem do ilustre Bossuet que tão admiravelmente fala dos grandes mistérios, e sobretudo da Imaculada Conceição.

Esta conceição, diz ele, tem isso de comum com todos os fiéis, que Jesus lhe dá o seu sangue; mas ela tem isso de particular, que primeiramente recebeu de Maria este sangue.

Ela tem isso de comum conosco, que esse sangue cai sobre ela, para santificá-la; mas em isso de particular, que Maria é a sua fonte.

De tal modo que podemos dizer que a conceição de Maria é como a primeira origem do sangue de Jesus.

É daí que esta bela torrente começa a espalhar estas ondas de graças que circulam em nossas veias pelos sacramentos, e que levam o Espírito de vida a todo o corpo da Igreja.

Não procurai pois o nome de Maria na sentença de morte, que foi pronunciada contra todos os homens.

Não está mais ali! Foi apagada!

E como ?

Por este sangue que tendo sido haurido em seu casto seio, deve empregar em seu favor tudo o que contém de força, contra esta lei funesta que nos mata desde a origem. (1)

(1) Bossuet: 2 Bermon pour la Conception—1 point.

 

V. A transmissão do pecado

diante desta doutrina Católica, certa e clara, as objeções protestantes se dissipam, como as trevas diante do sol matinal.

O seu grande argumento é querer opôr ao dogma da Imaculada Conceição o texto de São Paulo: todos os homens pecaram num só.

Tal lei é certa, e como acabo de prová-lo, não acha a mínima contradição no fato da Imaculada Conceição.

Os amigos protestantes devem compreender a diferença essencial entre pecar em Adão e pecar pessoalmente, como entre pertencer a uma raça pecadora e ser pecador.

E basta esta distinção para compreendermos a possibilidade da Conceição Imaculada.

Resta-nos a elucidar ainda um ponto que vai mostrar o como a Virgem Sma. foi preservada deste pecado.

Como é que nós contraímos o pecado original?

Tal transmissão não se pode fazer pela Criação da alma, senão Deus seria o autor do pecado, o que é impossível.

Não se transmite tão pouco pelos pais, pois a alma dos filhos não tira a origem da alma dos pais, mas é criada por Deus.

Ela se faz pela geração.

A alma é criada por Deus na inocência perfeita, mas contrai a mácula, unindo-se a um corpo formado de um gérmen corrompido, do mesmo modo que a alma sofreria, se fosse unida a um corpo ferido.

É a opinião de Santo Tomás.

Santo Agostinho diz a propósito: "Os filhos, nascidos de pais batizados, nascem entretanto com o pecado original, como do trigo imunizado nasce uma espiga, na qual o grão é misturado com a palha."

Para compreender bem esta doutrina, é preciso distinguir, como o fazem São Boaventura e o Papa Bento XV, uma dupla conceição:

A ativa, que não é outra coisa senão a procriação do corpo.

A passiva, que se realiza quando Deus une uma alma ao corpo que acaba de ser gerado.

A conceição ativa de Maria em nada difere da conceição das outras crianças, pois ela foi gerada por S. Joaquim e Sant'Anna, segundo as leis da natureza.

A conceição passiva, ao contrário, é completamente diferente.

A nossa alma, no momento de unir-se ao corpo que ela deve vivificar, desde que entra em contato com este corpo, para formar uma pessoa humana, é contaminada pelo pecado original.

O pecado não reside na alma, nem no corpo, mas sim na união substancial da alma e do corpo, para constituir o homem.

É o homem que é contaminado pelo pecado — o homem como tal, de modo que, na morte, a alma separando-se do corpo, readquiriria por assim dizer os privilégios de inocência e justiça original, se apesar de separada, não conservasse a aptidão e a disposição de um dia ser reunida de novo a este corpo, de modo que, mesmo separada do corpo, a alma fica sempre alma humana

Foi neste momento quase imperceptível que Deus preservou a pessoa de Maria Sma. do pecado original.

Criou a sua alma, como cria as nossas almas.

Os pais de Maria Sma. formaram-lhe o corpo, como os nossos pais formaram o nosso. Até qui tudo é natural; o milagre da preservação limita-se ao instante em que ele uniu a alma ao corpo.

Desta união devia resultar a transmissão do pecado. Deus fez parar o curso desta transmissão; de modo que a união se fez, como se tinha feito na pessoa de Adão, quando Deus, depois de ter feito o seu corpo soprou nele o Espírito, formando um homem na perfeição da inocência e a justiça original.

Maria é uma segunda Eva... mas Eva antes de sua queda.

Tal é a sublime doutrina da Igreja.

 

VI. A exceção à esta lei

E Será possível objetar que Deus não pode derrogar às leis gerais, constituídas por Ele mesmo?

Seria negar a onipotência divina, fixar limites Àquele que não tem limites.

É uma lei geral que todos pecaram num só, Tal lei, de fato, é universal, e não comporta nenhuma exceção entre as criaturas.

É outra lei geral, que o pecado transmite- se a todos os filhos de Adão.

Esta segunda lei, entretanto, é menos rigorosa que a primeira, pela simples razão que o primeiro fato é antecedente, enquanto o segundo é consequente.

E o pecado original foi cometido no princípio do mundo, na origem da raça humana; enquanto a transmissão não foi feita, mas apenas decretada, no principio; e efetua-se na ocasião da união da alma com o corpo.

Nada impede pois que, antes de efetuar-se esta união Deus intervenha e suspenda um dos efeitos desta união, que é precisamente o pecado original.

A Bíblia está repleta destas derogações.

O movimento do sol e da lua está matematicamente fixado pela lei da natureza; entretanto Josué não hesitou em fazê-lo parar: Sol detém-te em Gibeon, e tu, lua, no vale de Hadjalon. E o sol deteve-se e a lua parou (Jos10, 13).

É uma lei que as águas seguem a correnteza do seu curso; entretanto Moisés estendeu a sua mão... e o mar tornou-se em seco, e as águas foram divididas... como muro à sua direita e à sua esquerda (Ex14,21-22).

É uma lei que um morto fica morto até à ressurreição geral, entretanto o próprio Cristo-Deus, diante do cadáver de Lázaro já em putrefação, exclamou: Lázaro, saí... E imediatamente aquele que estava morto saiu vivo (Jo11,41.43).

Que prova isso, meu caro protestante? Isso prova que: Nada é impossível a Deus (Lc18,27).

Todos os homens pecaram em Adão e Eva, e nascem com o pecado original: É a lei geral.

Deus pode derrogar esta lei, como pode derrogar muitas outras, quando Ele o julgar necessário ou conveniente.

* * *

Ora, era absolutamente necessário que Ele derrogasse esta lei em favor do seu próprio Filho. O Deus de toda pureza não podia entrar em contato com o pecado. Estes dois termos se excluem mutuamente. Se Jesus se contaminasse pelo pecado, não seria mais a pureza infinita... e não o sendo mais, deixaria de ser Deus, porque em Deus tudo é infinito.

Escute bem, caro protestante...

Ora, o Cristo, infinitamente puro, não o seria mais, se ele tomasse um corpo formado por uma carne e um sangue maculados pelo pecado.

O filho recebe o seu corpo do corpo e do sangue de sua mãe — o filho é uma continuação dos seus pais.

O corpo de Jesus Cristo é um corpo formado pela carne e pelo sangue da Santíssima Virgem. Ele é o filho de Maria: Aquele que há de nascer de ti será chamado o filho de Deus, diz S. Lucas (1,35)

Sendo o corpo de Jesus formado do sangue de Maria, e devendo este corpo ser de uma pureza infinita — pois é o corpo de Deus — é absolutamente exigido que a carne e o sangue de Maria sejam de uma pureza absoluta, isto é, sem pecado original.

* * *

Havia duas maneiras de alcançar esta pureza: a purificação ou a isenção de pecado original.

Qual destes dois modos há de ser o mais conveniente?

A discussão é inútil.

Se Maria Sma. tivesse sido apenas purificada do pecado, ela teria sido escrava, pelos menos durante uns instantes, do demônio, e mais tarde o demônio teria podido lançar no rosto do Salvador este insulto: "Tua mãe! ela foi minha antes de ser tua! Eu a possuí maculada!"

Uma tal suposição é horrível!

Vá, Satanás, longe daqui!

Nunca... nunca... nem durante um instante... tu dominarás a mulher Bendita entre todas as mulheres! O Senhor estará com ela desde o principio, e onde está o Senhor, lá não pode estar Satanás.

Ela será cheia de graça... E se ela fosse dominada pelo mal, se ela o fosse apenas um instante, ela não estaria mais cheia de graça; faltaria qualquer coisa a esta plenitude... faltaria a graça inicial.

Eis porque a Mãe de Jesus não podia ser simplesmente purificada do pecado... devia ser preservada.

 

VII. Conclusão

É por não terem compreendido esta doutrina que os amigos protestantes fazem mil objeções contra este dogma, proclamando-o em contradição com a lei geral, impossível em sua realização.

Caros protestantes, estaes enganados!

Estudai melhor a doutrina Católica, e vereis como em tudo ela se harmoniza com a Bíblia, e acha nesta Bíblia o seu fundamento e sua proclamação.

Vejamos agora exatamente em que consiste o tal privilégio: será a conclusão deste capitulo.

O pecado original é essencialmente uma privação.

É a privação da graça primordial concedida à natureza humana na pessoa de Adão.

Uma comparação,embora imperfeita, nos fará compreender esta privação.

Na ordem intelectual e moral a diferença entre o homem decaído e o homem criado no estado de pura natureza é análoga à diferença que existe na ordem física entre um civilizado despido das roupas que costuma usar, e o selvagem que nunca usou roupagem.

A nossa alma é privada, na sua origem, da graça santificante que, nos decretos da Providência, ela devia ter na ocasião de sua criação.

Nos desígnios de Deus esta graça devia adornar todo homem entrando na vida e tornar a sua alma bela e agradável a Deus.

Assim não acontece mais.

Deus cria a alma pura e santa, à sua própria imagem, porém na ocasião de esta alma unir-se ao corpo, que acaba de ser formado pelos progenitores, a pessoa humana, que resulta desta união substancial, fica privada desta graça santificante que fazia em Adão a sua beleza e a sua glória.

Em vez dos tesouros magníficos que esta alma humana devia possuir, ela é pobre, nua, miserável, ao chegar à existência.

Esta nudez é para ela uma mancha, como é uma mancha para um edifício suntuoso a destruição do mármore, da prata, do ouro, de que era revestido, deixando aparecerem somente as pedras brutas e as muralhas.

Aplicando estas analogias à Virgem Santíssima, teremos a noção exata de sua Imaculada Conceição.

Dizendo que Maria é Imaculada, a Igreja quer dizer que ela não conheceu esta privação, mas que a sua alma conservou integra a inocência, a justiça de que Deus adornara Adão e Eva, no momento da Criação.

Maria é a Eva restaurada na sua antiga formosura, é a criatura ideal, perfeita, tal qual saiu das Mãos do Criador, sem que o pecado projetasse sobre ela a sua sombra.

E a preservação desta privação foi feita por uma aplicação antecipada dos méritos do Salvador,

Libertada da misteriosa solidariedade pela qual todos nós nascemos pecadores e filhos da perdição, Maria saiu das mãos do Criador, tão perfeita, e tão rica, tão pura e tão bela, que desde então estavam realizadas as palavras do Arcanjo no dia da Encarnação: Ave, gratia plena: Ave, ó Maria, cheia de graça!

Caros protestantes, refleti um instante sobre esta doutrina da Igreja!

Ela é divinamente bela e harmoniosa!

Ela é soberanamente digna de Deus!

Ela é gloriosamente honrosa para Maria!

Ela é humanamente suave para nós!

É uma doutrina racional, lógica, e se não houvesse na Sagrada Escritura prova nenhuma, texto algum que apoiasse a Conceição Imaculada de Maria, seria preciso ainda admiti-la, por ser a única doutrina que coaduna com a dignidade de Deus e de Maria Sma., como coaduna com o bom senso e a aspiração universal do mundo cristão.

Digo: se não houvesse provas na Bíblia; porém tais provas existem, claras e positivas, como quero mostrá-lo no capitulo seguinte.

 

 

CAPÍTULO III

À Imaculada Conceição

SEGUNDO A SAGRADA ESCRITURA

Às provas teológicas, conformes ao bom senso, ao raciocínio e à tradição do mundo cristão, é preciso juntar as provas bíblicas.

Os protestantes só acreditam na Bíblia.

Sem refutar o que há de irracional nesta asserção, pode-se dizer que, segundo o testemunho da própria Bíblia, todas as verdades não estão contidas na Bíblia.

É para refutar de antemão os futuros protestantes que São João termina o seu Evangelho com estas palavras: Muitas outras coisas há que fez Jesus, as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que nem o mundo todo poderia caber os livros que seria preciso escrever. (S. João 21,23)

É apenas uma hipérbole empregada pelo evangelista para mostrar que, além do que está escrito, Jesus fez e ensinou ainda muitas coisas.

E estas coisas não escritas foram recolhidas e transmitidas pelos Apóstolos aos seus sucessores, e mais tarde foram escritas pelos primeiros Doutores da Igreja, em caráter não-inspirado, por iniciativa particular.

É o que São Paulo chama a tradição.

Conservai as tradições que aprendestes ou por nossas palavras ou nossa carta (2Tl.2,14).

Tal tradição é unânime em afirmar a Imaculada Conceição, como mostrarei adiante, limitando-me aqui em procurar a sua base na Sagrada Escritura, que os amigos protestantes aceitarão mais facilmente que as provas teológicas.

 

XI. As provas Bíblicas

Uma verdade pode ser revelada na Bíblia de dois modos: explicitamente e implicitamente.

Uma verdade está explicitamente na Sagrada Escritura, quando, sem raciocínio, tal verdade apresenta claramente ao Espírito, por exemplo: Maria de quem nasceu Jesus: — é a revelação explícita da maternidade divina da Vigem Santa.

À primeira vista qualquer pessoa compreende que tal expressão significa que Maria é mãe de Deus.

Uma verdade pode ser revelada também implicitamente, quando ela está contida em outra verdade claramente revelada, podendo-se, pelo raciocínio, deduzi-la desta verdade.

Por exemplo: Maria é Mãe de Jesus.

Ora, uma Mãe é uma Medianeira nata perto do Filho.

Logo, Maria é Medianeira entre Jesus Cristo e os homens.

A mediação universal da Virgem Imaculada é pois uma verdade contida implicitamente no texto citado do Evangelho.

A Imaculada Conceição não é revelada explicitamente, mas o é implicitamente, como consequência de verdades explicitamente reveladas.

São estas verdades que devemos estudar aqui, depois completá-las pelo testemunho explícito da tradição dos primeiros séculos.

Procuremos uma prova sólida da Imaculada Conceição na própria obra da Encarnação.

A obra da Encarnação, no plano divino, inclui Maria e inclui a sua alma, a sua pessoa e por conseguinte a sua Conceição.

Maria Sma. é Mãe de Jesus Cristo; e é Mãe Virgem.

0 anjo Gabriel foi enviado... a uma Virgem (Lc1,26)

Eis que não conheço varão (Ibid.34).

O Espírito Santo descerá sobre ti (ib.35).

A virtude do altíssimo te cobrirá com a sua sombra.

A maternidade virginal de Maria é uma verdade explicitamente revelada.

Ora, a mesma razão que fez nascer Jesus de uma Mãe Virgem, deve fazê-lo nascer de uma Mãe Imaculada. A conceição Imaculada é pois uma verdade implicitamente revelada na revelação explícita de sua Maternidade Virginal.

Examinemos de perto este argumento.

Porque quiz Deus nascer de uma Mãe Virgem?

Para que a santidade que devia adornar a sua pessoa viesse de uma fonte igualmente pura, da parte do corpo como da parte da a.ma.

A alma de Jesus Cristo foi criada por Deus e inseparavelmente unida à divindade.

Era uma alma santíssima, obra prima de Deus infinito.

O corpo de Jesus Cristo foi-lhe fornecido do sangue de Maria, e este corpo foi inseparavelmente unido à divindade, como o foi a sua alma.

Este corpo devia pois ser santíssimo, na altura da alma santíssima, à qual devia ser unido substancialmente, para constituir a pessoa divina de Cristo.

O corpo devia ser digno da alma e ambos deviam ser dignos da divindade.

Este corpo devia, pois, ser formado de um sangue puríssimo, de um sangue imaculado em sua origem, como em seu estado atual.

Por isso, a virgindade de Maria foi como a condição de sua maternidade.

Vemos, pelo Evangelho, que Deus reservou-se esta virgindade, que Maria lhe tinha consagrado, até nos laços do matrimônio, como devendo ser a habitação do Santo dos Santos.

O anjo Gabriel foi enviado... a uma Virgem... desposada, não conhecendo varão ... E por isso mesmo o Santo, que deve nascer dela, será chamado Filho de Deus (Lc1,35).

Desde esta hora, Maria estava cheia de graça, era Bendita entre as mulheres... e o Senhor estava com ela (Lc1,28).

Esta virgindade, esta plenitude de graças, esta bênção eram a condição anterior e preparatória da Maternidade de Maria.

Ora, tal anterioridade devia necessariamente remontar até a sua conceição, para que, de uma Virgem sem pecado, nascesse sem pecado aquele que vinha apagar o pecado, como diz admiravelmente São Bernardo. (1)

(1) Voluit itaque esse Virginem de qua immaculatus procederet, omnium maculas purgaturus(S. Missus est, Hom. 2).

De fato, que motivo Deus teria tido em exigir em Maria esta santidade virginal antes da Conceição de Jesus Cristo, que não fosse bastante forte, para fazer remontá-la à própria conceição de Maria?

A santidade do Filho, sendo o motivo da santidade anterior de Maria, não podia contentar-se completamente, senão possuindo Maria inteira, desde a sua origem.

O que era Maria quando concebeu Jesus Cristo, ela o devia ser, desde o tempo em que ela mesma foi concebida.

A personalidade da Sma. Virgem fica identificada com a sua virgindade, com a sua pureza Imaculada.

Ela é revestida desta pureza como de um sol; e o prodígio, que lho foz conservar esta virgindade na conceição e no parto de seu Filho, nos garante a pureza de sua própria conceição.

Como se vê, a revelação explícita da maternidade divina da Virgem Santa inclui a revelação implícita de sua Imaculada Conceição.

É uma primeira prova Bíblica e que já seria suficiente para convencer a um homem sem preconceitos e desejoso de conhecer a verdade, em vez de querer defender as suas ideias errôneas.

Vamos adiante; encontraremos muitas outras passagens do mesmo valor comprobativo.

 

III. O Tabernáculo divino

Um texto de São Paulo projeta uma luz suave e forte sobre o argumento precedente.

O Apóstolo escreve: Cristo, vindo como Pontífice dos bens futuros, (passou) pelo meio de um Tabernáculo mais excelente e perfeito, não feito por mão dos homens, isto é, não desta criação. (Hb9,11)

Analisemos esta passagem e nela encontraremos, bela e resplandecente, a revelação implícita da Imaculada Conceição.

O Apóstolo compara aqui o Pontífice da lei antiga com o da lei nova mostrando que o primeiro entrava no Tabernáculo, no santo dos santos uma vez por ano, para oferecer o sangue dos holocaustos, enquanto Jesus Cristo, o Pontífice da nova lei, passa por um primeiro Tabernáculo, não feito pela mão dos homens, para apresentar-se no segundo, pela efusão de seu próprio sangue (per proprium sanguinem, intravit semel in sancto).

Tal é a oposição que o Apóstolo estabeleceu entre os dois Pontífices.

O Pontífice da lei antiga era homem como qualquer um; pecador como era, entrava no primeiro Tabernáculo, onde todos entravam (o santo) e só entravam uma vez por ano no segundo Tabernáculo (sancta sanctorum).

Pode-se deste modo traduzir a passagem de S. Paulo: Cristo passou pelo meio de um Tabernáculo mais excelente e perfeito, não feito pela mão dos homens e não sendo desta criação.

E este Tabernáculo, adornado do tais qualidades, só pode ser o o seio imaculado de Maria.

Este argumento refere-se diretamente à santa humanidade do Salvador e indiretamente à santidade original de Maria.

Se houvesse qualquer mancha na formação de Maria, haveria igualmente na formação de Jesus, pois o filho é formado pelo sangue da mãe.

Mas S. Paulo faz notar que este Tabernáculo, pelo qual passou o Cristo, não era feito pela mão homens; Jesus Cristo formou-o com sua própria mão. Deus formou a sua própria mãe.

Por este título, Maria é duplamente imaculada, como obra feita imediatamente por Deus, como sendo a sua mãe, da qual Ele mesmo devia receber a sua humanidade.

Aos protestantes quo consideram exagerado excessivo este privilégio da Imaculada Conceição pode-se responder que aquele que faz o maior deve fazer o menor, pois o todo inclui as partes.

Deus elevou-a, pela maternidade divina, a uma honra infinita, (1) muito acima dos anjos, enquanto que pela Imaculada Conceição elevou-a apenas acima dos homens pecadores.

(1) Beata Virgo ex hoc, quad est Mater Dei, habet quamdam infiniatem, ex bono infinito quod est Deus (Tom. 7p. q. 25 a 6).

Qual é, de fato, o anjo que pode dizer a Deus: Tu és o meu Filho?

E elevando, deste modo, Maria acima de todos os anjos, como Deus não a elevaria acima da natureza humana decaída?

Se o não fizesse, seria uma contradição nas obras de Deus. Ele faria o maior e recusaria o menor... ele elevaria uma criatura acima dos anjos e a lançaria ao mesmo tempo no meio da raça pecadora dos homens?

Seria como se um monarca poderoso elevasse ao trono e escolhesse como rainha uma pobre filha do povo, e a tomasse ao mesmo tempo como escrava, para servir à sua mesa.

Seria ridículo... indigno de um rei; quanto mais indigno seria de Deus!

Não, não... é impossível!

Se Deus pode preservar Maria do pecado original, e quis preservá-la... ele o fez!

Ora, negar que o pode fazer, seria tão absurdo quão blasfematório contra o seu poder.

Dizer que não o quis fazer, seria ferir a sua bondade e o seu amor filial.

Enfim, dizer que nem o pôde, nem o quis fazer, quando pôde e quis fazer infinitamente mais, fazendo-a sua mãe, seria excluir da noção de Deus toda sabedoria, toda razão, como toda bondade e todo poder.

A palavra de São Paulo é pois uma revelação implícita do grande dogma da Imaculada Conceição!

O próprio Jesus Cristo fez o seu Tabernáculo, e o fez, mais excelente e perfeito, não sendo desta criação, mas de uma criação à parte, única que é a de um Tabernáculo destinado ao próprio Filho de Deus.

Ora, um tal Tabernáculo, feito imediatamente pela mão de Deus e para Deus, devia ter toda a beleza, toda a pureza que o próprio Deus pôde outorgar a uma criatura.

E esta pureza perfeita, ideal, chama-se a Imaculada Conceição!

 

IV. O mais antigo dogma

Os amigos protestantes taxam de novidade o dogma da Imaculada Conceição.

É falta de reflexão.

É o mais antigo dos dogmas revelados ao mundo.

Ele é mais antigo que a Igreja; mais antigo que o Evangelho. Ele era com Jesus Cristo antes que Abraão existisse: É por ele que começam as Sagradas Escrituras.

A Imaculada Conceição de Maria é de novo implicitamente revelada neste oráculo de Deus que traz o capítulo III do Gênesis, e que Ele dirigiu ao demônio, depois da queda de nossos primeiros pais:

Inimicitias ponam inter te et mulierem, et semen tuum et semen illius: ipsa conteret caput tuum (Gn3,15).

A tradução literal é : Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua semente e a semente dela: ela te esmagará a cabeça.

Eu pergunto aos protestantes inteligentes: se é possível limitar este texto a Eva?

É impossível! Se o tal texto se limitasse a Eva, Deus deveria ter dito: Porei inimizades entre ti e Eva; ela te esmagará a cabeça.

Dizendo que é a mulher que deve esmagar a cabeça de Satanás, e ampliando esta palavra dizendo que é a sua semente, vê-se imediatamente que Eva é aqui apenas a representação de uma mulher.

E qual é esta mulher?

É a mesma a quem o Salvador chama sempre no Evangelho "Mulher" em vez de: minha mãe.

Mulher, eis aí o teu filho (Jo19,26)

Mulher, que nos importa a nós? (Jo2,4)

Tal é a mulher predita no Paraíso e realizando a profecia pela sua conceição Imaculada, esmagando a cabeça da serpente.

Esmagar a cabeça da serpente é escapar à sua dominação, é ficar isenta de sua mordedura e dominá-la pela santidade.

Ora, tudo isso é claramente o que constitui o privilégio da Imaculada Conceição.

Não se limitando tal profecia a Eva, os protestantes devem encontrar qualquer outra mulher que tenha esto privilégio, pois deve existir em qualquer criatura, senão seria uma profecia sem objeto, o que não se pode admitir.

E qual será esta mulher esmagando a cabeça da serpente? Será Raquel, Rebeca, Sara, Débora, Judite, Abigail a Sulamita, Ester, Noemi, Resfa, a mãe dos Macabeus, umas tantas figuras da Mão do Deus?

Ou ainda, no novo Testamento, será Marie Madalena, ou qualquer outra das santas mulheres?

Caros protestantes, reflitam um instante e compreenderão que a única mulher, cheia graça, Bendita entre todas as mulheres, é Maria, a Virgem Santa, a Mãe de Deus.

Sendo ela a escolhida, a mulher profetizada, pois ela que, sendo da semente da primeira mulher Eva, escapou à dominação do demônio, ficando isenta de sua mordedura, esmagando a cabeça da serpente, numa palavra; é Imaculada em sua Conceição.

Querendo ou não querendo, pelo texto da Bíblia como pelo bom senso, tem que chegar a Maria Sma. e reconhecer que é ela que foi profetizada no texto citado.

Deste modo é de novo uma revelação implícita da Imaculada Conceição.

 

V. A raça da mulher

Não paremos aqui, mas estudemos cada frase desta passagem profética da glória de Maria.

Provado que tal texto se aplica à Mãe de Jesus, analisemos os seus diversos aspectos para melhor destacar o seu objeto central: a Virgem Maria.

Porei inimizade entre ti e a mulher.

Notemos bem que não é simplesmente entre Eva e a serpente, mas sim entre a mulher bendita e a semente da serpente.

Nada pode haver de mais formal!

Pelo pecado original, Eva, Adão e toda sua posteridade estão sujeitos ao demônio.

Não há simplesmente guerra, mas sim domínio de Satanás sobre a raça humana.

E eis que Deus, anunciando a mulher — a Virgem Maria, cuja semente é o Cristo, diz: porei inimizade entre ti e a mulher.

Que quer dizer isso?

É um modo enérgico de dizer que Satanás não estenderá o seu domínio sobre esta mulher... que entre ambos haverá uma oposição radical, uma inimizade de raça.

É a razão porque Deus completa a ideia, dizendo: entre a tua posteridade e a posteridade dela (Gn3,15).

Resulta necessariamente desta adição que as inimizades que devem existir entre a serpente e a mulher, Maria, são as mesmas, que existirão entre a serpente e a posteridade da mulher.

Esta semente é Jesus Cristo.

Deve existir, pois, entre a serpente e Maria, a mesma inimizade que existe entre a mesma serpente e Jesus Cristo.

Ora, tal inimizade fundamental entre a serpente e Jesus Cristo é a ausência completa em Jesus de todo e qualquer pecado, sendo o pecado a figura e representação de Satanás.

Logo esta mesma ausência total de todo e qualquer pecado deve existir em Maria Sma.

Ela deverá serconcebida no mesmo estado em que ela o conceberá: na inimizade do mal, ou na Imaculada Conceição.

Podemos e devemos aplicar a ambos: à mulher e à sua posteridade, à Maria e a Jesus, o fim da profecia: ela te esmagará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar (Gn3,15).

Maria esmagou a cabeça da serpente pela sua Imaculada Conceição, como já ficou dito, embora o demônio armasse traições a seu calcanhar.

Tais traições são os sofrimentos físicos e morais, as perseguições, as barbaridades, os crimes, o aniquilamento de Jesus durante a sua Paixão e morte, que seriam para qualquer outra pessoa que Maria, tentações de desespero, de desconfiança, ou pelo menos de temor, de dúvida como o foram para os Apóstolos.

O demônio procurou deste modo abater a coragem, diminuir a confiança, resfriar o amor da Virgem Sma,, sem nada alcançar, pois a fé de Maria, a Sua esperança e o seu amor estavam muito acima das vacilações humanas.

O demônio ignorava o segredo da Imaculada Conceição; por isso tentava-a, torturava-a, sob o peso de suas perseguições, mas em vão: só pôde alcançar o calcanhar, isso é, o corpo da Virgem Santa, continuando a sua alma elevada na região da fé pura e do amor divino.

Armou traições, mas foi esmagado sob o peso deste calcanhar virginal, que tinha o peso da santidade de seu divino Filho.

Eis o sentido claro desta bela profecia.

Não é preciso vergar ou adaptar o texto sagrado à tese aqui defendida; é o seu sentido óbvio, sempre aceito na Igreja e defendido por todos os séculos.

Bela e sublime revelação Implícita da Imaculada Conceição.

 

VI. A grande discussão

A bela profecia, que acabamos de analisar, pela sua extensão gloriosa em honra da Mãe de Jesus, devia necessariamente ser contestada e discutida pelos protestantes, atribuindo-lhe uma significação diferente da Interpretação Católica.

É o que aconteceu.

Nas diversas versões da Bíblia encontraram uma variante.

O texto da Vulgata e três versões gregas dizem:

A mulher te esmagará a cabeça (Ipsa) auté

As versões hebraicas dizem:

A semente da mulher te esmagará a cabeça (Ipsum).

Outras versões gregas dizem:

O Filho (o Cristo) te esmagará a cabeça. (ipse) autos.

Uma versão egípcia diz:

Eles (Jesus e Maria) te esmagarão a cabeça (ipsI).

Eis um precioso achado para os protestantes poderem protestar...

Haja discussão! haja objeções! para excluir a Virgem Santíssima desta primeira pagina Bíblica.

E no meio da balbúrdia os amigos protestantes não notaram que tal mudança de pronome ipsa, ipse, ipsum, ipst, tem apenas um valor secundário, que não muda em nada o valor probativo do texto nem a extensão de sua significação.

Qualquer que seja a versão adoptada, o texto prova sempre o triunfo da mulher, que é a Virgem Imaculada.

O essencial é que haja uma eterna inimizade entre a mulher e o demônio. Porei inimizade entre ti e a mulher.

O texto contestado é o seguinte:

Deve-se ler:

Ipsa, ipsum, ipse conteret caput tuum.

ou: Ipsi conterent caput tuum.

Ipsa, é claramente a Virgem Santissima.

Ipse, é Jesus Cristo.

Ipsum, é a semente, ou Jesus Cristo.

Ipsi, é Jesus e Maria.

À Igreja nunca pretendeu outorgar diretamente à Virgem o privilégio de esmagar a cabeça da serpente, exclusivamente por si, mas unida a seu Filho, pela ação de seu Filho, como Mãe de Deus.

Pode-se pois adotar qualquer uma destas versões: ipsa, ipse, ipsum, ipsi, dizendo que é Maria Sma., ou Jesus Cristo, ou ambos, ou a semente da mulher que esmaga à cabeça da serpente.

Quem a esmaga é Deus-Homem, pois Jesus Cristo é Deus e homem.

Como tal, Ele é necessariamente unido à sua Mãe; e esta última, junta com Ele, esmaga a cabeça da serpente.

Jesus Cristo o faz diretamente em qualquer hipótese.

Maria Sma. o faz indiretamente, ficando inseparavelmente associada a esta obra de esmagamento.

Adotando com a Vulgata a versão de ipsa, dizendo que é Maria Sma. que esmagou a cabeça da serpente, não é ela só, mas unida ao Filho, pelo Filho, como sendo Mãe de Deus, que o faz.

E Jesus, pela sua Encarnação e redenção que destruiu o reino de Satanás, esmagando-lhe e cabeça pelo pé virginal de sua Mãe.

Isto é tão lógico e tão simples. que, nas versões Egípcias a mulher e o filho são unidos num único pronome: ipsi: eles te esmagarão a cabeça.

E tal expressão é ainda a mais clara e a mais lógica, expressiva, indicando deste modo num termo único, o princípio e o instrumento, o filho e a mãe. (1)

(1) A versão: ipsa é mais antiga que S. Jerônimo, e foram os Setenta que, os primeiros adotaram este pronome, em vez do neutro: ipsum. A antiga itálica, tradução verbal do grego, diz ipse-autos.

Em hebraico o pronome refere-se a raça e não à mulher, e o verbo conteret está no masculino, tendo por sujeito a palavra masculina zéra (raça) do mesmo modo que o complemento ejus de insidiaberis está no masculino, em hebraico; ele te esmagará, e não ela — é: tu lhe esmagarás a ele, e não a: ele.

Examinando pois o texto gramaticalmente, parece ser preferível o pronome ipse; é por causa do grande valor dos setenta e a erudição de S. Jerônimo, adotando ipsa

que prevaleceu o texto autêntico da Igreja, que conservou este nome.

Mesmo admitindo que fosse um erro do copista, o certo é que tal versão é conforme ao Espírito do texto.

Podem representar-se justamente Maria, esmagando, debaixo de seus pés o dragão infernal, pois ela o faz como Mãe de Deus, pelo poder de seu filho.

Eis a tremenda discussão levantada pelos protestantes, com o intuito de excluírem deste texto a ação cooperadora da Virgem Sma. e de diminuírem uma citação que exprime e revela implicitamente a sua Imaculada conceição.

Tal discussão, como se vê, em nada prejudica a glória de Maria Sma., de modo que, através das discussões humanas, a palavra divina continúa resplandescente, fulminante, mostrando-nos, desde os albores da humanidade, a figura luminosa, simbólica, de esperança e de misericórdia da Virgem Imaculada.

Tal é, aliás, a opinião do próprio São Jerônimo que escolheu entre as quatro versões a dos Setenta, reproduzida nas outras hebraicas que trazem ipsa, o que é a mais clara senão pela exatidão gramatical, mas pelo sentido espiritual, ele mesmo dá a razão desta preferencia:

"Não pode ser outra a semente da mulher, escreve ele, senão aquele que o Apóstolo diz ter sido feito da mulher, isto é, Jesus Cristo (factum ex muliere) (Gl4,4). O Cristo é verdadeiramente a semente da mulher, havendo Ele nascido sem a cooperação do homem".

 

VII. Conclusão

Como acabamos de ver, o sublime dogma da Imaculada Conceição não está explicitamente revelado no Antigo Testamento, não havendo razão para que Deus manifestasse aberta e publicamente uma verdade, muito acima da compreensão dos Judeus.

Deus agiu do mesmo modo com a revelação do mistério da SS. Trindade. Revelou-o implicitamente, em termos e comparações veladas, que não deixam aparecer logo o mistério, mas permitem aos séculos vindouros, na hora propícia, deduzirem estas verdades, como conclusão, de outras verdades, explicitamente reveladas.

É deste modo que agiu com a Imaculada Conceição. Há indícios, há indicações, porém de tal modo confusas, que só depois de bem compreendidas outras verdades, é possível deduzir delas a Imaculada Conceição.

O que domina no Antigo Testamento é a Virgindade de Maria. Isto é claro é positivo: O Senhor vos durá um sinal, disse Isaías a Acaz, Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho, e chamarão o seu nome: Emanuel, isso é: Deus conosco (Is7,14).

O Salvador deverá nascer de uma Virgem: É uma verdade básica, que deve servir de princípio às outras verdades.

Mas Deus reservou a hora e o modo da proclamação de outras verdades, incluídas nesta primeira.

Um pensamento sublime, embora ainda oculto domina a queda do primeiro homem: é a reparação — é o Salvador prometido e a ação reparadora deste Salvador.

É um paralelo que Deus estabelece como que timidamente entre Adão e o Cristo, e no mesmo tempo entre Eva e Maria.

São Paulo fornece a base deste paralelo, dizendo:

O primeiro homem, vindo da terra, era terrestre. O segundo, vindo do céu, é celeste (1 Cor15,47).

Ao lado do primeiro Adão está a mulher, a quem Adão deu o nome de Eva, porque devia ser a Mãe dos viventes (Gn3,20).

Ao lado do segundo Adão, de Jesus Cristo, está outra mulher, Maria, de quem Eva era a figura, que devia ser a Mãe os viventes, em Cristo, pela graça.

Eva Evae contraria, diz S. João Crisóstomo.

Terminemos este capítulo pela comparação entre Eva e Maria, pois deste paralelismo sobressalta admiravelmente a Conceição Imaculada de Maria.

Eva é figura de Maria, e esta deve ter pelo menos todos os dons e privilégios da primeira mãe dos viventes.

Eva foi diretamente criada por Deus, no estado da inocência perfeita, pura, e adornada dos dons da natureza e da graça, em outros ternos, saindo diretamente das mãos de Deus, ela foi imaculada.

É preciso que Maria, a restauradora da ordem perturbada por Eva, seja, pois, também imaculada.

É o único ponto de igualdade; em todos os outros pontos Maria é contrária a Eva.

Eva nos trouxe a morte: Maria nos trás a vida.

O fruto de Eva foi mortal: o fruto de Maria é vivificante.

Eva foi causa de lágrimas: Maria é causa de alegria.

Eva separou Deus do homem: Maria os une.

Eva nos atraiu a maldição: Maria nos obtém a bênção divina.

Eva nos impôs o jugo do mal: Maria nos leva ao bem.

Eva suscitou o ódio: Maria faz reinar a paz.

Eva nos lançou nos laços da morte: Maria no seio da vida.

Eva foi a causa da queda: Maria é a causa do levantamento.

E assim por diante.

Os santos padres fizeram inúmeras aproximações de Eva e de Maria, para salientar seu papel regenerador, e mostrar que, por ela, somos elevados mais alto do que nos rebaixou a falta de Eva.

Eva inocente foi o símbolo de Maria.

Eva decaída é a oposição de Maria.

Formada pelas mãos de Deus, Eva era imaculada antes da queda.

Maria, devendo reparar esta queda, devia estar no mesmo estado que Eva antes desta queda, devia ser Imaculada. (1)

(1) Eva contraria Eve: Eva enim facit filios suos inicos Dei; Maria nos pacificavit Deo. Ilia mater cunctorium viventium, spiritualis interfectrix; hac cunciorum Mater, espirituals vivificatri ilia maledicta multiplicatur a Deo: aec benedicta in Matris utero (S. Antoninus in sum. parte. 4 t. 51 c. 13).

Como vimos a palavra divina no texto profético, é claro. mostrando-nos a Mulher Bendita esmagando a cabaça da serpente, como associada ao Redentor. cuja vitória sobre o mal devia ser partilhada pela sua própria Mãe.

Maris é Imaculada, porque esta prerrogativa satisfaz as exigências do papel que Maria deve exercer, como mãe de Deus.

Tudo o exige. tudo o impõe, e o próprio Deus, para preparar o espírito dos homens, deixa entrever, através das páginas sagradas, a existência deste privilégio, que veremos resplandecer clara e positivamente, embora ainda velado, no Novo Testamento.

 

CAPITULO IV

A Imaculada Conceição

SEGUNDO AS PALAVRAS DO ARCANJO

Já compreendemos a conveniência e a necessidade da Imaculada Conceição de Maria, provada pela razão e pelo bom senso, e vimos este mistério delineado, anunciado no Antigo Testamento, tal uma aurora que precede a aparição do sol resplandecente.

Deus manifesta as grandes verdades, à medida das necessidades das almas.

Tais verdades existem; mas, há uma hora providencial em que devem ser manifestadas ao mundo.

O Cristianismo difere das religiões ou concepções humanas, no tocante à sua promulgação:

Os sistemas humanos manifestam logo tudo o que são e o que possuem, em fórmulas invariáveis, incapazes de desenvolvimento e de expansão.

A doutrina cristã, desde a sua revelação, forma um conjunto perfeitamente ligado em todas suas partes, porém de tal modo coordenado que o Espírito Santo, por meio da Igreja possa manifestar ao mundo os pontos que é necessário destacar, para responder aos ataques dos inimigos e conservar a integridade do depósito divino.

É o que vamos estudar aqui, e o que constataremos admiravelmente na base, no desenvolvimento e na manifestação da Imaculada Conceição.

Procuremos primeiro, no Evangelho, a revelação deste dogma, desta vez explícito, em seu conjunto, embora ainda velado, como que para deixar à Igreja a iniciativa de descobrir nestes textos, à luz da tradição, a verdade luminosa e certa.

Destaquemos as seguintes revelações quase explícitas a este respeito:

1. A plenitude da graça em Maria.

2. A predestinação de Maria.

3. A união de Maria a Deus.

4. A integridade corporal e espiritual.

5. A precedência sobre todas as mulheres.

6. A graça perdida e achada.

 

1. A Virgem Maria

A prova mais explícita, mais luminosa e mais decisiva da Imaculada Conceição, são as palavras, com que, em nome de Deus, o Arcanjo veio comunicar à Maria Sma. o mistério inefável da Encarnação, pedindo-lhe que consentisse em ser a Mãe de Jesus.

Tudo ali é divinamente belo e divinamente profundo, mostrando o que já era nesta hora a virgem Santa, e revelando o que havia de ser no futuro.

Retracemos, em breve comentário, esta cena sublime, destacando apenas o que se refere à sua Conceição Imaculada e o que prova a existência deste privilégio na humilde Virgem de Nazaré.

Foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão, que se chamava José, da Casa de Davi, e o nome da Virgem era Maria.

E entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe: Ave, cheia de graça; o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres.

Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. (Lc1,26-31)

O Arcanjo Gabriel foi enviado por Deus: temos pois uma verdadeira missão divina, de tal modo que as palavras do Arcanjo, como mensageiro, especialmente enviado por Deus, são palavras divinas. Não é ele quem fala, é Deus quem fala pelos seus lábios.

É enviado a uma Virgem. Vê-se logo pelo contexto que não se trata aqui de uma simples virgindade, mais de uma pureza mais elevada, como mostrarão as palavras do Anjo.

Deus faz notar que esta Virgem era desposada, como que para melhor salientar a sua virgindade, pois a virgindade sob o véu do matrimônio, denota mais virtude e mais heroísmo que de uma simples jovem, virgem ainda pela sua condição de solteira.

E esta Virgem chamava-se Maria. O próprio nome da Virgem deve ter uma significação divina, pois é uma tradição fundada que tal nome foi por Deus revelado aos progenitores de Maria.

Maria, em aramaico: Mariam; em hebraico: Miriam, significa:

Estrela do mar (meirjam)

Amada de Deus (mritjam)

Senhora—princeza (marjam)

Três significações que são como três títulos exprimindo, de modo metafórico, as grandes prerrogativas da Virgem Santa.

Ela é uma estrela luminosa pela sua santidade consumada, pelas suas virtudes sublimes, que ilumina todos os que navegam nas ondas do mar tumultuoso, que é o mundo.

Ela é a amada de Deus, pela sua Imaculada Conceição, que a coloca acima de todas as criaturas, e a faz entrar na intimidade de Deus, como os nossos primeiros pais antes da queda original.

Ela é a Senhora, ou princesa, pela sua Maternidade divina, que a associa para sempre ao seu Filho, unida à sua realeza, reinando por graça e privilégio, em todo lugar, onde reina o seu Filho, por justiça.

O mundo chama Jesus: Nosso Senhor.

Devemos chamar Maria: Nossa Senhora.

Jesus é o Rei do céu e da terra.

Maria é a Rainha do céu e da terra.

Tudo isso está expresso no nome que o Altíssimo deu à Virgem de Nazaré, Maria.

O Evangelho faz notar que a Virgem era desposada.

Assim devia ser, de fato, porque ficando o nascimento milagroso de J. Cristo um mistério desconhecido, que nem o mundo, nem o demônio deviam conhecer, antes do tempo marcado, era, necessário dar a este nascimento todas as aparências de um nascimento natural, e aos castos esposos, as aparências de uma vida matrimonial.

Pode-se reduzir a cinco os motivos deste matrimonio:

1. Para que nem Jesus, nem Maria fossem expostos à desonra.

2. Para que Maria tivesse um testemunho insuspeito de sua virgindade.

3. Para que Jesus fosse sustentado e nutrido em sua infância, como as demais crianças.

4. Para que Maria, honrasse o matrimônio, que o estado da maior parte dos homens, e pudesse servir de modelo às virgens, às esposas e à viuvas.

Estes preliminares solenes e significativos já deixam entrever à cena gloriosa que vamos presenciar.

 

II. A saudação do anjo

E entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe: Ave, cheia de graça (Lc1,28).

Como tudo é simples nesta frase... Nenhum preliminar, nenhuma ênfase... nenhuma palavra supérflua.

A tradição nos mostra o luminoso Arcanjo, Sob a forma humana, penetrando, de repente, humilde ermida de Nazaré, onde estava absorta em contemplação a humilde Virgem e, inclinando-se, respeitosamente, dirige-lhe à saudação usada na Palestina: Ave (Klairé — alegra-te, salve, a paz seja contigo — Deus te salve! Ave quer dizer tudo isso.

Uma tal saudação em uso entre as pessoas antigas, revestidas de dignidade, nunca tinha cabido dos lábios de um anjo pare saudar una criatura.

Quando, no antigo Testamento, um anjo aparecia a alguém, ele ficava em Pé, grave e majestoso, enquanto o privilegiado da aparição prostrava com à fronte em terra.

De fato, como faz notar S. Tomás, o homem deve inclinar-se perante o anjo, porque lhe é inferior em três coisas: em dignidade, em união com Deus e em graça.

Mas aqui os papeis são intervertidos. A Virgem Maria é superior ao anjo nestes três pontos.

Os anjos são mensageiros de Deus; Maria foi escolhida para ser a sua mãe.

Os anjos cercam o trono de Deus; Maria carregaria em breve o seu próprio Deus.

Os anjos recebem as graças conforme a sua hierarquia e missão; Maria está cheia de graça pela dignidade que o Altíssimo vem lhe revelar.

É, pois, necessário que a Virgem permaneça de joelhos, e que o arcanjo se incline diante dela.

Ave, cheia de graça (Kekharitômené) que tem a dupla significação de repleta de graça e pulchérrima em graça.

Notemos logo o modo de saudar, à primeira vista parece que o anjo devia ter dito: Ave Maria, cheia de graça.

Não devia ser; a significação teria sido diferente e muito diminuída.

O que o anjo saúda não é simplesmente a pessoa de Maria Sma., como o teria feito, dizendo: Ave Maria; não, ele substitui a pessoa pela prerrogativa que ocasiona esta saudação.

O que ele saúda é: a cheia de graça!

É neste sentido que a Escritura chama Salomão: Sapiens, como chama Jesus Cristo: O Justo, como chama S. Paulo: o Apóstolo.

Maria é: a cheia de graça — a plenitude da graça numa criatura.

É o seu qualificativo próprio.

É o seu nome único.

Ela é a Virgem Maria perante os homens. Perante Deus, ela é: a cheia de graça!

Ave, cheia de graça!

Tal é o seu nome divino.

E este nome é idêntico ao que ela mesmo proclamou na aparição de Lourdes: Eu sou a Imaculada Conceição!

Cheia de graça e Imaculada Conceição, “dois nomes paralelos, idênticos, e exprimindo mesma verdade.

Examinemos esta expressão.

Dizer que um recipiente está cheio, é declarar que nada mais pode conter além do que já dentro.

Peço aos amigos protestantes dizerem se a imaculada Conceição é, ou não é uma prerrogativa, um dom, uma perfeição.

Se o é, e admitindo que Maria Sma. não o tenha é preciso dizer que há uma qualidade que ela podia ter e que não tem; logo, ela não é mais cheia de graça, e o Espírito Santo mentiu, dando-lhe este título.

Uma coisa ou outra:

Ou São Gabriel disse a verdade ou mentiu!

Se disse a verdade, sendo Maria cheia de graça é preciso admitir a Imaculada Conceição.

Se S. Gabriel mentiu, ah! então os protestantes têm razão contra os próprios anjos.

E não é só isso!,.. há mais do que isso.

 

III. A toda formosa

Os protestantes não apreciam a tradução Católica de: Cheia de graça — Gratia plena.

Preferem traduzir o texto grego: Kekharitômené por toda formosa em graça, ou equivalente.

Tal tradução não é errada, pois embora a versão latina: gratia plena, não se preste a esta tradução senão de longe, o texto hebraico o permite sem dificuldade.

Aliás, o sentido é o mesmo. É apenas outro modo de considerar a mesma verdade.

Que é a graça santificante?

É um dom divino que nos faz santos e justos, filhos de Deus e herdeiros do céu.

Pode-se dizer simplesmente que a graça é o que nos torna agradáveis a Deus.

Ser agradável é uma qualidade.

Toda qualidade pertence a uma substância.

O ser agradável é uma qualidade da alma.

Dizer que Maria foi a toda formosa, é pois exprimir que ela agradou a Deus, tanto quanto uma criatura pode agradar, em outras termos, que "estava cheia de agrado" ou "cheia de graça", pois agrado ou graça podem ser tomados como sinônimos.

Cheia de agrado, ou formosura, quer dizer que esgotou a medida de agradar a Deus.

Ora, se houvesse uma qualidade, que fizesse Maria Sma. agradar mais a Deus, ela não estaria cheia deste agrado; faltaria qualquer coisa, e de novo a palavra do Arcanjo seria mentirosa.

A alma de Maria ficou pois adornada de todas as qualidades que nesta hora podia possuir, e entre estas qualidades está a Imaculada Conceição.

Logo, Maria Sma. foi Imaculada!.. devia selo, para o seu estado corresponder à saudação divina de S. Gabriel.

Não quer dizer isso que Maria Sma. esgotou a graça; não, ela cresceu sempre, de dia em dia, até à última hora de sua vida.

Ela estava cheia na ocasião de sua Conceição Imaculada — cheia na ocasião da Anunciação, estava na ocasião do nascimento do Salvador, cheia na ocasião de sua morte; mas estas diversas plenitudes, embora diferentes, formam uma plenitude única; no sentido que a medida que a alma da Virgem se dilatava pela graça, ela se tornava capaz do aumentar a sua plenitude.

Um regato cheio é diferente de um rio cheio, como este último é diferente do mar cheio.

São plenitudes, mas plenitudes diferentes, conforme o tamanho do recipiente.

A Virgem Santa foi sempre cheia de graça, cheia, desde a sua Conceição, até a sua morte, embora a sua alma fosse sempre se dilatando mais pela virtude, o contato de Jesus, os Sacramentos e o amor de Deus.

Este sentido é óbvio, natural e lógico.

Na ocasião em que o Arcanjo pronunciava estas palavras, Maria Ssma. era simplesmente a Virgem de Nazaré, não era ainda a mãe de Deus.

Este último devia encarnar-se em seu seio imaculado, após ela ter dado o seu consentimento, dizendo: Faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc1,88)

O Arcanjo chama-a; cheia de graça, não por causa de sua maternidade divina, que ainda não se realizara; mas por causa de sua Imaculada Conceição, que fazia dela, desde o inicio, a mulher Bendita entre todas as mulheres... a mulher única, escolhida, tendo conservado, por preservação, a inocência o a justiça original.

Que manifestação mais clara, mais positiva e mais explícita da Imaculada Conceição, pode-se desejar.

É uma revelação explícita, embora ainda velada, que receberá a sua última expansão, a sua última irradiação do dogma luminoso, nas afirmações da Igreja universal, como sendo uma verdade transmitida dos tempos apostólicos até hoje, pela tradição unânime dos séculos cristãos.

 

IV. Nova objeção protestante

Como se vê, o passo em questão é um dos mais decisivos e explícitos do Evangelho, o que mais claramente revela a Imaculada Conceição da Mãe de Jesus.

É a razão porque os amigos protestantes procuraram deturpá-lo, desviá-lo de seu verdadeiro sentido, e até opor-lhe textos semelhantes, para provar que o termo — cheio de — não tem uma significação tão extensa.

Em prova desta objeção citam, por exemplo: Isabel ficou cheia do Espírito Santo (Lc1,41) Zacarias... foi cheio do Espírito Santo (1,67) E será cheio do Espírito Santo (Lc1,15)

Destes textos, os protestantes concluem: Se Maria é Imaculada por estar cheia de graças, então, Isabel, Zacarias e João Batista, são também imaculados, por estarem cheios do Espírito Santo?

Bela argumentação... de criança.

Se os caros crentes lessem o texto inteiro veriam imediatamente a diferença radical destas duas expressões.

Estar cheio do Espírito Santo, na linguagem bíblica, quer dizer ter o dom de profecia, de modo que não é a tal pessoa que fala, mas é bom Deus que fala, pelos seus lábios — Sicut locutus est per os sanctorum, et prophetarum ejus (Lc1,70).

Por isso, em seguida de cada uma destas expressões, encontra-se que esta plenitude do Espírito Santo consistia em profetizar.

De Sta. Isabel o Evangelho diz em seguida: Isabel ficou cheia do Espírito Santo, e exclamou em alta voz: Bendita sois vós entre as mulheres! (Lc1,42)

De Zacarias, diz: Foi cheio do Espírito Santo e profetizou, dizendo: Bendito seja o Deus Israel (Lc1,67)

De São João Batista diz: E será cheio do Espírito Santo... para preparar ao Senhor um povo perfeito (Lc1,17).

De Maria Smº,o Arcanjo diz: Ave, gratia plena — Ave, cheia de graça, ou; toda formosa em graça.

Este termo não significa simplesmente um dom transitório, como o é a profecia, mas, sim, um dom permanente, aderente à alma, o que só pode ser retirado pelo pecado.

Como ficou demonstrado acima, o grego Keharétômené, particípio passado de Kharitõo, e charis é empregado na Bíblia para exprimir uma plenitude completa e permanente, no sentido teológico de ser um dom divino aderente à alma.

A segunda interpretação: — toda formosa em graça ou ainda: toda graciosa pela graça — omnino gratiosa reddila, tem mesmo sentido Plenamente graciosa, ou formosa pela graça é, de fato, a mesma coisa quo cheia de graça.

Omnino plena celesti gratia, como dizem os intérpretes.

Tal objeção não somente não enfraquece, mas ao contrário, robustece a interpretação católica, limitando tal expressão à Imaculada Conceição o que é a plenitude da formosura de uma alma virginal, que só foi outorgada, por privilégio à mãe de Jesus, e que Jesus possuía, por direito e como sendo a plenitude perfeita e suprema, a fonte da graça divina.

* * *

Os teólogos citam ainda outro argumento em prova da Imaculada Conceição. (1)

(1) Lepecier: Tract. de B. V. M, C. 1.n. 11.

Ita gratia tuit in B. V. vtillam simpliciter invenerit apud Deum. Atqui gratiam simplic tor apud Deum invenissa, est ila nunquam caruisse.

A graça estava na Ssma. Virgem, do mesmo modo que ela é em Deus.

Ora, o próprio da graça em Deus é de nunca lhe ter faltado.

Logo, nunca pode ter faltado na Virgem Santa.

Notemos a força deste argumento teológico.

Para compreendê-lo bem, é preciso lembrar que as obras de Deus são eternas, e ele realiza apenas, no tempo, o que decretou desde a eternidade.

Desde a eternidade Deus resolvera fazer de Maria Ssma. a mãe de seu Filho encarnado. Preparou-a para esse fim.

Ficou a Virgem associada a Deus, desde a sua Conceição, para a realização do sublime mistério da Encarnação.

Devia, pois, em virtude desta escolha, preservá-la do pecado original e fazê-la nascer imaculada desde o primeiro instante de sua existência.

Se assim não fosse, a Virgem Santa, infestada pelo pecado, enquanto pecadora, estando virtualmente unida a Deus, entraria nos decretos do Eterno, como pecadora, seria associada, sendo pecadora, ao mistério divino da Encarnação, que existia já, desde a eternidade, em Deus, antas de receber a sua execução, no tempo.

Ora, isto é impossível! É indigno de Deus! É contrário ao bom senso, contrário à toda lógica, omo é contrário aos textos do Evangelho.

Maria é pois Imaculada, porque é cheia de graça, e é cheia de.graça, porque deve ser a Mãe o Filho de Deus.

À plenitude da graça e a maternidade divina são duas prerrogativas que se completam e se exigem mutuamente!

 

V. Deus com Maria

Mais uma prova da Imaculada Conceição.

O Arcanjo completa a saudação, com uma expressão que é como o corolário, a explicação da primeira frase, que resume tudo: Ave, cheia de aça, o Senhor é convosco.

Esta expressão tem por sua voz, uma extensão que não se compreende bastante, o que devemos prescrutar aqui.

O termo: "O Senhor é convosco” é empregado na Sagrada Escritura, em duplo sentido: modo imprecativo e afirmativo.

Encontramos este termo imprecativo em diversos lugares.

Deus seja contigo. (Jd6,18)

O Senhor é contigo. (Jz6,12)

O Senhor seja convosco (Rt2,4)

Era o modo de saudar entre os judeus, de demonstrar bondade e benevolência, como nós dizemos hoje: Louvado seja Jesus Cristo!

O modo afirmativo tem outro sentido: E aqui, os lábios do Arcanjo, é a afirmação de uma realidade.

Deus está com Maria Sma. e ali está de um modo único, todo especial.

Deus está em toda parte, enchendo tudo com sua imensidade, sem ficar circunscrito por lugar nenhum.

Está no céu, onde Ele manifesta a sua glória.

Está na terra, onde manifesta a sua Providência.

Está no inferno, onde manifesta a sua Justiça.

Está em nossos tabernáculos, onde manifesta o seu amor.

Está em nossas almas, pela graça, onde manifesta a sua misericórdia.

Mas há uma alma, verdadeiro templo preparado por Deus para recebê-lo, hospedá-lo, uma alma que supera tudo o que há de mais belo neste mundo.

Esta alma é o céu de Deus na terra.

Este céu é o coração da Virgem Santa.

"Sanctificavit tabernaculum suum Altissimus. (Sl45,5) Notemos o modo de dizer do Anjo. Não diz: Dominus sit tecum — Que o Senhor esteja convosco! nem: Dominus est tecum — O Senhor está convosco!, mas diz de um modo absoluto: Dominus tecum— O Senhor convosco, como se quisesse reunir num termo único: Deus e Maria, uni-los inseparavelmente, desde a eternidade, até ao fim.

E tal é bem o sentido de suas palavras!

Não ajunta o termo: convosco, como se ajunta um simples qualificativo a um substantivo, mas liga os dois termos, como fazendo um parte integral do outro. O Senhor não está sem Maria, nunca Maria está sem o Senhor: "O Senhor convosco".

Deste modo, de novo aparece luminosa e resplandecente a Imaculada Conceição.

De fato, onde está o pecado, lá não está o Senhor.

Se a Virgem Santa tivesse tido, apenas um instante, o pecado original, durante este instante o Senhor não teria estado com ela.

Tendo estado sempre com ela, desde o início, é uma prova que nunca o pecado esteve com Maria, em outros termos, é uma prova que é Imaculada.

Tal é, aliás, a interpretação dos santos Padres. Sto. Agostinho diz muito bem: "Dominus tecum!" O Senhor é convosco; convosco no coração, convosco no seio, convosco para sustentar-vos. (1)

Em outro lugar ele completa este pensamento: "O Senhor é convosco", mais do que comigo; ele está em vosso Coração, está em vossas entranhas, enche a vossa alma, enche o vosso seio. (2)

São Cipriano tem uma expressão quase ousada a esse respeito: “Entre todas distinguida, diz ele, pela integridade perfeita de sua carne e e sua alma, ela mereceu possuir inteiramente Cristo, em sua carne e em sua alma, e de gozar de sua presença exterior”. (3)

(1) Ave gratia plena, Dominus tecum: tecum Dominus in corde, tecum in utere, tecum in auxillo. (S. Aug. Serm. de ann.)

(2) Inse enim in tuo est corde, in tuo est utero; adimplet maniem, adimplet ventrem. (S. Aug. de Nat.)

(3) Quae carnis et mentis integritate insignis spirituali, et corporali intus, et extra Christi.

São Cipriano tira esta conclusão admirável e mostra a crença na Imaculada Conceição, nos primeiros séculos: ele afirma que Deus não honra simplesmente a carne de Maria, pela sua divina presença, mas também a sua alma, donde conclui que a integridade de "sua alma devia igualar em perfeição a integridade de sua carne virginal".

"A carne da Virgem era toda pura; não havia nela nada que lembrasse a corrupção que nela semeia o pecado original; do mesmo modo não podia haver nada nesta alma que lembrasse o pecado".

"Era necessário que Maria fosse cheia de graça, isenta de toda falta e de toda imperfeição".

Este argumento sublime e profundo não tem sido bastante salientado pelos teólogos que procuram no Evangelho a revelação explícita da Imaculada Conceição; entretanto, ele parece irretorquível.

Deus fez um milagre único em seu gênero, para preservar a pureza virginal do corpo de Maria.

Convinha que fizesse igual milagre para preservar a pureza de sua alma.

O primeiro é o milagre da Conceição e do parto Virginal: A virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra (Lc1,35).

O segundo é o milagre da preservação do pecado original.

Eis como de um modo lógico chegamos à Conceição Imaculada, revelada nesta segunda frase da saudação angélica: "O Senhor convosco — Dominus tecum.

Sim, exclama São Boaventura, o Senhor é convosco, ó Maria; ele já estava convosco; Ele fica convosco; ele estará sempre convosco!

A Imaculada Conceição foi a base desta união, a maternidade é sua consagração, a Assunção será a sua coroação.

São Gregório de Nissa confirma esta doutrina pelo seguinte raciocínio: "Nas demais criaturas a alma perfeitamente pura é apenas digna da presença do Espírito Santo, enquanto aqui a própria carne torna-se o receptáculo do Espírito Santo."

Se, pois, no dizer de São Gregório, a própria carne de Maria sobrepuja, neste ponto, até as nossas almas, que é que devemos pensar de sua alma, cuja santidade deve ser necessariamente proporcionada à santidade de seu corpo?

Se tal foi a pureza de seu corpo, qual será a pureza de sua alma?

Se o olhar de Deus não encontrou nenhuma mancha nesta carne virginal, como seria possível que a alma fosse maculada e desonrada pela mancha do pecado.

Não esqueçamos que é da alma que o corpo recebe a sua pureza; a santidade do Espírito redunda sobre o corpo.

Era pois preciso que a pureza da alma de Maria fosse muito grande, para dar ao seu corpo uma santidade tão perfeita, que atraísse o próprio Deus, para fazer a sua morada neste Tabernáculo abençoado.

 

VI. A mulher Bendita

A terceira frase da Saudação é mais uma manifestação do grande privilégio da Imaculada Conceição.

É como a conclusão das duas saudações precedentes.

Maria está cheia de graça: É o seu grande privilégio.

A graça, sendo uma comunicação da natureza divina: divinos consortes nature (2Pd1,4), quem possui a graça, possui Deus consigo.

Uma pessoa está tanto mais intimamente unida a Deus, quanto mais aumenta a sua graça.

Maria Sma. tendo a plenitude da praça, tem pelo fato a plenitude da presença de Deus.

Deus está com ela plenamente, tanto quanto pode estar com uma criatura; porque Maria contém toda a graça que pode conter uma criatura.

Em consequência destes dois privilégios, ela é a mulher Bendita entre todas as mulheres.

É a consequência lógica.

É mais que uma consequência; é um novo principio de grandeza, uma nova prova de sua Conceição Imaculada.

Notemos bem que no momento que S. Gabriel dirige a Maria estas palavras, ela não é ainda Mãe de Deus, está ainda nos prelúdios da negociação.

Ela não é pois Bendita por ser Mãe de Deus.

Porque será então?

Só pode ser por ter sido preservada do pecado original.

É o único título que a eleva acima de todas as mulheres.

Digo: acima de todas, e neste conjunto está incluída a própria Eva, a primeira mulher, a mulher que saiu das mãos do Criador, na inocência e na justiça original, Imaculada, adornada, dos dons da graça e da intimidade com Deus.

Eva era bela nesta hora... a mais bela, a mais poderosa das mulheres.

Entretanto, mesmo em sua inocência, mesmo nos dias fugitivos de sua realeza, ela era apenas uma figura de Maria.

Eva não é a mulher Bendita....

A única a quem Deus dirige esta exaltação é a Virgem Santa. Só ela é a mulher bendita entre todas as mulheres, porque não somente ela é Imaculada em sua conceição, como Eva o foi em sua criação, mas ela conservou e conservará para sempre esta pureza Imaculada.

Infiel à bênção original, Eva ficou sujeita à maldição.

Maria Sma., não tendo participado da falta de nossos primeiros pais, não estava sujeita ao peso das misérias com que é castigada esta falta.

"O gênero humano, diz S. Tomás, ficou agravado por uma tríplice maldição: Maria, inocente e pura, receberá como contra-peso uma tríplice bênção".

Ela, a Imaculada, dará a luz, sem dor e como que envolta no encanto de sua virgindade.

Ela viverá só para Deus, e não conhecerá. a putrefação do túmulo.

A única lembrança, e não castigo, que Maria conservará do pecado original, é a de poder sofrer.

Eva não estava sujeita à dor; Maria quer conservar, e deve conservar a faculdade de sofrer, para melhor unir-se a seu Filho e associar-se à redenção, como co-redentora do gênero humano.

Deste modo, Maria substitui a Eva, para ser a Rainha e a Mãe da humanidade. Por isso, convinha que a proclamação, por assim dizer, de Maria, fosse o contra-partido da proclamação de Eva.

Um anjo da luz devia anunciar o Verbo Maria, como um anjo das trevas anunciara a Eva a ciência falsa e a desobediência.

De ambos os lados há:

1) A proposição de um anjo à mulher.

2) Um colóquio.

3) Um consentimento.

4) Um fruto recebido e transmitido ao gênero humano.

Maria é a mulher Bendita, como é bendito o fruto de seu seio.

Benedicta-tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui: Jesus (Lc1,24)

 

VII. Perdido e achado!

Continuemos a meditar as palavras expressivas da saudação angelical.

Como palavras divinas, cada uma delas tem uma significação que uma simples leitura não descobre à primeira vista.

A palavra de Deus é um abismo insondável... e mais é meditada, mais luminosas aparecem as verdades que ela transmite.

Toda a saudação refere-se às duas verdades fundamentais da grandeza de Maria: à sua Imaculada Conceição, e à sua maternidade divina.

É o assunto de todo este divino colóquio.

A primeira parte, como já ficou acima demonstrado, é a Imaculada Conceição. Cada expressão é uma revelação implícita, tomada separadamente; mas explícita em seu conjunto.

São seis revelações, cada uma mais luminosa que a outra, e falta-nos meditar a sexta, não menos profunda que as precedentes.

E o Evangelho continua, após ter citado palavras da saudação propriamente dita:

"E ela, tendo ouvido estas coisas, turbou-se com as suas palavras, e discorria pensativa que saudação seria esta. E o anjo lhe disse: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus".

Aqui termina a revelação da Imaculada Conceição, para começar a da maternidade divina.

"Eis que conceberás no teu ventre e darás à luz um filho, e pôr-lhe-às o nome de Jesus." (Lc1,28).

Pela simples leitura, sente-se a conexão estreita destas duas verdades: "Maria será a Mãe de Jesus, porque achou graça diante de Deus".

É uma condição "sine qua non", indispensável.

Sem esta condição o fato não se realizaria.

Uma tal condição é pois de uma importância capital, nos desígnios de Deus.

Maria Sma. só pode receber a Jesus em seu seio, porque achou graça diante do Senhor.

Até aqui estamos todos de acordo: católicos e protestantes.

Mas que quer dizer: achar graça?

Eis o que os caros protestantes não compreenderam. Só se pode achar o que está perdido. Para que alguém possa achar um objeto, é preciso que tal objeto esteja perdido.

Maria achou pois uma coisa que estava perdida. E que coisa foi esta?

A graça; mas, que graça?

Não se pode ser a graça santificante, nem a graça atual, pois existia em muitas almas justas.

Uma só graça perdida que nunca mais existira desde a queda de Adão e Eva, no paraíso, a graça original; esta estava completa e irremediavelmente perdida.

Dizendo pois que: Maria achou graça, é dizer que achou a graça original.

Ora a graça original é a Imaculada Conceição. É uma só e mesma coisa.

O anjo dizendo à Maria que ela achara graça, diz: Maria, sois Imaculada, e por isso, sereis a Mãe de Jesus Cristo.

De fato, se Deus devia nascer neste mundo; devia nascer de uma Virgem Imaculada.

E se uma Virgem Imaculada devia dar à luz um filho, este filho devia ser o próprio Deus!

Esta palavra é, pois, uma nova revelação da Imaculada Conceição. e uma revelação mais expressiva ainda que as precedentes.

É assim que o compreenderam os santos padres e o que nos transmitiu a tradição Apostólica.

Eis o que diz um escritor dos primeiros séculos, que se esconde sob o pseudônimo de "O Idiota".

"Vós achastes a graça celeste, ó Maria, porque a preservação da mancha original, a saudação do Anjo, a vinda do Espírito Santo e a Concepção do Filho de Deus, foram vossa partilha.

Mas, ó Virgem felicíssima, como recebestes vós tais graças?

Oh! Virgem mil vezes abençoada! Eva tinha perdido a graça pelo seu orgulho... vós a achastes, e nunca a perdestes, porque devíeis ser a mais humilde".

Vê-se que o piedoso autor fala aqui da graça original que estava perdida por Eva, a qual Maria achou e nunca perdeu, o que quer dizer que foi Imaculada em sua conceição e ficou imaculada até ao fim. (1)

1) Invenisti, Maria, gratiam celestem: quia fuerunt in te ab originali labe preservatio, angelica salutatio, Spiritus Sancti superventio, et Filii Def Conceptio. (Idiotus)

 

Santo André, Bispo de Jerusalém, se exprime quase em termos idênticos: "Não temas Maria, pois achaste, diante do Senhor, a graça que Eva tinha perdido, uma graça que nunca alguém antes tinha podido achar” (1)

1) Ne timeas, Maria: nacta es enim gratiam apud Deum, quam Eva perdiderat... gratiam qualem non nactus est quisquam ab eterno, sicut te.

Eis textos claros e positivos dos Santos Padres, que seria possível multiplicar quase sem fim, provando que a graça que Maria Sma. achou foi a graça original, perdida por Eva.

Ela a achou... e não a perdeu... ela a tem, pois, e essa graça é a inocência original, ou Imaculada Conceição.

Sois, pois, toda pura, ó Maria, e não há em vós nenhuma mácula original: Tota pulchra es, et macula originalis non est in te, canta com razão a Igreja Católica.

 

VII. Conclusão

Além das seis provas acima citadas, podiam-se aduzir muitas outras, de valor menos explicito talvez, mas exprimindo, pelo menos em sentido metafórico, o grande mistério da Imaculada Conceição.

Cada frase do divino colóquio do Arcanjo com a Virgem Santa, as palavras de Sta. Isabel, o Magnificat, a exclamação da mulher proclamando bem-aventuradas as entranhas que contiveram o Salvador, a mulher revestida do sol e a cabeça coroada de estrelas, do Apocalipse, todas aquelas passagens se referem mais ou menos diretamente à Imaculada Conceição.

Limitemo-nos às mais expressivas acima explicadas.

São revelações ainda implícitas, tomadas separadamente, mas que se tornam explícitas em seu conjunto, interpretadas e iluminadas pela voz da tradição unanime da Igreja.

Repassemos um instante os seis argumentos estudados separadamente, para melhor salientar de sua união a força comprobativa que deles emana.

Cada termo empregado pelo Anjo é uma revelação implícita, mas em síntese e interpretados pela tradição dos séculos, estes termos formam a grande revelação explícita, sobre a qual a Igreja se apoiou para proclamar dogma de fé a Conceição Imaculada de Maria.

 

Primeiro argumento

Ave, cheia de graça, disse S. Gabriel.

Maria está cheia, está repleta de graça.

O que está cheio não cabe mais nada além.

Ora, se Maria não fosse Imaculada, podendo sê-lo; ela não estaria cheia de graça, faltando-lhe a graça da Imaculada Conceição.

Logo: Maria Santíssima é Imaculada!

Este argumento é irrefutável, pois devemos necessariamente admitir que o Espírito Santo, que ditou estas palavras, conhece a significação e a extensão dos termos empregados e fala, o mais claramente possível, para poder ser entendido.

Este texto seria o bastante, mas, para que não haja nenhuma dúvida a respeito do sentido óbvio, O Espírito Santo continua a repetir a mesma verdade, em outras palavras, corroborando um texto pelo outro.

A segunda tradução deste termo dá o mesmo resultado:

Ave, toda formosa pela graça.

A graça é o que torna agradável a Deus.

Maria é, pois, toda agradável a Deus.

Ora, se ela não fosse imaculada, ela se tornaria mais agradável a Deus, sendo-o; e já não seria mais toda formosa.

Logo: Maria Santíssima é Imaculada!

 

Segundo argumento

Desde a eternidade Maria Sma. foi escolhida para ser a Mãe de Jesus e como tal associada à obra da Encarnação, de modo que a graça da Encarnação devia estar do mesmo modo em Deus e na Sma. Virgem.

Ora, o próprio da graça original em Deus é de nunca lhe ter faltado.

Logo, nunca pode ter falado à Sma. Virgem, o que constitui a sua Imaculada Conceição.

 

Terceiro argumento

O Arcanjo continua: O Senhor é convosco.

É uma afirmação positiva indicando a perpetuidade desta união, e por isso diz: O Senhor é convosco. É absoluto.

Das outras criaturas pode se dizer: Deus está convosco.

De Maria Sma. é: Deus convosco.

Deus esteve sempre com Maria, desde a sua escolha na eternidade, para ser Mãe de Jesus Cristo.

Ora, onde está Deus, não pode estar o pecado.

Logo, Maria Sma. nunca esteve sujeita ao domínio de qualquer pecado; ela é, pois, Imaculada.

 

Quarto argumento

Outro argumento de uma força irredutível.

É a pessoa de Maria Sma que é Mãe de Deus.

Esta pessoa resulta da união da alma e do corpo.

Deus fez um milagre inaudito para preservar pureza ilibada do corpo de Maria.

Não devia ele fazer igual milagre para conservar a sua alma na pureza ilibada da inocência primordial?

O primeiro milagre é a concepção de Jesus e o parto virginal de Maria.

O segundo deve ser a preservação do pecado original para a sua alma.

Em síntese, pode-se dizer:

A integridade da alma de Maria devia igualar à integridade de sua carne virginal.

Ora, tal integridade de sua alma é a ausenia do pecado original.

Logo, Maria não teve este pecado: — é Imaculada.

 

Quinto argumento

O Arcanjo S. Gabriel completa e resume as suas revelações, dizendo: Bendita sois vós entre as mulheres. — É uma nova prova da Imaculada Conceição.

De fato, neste termo — as mulheres — são incluídas todas as mulheres do mundo, do passado, do presente e do futuro, em conjunto, e por conseguinte a própria Eva, a primeira, mulher.

Eva saiu Imaculada das mãos do Criador.

Se Maria Sma. não fosse Imaculada, ela seria inferior à própria Eva e não seria mais Bendita entre todas as mulheres.

Podemos dizer: Maria Sma. é Bendita acima de todas as mulheres, Ora, Eva foi Imaculada em sua criação.

Logo, Marta Sma. devia selo, pelo menos igual senão superior a Eva: ela é, pois, Imaculada.

 

Sexto argumento

Para tranquilizar a Virgem Santa, perturbada pela sublime saudação, o Arcanjo lhe diz: Não temas, Maria pois achaste graça diante de Deus (Lc1,30).

Mas, como Maria Sma. podia achar a graça?

Acha-se o que está perdido...

A graça não estava perdida, pois S. João Batista, S. José, Sta. Izabel, e tantas outras almas santas viviam na graça de Deus.

Não se trata, pois, da graça santificante, que existe em muitas almas.

Qual é a graça que Maria Sma, achou... que estava perdida, e que ninguém tinha achado?

Esta graça é a graça original, perdida desde o pecado de Eva, e nunca mais achada por ninguém.

Podemos resumir este argumento, dizendo:

A única graça perdida desde Eva e nunca achada pelas criaturas, é a graça original.

Ora, Maria Sma. achou esta graça perdida, sendo revestida dela.

Logo, ela é Imaculada.

* * *

Eis seis argumentos implícitos, quando tomados separadamente, mas que se tornam explícitos, pela conexão e pela explicação que um argumento dá ao outro. Juntando-os, e projetando sobre eles o reflexo luminoso da tradição cristã, tais argumentos formam a base sólida, irrefutável, infalível, do dogma católico da Imaculada Conceição.

Peço aos protestantes sinceros, desejosos de conhecer a verdade integral, a verdade bíblica, meditar estes argumentos, e dizerem, se é possível Deus falar claramente, e propor uma verdade com mais precisão do que quando o faz, falando da Imaculada Conceição de sua Mãe?

É impossível; e diante do peso destes argumentos eles devem reconhecer que a Igreja Católica não inventou o dogma da Imaculada Conceição mas encontrou-o, inteiro, perfeito e luminoso nas páginas da palavra de Deus inspirada.

Digamos, pois, convencidos e sinceros, com a Igreja Católica, exaltando a Mãe de Deus, pelas palavras do Cântico dos Cânticos:

Sois toda formosa, ó Maria, e a mancha original não se encontra em vós!

Tota pulchra és, Maria!...

 

CAPÍTULO V

A Imaculada Conceição

SEGUNDO A TRADIÇÃO

Parece estar bastante provado o dogma da Imaculada Conceição. A teologia com seus raciocínios irredutíveis, o Antigo Testamento com suas figuras expressivas, o Evangelho com seu ensino claro e positivo, mostraram, de modo irrefutável, a necessidade, a existência e a glória do inefável privilégio que é a Conceição Imaculada da mãe de Deus.

Parece, entretanto, oportuno ir até ao fim, e mostrar que tal verdade sempre foi aceita no mundo católico, professada por todos, desde os apóstolos até os nossos dias.

Percorrer um instante os 19 séculos que nos separam do mistério da Encarnação realizado, será mais uma prova, ou melhor, será como que a síntese de todas as provas da Imaculada Conceição e, ao mesmo tempo, a refutação desta outra outra objeção protestante que afirma que o culto de Maria Sma. foi introduzido na Igreja em 660.

Terminaremos pelas citações dos Santos Padres e doutores da Igreja a doutrina acima exposta, e refutaremos a objeção de novidade do culto de Maria Sma., embora isto já tenha sido feito no capítulo primeiro.

Para completa clareza vejamos primeiro o que é a tradição, como ela formou-se, conservou-se e foi transmitida aos séculos vindouros.

 

I. A tradição divina

Os protestantes admitem a palavra divina, tal qual foi escrita na Bíblia, por inspiração divina.

A Igreja Católica está de acordo sobre este ponto, e admite igualmente a Bíblia como sendo a palavra divina escrita.

Onde a Igreja discorda do erro protestante é que ela além da Bíblia, admite certas verdades, não escritas na Bíblia, ou escritas não de modo literal mas sim espiritual ou figurado.

E os protestantes admitem só a Bíblia, dizendo que todas as verdades reveladas por Deus estão na Bíblia.

Ora, isto está em contradição com a própria Bíblia.

S. João, ao terminar o seu Evangelho, diz expressamente: Muitas outras coisas fez Jesus, as quais se se escrevessem, uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros que seria preciso escrever (Jo21,25)

É pois certo que Jesus disse coisas que não estão escritas; e o que disse e não foi escrito tem omesmo valor e a mesna autoridade que aquilo que foi escrito na Bíblia.

Nenhum protestante sincero pode negar isso.

E como se chama esta palavra divina, não escrita?

É S. Paulo quem nos revela o nome destas verdades, escrevendo aos Tessalonicenses: Permanecei constantes, irmãos, e conservai as tradições que aprendestes, ou por nossas palavras, ou por nossa carta. (2Ts2,14)

Eis diante do nós a tradição, tão atacada pelos pobres protestantes... e tão incompreendida.

 

Que é pois a tradição?

É a palavra divina, tendo a mesma autoridade que a Bíblia, não escrita, mas transmitida oralmente pelos Apóstolos e mais tarde escrita, por iniciativa particular, pelos primeiros papas, bispos, sacerdotes e até simples fiéis instruídos em sua religião. '

A diferença entre a Sagrada Escritura e a tradição, é que a primeira palavra divina foi escrita por inspiração do Espírito Santo que a preservou de todo erro; enquanto que a segunda palavra divina foi escrita por particulares, sem a inspiração do Espírito Santo, e sem a preservação do erro pessoal da parte do escritor.

A tradição é pois a palavra de Deus, desde que fica constatado ser de origem apostólica, mas como o erro pode mais facilmente infiltrar-se na palavra falada do que na palavra escrita, três condições são postas para que uma doutrina, dizendo respeito à fé ou à moral, possa reivindicar para si a autoridade de tradição divina.

1—Deve remontar até os primeiros séculos e ser conhecida universalmente como tal.

2—Deve concordar com a palavra de Deus escrita, ou pelo menos não contradizê-la.

3—Deve ser declarada autêntica por uma autoridade competente.

Revestida desta segurança, uma doutrina é considerada tradição divina; faltando um destes requisitos, é destituída de toda autoridade.

A Integridade das tradições é tão certa quanto a própria Escritura; pois uma e outra são confiadas à guarda da Igreja infalível, contra a qual as portas do inferno não podem prevalecer.

Ora, as portas do inferno prevaleceriam contra a Igreja, se ela não conservasse integra a verdade que lhe foi confiada.

E como se faz a transmissão da tradição divina?

De nove modos:

1. Pelas decisões da Santa Sé e os decretos dos Concílios gerais.

2. Pelos símbolos, que são os dos Apóstolos, de Niceia e de Santo Atanásio.

3 Pelos Santos Padres, que são como o porta-voz da tradição.

4. Pelo consentimento unânime dos teólogos.

5. Pela liturgia Sagrada.

6. Pelos atos dos mártires.

7. Pelos escritos de certos hereges combatendo a doutrina da Igreja.

8. Pelos escritores eclesiásticos.

9. Pelos monumentos, altares, templos, túmulos dos mártires e inscrições que exprimem a fé dos primeiros séculos.

Conhecendo exatamente o que é a tradição, o seu valor, a sua autoridade, podemos agora recorrer a ela, para provar a ImaculadaConceição da Virgem Santíssima.

Para isso, basta consultar os Santos Padres e Doutores da Igreja, seguindo desde os Apóstolos até hoje a sua doutrina, para averiguarmos que a Imaculada Conceição, proclamado dogma pela Igreja, em 1854, remonta até os Apóstolos, por uma tradição universal e ininterrupta.

Tal tradição, confirmando o que está implicitamente revelado no Evangelho, torna-se uma revelação explícita e certa de uma verdade divina.

É esta tradição constante que quero demonstrar aqui, por textos autênticos, recolhidos das obras dos Santos Padres de todos os séculos, dos apóstolos ate à proclamação do dogma em 1854.

 

II. No século primeiro

Que é que encontramos no século primeiro sobre o culto da Sma. Virgem?

Tudo: o fundamento, a irradiação, a voz profética da própria Mãe de Deus que deverá atravessar todos os séculos.

Há 1920 anos, mais ou menos, em uma pequena vila de Judá, chamada Hebron, encontraram-se, após uma ausência prolongada, duas primas, uma, senhora já idosa, esposa de Zacarias; outra uma jovem donzela de seus dezessete anos.

Saúdam-se afetuosamente.

A mais idosa, num transporte de admiração, sob a inspiração do Espírito Santo, exclama: Donde me vem a dita, que a Mãe de meu Senhor ha ter comigo? (Lc1,43).

A jovem de dezessete anos, levantando as mãos e os olhos para o céu, num gesto estático, responde:

Eis que de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada! (Lc1,48).

Eis a profecia do culto, da glória, do poder da Virgem Imaculada!

E esta profecia deve realizar-se.

E realiza-se diariamente... católicos e protestantes exaltam a Virgem Santa:

Os católicos, pelo seu amor, seu entusiasmo, sua confiança.

Os protestantes, pelos seus protestos, tornando-se indiretamente os panegiristas da Mãe Deus.

Não há ação, sem que haja reação.

A ação protestante é de rebaixar a Virgem Santa,

A reação Católica é de exaltá-la, cada vez mais.

Eis o fato.

Eis oberço da glória de Maria.

Sigamos agora o seu desenvolvimento através dos séculos.

Para não prolongar excessivamente as citações, quero escolhê-las, curtas, de vários autores conhecidos, de autoridade e de responsabilidade:

No primeiro século além de muitos outros, temos um documento, fora de toda suspeita, e acima de todas as contradições, é a Liturgia de São Tiago.

Os Apóstolos iam, aos poucos, estabelecendo regras disciplinares, para regularizarem e uniformizarem a celebração dos Santos Mistérios, escrevendo e fazendo escrever ou aprovando o modo de celebrar a Santa Missa, as orações a recitar, assim como as cerimonias a observar na administração dos sacramentos.

Jesus Cristo tinha instituído diretamente os Sete Sacramentos, deixando aos Apóstolos o cuidado de determinar certos pontos acidentais, que melhor exprimissem o efeito sacramental nas almas.

Depois da Ascensão, os Apóstolos celebraram o Santo Sacrifício, mas como o Salvador dera apenas a parte essencial do Sacrifício, que é a mudança da substância do pão e vinho, na substância do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, cabia eles cercar as palavras sacramentais, de orações, de cerimônias, que exprimissem e manifestassem, o melhor possível, os efeitos deste Sacrifício.

É o que eles fizeram; e o livro em uso, tendo tais prescrições, chama-se: Liturgia Apostólica.

Entre outras liturgias, temos uma de São Tiago, o menor, que é como o esquema, a ossatura da Santa Missa, tal qual é celebrada até hoje.

Este Missal destaca de modo expressivo o mistério da Imaculada Conceição, e o faz em termos tão luminosos, que parecem ser ditados recentemente, após a proclamação deste dogma, oito séculos após.

Recolhamos uns trechos admiráveis a este respeito.

Após a leitura de uns passos do antigo e novo Testamento e umas orações, São Tiago ajunta: Fazemos memória de nossa Santíssima, imaculada, e gloriosíssima Senhora Maria, Mãe de Deus, e sempre Virgem Maria (1)

1) Os textos tão belos, luminosos e convincentes das liturgias e dos escritos dos Santos Padres dos primeiros séculos, que copiei escrupulosamente de suas obras, figuram aqui em latim, para mostrar, de modo irrefutável a fidelidade e a autenticidade das citações.

Deixarei os textos latinos dos séculos seguintes para não sobrecarregar um livro, que deve ser antes de tudo, popular, conservando entretanto a segurança da doutrina e a inteira fidelidade na citação dos documentos.

Commemorantes sanctissimam, immaculatam, gloriosissiman Dominam nostram, Matrem Dei et semper Virginem Mariam (S. Jac. in Liturgia sua)

E um pouco mais além:

Façamos memória de Nossa Senhora, a santíssima, imaculada gloriosíssima e bendita Mãe de Deus, e sempre Virgem Maria (2)

Tais termos em favor da pureza imaculada de Maria são de uma lucidez que não admite dúvida; entretanto, o Santo Apóstolo não se limita a isso, e torna a sua fé mais expressiva ainda.

Após a consagração e umas preces, ele dizer ao Celebrante: Prestemos homenagem principalmente a Nossa Senhora, a santíssima, imaculada, abençoada acima de todas as criaturas, a gloriosíssima Mãe de Deus, sempre Virgem Maria (3)

E os cantores respondem: É verdadeiramente digno que nós vos proclamemos bem-aventurada, ó Mãe de Deus, sempre bem-aventurada de todo modo irrepreensível, Mãe de nosso Deus, mais digna de honra que os querubins, mais digna de glória que os Serafins, vós que tendes dado à luz o Verbo divino, sem perder a vossa integridade perfeita, nós vos glorificamos como Mãe de Deus. (4)

2) Commemorationem agamus Sanctissimae, immaculatae, gloriosissimae, benedictae Dominae nostrae Matris Dei, et semper Virginis Mariae. (ibid.)

8) Precipue Sanctissimae, immaculatae, super omnes benedictae, gloriosa e Dominae nostrae Deiparae, semperque Virginis Mariae (ibid.)

4) Dignum est, ut te vere bestam dicamus Deiparam semper beatam, et omnibus modis irreprehensam, et Matrem Dei nostri honorabiliorem quam Cherubim, et glorisiorem quam Seraphim, quae sine corruptione Deum Verbum peperisti, te revera Deiparam magnificamus (ibid.)

Hino glorioso de louvor em honra da Mãe de Jesus.

O dogma da Imaculada Conceição não tinha ainda sido proclamado, mas eis que São Tiago o exalta nomeadamente, e faz lembrar diversas vezes esta prerrogativa singular de Maria, no ato mais sublime da religião, no santo sacrifício da Missa.

* * *

O Evangelista S. Marcos, na Liturgia, que deixou nas Igrejas do Egito, serve-se de expressões quase idênticas: Lembremo-nos sobretudo, da Santíssima, intemerata e Bendita Senhora nossa, a Mãe de Deus e sempre Virgem Maria. (5)

* * *

Na Liturgia dos Etíopes, cujo autor é desconhecido, mas cuja composição data do primeiro século, encontramos diversas menções explícitas da Imaculada Conceição.

Uma das orações começa nestes termos:

Alegrai-vos, Rainha verdadeiramente imaculada, alegrai-vos, glória de nossos pais. (6)

Mais além, é pela intercessão da Imaculada Virgem Maria que o Sacerdote invoca a Deus: em favor dos fieis: Pelas preces e a intercessão que faz em nosso favor Nossa Senhora, a Santa e Imaculada Virgem Maria. (7)

5) Imprimis Sanctissimae, intemeratae et benedictae Dominae nostrae Dei Genitricis, et semper Virginis Mariae (S. Marcus, Evang. in Liturgia sua)

6) Laetare Jmmaculata vere Regina; laetare glória postrorum Parentum. (Liturgie Ethyopum)

7) Per preces ac intercessionem, quam pro nobis facit Domina nostra, Sancta et immaculata Virgo Maria. (ibid.)

 

O título de Imaculada dado a Maria, encontra-se, de novo, na oração que segue imediatamente a elevação das Santas Espécies: Este é o corpo e este é o sangue de Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo, que ele tomou de Nossa Senhora, a santa e Imaculada Virgem Maria (8) Na mesma Liturgia Etiópica encontramos nas orações que acompanham o Batismo a seguinte terminação de uma delas: Pela intercessão da Virgem, cheia de graça, Maria, Mãe de Deus, que é santa em tudo (9)

* * *

Terminemos o primeiro século com uma passagem de Santo André, Apostolo, expondo a doutrina cristã ao proconsul Egeo, passagem que figura nos atos do Martírio do Santo Apostolo, e data do primeiro século.

O primeiro homem tendo sido formado de uma terra imaculada, era necessário que o homem perfeito nascesse de uma Virgem igualmente Imaculada, para que o Filho de Deus, que antes formara o homem, reparasse a vida eterna que os homens tinham perdido (10)

8) Hoc est corpus et hic est Sanguis Domini et Servatoris nostri, Jesu Christi, quod, et quem assumpsit ex Domina nostra, Sancta et Immaculata Virgine Maria. (ibid)

9) Intercessione plenae gratiae Virginis Genitricis Dei Mariae, quae in omnibus est Sancta. (Ibid.)

10) Et propterea quod ex immaculata terra creatus. fuerit primus homo, necesse erat ut ex immaculata Virgine nasceretu perfectus homo, quo Filius Dei, qui antea condiderat hominom, vitam aeternam quam perdiderant homines, per Adamum repa aret. (Cartas dos Padres de Acaia)

* * *

Há, sem dúvida, mais outras testemunhas do primeiro século; entretanto, parece que os mais positivos e comprobativos são os que precedem.

Que é que se pode dizer mais do que estas liturgias apostólicas de São Tiago, de S. Marcos e de Santo André?

Impossível dizer mais e dizer melhor.

Tais Liturgias não são obras diretamente inspiradas pelo Espírito Santo, porém têm o valor da autoridade apostólica, tendo sido aprovadas e usadas pelos próprios Apóstolos.

Há diversos outros documentos de primeiro valor, quanto à doutrina, mas cuja autenticidade é contestada, de modo que, pela dúvida, perdem o seu valor comprobativo.

O mártir Santo Inácio, Bispo de Antioquia, que foi, diz a tradição, a criança que o Salvador colocou diante dos Apóstolos, dizendo que aquele que se humilhar como esta criança será o maior no reino do céu, Santo Inácio deixou umas cartas, nas quais figuram duas passagens afirmando a Conceição Imaculada de Maria, mas tendo sido discutida a autenticidade destas cartas, não quero citá-las aqui.

É certo que todos os Santos Padres não falam expressamente da Imaculada Conceição, porém todos eles explicam o Capitulo III do Gênesis e a Ave Maria, de modo a excluir a Sma. Virgem do pecado original.

A doutrina da Imaculada Conceição era conhecida no primeiro século, e era admitida por todos; de modo que nenhuma contestação levantou-se a este respeito, na primitiva Igreja.

 

III. No segundo século

A doutrina dos Apóstolos, firmada em suas Liturgias, foi adotada em todas as Igrejas, de modo que em toda parte. era conhecida a Conceição Imaculada de Maria.

Não havendo nenhuma discussão a este respeito, não havia necessidade de tratar expressamente desta verdade.

Os escritos dos Santos Padres, do segundo século, falam deste privilégio, como de um fato indiscutível, sem procurar prová-lo ou explicá-lo.

Usam locuções, comparações, antíteses que atestam na Sma. Virgem uma plenitude superabundante de graça, que supõe necessariamente a preservação inteira de todo pecado.

Entre os escritores e oradores deste século contamos sobretudo: São Justino, apologista e mártir, Tertuliano e SantoIrineu.

Citemos apenas umas breves passagens destes três ilustres representantes do século segundo.

São Justino, explicando o texto de S. Mateus (12,48): Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos, escreve: "Jesus Cristo falando, deste modo, dos outros, não pretendia privar a sua mãe da honra que lhe é devida; mas quis mostrar qual é a maternidade pela qual a Bem-aventurada Virgem Maria deve ser proclamada Bem-aventurada.

De fato, se aquele que ouvir e guardar a palavra divina torna-se o irmão, a irmã, a mãe de Jesus Cristo, é evidente que em virtude deste duplo título, Maria deve ser chamada Bem-aventurada.

Ouvir e guardar a palavra de Deus é um ato de virtude; é a obra própria de uma alma pura, que não procura senão a Deus.

Ora, Deus não escolheu uma mulher qualquer entre as mulheres, mas sim aquela que sobrepujava incomparavelmente todas as outras, pela excelência de suas virtudes.

"Jesus Cristo quis, pois, que Maria fosse chamada sua Mãe, por causa desta excelência, que a fez escolher para dá-lo à luz e tornar-se a sua Mãe, sem cessar de ser virgem». (11)

Tertuliano em diversas partes faz o paralelo entre Eva e Maria, e conclui: Eva acreditou no demônio, transformado em serpente, Maria acreditou na palavra do anjo Gabriel; a falta que a primeira cometeu pela sua credulidade, a segunda apagou-a pela sua fé.

Santo Irineu repete o mesmo paralelo entre Maria e Eva, que era um argumento popular neste tempo, fazendo sobressair a Conceição Imaculada de Maria.

Sem este privilégio, de fato, longe de ser superior a Eva, Maria lhe seria profundamente inferior, exatamente num ponto em que o seu destino reclama uma superioridade, ou pelo menos, uma igualdade indiscutível. (12)

Tal é a doutrina de Santo Irineu, que tinha aprendido na escola dos primeiros discípulos, dos apóstolos, e tal era a crença geral dos cristãos do segundo século, a respeito da pureza Imaculada de Maria.

11) Non quam libet foeminam elegit Deus, sed omnium foeminarum virtutibus excelentissimam, propterea volebat ob bane virtutem praedicari Matrem suam, per quam virtutem illa id assecuta fuisset, ut Virgo Mater fieret (S. Just. Q. 135 ad Orthod.)

12) Sicut Eva inobediens facta est, et sibi et universo generi humano causa facta est mortis: sic et Maria habens proedestinatum virum, tamen Virgo obaudiens, et sibi, et universo generi humano, causa facta est salutis.

A palavra Imaculada é menos vezes explicitamente pronunciada pelos Santos Padres do segundo século, porém a doutrina é a mesma, e exprime sempre a pureza virginal e Imaculada de Maria.

 

IV. No Terceiro século

O terceiro século, mais rico em vultos eminentes, é entretanto menos abundante em testemunhos expressivos sobre a Imaculada Conceição.

Encontramos neste século os santos Hipólito, Gregório de Neo-Cesareia, Cipriano e o grande Orígenes, todos estrelas luminosas no firmamento da Igreja, ainda perseguida, mas triunfante em todos os países.

Santo Hipólito, Bispo de Porto e mártir, escreveu em 220: "O Cristo foi concebido e tomou o seu crescimento de Maria, a Mãe de Deus, toda pura... quando o Senhor Jesus Cristo terá vindo entre nós, segundo a carne, pelo nascimento da santa e Imaculada Virgem". (13)

Mais além ele diz ainda: "Como o Salvador do mundo tinha decretado salvar o gênero humano, Ele nasceu da Imaculada Virgem Maria". (14)

13) Christus, qui eximpolluta, ac Deipara Maria ortiuu sumpsit, atque incrementum... Cum Dominus Jesus Christus secundum carnem advenerit ex Sancta et Immaculata, Virgine. (S. Hipol.; Orat. in Cons. mundi)

14) Cum Salvator mundi genus humanum salvare decrevisset, ex immaculata Maria Virgine natus est. (Ibid.)

São Gregório não é menos explícito, embora não empregue o termo Imaculada, mas sim um termo equivalente,

Temos deste Santo cinco sermões sobre a Anunciação de Maria.

Recolhemos umas curtas citações deste escrínio precioso:

"Convinha que a graça escolhesse só a Maria, entre todas as gerações, diz ele, pois ela era prudente e instruída em tudo, e entre os descendentes de Adão era impossível encontrar outra que lhe fosse semelhante". (15)

Um pouco além o santo orador continua:

Antes de tudo, o Anjo dirige oficialmente estas palavras à Virgem Santa: Ave, cheia de graça, porque o tesouro inteiro da graça estava depositado nela; porque só esta Virgem era perfeitamente Santa de corpo e de espírito; ela só carregava aquele que sustenta todas as coisas pelo seu Verbo. (16)

15) Convenienter igitur Sanctam Mariam, ex omnibus generationibus, soiam gratiam elegit: nam prudens revera, ac sapiens in cunctis erat, nec similis ei ex omnibus generationibus ulla unguam est reperta. (S. Greg. in Aunun)

16) Angelus Sanctae primo omnium illud: Ave gratia plena, praesignifica vit quoniam cum ipsa totius, gratiae thesaurus reconditus erat: ex omnibus enim generationibus, haec sola Virgo Sancta corpore et spiritu extitit, solaque feri eum qui Verbo omnia portat. (S. Gr.: in Annunt.)

Há aqui três indicações expressas da Imaculada Conceição.

Como é que o tesouro inteiro da graça estaria depositado em Maria, se lhe faltasse a primeira e a mais importante das graças: a justiça original?

Como seria ela só perfeitamente Santa, se ela não o fosse mais que outros Santos, e o fosse só de mesmo modo que eles?

A virgindade da alma de Maria, isto é, a sua santidade Imaculada, não podia ser inferior à virgindade de seu corpo, e São Gregório não separa uma da outra.

Precisaria citar estes sermões inteiramente: são chamas do mais ardente amor à Virgem Santa e uma profissão pública e doutrinal de sua Imaculada Conceição.

Citemos apenas umas curtas frases tomadas aqui e acolá nestes discursos.

"Ave, cheia de graça, flor Imaculada de vida!"

"Jesus Cristo nasceu da pura, casta e Imaculada Virgem Maria..."

"Ave, cheia de graça, pois estás revestida de uma veste Imaculada."

"O mensageiro incorpóreo foi enviado a uma Virgem sem mancha e Imaculada; é enviado, Ele, livre de todo pecado, à Virgem isenta de mancha e de corrupção". (17)

17) — Ave, gratia plena, flos vitae immaculatus.

Jesus Christus ex pura, et casta, et impolluta, ac Sancta Maria Virgine progreditur...

Ave, gratia plena... quoniam immaculatam induta es ventem.

Missus est Servus incorporeus ad Virginem Inviolatam, atque immaculatam: missus est a peccato liber, ad corruptionis, seu labis expertem.

São Cipriano, bispo de Cartago, em 250, não é menos explícito. Num sermão sobre a festa de Natal, ele diz: "A justiça divina nada pode repreender em Maria. ela era um vaso de eleição; ela diferia de todos os outros filhos de Adão; a sua natura, de certo, era a mesma, mas ela não partilhava a sua culpabilidade. Ela possuía um privilégio que nenhuma outra mulher, nem antes nem depois dela, merecia obter: as honras da maternidade, unidas às da virgindade".

"Por isso, era devida a plenitude da graça à Virgem Santa, e uma glória mais abundante, pois ela era dotada da integridade espiritual da carne e do Espírito, e gozava, por dentro e por fora da presença corporal de Cristo". (18)

 

Orígenes. Rematemos estas citações tão belas, expressivas e amorosas, com uma última obras de Orígenes, que vivia em 226, e parece resumir a doutrina e as tradições de sua época.

Ele escreve: "Maria, a Virgem Mãe do Filho único de Deus, é proclamada a digna Mãe deste digno Filho, a Mãe Imaculada do Santo e imaculado, sendo ela única, como único é o seu próprio Filho". (19)

Este texto reconhece em Maria uma santidade e uma pureza correspondentes, enquanto possível, à santidade e a pureza de seu Filho único; ela é pois imaculada como é imaculado o seu Filho... O que Jesus é por natureza, ela o é por uma graça particular.

18) Nihil in hoc repetiit ultro.. Plurimum a coeteris differens; natura communica bat, non culpa.

Erat ei Proprium Privilegium, quod nulla mulierum nec ante, nec deinceps merult obtinere, quod erat sinui Mater et Virgo Singulis titulis insignita. Unde et Matri plenitudo gratiae delebatur, et Virgini abundantior glória, quae carnis et meotis integritate insiginis spirituall et corporall latus, et oxtra, Christi preesentia fruebatur (S. Cipr. Serm. in Nativ.)

19) Hujus itaque unigeniti Dei dicitur basc Mater Virgo Maria, digna digni, immaculata Sancti et immaculati, una unius, unica unici. (Orig. Hom. 1 in Mat)

Orígenes põe as seguintes palavras sobre os lábios do anjo, dirigindo-se a São José: "Recebei, Maria, como o tesouro do céu, confiado a vosso cuidado, como as riquezas da divindade, “como a plenitude da Santidade, como a justiça perfeita.

"Recebei-a como a morada do Filho único de Deus, como um templo digno de toda honra, como a casa de Deus, como a propriedade do Criador, o palácio imaculado do Rei e do Esposo Celeste". (20)

Em outro Sermão, Orígenes, faz ainda o mensageiro Celeste dizer a São José: "Este menino não precisa de pai na terra, porque tem um pai incorruptível no céu; não precisa de Mãe no céu, porque tem uma Mãe Imaculada e casta na terra, esta Virgem bem-aventurada, Maria". (21)

Citemos mais uma passagem de Orígenes, de uma beleza e de uma lógica, dignas deste gênio extraordinário; extraímos a passagem de um antigo Breviário romano: "A bem-aventurada Virgem Maria não foi iludida pelas palavras persuasivas da serpente, nem envenenada pelo se sopro mortífero." O que significa claramente que foi isenta da culpa original, fruto das palavras da serpente que excitaram os nossos primeiros pais à desobediência contra Deus.

Vê-se claramente que a doutrina, tão claramente exposta pelos Apóstolos em sua Liturgia, continua a ser professada como uma verdade indubitável, certa, divina; são até expressões e comparações idênticas, e muitas vezes é a repetição dos mesmos termos.

20) Accipe ergo Mariam, sicut commendatum celeste; thesaurum, Deitatis divitias, sicut plenissimam sanctitaten sicut perfectam justitiam.

Accipe eam sicut Unigeniti mansionem, sicut honorabile templum, sicut domum Dei, sicut creatoris omnium propria, sicut Regis Coelestis Sponsi domum immaculatam. (Orig.: Hom. 1 in Mat.)

21) Hic puer non indiget patre super terram: incorruptibilem enim babet Patrem in excelsis. Non indiget Matre in coelis: immaculatam et castam habet matrem in terra, bane multam Beatam Virginem Mariam. (Orig.: S. 3 in Mat)

V. No quarto século

Do terceiro, penetremos no quarto século, mais fecundo e mais luminoso ainda que o terceiro, afirmando o grande privilégio da Mãe de Jesus.

Temos diante de nós as figuras incomparáveis de Santo Atanásio, de Santo Éfrem, de São Basílio Magno, de Santo Epifânio, de São Gregório de Nisse, de São Jerônimo, de Timóteo, de São Sofrônio e de São João Crisóstomo.

É a plêiade gloriosa de grandes Apóstolos do culto da Virgem Santíssima, e de modo particular de sua Imaculada Conceição.

Devo limitar-me a curtas citações, senão haveria assunto para um livro inteiro.

Santo Atanásio, o invencível pioneiro da glória da Mãe de Deus contra os hereges do Oriente, exclama com entusiasmo comunicativo: "É justo que te aclamemos a nossa Mãe, nossa Regeneradora, nossa Soberana, nossa Mestra, porque o Rei supremo, o Senhor, nosso Deus saiu de ti, Tu estás sentada a seu lado. Para nós ele é temível, mas para convosco ele só doçura e vos concede toda graça.

Por isso, o anjo vos proclamou: cheia de graça, a vós que possuis toda a graça em abundancia". (22)

22) Decet te matrem, regeneratricem, Dominam atque heram cognominari, ex eo quod ex te prodiit Rex, Dominus ec Deus noster, assistentem illi, nobis quidem terribili, tibi sutem dulci omemque gratiam largienti: qua de causa fae tum est ut gratia plena appelata sis, utpote quae omni gratia abundures. (St. Athan. Serm. de Sma. Deipara)

Santo Éfrem, o sírio, dirigindo-se à Maria, diz: "Vós sois Imaculada, sois sem mancha e sem defeito, sois a própria pudicidade, nenhuma mancha, nenhuma sombra de pecado pode aproximar-se de vós, ó Virgem esposa de Deus e nossa Soberana". (23)

S. Basílio Magno, poucos anos depois, introduziu na Liturgia, que conserva o seu nome, as seguintes palavras, que o Diácono deve cantar: “Fazemos comemoração de nossa Santíssima, intemerata Senhora, Maria, Mãe de Deus e de todos os Santos”.

E o Diácono responde:“Guardai-nos, ó Deus, pela vossa graça, nós que fazemos comemoração de nossa Santíssima e Imaculada Senhora, a Mãe de Deus com todos os Santos." (24)

Santo Epifânio não é menos entusiasta em anunciar as glórias da Mãe de Deus: "Sois cheia de graça, diz ele num sermão, ó Virgem Bem-aventurada. Fora de Deus, sois superior a tudo o que existe. Sois mais bela pela vossa natureza, que os próprios querubins e Serafins e todo o exercito dos Anjos... Sois um lírio imaculado... sois a ovelha Imaculada que deu à luz o Cordeiro de Deus, que é o Cristo". (25)

23) Immaculata, intemerata, incorrupta et prorsus pudica atque ab omni sorde, et labe peccati alienissima, Virgo Dei Sponsa ac Domina nostra (Sto. Éfrem: Serm. 2 de laud. V. M.)

24) Sanctissimae, intemeratae, Domínatricis nostrae, Deique Genitricis Mariae, cum omnibu Sanctis Commemorae es. Custodi nos, Deus, gratia tua, Sanc issimae, ec. Basil. M. Liturgia.

25) Gratia plena es Beata Virgo, solo Deo excepto, cunctis superior es; natura formosior es ipsis Cherubim, Seraphim, et omni exercitu Angelico,

Lilium Immaculatam, ovem immaculatam, quae peperit Agnum Christum (S. Epif.: Serm. de laud. B. V.)

Santo Ambrósio, Bispo de Milão, é tão expressivo e positivo que os outros Doutores deste século, diz: "Maria foi esta Virgem milagrosa, ao mesmo tempo isenta do nó do pecado original e da casca do pecado venial".

E ainda: "Deste rebanho saiu Maria, a ovelha santa, Imaculada e sem mancha". (26)

São Gregório de Nisse segue Santo Ambrósio (380) e faz uma graciosa comparação entre a Encarnação do Verbo e as núpcias dos filhos dos homens.

A divindade quer unir-se à humanidade:

Foi escolhido o seio da Virgem Maria, por causa de sua incomparável pureza, como a sala nupcial, em que deve efetuar-se o grande mistério. Foi necessário que não houvesse nenhuma mancha neste Tabernáculo, iluminado pelos esplendores do Espírito Santo; foi necessário que a pureza de Maria fosse incorruptível". (27)

São Jerônimo, o grande luzeiro exegético do IV século, professa igualmente a verdade, universalmente admitida, da Imaculada Conceição.

Numa de suas cartas, ele escreve que "a Santíssima Virgem foi sem mancha e alheia a todo contágio do pecado.

26) Virgam in qua nec nodus originalis, nec cortex venialis culpae fuit — De hoc grege Sancta et immacalata et intacta illa ovis processit, Sancta Maria. (S. Ambr.: Hom. sup. Cain et Abel)

27) Solus ex universis hominum myriadibus, de puritate Virginea electus est, cujus Conceptio sine duerum conjunctione perfecta, partus minime inquinatus, parturigo loloris expers. Cujus thalamus Altissimi potestae, quae tam nubes virginitatem ipsam inumbrans, tax nuptialilis Spiritus Sanca splendor, cabile vitiorum expers, conditio nuptiae puritas incorrupta. (Greg. Naz.: Hom. 19 in Cant)

Explicando as palavras do Cântico: Veni Columba mea, immaculata mea, ele escreve: Maria apresenta em tudo a simplicidade da pomba porque não há nela nada que não fosse toda pureza, toda simplicidade, toda verdade e toda graça. Ela é pois Imaculada, porque não tem nenhum vestígio de corrupção. (28)

Timóteo, sacerdote de Constantinopla e um dos grandes oradores desta época, é mais positivo e mais claro ainda que os seus contemporâneos: Citemos apenas o seguinte trecho, de uma beleza sem par: "A Virgem Maria, mais imaculada que todas as criaturas, e mais santa que todos os santos, pela graça daquele que se dignou habitar nela, goza da imortalidade".

E ainda: A Virgem é mais Imaculada do que se pode exprimir, e santa de todos os modos. (29)

São Sofrônio, Patriarca de Constantinopla, repete e espalha a mesma doutrina: "Ó Gabriel, exclama ele, dirigindo-se ao Arcanjo, que, pela vossa palavra, anunciando a salvação, tendes inundado de alegria, a alma bem-aventurada e inocentíssima da Santíssima e puríssima Mãe de Deus, nossa Soberana..."

28) Impollutam et alienam a contagione peccatí. Simplicitatem columbae in omnibus repraesentans, quoniam quidquid in ea gestum est, totum puritas et simplicitae, totum veritas et ratia fult: et ideo immaculata quis in nullo corrupta (Jeron.: Epist. do Assump.)

29) Unde etiam supra omnes inculpata, et omnibus modis Sancta Virgo, per Ilum, qui domicilium habuit in ea usque adhuc immortalis est.

Virginem supra quam dici potest inculpatam, omnibusque modis Sanctam. (Timot. im Orat, do Stmeo nc).

E mais além, ele diz: "Ó vós que almejais fazer-nos o bem, colocai-me no número dos vossos justos, e fazei-nos partilhar a vossa alegria; eu vô-lo peço, pela intercessão da vossa Mãe sempre inocente..." Diz ainda: "Maria foi santa e admirável; ela e deliciava nas coisas de Deus; seu corpo, a sua alma e sua inteligência foram isentas de toda mancha".

A Virgem Santa foi escolhida, deste modo, e o seu corpo e sua alma foram santificados, de tal modo que a Encarnação se realizou ficando ela pura, casta e Imaculada.

O Verbo encarnou-se verdadeiramente do sangue inviolável e virginal da Santa e Imaculada Virgem Maria.(30)

São João Crisóstomo. O quarto século termina com a figura luminosa de São João, Crisóstomo, que os séculos apelidaram boca de ouro.

Suas admiráveis homilias estão repletas de citações a respeito da Imaculada Conceição.

30) O Gabriel, qui beatissimam, incuipatissimam, Sacratissimae, purissima eque Dominae nostrae Genitricis Dei Mariae animam, laeta salutareque annuntiatione ingenti gaudio imbuisti...

Inculpatae Matris tuae intercedente...

Mariae Sanctae, preciaraeque, et quae Dei sunt sapientis, ab omni contagione iiberae, et corporis, et anima, et intellectus... Icieo Virgo Sancta accipitur et corpus animaque sanctificatur, quae ita ministravit incarnationi, ut mundi et casta et incontaminata...

Ex Inviolabili et virginali sanguine Sanctae atque Imacula Virginis Mariae, Verbum vere factum est incarnatum, (S. Sofron.: Epist, ad Sergium)

Na Liturgia por ele redigida encontra-se diversas vezes esta prerrogativa da Mãe de Jesus.

"Fazendo memória da Santíssima, incontaminada, sobre todos Bendita, de nossa gloriosa Senhora, Mãe de Deus e sempre Virgem Maria..."

E um pouco além:

"Sobretudo em honra de Nossa Senhora, Santíssima, Imaculada, sobre todos Bendita e Mãe de Deus."

"É verdadeiramente digno e justo que vos glorifiquemos, Mãe de Deus, sempre bem-aventurada, inteiramente sem mancha, Mãe de nosso Deus, incomparavelmente mais digna de honra que o Querubim, e mais digna de glória que o Serafim." (31)

um Sermão sobre a Anunciação, o Santo diz que "Maria é Imaculada, que a Virgem entregue a São José como esposa, é um lírio fechado, uma Virgem sem mancha." (32)

31) Memoriam agentes Santissimae, incontaminatae, super omnes benedictae, gloriosae Dominae nostrae Deiparae et semper Virginis Mariae.

Praecipue pro Sanctissima, Immaculata, super omnes benedicta Domina nostra Deiparae.

Vere dignum e justum est, glorificare te Deiparam, semper beatissimam, penitus incontaminatam Matrem mostri, honoratiorem Cherubim et gloriosiorem incompariiliter Seraphim (S.; Chryos.: in Liturgia).

32) Maria desponsata Joseph: dabitur hic liber obsignatus viro scienti litteras, id est Virgo plane immaculata fabro Joseph. (Chrys.: Serm de Annunt).

Eis textos que deslumbram e exaltam a fé do católico, vendo brotar da alma dos primeiros Doutores da Igreja os mesmos acentos de fé, de confiança e de amor, com que, hoje ainda, a Igreja Católica aclama a Virgem Santíssima, chamando-a a Virgem Imaculada, a Mãe de Deus, a Soberana do Céu e da terra, e nossa Mãe querida.

Bastaria destas provas para mostrar a inviolável fidelidade do culto católico ao ensino da Bíblia e às tradições apostólicas, espalhadas no mundo inteiro e através de todas as gerações.

Se os pobres protestantes lessem e quisessem compreender estes acentos dos primeiros cristãos, esta tradição tão fielmente conservada, pela palavra e pelos escritos das primeiras autoridades da Igreja, ficariam plenamente convencidos de que a Igreja nada inventou, nada mudou, nada ajuntou, mas apenas conservou na integridade a palavra divina e as instituições apostólicas.

Podia continuar e multiplicar as citações, cada vez mais numerosas dos outros séculos; porém, para não prolongar exageradamente esta exposição, daqui em diante citarei apenas uns Curtos textos de uns representantes de cada século, até chegar à proclamação definitiva e oficial pela Igreja, de um dogmaimplicitamente contido na Sagrada Escritura e explicitamente transmitido pela tradição dos Apóstolos e primeiros cristãos.

Estas duas fontes da verdade: a Bíblia e a tradição, recebendo da autoridade infalível da Igreja a sua plena confirmação e expansão, fazem refulgir hoje no mundo com todo o seu resplendor, este belo, suave e luminoso privilégio, da Imaculada Conceição de Maria.

 

VI. No quinto século

Neste século encontramos as figuras radiantes dos Santos Agostinho e Cirilo, Proclus, S. Basílio, Teodoreto, S. Leão Magno e S. Pedro Crisólogo, além de muitos outros de menor importância.

Santo Agostinho, o nobre filho espiritual de Santo Ambrósio e Doutor dos doutores, abre o quinto século! Citemos dele apenas a seguinte passagem:

"Quem poderá dizer: eu nasci sem pecado?

Quem poderá ufanar-se de ser puro de toda a iniquidade, senão esta Virgem prudentíssima, esta templo vivo de Deus, que o próprio Deus escolheu e predestinou, antes da criação do mundo, para que ela seja a Santa e Imaculada Mãe de Deus, para que ela seja a filha preservada de toda corrupção e de toda mancha do pecado?

São Cirilo de Alexandria, o generoso defensor da glória de Maria contra os ataques de Nestório, escreve: "É temerário dizer que Maria tenha sido culpada de qualquer falta, ou de qualquer pecado".

Proclus, Bispo de Cizico, disse no Concílio de Éfeso e explicou que não havia nenhuma inconveniência para a santidade divina, em fazer a sua morada no seio de Maria, porque ele mesmo a tinha criado pura e sem mancha.

"A carne de Maria é perfeitamente pura, pela razão de ela não ter sido atingida pela mancha original,

São Basílio, Bispo de Selêucia, exclamou, no fim de um discurso: "Ó Virgem tês vezes santa; aquele que disser de vós as maiores maravilhas e exaltar o mais alto a vossa glória. não deve recear de ultrapassar os limites da verdade, pois nunca as suas palavras poderão igualar à sublimidade de vossa grandeza, Maria é três vezes santa, porque foi pura do pecado original, do pecado mortal e do pecado venial".

Teodoreto, outra glória deste selo, escreve: "Entre tantas almas humanas que estão salvas, aparece só e única, tal uma pomba escolhida, a Virgem de quem nasceu o Cristo, Maria, Virgem e Mãe, Maria, cuja pureza sobrepuja a dos Querubins e dos Serafins.

São Leão Magno, que viveu em 440, escreve: "Uma Virgem real foi escolhida da raça de Davi; ela concebe um filho em sua alma, antes de concebê-lo em sua carne.

A alma de Maria não devia ser menos virginal, menos ao abrigo de toda mancha, que a sua carne, pois devia ela conceber o Senhor com a a carne."

São Pedro Crisólogo termina a serie dos doutores do quinto século, e escreve: "Era justo que tudo fosse conservado intacto em Maria, que deu a vida ao Salvador de todos.

 

VII. No Sexto e sétimo século

A medida que nos vamos afastando dos Apóstolos o número dos doutores vai crescendo, e as citações podem ser mais numerosas; porém, para maior brevidade escolho apenas os vultos de maior destaque, e que mais expressamente trataram da Imaculada Conceição.

Encontramos neste século os santos Fulgêncio, Anastácio, André de Jerusalém, Hesíquio, Ildefonso, Elói, e o grande inimigo dos cristãos: Maomé.

São Fulgêncio disse em um sermão: "A malícia do demônio corrompeu a alma seduzida do primeiro homem; mas a graça de Deus conservou, em toda a sua integridade, a carne e a alma da Mãe do segundo Adão".

Anastácio, o Sinaíta, escrevia em 544, em suas contemplações: "Dizei-me, quem entre homens ou demônios ousaria pretender que Aquela, cuja carne é da mesma essência que a carne do Filho de Deus, não foi feita à imagem e semelhança d'Aquele que dela nasceu?

Como seria ela a Mãe de um tal Filho, se ela não trouxesse em si mesma, em toda a sua integridade, a imagem de seu Filho?

André de Jerusalém, numa Homilia sobre a morte de Maria Sma, disse: Maria era Imaculada, sem mancha; a plenitude da castidade sobrepujava n'ela tudo o que existia: Que: cum esset immaculata,... impolluta...»

Hesyehlo de Jerusalém vivia no começo: do 7.º século. Deixou diversos discursos sobre a Virgem Maria nos quais chama Maria: Pomba Imaculada, toda pura, Virgem escolhida entre as Virgens, glória da terra, adorno da natureza, e termina, dirigindo-se à Maria. "Maria,porque sois pura de toda mancha, porque sois conservada, tal um templo incorruptível, tal um Tabernáculo sem mancha, o Pai Eterno vem habitar em vós, o Espírito Santo vos cobre com sua sombra, e o Fi- lho único de Deus se reveste da vossa carne e nasce de vós!"

Santo Elói, Bispo de Noyon, falando da Purificação, diz: Deve-se considerar como não tendo contatado nenhuma mancha Aquela que o Espírito Santo cobriu com sua sombra e que deu à luz o autor de toda pureza e de toda santidade."

Santo Ildefonso diz por sua vez: É constante que foi isenta de toda falta original esta Virgem, pela qual a maldição de Eva não foi somente retratada, mas pela qual a bênção foi dada a todos". Constat illam ab omni peccato originali fuisse immunem.

Este século fecha-se por um testemunho insuspeito, do grande inimigo dos cristãos deste tempo Maomé, o fundador do Islamismo.

Este inimigo do nome cristão escreve estas linhas curiosas em seu Alcorão: "Ninguém, entre os filhos de Adão, nasce sem ser tocado por Satanás, e este toque de Satan causa choros e gritos. Somente Maria e seu Filho foram isentos, — "Maria, vós sois mais ilustre que todos os homens e todas as mulheres. Ó Maria, Deus vos escolheu, Deus vos purificou, Deus vos fez mais gloriosa que as mulheres de todos os séculos".

 

VIII. No oitavo e nono séculos

S. Germano abre o oitavo século com as nas belas homilias sobre a Imaculada Conceição, tão belas que a Igreja as escolheu para figurarem no 3º, Noturno da festa.

Em outro livro ele diz: "O Pontifice, pelo paramento de que é revestido, representa a carne de Jesus Cristo, esta vestidura vermelha e sangrenta, que reveste o Deus imaterial, tal uma vestimenta tingida de púrpura, pelo sangue imaculado de sua mãe. (1)

Nas atas do sexto Concílio geral sob o pontificado de Santo Agatão, lemos uma afirmação categórica da Imaculada Conceição.

1) Ut purpuram tinctam ex immaculato sanguine Deipare (In Theoria rerum ecci.)

Lemos no capitulo VIII das Atas: "Confessemos que N. S. J. Cristo encarnou-se por operação do Espírito Santo, da Santa e Imaculada Maria, Nossa Senhora, Mãe de Deus e sempre Virgem." (2)

2) Confiteamur Dominum nostrum J. Chr. incarnatum esse de Espíritu Sancto, et sancta, immaculataque Domin nostra, Dei Genitrice, semperque Virgine Maria (VI Syn. gen: act, 8).

E no capítulo XVIII. lemos ainda: O Cristo habitou no seio da Virgem, Mãe de Deus, tomando carne de sua carne santa e imaculada, pai fazer dela a sua própria substância. (3)

Vem depois o admirável S. João Damasceno, o grande defensor da Imaculada Conceição: "Ó Santíssima filha de Joaquim e Ana, exclama ele, fostes conservada Imaculada par serdes a Esposa de Deus." (4)

Em outro logar o Santo diz que o sangue de Maria sendo a matéria prima do sangue e da carne do Salvador, devia ser um sangue absolutamente puro e imaculado. (5)

Este termo — Imaculada — encontra-se a cada página das obras do Santo.

Falando de Maria, ele a chama a cada passo: Sagrada e toda Imaculada — Sacra, prorsus immaculata.

Um Concílio de 760, diz expressamente que Jesus Cristo se fez homem de uma terra animada e imaculada. (6)

3) Ex sancta et immaculata. carne ejus inpropria substantia carnem assumpsisse (Idem,: Act. 18).

4) Atque Immaculata conservata in Dei Sponsam (Serm.in Nat. M. V.)

5) Cujus natura primitiae, ex purissimis etilibatis, ac prorsus immaculatis Sanctae Virginis sanguinibus suscipiens, etc. (Orat. S. de Nat. M.)

6) Melaore quidem terra animata, et immacuiata (Concílio de Francfort: Epist. ad Episc.)

* * *

No nono século são menos numerosas es obras que sobreviveram, sobre o culto da Sma, Virgem, porém a mesma tradição continua e manifesta-se nos escritos dos Santos desta época.

S. Nicéforo, Patriarca de Constantinopla, em 811 dirigiu ao Papa Leão III uma carta em que se lê o seguinte: "O Filho de Deus abitou o seio da Santíssima e puríssima Virgem Maria, Mãe de Deus, em sua alma e em sua carne que o Espírito Santo purificara de antemão".

Termina a mesma carta: "Pela intercessão de sua Mãe Imaculada e puríssima (7).

O grego Teófano deixou um hino sobre a Anunciação, em que lemos esta estrofe expressiva: "Achaste graça diante do Senhor, uma graça que nenhum outro achou, senão tu, ó Imaculada". (8)

E mais além esta bela e entusiasta glorificação: "A graça vos foi dada, ó divina Mãe de Deus. Toda a criatura clama por vós, ó ninfa de Deus, pois somente vós sois a Mãe predestinada e Imaculada do Filho. Salve! Virgem, nossa Soberana. Salve! oh! imaculatíssima!

Salve, receptáculo de Deus". (9)

Encontram-se passagens idênticas nos escritos de Strabão e nas homilias de Aleula — duas figuras de alto relevo deste século.

7) Intercessionibus Immaculatas et incontaminatas ejus Matris, et omnium Sanctorum (Epist. ad Leo. P.)

8) Invenisti gratian apud Dominum, quam invenit nunquam alia quaepiam, o Immaculatissima (Hymn)

9) Tu enim sola Mater filli praelecta es Immaculata...

Ave Immaculatissima, Ave Receptaculum Dei. (id: Hymn)

 

IX. Décimo e undécimo século

O decimo século brilha pela instituição de uma festa pública em honra da Virgem Imaculada, a pedido do Imperador Leão — o Filósofo.

Este século viu o admirável Raimundo Jordão, Cônego regular de Santo Agostinho, que se escondeu sob o apelido de "Idiota".

O Idiota tem passagens admiráveis sobre a Sma. Virgem.

"Ó Maria, sois toda formosa em vossa Conceição, diz ele, pois fostes formada unicamente para ser o Templo do Altíssimo!

Jamais a mínima mancha, o mínimo sopro: do vício ou do pecado, tocou a vossa alma gloriosa! Jamais faltou qualquer coisa à beleza, à graça, à virtude de vossa alma!...

Sois toda bela, ó Virgem gloriosíssima, não sob um ou outro aspecto, mas inteiramente!

Não há em vós nenhuma mácula de pecado, seja mortal, seja venial, seja original: Nunca houve e nunca haverá". (10)

10—Tota pulchra es in tua Conceptione.... et macula peccati, sive mortalis, sive venialis, sive originalis, non est in te, nec unquam fuit, nec erit (Idiota: Contemp. de V. Deip. c3).

S. Fulberto de Chartres, Bispo de Chartres, não é menos explicito. Num Sermão sobre: a Natividade ele diz:

"A alma e a carne d'Aquela que a sabedoria de Deus escolhera para habitar nela, foram absolutamente puras de toda malícia e de toda mancha".

E ainda: "Vós fostes Imaculada desde o primeiro instante de vossa criação, porque devíeis dar à luz o Criador de toda a Santidade". (11)

* * *

A festa da Imaculada Conceição, instituída no século décimo, estende-se cada vez mais, e torna-se quase universal.

Do Oriente, penetra no Ocidente e espalha-se pela Normandia, Inglaterra, Itália e França.

Santos admiráveis, apóstolos ardentes levantam-se de todos os lados, para estender o culto da Virgem Imaculada.

S. Pedro Damião é conhecido pelos seus sermões sobre a Mãe de Deus.

Falando da Anunciação ele diz: "Depois que Deus criou todas as suas obras e as fez boas, ele fez qualquer coisa melhor ainda: consagrou-se um leito de repouso, formado do ouro puríssimo, na pessoa de Maria. Após a rebelião dos Anjos e dos homens, ele quis encontrar nela só o repouso e a tranquilidade".

"Só Maria, diz ele ainda, Mãe e Filha do criador não desceu nunca, não caiu nunca...

A carne da Virgem, que provém de Adão, não imaculada pela falta de Adão". (12)

11) Electa insignis inter filias, quae immaculata semper extitisti, ab exordio tuae creationis, quia paritura eras Creatorem totius Sanctitatis (S. Fulbert.)

12-Caro enim Virgins, ex Adam Su pia, maculas Adae non admisit (S. P. Dom.)

Santo Anselmo de Cantorbery é outro Apóstolo de Maria Sma. ele: escreveu um livro sobre a Imaculada Conceição, donde destacamos este pequeno trecho:

"Porque Jesus Cristo nasceu, segundo a sua divindade, do Padre Eterno, que é justo; era preciso, se nos podemos exprimir deste modo, que nascesse de uma mãe justa, segundo a natureza humana.

"Pode-se pois dizer, com toda verdade, que ela possuía a justiça original, em vez da injustiça que recebem de sua origem todos os descendentes de Adão".

E ainda: "Se na Conceição da mãe de Deus se encontrasse qualquer coisa do pecado original, não é nela que foi concebida, mas na pessoa de seus pais que é preciso procurar.

"Deus que faz que as castanhas se alimentem e amadureçam no meio dos espinhos, ficando entretanto separadas deles, não poderia então fazer a mesma coisa com a sua Mãe?

Certamente, Ele o pôde e Ele o quis; e se o quis, Ele o fez! Plane potuit et Voluit, quod si voluit, et fecit (lib de Concep.)

Santo Ivo de Chartres viveu neste mesmo tempo (1088). É outro defensor da Imaculada Conceição, cujos escritos chegaram até nós.

«Aprendamos, diz ele, como o Filho de Deus santificou a carne de sua mãe, para que o católico se alegre, e que o herege impuro fique confundido.

"Deus apagou nela toda a mancha do pecado original e do pecado atual, e tomou da carne de Maria, para formar a sua própria carne, à qual comunicou a pureza do próprio Deus". (13)

13) Omnem quipe naevum, tam originalis, quam actualis culpa in ea, delevit, sicque carnem de carne ejus sumens, samdem in divinis munditiam transformavit (Ivo: char: Serm.de Nat.).

 

X. Conclusão

Paremos um instante no limiar do décimo segundo século para constatar como nestes séculos mais remotos brilha, tal uma estrela, a verdade inconcussa da Imaculada Conceição.

Nenhuma oposição se levanta nem sequer parte dos hereges e outros inimigos da religião.

Todos os escritores católicos que tratando do assunto, manifestam a sua convicção plena e integral a uma verdade considerada de tradição apostólica.

Nenhuma voz discorde, nenhuma luta entre os teólogos, nenhuma reserva a este respeito.

Com o termo próprio — Imaculada — ou por ermos equivalentes, encontramos sempre Maria: toda bela, isenta de todo pecado, livre da mancha original, preservada de toda mácula.

É a Imaculada, tal qual, séculos após a Igreja a proclamará em definição dogmática, que usará para sempre como uma verdade implicitamente revelada no Evangelho, e explicitamente confirmada pela fé universal da catolicidade.

Notemos bem esta firmeza e esta unidade de ensino, tanto para preparar o nosso Espírito para eclosão final do dogma que deve desabrochar sobre esta haste, como para compreender e apreciar em seu justo valor, as hesitações que encontraremos nos dois séculos seguintes, hesitações permitidas por Deus, e até necessárias, para obrigar os teólogos a estudarem até no fundo esta gloriosa prerrogativa de Maria, e definir todas as suas consequências.

Como conclusão doutrinal, que resume tudo que acabamos de ver e sintetiza em faixo luminoso os diversos aspectos da Imaculada Conceição, reproduzo aqui um soneto feito pelo próprio demônio, em 1823, por intermédio de um menino iletrado de 12 anos de idade, possesso e exorcizado por dois Pares Dominicanos, na cidade de Ariano, da Apulia. (Italia)

Os dois Sacerdotes impuseram ao possesso a obrigação de provar teologicamente com soneto de rimas indicadas; Filho e Mãe, a Imaculada Conceição da Mãe de Jesus.

O pequeno possesso iletrado, num insta compôs o seguinte Soneto, que é pelo modo de dizer e pela profundeza da doutrina, uma obra inimitável, acima da capacidade intelectual de qualquer pessoa, por mais ilustrada que seja.

É o resumo de toda a doutrina da imaculada Conceição, e o eco perfeito e fiel da tradição dos doze primeiros séculos do Cristianismo:

 

Filho,

Mãe verdadeira eu sou, de um Deus que é

E d'Ele filha sou, bem que sua Mãe;

Ab aeterno, nasceu, mas é meu Filho,

Bem que nasci no tempo, eu sou sua Mãe

 

Ele é meu Criador, mas é meu Filho,

Sou criatura sua, e sua Mãe;

Prodígio foi divino, ser meu Filho,

Um Deus eterno e ser eu sua Mãe.

 

Comum é quase o ser, à Mãe e ao Filho,

Porque do Filho, teve o ser a Mãe,

E da Mãe teve o ser também o Filho.

 

Ora, se o ser do Filho teve a Mãe;

Ou se dirá que foi manchado o Filho,

Ou sem labéu se há de dizer a Mãe.

 

O mais sutil teólogo seria incapaz de ultrapassar, em firmeza e profundeza doutrinal, a exposição sucinta da Maternidade divina, da pureza virginal e da Conceição Imaculada de Maria.

O Papa Pio IX, tendo conhecimento deste soneto, leu-o, chorando de comoção, e proclamando-o uma exposição perfeita da Imaculada Conceição.

O demônio fez-se o panegirista obrigado do mais profundo dogma, que diz respeito à Mãe de Jesus.

É uma confissão forçada, permitida por Deus, para revelar ao mundo a grande prerrogativa de sua Santíssima Mãe, mostrando ao mesmo tempo a união íntima, sagrada, inseparável que existe entre o Filho e a Mãe.

 

CAPITULO VI

À Imaculada Conceição

SEGUNDO O DOGMA católico

Antes de expôr a irradiação completa da Imaculada Conceição, uma observação é necessária a respeito do desenvolvimento dos dogmas.

Os dogmas católicos, embora imutáveis objetivamente, mudam subjetivamente, conforme o degrau do inteligência e de penetração da pessoa que os estuda.

Há nos dogmas imutáveis "simplíciter" um verdadeiro crescimento "secundum quid".

E como se faz o tal crescimento?

Todas as verdades sobrenaturais, por disposição divina, passam, como que por três estados.

1º. A verdade simples, contida muitas vezes implicitamente em qualquer princípio universal.

2º. A impugnação, objeções, ataques dos inimigos da religião, ou dúvidas dos próprios teólogos.

3º. O estudo apurado ou a polemica na refutação dos erros, ou no esclarecimento das dúvidas, que põe em relevo os diversos aspectos da verdade impugnada.

É deste modo que procedia Jesus Cristo, ensinando os seus apóstolos.

Tenho muitas coisas a dizer-vos, diz Ele, mas vós não as podeis compreender agora (Jo16,13).

A Imaculada Conceição devia passar por esta tríplice fase de desenvolvimento.

No capítulo precedente assistimos à primeira fase: a verdade simples.

Vamos agora assistir à segunda fase: a impugnação, e terminaremos com a terceira: estudo apurado que vai dar a esta verdade todo o fulgor da fé e da inteligência.

 

I. Primeiras hesitações

Nos onze primeiros séculos a historia não os transmite nenhuma impugnação da verdade Católica, acerca da Imaculada Conceição.

Cada um dos Doutores seguia simplesmente as luzes da fé e o atrativo de sua piedade para com a Sma. Virgem e não procurava penetrar mais avante numa questão, que não tocava às bases essenciais da religião, e que nenhum herege atacava.

No começo deste século a questão muda de aspecto... Há um desenvolvimento intenso dos estudos filosóficos que abrem novos horizontes.

Os teólogos perscrutam a doutrina, e penetram nos mistérios, querendo conhecer fundo a religião.

Era um progresso notável, necessário, mas que não deixava de apresentar certos perigos.

O estudo da religião é o mais sublime dos estudos, mas deve ser dirigido por uma autoridade competente.

Nas questões incertas e não definidas, Roma à campo aberto aos estudiosos e somente, quando ha perigo de desvio ou erro, ela intervem com seu magistério infalível.

Era pois permitido discutir as bases da Imaculada Conceição... examinar o pró e o contra, para fundamentar melhor o ensino católico.

É o que aconteceu, e o que abriu a porta às primeiras duvidas, às hesitações, e até a certas, mas raríssimas negações.

Uns se declararam abertamente a favor, outros hesitaram, ou acharam tal privilégio inútil para a glória da Mãe de Jesus.

Coisa admirável, entretanto, onde se vê o dedo de Deus: — todos aqueles que se pronunciaram contra a verdade tradicional, ou retrataram mais tarde a sua opinião, ou deixaram em seus próprios escritos argumentos e armas para destruir o que tinham afirmado.

O celebre Abbade Rupert é o primeiro escritor eclesiástico que encontramos no limiar do século XII como sendo do número dos que negaram, no começo, a crença na Imaculada Conceição, e adotaram-na depois, tornando-se os seus ardorosos defensores.

Ele escreveu em seu Comentário do Cântico dos Cânticos, que Maria podia, como qualquer outra criatura aplicar-se estas palavras do salmista: Eis que tenho sido concebida na iniquidade, e que fazendo parte dos descendentes de Adão, ela tinha herdado, como os demais homens, o pecado original.

Pouco depois, e no mesmo livro ele se retrata completamente e defende a tradição antiga.

"A serpente, diz ele no livro VI, mordeu o calcanhar da serva; mas vós, ó filha do Príncipe, esmagastes a cabeça da serpente... Somente vós sois livre entre todas as filhas dos homens... vós sois singularmente livre do jugo de todo pecado!" (1)

Tal é o início das hesitações e retratações que vamos encontrar nos dois séculos que seguem que vai ser a preparação da plena luz que presenciaremos em breve.

São Bernardo é, sem dúvida, o farol luminoso deste século.

Ao mesmo tempo é um amoroso da Virgem Santíssima.

E apesar disso o grande Doutor não escapa à hesitação de seus contemporâneos.

Ele escreveu páginas inflamadas, cheias de doutrina e de amor para com aquela que intitula: Rapiriz cordiums, a sedutora dos corações, mas sobre a Imaculada Conceição ele escreveu pouco, e neste pouco mostra-se quase hostil ao grande privilégio de Maria, como o demonstram diversos trechos de seus escritos.

Mais tarde S. Bernardo se retrata e defende o que parecia quase querer combater no começo.

Nos seus sermões sobre a "Salve Rainha" encontramos a sua profissão de fé clara e expressa sobre este ponto. Ele escreve:

"A arca foi construída de madeira de Sethum, porque Maria foi escolhida de antemão, pelo Espírito Santo, e inteiramente preservada de toda mácula, embora a natureza de seus pais fosse viciada pelo pecado". (2)

1) Ideirco ancillae calcaneum Serpens momordit. Tu autem, ó filia Principis, singularis libera es a omni jugo ti. (Rup. lib. 6 in cant).

2) Maria, de patrum natura per peccatum vitiaia, duncert originem, praelocia tamen est per Spiritu Sanctum et praeservata ad purum (Serm. de B. V.M)

Eis uma passagem mais explícita ainda: vós sois inocente da mancha original e das faltas atuais. Ninguém partilha convosco tal privilégio! (3)

E em outro sermão o santo diz: "Entre os filhos dos homens não há nenhum, nem grande nem pequeno, que não tenha sido concebido no pecado, afora a Mãe do Imaculado, que não fez o pecado, mas apaga os pecados do mundo. Quando se trata de pecado, não quero, de nenhum modo que se faça menção dela!"

"A carne de Maria vem de Adão, porém a falta de Adão nela não se apegou." (4)

Dois outros vultos importantes desta época são: Hugo e Ricardo de S. Victor. Citemos apenas um trecho do segundo.

"Maria é toda formosa, porque a graça a possuía toda inteira, e não havia nela lugar para pecado.

As estrelas estão cobertas de trevas, os santos estão entrevados pela culpa comum a todo os homens.

A bem-aventurada Virgem, porém, foi toda bela; o sol da justiça iluminou-a inteira e a penetrou de seus raios. Não há nela nenhuma mancha, nenhuma sombra de pecado"! (5)

3) Innocens fuisti ab originatibus et actualibus peccatis. Nemo ita prater te. (Serm. 4 in Salve Reg.)

4) Non est in filiis hominum magnus vel parvus, quin nom in peccati fuerit conceptus, praeter Matrein Immaculati!

(Sermo 3 de Caena Dom.)

Caro Mariae ex Adam assumpta, maculas Adae nom admisit. (Serm. de Nat.)

5) Beata Virgo tota puichra fuit.(Ric.S. Vic).

 

II. Décimo terceiro século

É o século dos grandes doutores: Santo Alberto Magno, Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Alexandre de Halás, São Domingos, São Francisco de Assis, Santo Antônio de Pádua, e outros, cada um rivalizando com os outros em sabedoria, em santidade e em amor para com a Mãe de Jesus.

E, fato providencial, quase todos eles partilharam mais ou menos, no começo de sua carreira teológica, as dúvidas, as hesitações transmitidas pelos doutores e escritores do século anterior.

Não querem negar a Imaculada Conceição, mas hesitam em defendê-la; ou negando-a timidamente, afirmam-na, no fim, como o tinham feito anteriormente o Abade Ruperto e São Bernardo.

Não pensemos entretanto que a hesitação foi universal: longe disto. Muitos conservam integro e sem hesitação o precioso depósito da tradição.

Os Bispos da Inglaterra instituiram até uma festa em honra da Imaculada Conceição.

São Domingos nunca hesitou em sua fé ardente, e, em um tratado que escreveu sobre a Eucaristia, contra os Albigenses, ele cita e explica as palavras de Sto. André, já citadas supra (pag. 120): "Do mesmo modo que o primeiro Adão foi formado da terra virgem, que nunca foi amaldiçoada, deste modo era conveniente que assim fosse com o segundo Adão, cuja terra, isso é a Mãe, fosse Virgem, que não a alcançara a maldição".

O Serafim de Assis não escreveu sobre a Imaculada Conceição, mais pregou-a por toda a parte e consagrou sua Ordem à Virgem Imaculada.

Sto. Antônio pregava a mesma verdade, sem nada escrever a respeito.

Alexandre de Haiés ensinou, no começo, que a Augusta Virgem não fôra isenta do pecado original, mas prostrado por uma moléstia mortal, na qual julgou ver um castigo de Deus, retratou-se e escreveu um livro em defesa da Imaculada Conceição.

O seu historiador diz que no fim de sua vida repetia sempre estas palavras: Ó Maria, é minha Soberana, sois toda bela, toda encantadora, e nunca houve em vós nem mancha original, nem atual. (6)

O Cardeal Hugo, Dominicano, defende a mesma doutrina, e explicando as palavras do Anjo: Achastes graça diante do Senhor, ele diz: Achastes o que Eva tinha perdido. Eva tinha perdido a graça original, e Maria a recuperou — E nais adiante, diz ainda: O primeiro privilégio e Maria é a imunidade do pecado. (7)

6) Maria, Domina mea, tota pulrhra es, et formosa, et macula originalis aut actualis in te nurquam fait.

7) Invenisti quidquid Eva amiserat Primem Mariae privilegium immunitas a peccato. (in Cap.1 fac.)

Ao lado destes grandes teólogos que nunca se afastaram da tradição antiga e que nunca vacilaram em sua fé, encontramos, infelizmente, grandes e sublimes gênios, que se deixaram levar pelas ideias correntes, e emitiram opiniões que, felizmente, retrataram mais tarde, para aderirem plenamente à única verdade sempre firme e sempre luminosa na Igreja e no meio do povo cristão.

A mesma hesitação penetrou no Espírito de S. Alberto Magno e Santo Tomás, dois gênios, duas águias de saber e dois devotos da Mãe de Jesus, mas digamo-lo: só hesitaram um instante, retrataram-se e aderiram plenamente ao grande e sublime privilégio.

Nas suas "Sentenças," Sto. Alberto Magno hesita, mas em seu livro Louvores a Maria a hesitação desaparece e ele declara positivamente a pureza sem mancha da Virgem Santa.

"A Virgem só, escreve ele, foi isenta desta lei geral: Todos pecaram em Adão." (8)

Sto. Tomás de Aquino, o sublime discípulo de Alberto Magno, talvez pela influência de seu Mestre, caiu na mesma hesitação em sua Suma teológica, (S. Tom. II. p. q. 27. art. 2) porém ele se retrata completamente depois, na exposição da Saudação angélica, dizendo que a Virgem Augusta foi perfeitamente Santa aos olhos de Deus, e que o pecado nela nunca habitou: "Maria foi perfeitamente pura de toda mancha; ela não contatou, nem o pecado original, nem qualquer pecado mortal ou venial." (9)

E ainda: "Exceto a Bem-aventurada Virgem, que foi inteiramente isenta do pecado, seja original, seja venial". (10)

8) Hico enim Virgo sola a cemmuni ilia regula excipitur: Omnes peceaverunt in Adam.

9) Maria purissima fuit quantum ad omnem culpam, quia nee originate, nec mortale, nec veniale pecatam incurrit. (Opusc, 8)

10) Excepta B. Virgitio ceum omnium a peccato immunit fuit originaliae veniale (Cit. por Henriguez)

Em outro lugar e num texto que ninguém contesta, Santo Tomás é igualmente positivo: ele explica em que consiste a pureza, e diz que pode existir um ser criado, tão puro, que nenhum outro possa ser mais puro do que ele, de modo que entre os seres criados, o tal ser seja absolutamente estranho ao contágio do pecado e o Santo Doutor ajunta: "Tal foi a pureza da Bem-aventurada Virgem, que foi isenta do pecado original e do pecado atual. Entretanto, a sua pureza ficou abaixo da de Deus, porque falando rigorosamente, o pecado lhe é impossível." (11)

O próprio São Boaventura não escapou à mesma hesitação; mas retratou-se como os seus dignos emulos.

Citemos apenas este trecho, tirado de seu segundo Sermão sobre a Sma. Virgem:

"Digo em primeiro lugar que Nossa Senhora foi repleta de graça preventiva, graça destinada a preservá-la contra a mácula da falta original, que teria contraído, em virtude da corrupção da natureza, se não tivesse sido preservada e prevenida por um auxílio especial. Pois o Filho da Virgem foi, ele só, isento da falta original, e com ele a Virgem sua Mãe.

"Devemos acreditar, de fato, que, no primeiro instante de sua Conceição, o Espírito Santo, por meio de um novo modo de santificação, (preservou-a do pecado original, não destruindo o que teria existido, mas preservando-a, por uma graça especial, para que o pecado nela não existisse." (12)

11) Et talis fui puritas B. Virginis, quae a peccato originail, et actuali immunis fuit. (S. Th, in 1 d 15 q 1 a 3)

12) Dico primo-quod Domina nostra fuit plena gratia praeniente in sua sanctificatione; gratia scilicet praeservativa contra foeditatem originalis culpae quam contraxisset ex corruptione naturae, nisi speciali gratia praeservata, preventaque fuisset. Solus eaim Filius Virginais fuit ub originali culpa immunis, et ipsa Mater ejus Virgo.

Credendum est enim, quod novo sanctificationis genere in ejus conceptiotis primordio Spiritus Sanctus eam a peccato Originali, non quod infuit, Sed quod intuisset redemi, atque singulari gratia praeservavit. (S. Bonav. Serm. 2 de B.M. V.)

1) João Duns, chamado Scol, do nome de seu país de origem Escócia - morreu em 1808.

 

III. O estudo apurado

Tal foi a segunda fase da Imaculada Conceição:

A impugnação. Fase aguda, em que os maiores gênios naufragaram, um instante, mas para se levantarem, depois, com mais força e mais zelo, na defesa do grande privilégio de Maria.

Foi Deus que o permitiu, para que o assunto fosse mais estudado, mais explanado, para que, pelo estudo, os teólogos pudessem lançar sobre este privilégio a luz refulgente da Bíblia, da tradição e do raciocínio, tríplice foco de luz que devia iluminar a Imaculada Conceição, e preparar os elementos de uma futura proclamação dogmática.

É o que aconteceu. É esta irradiação luminosa que vai apresentar-se a nossos olhos, desde o começo do século décimo quarto, começando pelo Doutor Subtil, Duns Scot (1), e terminando pela proclamação da verdade, como dogma de fé Católica.

Será a terceira e última fase do grande dogma.

Será a glória do século XIV.

E este triunfo será devido sobretudo ao espírito penetrante do grande Franciscano Duns Scot, que refutará, de uma vez, todas as objeções contra, e fará brilhar em todo o seu esplendor a antiga tradição apostólica, preparando-a para a definitiva proclamação dogmática.

A teologia adotada por Duns Scot segue uma direção diferente e nova, no modo de explicar a Conceição Imaculada de Maria.

Não somente Duns Scot fez aceitar na Escola franciscana ou Scotista, uma fé geral neste dogma, não somente ele determinou a sua ordem, a ufanar-se desta crença, mas suscitou uma verdadeira revolução nas outras escolas, realizando o acordo entre a teologia e o costume da Igreja que conservava a tradição antiga, e o sensus fidelium ou crença geral do povo.

Este acordo completo é a grande obra genial que imortalizou o teólogo franciscano, Duns Scot.

São Boaventura, na discussão da opinião oposta à Imaculada Conceição, admitira a possibilidade (potuit) desta Conceição, porém declarara-se contra a sua conveniência (decuit), enquanto Duns Scot defendia a possibilidade e a conveniência.

Ele resume a possibilidade em três razões principais:

1. Maria podia ser isenta do pecado original.

2. Ela podia ter contraído o pecado original, um simples instante, e ter sido logo purificada.

3. ela podia ter tido a mancha original, um certo tempo, sendo purificada depois.

A primeira asserção é a única conveniente e é esta conveniência que Duns Scot quer demonstrar, colocando-se sob diversos pontos de vista diferentes.

Sigamos um instante os belos e profundos raciocínios do defensor da Imaculada Conceição.

 

IV. Argumentes de Duns Scot

Pode-se reduzí-los a quatro.

1. A universalidade da redenção.

Longe de negar a necessidade da redenção para todos os homens ou de subtrair ao Salvador o privilégio exclusivo da elevação acima de todas as criaturas, a Imaculada Conceição de Maria faz resplandecer mais a misericórdia do Salvador, preservando de toda falta um membro do gênero humano.

Maria é este membro privilegiado, podendo tanto mais facilmente ficar isenta da mancha original, que este pecado não provém de uma falta pessoal, que seria a causa necessária dessa mácula, mas somente de uma falta estranha: a falta de Adão.

2. O poder do Redentor.

O poder e a eficácia da redenção manifestam-se tanto melhor, quanto abrem as portas do céu a todos os homens e preservam, pelo menos, um membro da espécie humana da cólera ou inimizade de Deus.

A inimizade de Deus é um mal maior que a perda do céu, pois é a causa desta perda.

Pela Imaculada Conceição de Maria,o poder da redenção mostra-se em toda a evidência, pois, além da redenção geral, preservou uma criatura de toda falta.

3. Reciprocidade de amor

Convinha que tal graça particular fosse concedida à Mãe de Deus, e que esta excepção fosse feita em seu favor, para que o amor formasse os laços mais íntimos de sua união com seu Filho.

A reciprocidade da afeição cresce em razão direta dos benefícios recebidos, de modo que, a benefícios maiores deve corresponder um amor mais ardente..

Ora, a redenção não podia outorgar à Maria uma graça maior do que isentá-la do pecado original, pois tal isenção eleva-a acima de todos os homens.

Logo, Deus devia isentá-la.

4. Os tronos no céu.

O grande número dos resgatados deve preencher os tronos, deixados vazios pela prevaricação dos anjos rebeldes.

Um lugar teria ficado vazio se nenhum membro da espécie humana, preservado do pecado, não representasse no céu a pureza angélica.

Este lugar, que deviam ocupar os anjos decaídos mas que perderam, foi reservado aos homens.

O demônio impediu que Adão e Eva o alcançassem.

Este lugar foi ocupado pela segunda Eva, por Maria, representando, numa pureza angelical, a isenção de toda mácula.

O demônio, seduzindo Adão e Eva, contrariou os planos de Deus.

E Os filhos dos homens, de fato, segundo a ordem divina, deviam preencher os vácuos feitos na côrte celeste pela rebelião dos anjos.

O segundo Adão e a segunda Eva restabeleceram o plano divino, sobrepujando os próprios anjos em pureza e em graça.

Logo, ao lado do Cristo Imaculado devia estar a sua Mãe Imaculada, como no paraíso real, ao lado de Adão imaculado, estava Eva maculada.

 

* * *

Em frente destas considerações, os argumentos de Santo Tomás, contra a conveniência da Imaculada Conceição de Maria, ficam sem força..

De fato, Jesus Cristo é e fica o Redentor de todos os homens e ele concede à sua Mãe a graça mais sublime e mais perfeita de sua redenção.

A Virgem Santa, embora concebida segundo o modo natural e sob a influência da concupiscência carnal, não se segue disso que a mancha da carne tenha trazido consigo o pecado.

A concupiscência desordenada persiste nos batizados, sem que haja pecado. (13)

13) Tamen infectio carnis manens post baptismum, non est necessaria causa quare maneat peccatum originale delectum per gratiam collatam. (D, Scot: In Senten. 3 d.3q1.)

14) Si auctoritati ecclesiae vel auctoritati scriturae on repugnat, videtur probabile, quod excelentius cet atribuere Mariae, videlicet quod non est in originali concepta. (ibd.)

Dizem que Maria tinha ficado sujeita às penas temporais do pecado original, particularmente à morte, e que, por este motivo, ela deve ter ficado devedora, pelo menos para um tempo, do castigo do pecado.

Isto nada prova, pois é certo que as penas temporais podem permanecer após a remissão do pecado, senão como penas vindicativas, pelo menos medicinais.

Eis porque Duns Scot conclui: "Se não repugna nem à autoridade da Igreja, nem à autoridade da Sagrada Escritura, parece provável ser mais excelente atribuir à Maria que ela não foi concebida no pecado original. (14)

A intervenção de Duns Scot, em favor da Imaculada Conceição de Maria, foi o golpe de morte ao erro contrário, e restabeleceu a antiga tradição apostólica, um instante combatida, por permissão divina, para que a questão fosse mais acuradamente estudada, e colocada em plena luz o grande privilégio da Mãe de Deus.

A Universidade de Paris, estando dividida em sua opinião, chama Duns Scot para ouvir as suas provas em favor.

Scot resolveu publicamente duzentos argumentos e com tanta doutrina, memória e uma assistência tão visível de Deus que convenceu a todos, fixou definitivamente o ensino da Universidade e recebeu nesta ocasião O título de Vitorioso.

A conclusão de seus duzentos argumentos foi sempre: Não! Maria não pôde contrair o pecado original, como não pôde cometer o pecado atual; pois se ela tivesse sido manchada pelo pecado, teria havido um instante em que a Mãe de Deus foi inimiga de Deus.

E Nesta ocasião a Universidade proibiu aos seus membros atacarem a Imaculada Conceição, e quarenta anos mais tarde obrigou todos os doutorados a fazerem o juramento de sempre defenderem este privilégio.

As Universidades de Colonha, de Mayença, de Valença e outras imitaram a de Paris.

A Ordem dos Franciscanos tomou a frente na defesa da glória de Maria Sma., e decretou em 1823 a celebração solene em todas as suas igrejas, da Festa da Imaculada Conceição. Esta festa foi introduzida em Roma, sob o Papa Nicolau III.

E As discussões continuaram ainda e provocaram longos e profundos estudos sobre o assunto; a oposição foi cedendo, vencida pelo peso das provas positivas.

 

V. O triunfo da verdade

Agora podemos resumir. Após a tradição apostólica, ou verdade simples, certa e indiscutida, veio a época da impugnação, e esta suscitou os mais belos e os mais profundos estudos sobre o assunto.

Estes estudos puseram em plena luz, e com o brilho de uma verdade inegável, o privilégio da Imaculada Conceição.

É a época do triunfo que começa e que deve ser selada pela proclamação oficial, infalível, do dogma católico da Imaculada Conceição de Maria.

De vez em quando, um ou outro pode ainda combatê-lo, porém, em toda parte,os grandes teólogos e os grandes santos o abraçam e defendem com entusiasmo.

Os concílios não o proclamam ainda dogma de fé, mas dizem claramente que é uma verdade que um filho da Igreja não pode negar.

No começo do século XV o Papa Alexandre V, sem defini-la como verdade de fé, aprovou a doutrina da Imaculada Conceição.

Sta. Brigida e Sta. Izabel de Hungria fizeram-se propagandistas ardentes do grande privilégio de Maria,

Em 1410 S. Vicente Ferrer, o grande pregador da penitência, fez-se o pregador fervoroso desta verdade, dizendo que Maria não fora semelhante a nós em sua Conceição, mas que foi criada, pura e santa, desde o primeiro instante, e logo os anjos celebraram a festa da Conceição. (15)

15) Non creatur quia fuerit sicut in nobis, qui in peccatis concipimur, sed statim atque anima fuit creata, fuit santificata, et statem angeli in Coelo fecerunt festum Conceptionis, (S. Vic.: Serm. de Na.)

S. Bernardino de Senna, S. João Capistrano, o poeta Pedro Apolinário, Sto. Antonino, Dominicano, S. Lourenço Justiniano, o grande carmelita Pedro Tomás e muitos outros teólogos de primeira ordem fizeram-se os propagandistas da mesma doutrina.

S. Leonardo compôs um oficio da Imaculada Conceição, aprovado pelo Papa Sixto IV.

Uns anos depois uma legião de pregadores eram-se os propagadores do mesmo privilégio. Citemos, apenas, por serem mais conhecidos: Nicolau da Cusa, Dionísio, o cartucho, Ambrósio, o camaldulo, Tiago de Valença, o Cardeal Cajetano, etc.

Quanto aos escritores católicos, defensores desta verdade, é impossível citar a lista, Basta dizer que o próprio Lutero, que devia tornar-se o grande inimigo da Igreja, foi um dos mais ardorosos defensores da Imaculada Conceição.

Citemos apenas a seguinte passagem, que é de Lutero, antes que a sua inteligência fosse pervertida pelo vicio:

"Crê-se piedosamente que a Conceição da Maria foi sem o pecado original.

A virgem Maria está como no meio entre o Cristo e os outros homens. O Cristo, quando foi concebido e começou a viver, foi repleto de graça, desde o primeiro instante.

Os outros homens são privados da graça na primeira e segunda Conceição, Ora, a Virgem Maria, embora não fosse repleta de graça na primeira Conceição, o foi na segunda: Conceição, isto é, na infusão da alma no corpúsculo já preparado, e isto não sem merecimento.

Ela ficou no meio entre todas as natividades. De fato, ela nascera de um pai e de uma mãe; e ela concebeu sem a intervenção de um pai, de modo que ficara Mãe de seu filho, em parte carnal, e em parte espiritual; pois o Cristo foi concebido em parte de sua carne e em parte do Espirito Santo.

O Cristo, ao contrário, é pai de muitos filhos, mas sem pai e sem mãe carnais.

Deste modo a Virgem Maria está entre a natividade carnal e espiritual; onde termina a carnal aí começa a espiritual; do modo que ela está no justo meio destas duas conceições.

Os outros homens são concebidos no pecado, tanto o corpo como a alma.

O Cristo foi concebido sem pecado no corpo e na alma. A Virgem Maria é concebida sem a graça, segundo o corpo; mas segundo a alma ela é cheia de graça.

É o que significam estas palavras que O Arcanjo Gabriel lhe dirigiu: "Bendita sois entre as mulheres". (16)

16) Mariae conceptio pie creditur sine originali peccato facta esse... Sic Virgo Maria quodammodo inter Christum et alios homines medium tenet. Sequidem Christus cum conciperetur et viveret, eo ipso articulo temporis gratiae plenus fuit. Coeteris homines sine gratia sunt, tum in priori quam posteriori Conceptione. Atqui Virgo Maria, quamvis juxta priorem Conceptionem non plena gratiae erat, ta men juxta alteram conceptionem (infusionem seildet animae in corpusculo jam preparato) plena gratia crat, tatque hoc non immerito, etc. (Citatus a Canisio)

Que distância entre a doutrina de Lutero, o pai dos protestantes, e seus filhos e netos de hoje, que quase todos nutrem um verdadeiro ódio à Virgem Imaculada!

Escrevendo as linhas acima, Lutero não era ainda dominado pela baixa paixão carnal que o arrastou à perdição, mas julgava das coisas com o senso reto de um Espírito livre e desapaixonado.

Ora, todos nós sabemos que só um tal juízo encanta e manifesta a verdade, enquanto as paixões desnorteiam e lançam o Espírito nos erros mais extremos.

No Concilio de Trento, de 1545 a 1563, os bispos não acharam ainda a hora oportuna para a definição dogmática, e para evitar o descontentamento da parte oposicionista, limitaram-se, na quinta sessão, a definirem a universalidade do pecado original, a dizer que não entendiam incluir a Sma., Virgem neste decreto geral, Eis as suas palavras: "Este Santo Concilio declara que não é sua intenção incluir neste decreto, em que se trata do pecado original, a bem-aventurada e Imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, mas que é preciso observar as Constituições do Papa Sixto IV, de Santa memória, sob as penas contidas nestas Constituições, que o Concilio renova". (17) Vê se claramente por este decreto que o Santo Concílio admite em sua quase totalidade a verdade da Imaculada Conceição, havendo apenas desunião no tocante à "oportunidade" da proclamação dogmática.

17) Deciarat tamen haec ipsa Sancta Synodus, non esse suae inteationis comprehendere in hoc decreto, ubi de peccato originali agitur, Beatam et Immaculatam Virginem Mariam Dei Genitricem, sed observandas esse Constitutiones felicis Recordationis Sixti Papae IV, sub poenis in eis “Constitutionibus Contentis, quae innovat.(Conc. Trid. Ses. 5)

As constituições do Papa Sixto IV,que o Concílio de Trento renova, diziam que o Papa exortava a todos os fieis a celebrarem dignamente a festa da Conceição de Maria, e que abriu os tesouros das Indulgências em favor daqueles que o faziam. Em 1483 o mesmo Papa impôs silêncio às discussões de uns teólogos pretendendo que tal Constituição não se referia diretamente à Conceição de Maria, mas à sua santificação, após a Conceição. O Papa retificou a ideia e declarou que se tratava diretamente da própria Conceição e Maria.

Os Bispos do Concilio de Trento, não querendo definir ainda a Conceição de Maria, para deixarem amadurecer mais as ideias e as opiniões a respeito, chamam entretanto a Mãe de Jesus "a Bem-aventurada e Imaculada Virgem Maria o que demonstra que todos acreditavam neste privilégio glorioso de Maria.

Como se vê, a fé da Catolicidade está firme sobre este ponto. '

A tradição dos Apóstolos dos primeiros séculos, combatida um instante, continua inalterável, firme, luminosa.

A fé na Imaculada Conceição é a crença universal da Igreja.

O magnífico florão que deveria um dia adornar o diadema de Maria, pela proclamação solene desta verdade, não desabrochou ainda. Serão precisos mais três séculos para levá-lo à sua última perfeição; porém, o botão está formado... e na hora marcada por Deus, ele desabrochará, manifestando ao mundo a riqueza de suas cores e o perfume de suas pétalas Imaculadas.

 

VI. A crença universal

Eis em que ponto estava a pia convicção da Imaculada Conceição, quando o Papa Pio IX resolveu proclamar esta verdade como dogma de fé.

Os nossos Irmãos separados, os pobres e infelizes protestantes acusam a Igreja de ter inventado este dogma.

E diga-me o leitor, após ter percorrido a tradição aqui fielmente transcrita, desde o tempo dos Apóstolos até a nossa época, si se trata aqui de uma novidade, de uma invenção, ou simplesmente da proclamação de uma verdade sempre existente, sempre acreditada e apenas discutida durante uns dois séculos!

O bom senso e a sinceridade são obrigados a confessar que a Imaculada Conceição está implicitamente expressa no Antigo Testamento, quase explicitamente revelada no novo Testamento, e formalmente transmitida pela tradição apostólica, através dos séculos e das nações.

Qual é o protestante sincero e leal que, se fosse o chefe da Igreja,hesitaria em aceitar uma verdade tão luminosa e tão bem provada, e hesitaria em proclamá-la verdade certa, irrefutável, divina?

Nenhum; pois contra a evidência não há resistência.

É o que fez o Papa Pio IX.

O protestantismo invadiu a Igreja, arrancando de seu seio milhares de seus filhos, iludidos e reduzidos pelo fanatismo dos sectários de Lutero.

A Igreja, no Concílio de Trento, tomou as medidas necessárias para conservar a unidade e a integridade da fé,pela composição de seu admirável "Catecismo".

A Igreja triunfou, como ela sempre triunfa.

Mas, apesar de triunfante, ela chorava a ida de milhares de seus filhos.

Era preciso reconduzi-los ao seio da verdade.

E como operar esta recondução?

Pela Virgem Sma., pela Mãe de Jesus e dos homens.

Não é ela a Mão de todos?

E como Mãe poderá ela desinteressar-se dos obres protestantes?

Ah! eles blasfemam o seu nome, e rejeitam seu reino, é certo; mas pouco importa; uma mãe lha mais alto e mais longe que a ofensa do filho rebelde.

Ela vê a salvação deste filho.

Eis porque um dia o Santo Pontífice Romano, Pio IX, por inspiração divina, compreendeu que era chegada a hora de exaltar a figura radiante, doce, atraente da Virgem Santíssima, pondo-lhe sobre a fronte virginal um novo diadema que chamasse a atenção do mundo, e obrigasse os homens, por assim dizer, a volverem os olhos para ela.

E este diadema, que a Sagrada Escritura tinha manifestado aos homens, e que os séculos tinham burilado, polido pela fé, pelo estudo e pela devoção é a Imaculada Conceição.

Oh! falai, Pedro, falai! O mundo espera, o céu escuta, os anjos se rejubilam, os homens aclamam.

Dizei uma palavra, a palavra da vossa infalível autoridade, e o dogma glorioso da Imaculada Conceição será aceito por todos, e a Virgem Santa se manifestará aos olhos do universo inteiro, como Mãe dos justos, a Mãe dos pecadores, como ela é a Mãe do Justo divino, da Vítima dos pecados, de Jesus.

Pio IX, por cartas particulares, consultou oficial e solenemente à Igreja universal, na pessoa de seus bispos, sobre a crença dos povos na: Imaculada Conceição.

O Episcopado respondeu, e chegaram às mãos do Papa 543 cartas de Cardeais, Arcebispos e Bispos de todas as partes do mundo.

O Santo Padre tomou nota de tudo, e, em 2 do fevereiro de 1849, do seu exílio de Gaeta, ele dirigiu a todos os Bispos uma encíclica, pela qual atesta as solicitações que lhe vinham de todas as partes e lhes comunica o resultado das consultas.

Dos 543 Prelados que responderam o seu convite, 484 atestam a sua fé firme e a de seus diocesanos na Imaculada Conceição, e pedem com instancia a definição pura e simples.

Dez pedem uma definição indireta.

Vinte e dois manifestam duvidas sobre a oportunidade da definição, ou receios sobre as consequências.

Quatro não falam da definição.

Dezoito declaram-se contra a oportunidade da definição, e entre eles apenas seis contrários à definição da piedosa tradição.

Nenhum Bispo, porém, mesmo entre os seis opostos, afirma que tal crença não existe em sua diocese, e até que não seja comumente aceita.

Dezesseis entre eles asseguram que tal crença está tão profundamente arraigada, que não teriam a coragem de ordenar preces ou consultar ao povo, receando escandalizá-lo em acreditar que possa haver dúvida a esse respeito.

À hora era pois chegada. O sucessor de São Pedro pode falar... e a sua voz, eco da voz divina, será também o eco da crença universal do mundo.

 

VII. A proclamação do dogma

Para concluir a exposição doutrinal e histórica do grande dogma, basta recolher umas das palavras da bela e luminosa Bula do Santo Padre Pio IX, proclamando dogma de fé a Imaculada Conceição da Virgem Maria, Mãe de Deus.

No dia 8 de Dezembro de 1854, Pio IX, cercado de 53 Cardeais, de 43 Arcebispos, de 100 bispos e mais de 50.000 romeiros, vindos de todas as partes do mundo, levantou-se de seu trono, na Basílica de São Pedro, de Roma, na plenitude de sua autoridade infalível, pronunciou e definiu que: a doutrina que professa que a Bem-aventurada Virgem Maria, desde o primeiro instante de sua Conceição, fôra, por uma graça e privilégio especial de Deus Todo Poderoso, vista dos merecimentos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, preservada e isenta de toda mancha do pecado original, é revelada por Deus e, por conseguinte, deve ser acreditada formalmente por todos os fieis. (18) Um silêncio religioso permitia até ouvir cada palavra do Santo Padre que estava tão comovido que foi obrigado, diversas vezes, a interromper-se para dar livre curso às suas lágrimas.

18) Declaramus pronunciamus et definimus, doctrinam,quae tenet, Beatissimam Virginem Mariam in primo instanti suae Conceptionis fuisse singulari omnipotentis Dei gratia et privilegio, intuita meritorum Christi Jesu Salvatoris humani generis, ab omnis originalis culpae labe proeservatam, immunem, esse a Deo revelatam, atque ideirco, ab omnibus fidelibus firmiter, constanterque Credendam. — PIUS PP. IX.

É de notar que Fio IX, nesta circunstância, tomou apenas o aviso consultativo dos Bispos, dispensando as suas vozes deliberativas, decidindo só, por si mesmo, por sua autoridade pessoal, tanto da oportunidade, quanto dos termos da definição.

Ele preparou deste modo a definição da infalibilidade pontifical que o Concílio do Vaticano devia proclamar em Julho de 1570.

Ele preludiou deste modo, por um ato de uma solenidade única, o exercício de uma autoridade, que devia, em breve, ser proclamada como dogma de fé.

É pois uma verdade de fé que Maria é Imaculada em sua Conceição, e que nunca o demônio teve, sobre a mulher bendita a mínima influência.

As discussões cessaram, o mundo aceitou com imensa alegria a voz de Jesus Cristo, falando pelos lábios de Pedro; e desde este dia, afora os pobres e infelizes protestantes, o mundo cinge a fronte pura da Mãe do Salvador com o diadema Sagrado da Imaculada Conceição.

* * *

Mas não basta!

O céu quis confirmar a voz da terra.

A própria Mãe de Deus quis proclamar a existência do privilégio que a Igreja acabava de definir.

Apenas três anos após esta solene proclamação, em 11 de fevereiro de 1858, Maria dignou-se aparecer milagrosamente, quinze dias em seguida, perto da pequena cidade de Lourdes na França, a uma pobre menina de 13 anos de idade, chamada Bernadete.

Tendo ido recolher lenha à margem do rio e, perto de Lourdes, chegada em frente de uma gruta natural, cavada no rochedo dos Pirineus, a menina ouve de repente um como ruido de vento violento, e levantando a cabeça, caiu de joelhos, como ofuscada, esmagada pelo que tem diante dos olhos.

No fundo e em cima da gruta, numa espécie escavação no rochedo, está em pé, em meio um clarão sobre-humano, uma mulher de uma incompáravel beleza.

Este clarão era tão suave quão resplandescente, e não se parecia em nada à luz deste mundo.

A visão nada tinha de indeciso; era um verdadeiro corpo humano, uma pessoa viva, que não diferenciava em uada de uma pessoa ordinária, senão pela auréola de luz e pela sua beleza divina.

Era de estatura média; parecia muito jovem, reunindo a candura da criança, a pureza da Virgem, a gravidade terna da mãe e a majestade da idade e da soberania.

O seu semblante admirável exalava uma graça infinita.

Seus olhos azuis tinham uma suavidade que parecia derreter o coração.

Seus lábios tinham uma expressão de bondade e de doçura.

Os vestidos da aparição, de um pano desconhecido na terra, eram mais alvos e mais resplandecentes que a neve das montanhas.

Este vestido longo e flutuante, deixava ver as os pês, que pousavam sobre o rochedo.

Sobre cada um dos seus pés, de uma pureza virginal, brilhava uma rosa cor de ouro.

Uma cinta, azul como o céu, pendia em duas tiras acompanhando o vestido até em baixo.

Um véu branco pendia da cabeça, envolvendo os ombros.

Um rosário, cujas contas eram alvas como gotas de leite, cuja corrente dourada parecia luminosa, pendia das mãos postas da aparição misteriosa.

Ela se conservava silenciosa.

No dia 25 de Março Bernadete suplicou que lhe dissesse o seu nome.

A aparição sorriu levemente, mas não respondeu.

Bernadete insistiu.

A aparição parecia mais resplandecente, mas não respondeu ainda.

Bernadete insiste pela terceira vez.

A aparição resplandecia mais. ela tinha, como sempre, as mãos postas com fervor: o seu semblante parecia irradiar a beatitude do céu.

Separou as mãos, deixando deslisar o rosário sobre o braço direito; abriu depois os braços, inclinando-os docemente para a terra, como para mostrar ao mundo suas mãos virginais, cheias de bênçãos divinas. Levantando-os depois para o céu, ela pronunciou, com voz clara e encantadora, estas palavras: Eu sou a Imaculada Conceição!

Tendo dito estas palavras, a Virgem Santíssima desapareceu, e Bernadete se achava do povo diante de um rochedo deserto.

A Virgem Imaculada, a gloriosa Mãe de Jesus, que o Papa acabava de mostrar ao mundo aureolada da grandeza e do fulgor do novo dogma, vinha ratificar as palavras do sucessor e S. Pedro.

O Papa tinha dito: ela é Imaculada em sua Conceição.

A Virgem Santíssima lhe responde: Eu sou Imaculada Conceição.

É a chave de ouro, que fecha para sempre tradição ininterrupta dos Apóstolos, que fecha todas as oposições e abre as portas do céu, para ali podermos admirar a glória única da imaculada Mãe de Deus e nossa Mãe.

 

VIII. Conclusão

Eis o dogma da Imaculada Conceição, antigo como o mundo, no privilégio divino; antigo de 1950 anos, na pessoa da Virgem Bendita.

Não é uma novidade: é uma verdade básica da religião de Jesus.

A verdade existiu... brilha no antigo e no Novo Testamento.

Os Apóstolos proclamaram-na com toda a autoridade de sua missão divina, e transmitiram-na à posteridade como a fonte sagrada da grandeza da Mãe de Jesus, deixando à Igreja, ou melhor o Espirite Santo que dirige à Igreja, o cuidado de escolher a hora oportuna de manifestar ao mundo o dogma implicitamente revelado na Sagrada Escritura e explicitamente expresso nas tradições apostólicas.

Uma coisa é: revelar novidades, e outra usa é: proclamar verdades existentes.

Não há quem não veja a diferença entre proclamar uma verdade e a existência desta verdade.

Proclama-se o que já existe.

Quando Dinis Papin proclamou, em 1710, a lei da pressão do vapor, tal pressão existia desde que houve vapor.

Quando os Padres Lona e Becaria proclamaram, em 1100, as leis da eletricidade, tal eletricidade existia desde o começo dos tempos.

Quando o Padre Procopio Divisch, (e não Franklin) proclamou, em 1759, a atração do pára-raio, já existia tal atração, porém passando despercebida.

Quando o Padre Beda proclamou as leis das marés... as marés, como as leis que as regem, existiam desde o começo.

Quando o Padre Alberto proclamou as leis da navegação aérea, tais leis existiam e foram apenas aplicadas pelos seus sucessores.

Quando o Padre Nollet proclamou a eletricidade das nuvens, tal eletricidade ali existia desde que houve nuvens no firmamento.

Quando o Padre Copernico proclamou o duplo movimento dos planetas sobre si mesmos e em volta do sol... tal movimento já se estava efetuando desde a criação do mundo.

Vê-se, pois, que proclamar uma verdade não é inventá-la, fabricá-la, mas simplesmente manifestá-la publicamente.

Assim foi com a proclamação da Imaculada Conceição.

O Papa não fez que a Virgem fosse Imaculada, nem inventou uma novidade, mas manifestou apenas ao mundo e impôs à crença dos católicos uma verdade, implicitamente contida na Bíblia e explicitamente transmitida pela tradição apostólica.

As provas que tenho dado deste fato são irrefutáveis.

O fato da Imaculada Conceição é pois uma verdade revelada, certa, incontestável.

O protestantismo pretendeu negar esta verdade, rebaixando a Mãe de Jesus, ao nível das outras mulheres.

Era pois necessário e oportuno que a voz do Chefe da Igreja se levantasse, para refutar o erro e proclamar a verdade.

Uma verdade torna-se um dogma católico, desde que é proclamada como tal pela autoridade suprema do Chefe da Igreja.

O dogma da Imaculada Conceição passou deste modo pela tríplice fase, que desenvolve e forma todos os dogmas.

1. A simples crença universal,

2. A aposição de uns contraditores.

3. A proclamação solene.

Desenvolvi longamente a verdade da Imaculada Conceição, porque provada a base fundamental deste dogma, os protestantes devem admitir as consequências desta verdade, que são como as consequências deste primeiro princípio. Sendo ela imaculada, é preciso admitir a sua santidade perfeita, a sua grandeza sem par, Seu poder incomparável, a sua assunção gloriosa ao céu,a sua mediação universal,etc.

Tudo se liga, tudo se prende como os anéis de uma corrente.

Admitida a existência de uma corrente, e tendo nas mãos o primeiro anel desta corrente, deve-se admitir a existência de todas os outros anéis.

Não há objeção que não se dissipe diante das provas citadas, e os mais rebeldes, sendo sinceros, devem admitir um dogma luminoso e resplandecente como o sol em pleno dia.

Oh! pobre e querido protestante! Não é sublime tudo isto?

Não é sentir o dedo de Deus, o amor de Deus, os desígnios de Deus em tudo isto?

Oh! por favor, não feches o teu coração ao amor de uma mãe tão querida.

Desprezar a tua mãe é um crime.

Desprezar a Mãe de Jesus é uma blasfêmia.

Abre o teu coração e deixa irradiarem-se nele a luz, a força, e o amor da Virgem Santíssima.

Ela é o sorriso da religião.

Ela é o sorriso do céu.

Ela é o sorriso da nossa vida!

 

CAPÍTULO VII

A perpétua Virgindade de Maria

Um professor de hebraico e exegese do N.T. no Seminário Batista do Rio, procurou refutar o dogma católico da perpétua virgindade de Maria Santíssima, querendo a todo custo provar que a Mãe de Jesus teve mais outros filhos.

O ilustre professor não honrou o seu título, fazendo uma defesa desastrada e uma refutação sem argumentos. Não provou nada e nada refutou. Apenas teceu teias de aranha em redor de uma verdade luminosa, que a Igreja sustenta e que, para poderem protestar, os protestantes negam.

Ha na defesa do digno professor um esforço titânico para provar o que é impossível provar e negar o que é inegável.

Creio haver sinceridade na aludida argumentação, mas não há penetração, nem lógica.

O professor batista faz uma mixordia nos textos e nas interpretações.

Ora, não é citando textos que a gente refuta ou prova uma tese. É preciso que haja um pouco de lógica, de raciocínio nestas citações, não desviando os textos do seu sentido natural, mas lhes dando a interpretação hermenêutica que o contexto exige e os lugares paralelos impõem.

Após a leitura de tal artigo, o leitor não sabe mais em quem deve acreditar, duvida de tudo e em vez de fortalecer a sua fé, sente tudo vacilar e perder-se nos sofismas acumulados.

Vou procurar lançar um raio de luz sobre labiríntica exposição do professor protestante, por meio de uma exegese clara e insofismável.

Vamos por partes.

 

I - Virgindade e Casamento

Eis a primeira parte do argumento do professor batista:

As Sagradas Escrituras de modo nenhum podem rebaixar a Bendita entre as mulheres, nem negar-lhe qualquer honra que lhe pertença.

Ao contrário o verdadeiro ensino do Novo Testamento sobre a virgindade do Maria, na concepção de Jesus pelo Espírito Santo (Mat.1,20); sobre o seu matrimônio depois, e a concepção outros filhos pelo seu legítimo marido, José, ao invés de desonrá-la, honra-a, na glorificação da maternidade como tal, no sagrado plano de Deus. A falsa teoria clerical romanista, de que o celibato (com todos os seus males) é um ado mais puro que o casamento, é responsável pelo dogma, pela Igreja Católica inventado, da perpétua virgindade de Maria.”

É um pedacinho indigesto. Procuremos analisá-lo clara e sinceramente.

O professor quer dizer:

1 — Que a Sagrada Escritura não pode rebaixar a Virgem Sma.

Muito bem! Estamos de acordo; mas porque então procura o sr. rebaixá-la, negando-lhe título que a própria Escritura lhe confere?

 

2 — O nascimento de outros filhos glorificaria a maternidade de Maria Sma.

Esta é triste e fenomenal e supõe nenhuma compreensão da dignidade de Mãe de Deus.

Maria Sma. é Mãe de Jesus.

Ora, que maternidade mais gloriosa pode existir do que esta?

Que seria mais digno: ser Mãe de Deus, ou ser Mãe da humanidade inteira?

Todos os homens juntos não valem um Jesus Cristo.

Que honra poderia trazer à Maria Sma. o nascimento de outros filhos, se dela já nasceu o Filho de Deus?

Maria Sma. possui toda a glória em sua maternidade divina... Que é que lhe pode traze ainda uma maternidade humana?

Não vê, caro professor, que até o bom senso se revolta contra tal asserção?...

É como se o senhor dissesse: Santa Mônica foi mãe de Santo Agostinho, mas para realçar mais a sua maternidade, foi também a mãe vários pobres roceiros.

Que realce receberia disso Santa Mônica?

Basta-lhe a honra de ser mãe de Santo Agostinho, que supera pelo gênio, pela virtude e popularidade, estes outros que seriam roceiros.

A maternidade legítima é sempre honrosa, e é tanto mais honrosa quanto mais digno é o filho.

Ora, o filho de Maria é Deus.

Que brilho trazer-lhe-iam o nascimento de um Tiago, José, Judas e Simão?...

Logo, caro professor, seu argumento não vale nada!

* * *

Este falso princípio denota no meu contendor uma ignorância invulgar da religião católica ou então uma ideia obcecada e preconcebida.

Para comparar qualquer coisa, caro professor, é preciso conhecer os dois termos da comparação. É uma regra comesinha de toda a lógica.

Para comparar o protestantismo com o catolicismo, é preciso conhecer a ambos.

Ora, o senhor demonstra ignorar por completo o ensino católico... pois lhe atribui o que ele rejeita, e nega o que ele não professa.

Ou ignorancia ou maldade!... Escolha, caro professor de hebraico!

Fala da "falsa teoria romana de que o celibato é um estado mais puro que o casamento".

Isto é ignorância que não se perdoa num professor de exegese.

Sim, o celibato é um estado mais santo que o casamento; este é o ensino da Igreja, e o é da Igreja, porque é da Sagrada Escritura.

Será possível que o senhor não tenha lido ainda o capitulo VII da Epistola de São Paulo aos Coríntios?

Um professor de exegese do Novo Testamento ignorar isto... é colossal!...

Leia, caro professor, e tire a conclusão que comporta.

As premissas são certas, pois são divinas; a conclusão deve ser certa também.

São Paulo escreve:

"Digo aos solteiros e às viúvas que lhes é bom para elas se permanecerem assim como também eu. (2Cor.7,8)

Quanto porém aos virgens, não tenho mandamento do Senhor; mas dou conselho, como quem alcançou misericórdia do Senhor para ser fiel.

Entendo, pois, que isto é bom para o homem estar assim (solteiro).

Estás ligado a uma mulher? não busques desligar-te. estás livre de mulher? não busques mulher.

Mas, se tomares mulher, não pecaste. E se uma virgem se casou, não pecou; todavia estes terão tribulações da carne. E eu quisera poupar-vos elas... (Ibid. 25). O que está sem mulher, está cuidadoso das coisas que são do Senhor, como há de agradar a Deus!... Mas o que está casado, está cuidadoso das coisas que são do mundo, como o há de dar gosto à sua mulher; e está dividido.

E a mulher solteira e a virgem cuida das coisas que são do Senhor; para ser santa no corpo e no Espírito...

Aquele pois que casa a sua (filha) virgem, faz bem, e o que não a casa, faz melhor". (ibid.38).

 

Que é que se deve concluir da passagem citada?...

Duas coisas essenciais:

1º. Casar-se é permitido, é bom.

2º. Não casar não é só permitido, mas é melhor.

Faça o que quiser, torça ou desvie os versículos citados, e o meu professor de hebraico, se for sincero, deverá ou conceder ou negar a citação; o meio-termo é impossível.

Se negar, diz que São Paulo é mentiroso, pois ele disse: Quem casa a sua virgem, faz bem, e o que não a casa, faz melhor.

Se conceder, oh! então. meu caro professor cai por terra todo o seu castelo arquitetado com sofismas.

O celibato não é mais uma invenção romanista, uma teoria clerical; é uma instituição divina, um conselho positivo da Bíblia.

Não é uma lei, como diz S. Paulo: "Não tenho mandamento do Senhor; mas é um conselho, 'mas dou conselho', continua o Apostolo.

Ora, têm ou não têm valor os conselhos inspirados por Deus?...

Se têm, o celibato é pois uma coisa santa e mais agradável a Deus que o casamento.

Se não têm, então não vale a pena ter professores de exegese... é melhor interpretar neste caso Virgilio, Horacio ou Cicero.

Em que cipoal foi meter-se, meu caro professor! Isso faz até duvidar de sua ciência exegética!...

Fazer exegese não é só citar passagens bíblicas; é sobretudo compreende-las, confrontai-as, para descobrir o seu sentido óbvio.

 

II. Prova do Evangelho

Das premissas falsas, dos textos adulterados de São Paulo, o professor vai tirar agora uma conclusão mais falsa ainda.

Aliàs é lógico.

Pejorem sequitur semper conclusio partem, reza a oitava lei do silogismo.

A conclusão segue sempre a parte pior.

A falsa teoria clerical, continua o professor, é responsável pelo dogma, pela Igreja Católica inventado, da perpétua virgindade de Maria.

Alto lá, meu professor, V. S. está de novo falando do que não entende.

1 — Já mostrei acima que tal teoria clerical é o ensino positivo, claro, indiscutível de S. Paulo. Verdade é que S. Paulo era clerical.

2 — A Igreja Católica não inventa dogma nenhum. Todos os dogmas católicos figuram claramente na Bíblia, todos sem exceção.

O dogma é uma verdade divina, ensinada por Deus, e não inventada pelos homens.

Eu quereria que o meu professor me citasse um único dogma católico que não esteja mencionado na Sagrada Escritura.

Não sei se é maldade, mas penso que o meu professor nem sequer sabe o que é um dogma, o que é preciso para que uma verdade seja dogma e quantos dogmas existem na Igreja Católica.

3 — 0 dogma da perpétua virgindade de Maria não foi inventado pela Igreja, pois ele figura em plenas letras, e até em letras luminosas, no Evangelho.

Leia melhor o Evangelho!

A verdade da perpétua virgindade de Maria Sma. comporta uma tríplice prova:

1.º Maria foi virgem antes do parto.

2.º Maria foi virgem durante o parto.

3º Ficou Virgem apés o parto.

Três asserções que lhe vou provar aqui, com a Bíblia na mão, e um pouco de lógica na cabeça.

A primeira sem a segunda não é segura.

A segunda sem a primeira é impotente.

A tríplice asserção acima é de fé, ensino universal do magistério supremo da Igreja.

Vamos por partes.

A primeira asserção é admitida pelos próprios protestantes, pois está positivamente no Evangelho.

O anjo Gabriel foi enviado por Deus... a uma virgem desposada... e o nome da virgem era Maria (Luc.1.26).

Mais positivo ainda é o testemunho da própria Virgem; objetando ao anjo: Como se fará isso, pois eu não conheço varão?

Nenhuma dúvida existe: Maria Sma. era Virgem.

A segunda asserção, mostrando que a Mãe de Jesus ficou virgem no parto, pode-se deduzir dos mesmos textos.

O que é concebido por milagre, deve nascer por milagre; o nascimento é a consequência da conceição; sem esta consequência o milagre seria incompleto.

O Evangelho nos mostra que Maria, tendo chegado ao termo ordinário da natureza, deu à luz o seu filho. E estando ali, aconteceu completarem-se os dias em que devia dar à luz. (Luc.1,6)

Maria concebeu pois o Verbo divino sem prejudicar a sua virgindade. É o Evangelho que no-lo diz. Logo, ele diz que ela daria à luz sem perder a virgindade, pois conceber e dar à luz são dois termos de uma mesma ação.

A mãe concebe, para dará luz — é uma única ação: gerar filhos.

O parto e a conceição são inseparavelmente ligados, sendo o primeiro o preço doloroso da segunda; sendo Maria Santíssima libertada da segunda parte, deve sê-lo necessariamente da primeira.

Para Deus não é mais custoso fazer nascer virginalmente do que fazer conceber virginalmente,

Podendo fazê-lo, Deus devia fazê-lo, para completar, pela ação do Espírito Santo, o que por ele tinha começado.

 

O anjo resolvendo a dúvida que Maria Sma. lhe manifesta, responde: O Santo, que há de nascer de ti, será chamado Filho de Deus, porque a Deus nada é impossível (Luc.1.35).

Eis os dois termos que se completam e exprimem um único milagre: Eis que conceberás no teu ventre e dareis à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus. (Luc.1.35).

Conceber Jesus e dá-lo à luz, são aqui textual e literalmente um único milagre, o milagre da Encarnação.

Separar estes dois termos, que o Evangelista reuniu propositalmente numa única frase, é adulterar visivelmente o texto e a significação a palavra de Deus.

É preciso tomar o texto integralmente, ou então rejeitá-lo integralmente.

Não se pode rejeitá-lo, pois é claro que a conceição da Virgem Sma. é obra do Espírito Santo.

O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá de sua sombra. (Luc.1,35) E por isso mesmo, continua o Evangelista, o santo que há de nascer de ti, será chamado Filho de Deus. (Luc.1,35).

Eis novamente unidos numa única proposição os termos: conceição e nascimento.

Não rejeitando o primeiro termo da proposição, não se pode rejeitar o segundo, pois os dois termos formam uma única frase, indivisível na construção, e no sentido.

Logo: ou Maria Sma. não era virgem antes do parto, e então não o será no parto, o que é herético.

Se era Virgem antes, deve sê-lo também durante o parto, por serem dois termos que exprimem as duas operações da Encarnação: conceber e nascer.

E isso é conforme a profecia: Uma virgem concebera e dará à luz.

É o próprio Evangelho que faz a aplicação desta profecia: Ora, tudo aconteceu para qui cumprisse o que foi dito pelo Senhor, por meio do profeta. (Mat.1.22).

Digamos pois com a Igreja, exprimindo a fé universal dos séculos: Virgo prius et posterius,

Logo, meu caro professor, a Virgem Maria foi Virgem antes do parto e durante o parto.

É uma verdade que não pode ser negada, senão pisando com o pé, todas as regras da Lógica e da Hermenêutica.

III. Jesus, filho único de Maria

Provados estes dois pontos: a Virgindade de Maria Sma. antes do parto e durante o parto, torna-se fácil provar a Virgindade perpétua da Mãe de Jesus, em outros termos: a sua virgindade depois do nascimento de Jesus Cristo.

Seria uma heresia negar esta verdade.

Na Igreja Maria Sma. sempre foi chamada em todos os séculos, tanto pelos latinos como pelos gregos: sempre Virgem : Aiepartenon.

O que vimos da genealogia de Jesus, já mostra claramente que Maria Sma. nunca teve outros filhos além de Jesus, e que a palavra irmãos, usada no Evangelho, significa simplesmente primos.

Para compreender esta verdade — mesmo sei não estivesse no Evangelho, — bastaria o simples bom senso.

O bom senso nos indica, de fato, a summa hveniencia de a Mãe de Deus não ter mais os filhos, e isso pelas seguintes razões:

1.º Por causa da perfeição de Jesus Cristo, que devia ser o unigênito da mãe, como é o unigênito do Pai.

2.º Em razão da dignidade e santidade da Mãe de Deus, que pareceria ser ingrata, não se atentando com a honra de ser a Mãe de Deus, e perderia a sua virgindade, milagrosamente preservada por Deus, como acabamos de ver.

* * *

Mas examinemos o Evangelho, para ver se encontramos qualquer indicio de tais irmãos de Jesus, filhos de Maria Santíssima.

A palavra de Maria Santíssima: Como se fará isso, pois eu não conheço varão, tem em seu sentido natural uma extensão geral, abrangendo o passado e o futuro.

Ela não diz: não conheci varão, mas sim: conheço varão, mostrando deste modo ter tomado a resolução de nunca conhecer varão.

A tradição nos diz que Maria Sma. tinha feito o voto de perpétua castidade, no templo, e a Expressão: não conheço varão, é como a expressão nítida deste voto.

Perguntando a qualquer abstêmio, se aceita um copo de vinho, ele responderá: Não bebo vinho, isto é: não posso beber.

Assim também, Maria sempre virgem disse: não conheço varão, isto é: Não posso, não me é permitido conhecer varão.

Perguntando a alguém se conhece o latim, e se não o conhece nem pretende estudá-lo, ele responderá: Não conheço latim.

Se pretender estudá-lo, dirá: Por ora não conheço latim.

A virgem Santa não diz simplesmente que, por ora, não conhecia varão, mas sim, afirma positivamente: Não conheço varão, dando a seu pensamento uma extensão geral. (Luc.1,34).

Se assim não fosse, porque então Maria pergunta assim ao Anjo: Como se fará isso, si eu não conheço varão?...

Não seria tal pergunta completamente descabida, inepta?...

Bem podia retorquir-lhe o Arcanjo: Se atualmente não conheces varão, conhecê-lo-ás mais logo; não é José teu esposo?...

Entretanto, nada disso ele diz. O Arcanjo respeita e apoia a resolução de Maria, mostrando-lhe claramente que o que há de nascer dela, não é fruto do homem, mas, sim, de Deus: O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do altíssimo te cobrirá com a sua sombra. (Luc.1,25).

* * *

São Marcos chama Jesus, "O filho de Maria" —o uiós Marias (Mc.6.3), e não um dos filhos de Maria, como que para destacar que ele era o filho único dela.

Se Maria Sma. tivesse tido outros filhos, como é que tais filhos nunca aparecem?

A Sagrada Família era composta de três membros, e nunca passou de três, como se pode verificar no Evangelho.

A Sagrada Família fugiu para o Egito e dali voltou, fixou-se em Nazaré e frequenta o templo de Jerusalém; Maria e José procuram o menino Jesus, e em toda parte nunca vemos aparecer alguém em companhia de Maria Sma. e São José.

Durante a vida pública de Jesus, a sua mãe aparece de vez em quando; nunca vemos a seu lado tais outros filhos.

Durante a paixão encontramos a Virgem Sma. em companhia de Maria Madalena, das santas mulheres, com S. João, e de novo nunca vemos um de tais filhos ao seu lado, para consolá-la, confortá-la.

Jesus é crucificado e ao seu lado está a Virgem Dolorosa, em pé, esmagada sob o peso e sua dor, e novamente nenhum de tais filhos ali aparece.

Jesus morre, e de seus lábios moribundos, deixa cair estas palavras de suave ternura — Eis a vossa Mãe — Eis o vosso filho (uiós sou)!

Recomenda a sua própria mãe aos cuidados de S. João, (Eis ta idia), seu primo, sem nada dizer de tais irmãos, de tais filhos de Maria, que deviam, naturalmente, tomar conta da própria mãe e não abandoná-la nas mãos de estranhos.

Tudo isso é claro para quem quer ver; e com um pouco de bom senso deve-se concluir que Maria era só, só com seu Jesus... e morto Jesus, ela ficava neste mundo na solidão de sua tristeza, de sua resignação, de seu amor, sem outra pessoa que João para consolá-la e tratar dela.

É o que faz ver o Evangelho, e é o que dita o bom senso e a lógica.

 

X. Protestantes versus protestantes

Para terminar este ponto importante, citemos uma passagem de um protestante instruído e sincero, 0 sr. John Pearson, bispo protestante de Chester, que deve ser conhecido pelo professor de exegese, pois o nome revela ser um americano.

A questão, diz este vulto eminente do protestantismo, não é de saber se Jesus teve outros irmãos, mas, sim, se a mãe de Jesus Cristo, Maria, teve outros filhos, além de Jesus.

Na língua hebraica a palavra irmãos compreende não somente a relação da verdadeira fraternidade, mas também a de consanguinidade mais remota.

Por conseguinte, tendo a Virgem bem-aventurada consanguíneos remotos estes eram chamados irmãos do Senhor.

Nós somos irmãos, disse Abraão a Lot.

Entretanto, Abraão era filho de Taré, e Lot filho de Arão, irmão de Abraão.

Moisés chamou a Misael e Elisafan, filhos de Oziel, tio de Arão, e lhes disse: Ide e tirai os vossos irmãos de diante do Santuário. Estes chamados irmãos, sendo Nadab e Abiu, filhos de Arão, não eram senão consanguíneos remotos de Misael e Elisafan.

Jacó disse a Raquel que ele era irmão do pai dela e filho de Rebeca; entretanto Rebeca era irmã de Labão, pai de Raquel.

Portanto, os Evangelistas, conformando-se com o costume judaico, a cuja nação pertenciam, chamam irmãos do Senhor aos parentes consanguíneos de Maria.

Insistir nesse argumento servirá para elucidar cala vez mais a solução da questão, porque há de se ver, que Maria mãe de Tiago e José, não era Maria Virgem; e por conseguinte, resulta claro que os chamados irmãos de Nosso Senhor eram filhos de outra mãe.

Lemos em São João que estavam juntas à cruz de Jesus a sua mãe, irmã de sua mãe, Maria. “a, mulher de Cleofas e Marta Madalena (Jo.19).

Lemos ainda nos outros Evangelistas: Maria Madalena e Maria mãe de Tiago e José. (Mc.16)

Também no sepulcro encontramos Maria Madalena e outra Maria. (Mt.28).

Do complexo destas passagens nós inferimos que a outra Maria era mulher de Cleofas, e mãe Tiago e José.

São Marcos e São Lucas dizem-no expressamente (Mc.16—Lc.24)

Deduzimos, pois, que Tiago, José e outros amados irmãos do Senhor não eram filhos da mãe dele, e sim de outra Maria, sendo chamados irmãos unicamente pelo costume referido dos Judeus, porque a outra Maria era prima da mãe de Jesus.

Eis uma passagem, caro professor, que não é de um romanista, mas sim de um protestante, sincero, fervoroso. de sangue puro, de um homem eminente pelo saber e pela posição; e contanto defende com o próprio Evangelho, com destreza de mestre, a virgindade perpétua de Maria, depois do parto, como o quer a Igreja Romana. (John Pearson: Exposition of the Creed London, art. 3).

 

V. Conclusão

É inútil multiplicar as citações, pois as provas da virgindade perpétua da Virgem Santa não ão simplesmente extrínsecas, isto é, apoiadas sobre as autoridades, mas intrínsecas, provenientes do próprio fato, da palavra divina, interpretada por uma exegese leal e conscienciosa.

Só não compreende quem não quiser compreender.

Eis a refutação aos erros grosseiros do professor de exegese batista.

No íntimo ele ficará convencido que errou...

porém, dizê-lo, confessá-lo, seria deixar de ser protestante e até perder a sua cadeira de professor de exegese, ainda tendo dado provas de nada entender em exegese.

De fato, fazer exegese não é sé alinhar textos; é compreender-lhes a significação, e fazê-los concordar com outros textos paralelos.

E o amigo professor nada disso faz; mostrou-se de espírito prevenido, de ideia fixa, não procurando a verdade, mas querendo apenas, com sofismas, provar o seu erro.

O erro não se prova, caro professor... pois é a negação da verdade.

É impossível provar que a verdade da Sagrada Escritura seja falsa... e a verdade da perpétua virgindade de Maria é uma verdade evangélica.

Fica pois provado:

1º que casar é bom.

2º que não casar é melhor.

3º que o celibato é um estado mais santo que o matrimônio, conforme o ensino de S. Paulo.

4º que Maria Sma. foi virgem antes do parto.

5º que o foi durante o parto.

6º que o ficou depois do parto.

Eis verdades que provam a perpétua virgindade da Mãe Imaculada de Jesus.

Não se trata, pois, de uma teoria clerical, do um dogma inventado pela Igreja, mas sim de uma verdade certa, positiva, irrefutável, ensinada no próprio Evangelho.

Provada a virgindade perpetua de Maria, está provado que ela não teve outros filhos, além de Jesus, o que tais pretensos irmãos são simplesmente parentes, primos mais ou menos remotos, como se pode verificar pela árvore genealógica que citarei mais além.

Esta verdade, que é de fé, foi sempre professada pela Igreja Católica, como o foi por vários sábios protestantes sinceros.

Citei acima uma passagem de Pearson; terminemos com mais uma de outro bispo protestante dr. Bull, não menos explicita:

Abraçando a doutrina de Pearson, dr. Bull confessa claramente a virgindade perpétua de Maria na seguinte passagem:

"Da dignidade da Beatíssima Virgem procede como consequência, ter-se ela conservado sempre Virgem, conforme acreditou o sempre ensinou a Igreja Católica; não sendo possível de modo algum nem sequer imaginar que aquele vaso santíssimo, o qual foi uma vez consagrado para ser o receptáculo da Divindade, fosse depois profanado". (Dr. Bull: of invocation of the B. V. Cath. Sat. V. II).

Assim falam outros protestantes sinceros cujas obras tenho aqui diante de mim, como o dr. Jeremias Taylor, bispo protestante de Down, dr, John Bramhall, Roberto Owen, dr. Kickes, etc, etc. todos eles superiores a qualquer suspeita, quer pelo saber, quer pela posição.

Não valem nada para o meu professor de exegese essas respeitabilíssimas autoridades?...

Não quero citar autoridades Católicas; estas são por milhares; cito apenas estes protestantes, para mostrar ao meu amigo que a sua exegese é desastrosa, ignorante, e destoa de todas as regras da ciência e do bom senso.

Em estudo subsequente analisarei o resto dos erros crassos de seu artigo, por receio de prolongar demais a discussão.

Poderia parar aqui, mas quero ir até ao fim, e mostrar ao ilustre rabiscador o que ele tão solenemente nega, que os Padres católicos têm e estudam a Bíblia e nada têm de aprender dos modernos professores batistas de hebraico e de exegese.

Não se esqueça o amigo da tese aqui provada: — "A perpétua virgindade de Maria Santíssima".

 

CAPITULO VIII

0s pretensos irmãos de Jesus

Continuemos na refutação dos erros do professor de exegese, de que tratamos no capítulo precedente.

Provada a Virgindade perpétua da Sma. Virgem, fica provado que ela não teve outros filhos, além de Jesus; e não os tendo, deve-se concluir que tais irmãos, de que fala o Evangelho, são simplesmente parentes.

Quero prosseguir, entretanto, para destruir até nos alicerces os argumentos que os protestantes apresentam, e que o professor batista de exegese recolheu em seu artigo.

Pode haver umas repetições, porém estas mesmas servirão para gravar melhor a verdade e mostrar a nulidade dos argumentos contrários.

 

I. O matrimonio

Citemos mais um trecho batista.

Todas as Escrituras ensinam clara e positivamente que o casamento é uma instituição divina, estabelecida por Deus, e, consequentemente, é um estado de santidade (Heb.18: 4; Pv.31:10-28; Sl.128) É uma ideia inteiramente estranha às Escrituras, e falsa, que o matrimônio constitui uma espécie de impureza. O homem e a mulher no Jardim do Eden, antes de pecarem, receberam ordem de Deus: "Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra".

Três pontos a distinguir neste trecho.

1. O matrimônio é um estado santo.

2. O matrimônio constitui uma impureza.

3. Todos devem casar-se.

Ninguém mais do que a Igreja ensina e defende a santidade do matrimonio... os protestantes pervertem-no, contentando-se exclusivamente com o contrato civil.

Ora, contrato civil não é casamento religioso, e N. S. no Evangelho não fala de direito civil, mas sim de direito divino. São pois duas coisas distintas.

Os católicos adaptam-se ao Contrato civil, como cidadãos; mas nunca dispensam o matrimônio religioso, como cristãos.

Quanto ao segundo ponto, é um absurdo.

Quem é, caro professor, quem ensina que o matrimonio constitui uma espécie de impureza?

Só sendo no Seminário Batista.

Em que livro católico o Sr. encontrou tal asserção?

Naturalmente em um livro comunista. Abra qualquer pequenino Catecismo e ali o Sr. encontrará o seguinte:

Que é o matrimonio?

É um Sacramento que N. S. J. Cristo instituiu para estabelecer uma santa e indissolúvel união entre o homem e a mulher, dar-lhes graça de se amarem, e educarem cristãmente seus filhos.

Eis a doutrina Católica em toda a sua simplicidade e encanto.

A Igreja considera e venera o matrimônio, como um Sacramento instituído por Jesus Cristo... Ora, como é que um Sacramento, que é produtor da graça, pode ser uma impureza?

Atribuir tais absurdos à Igreja não pode ser ignorância, é calúnia, é despeito, é baixeza!...

E isto é indigno de um homem educado que se diz pastor e professor de exegese.

Se o amigo ignorar estes pontos fundamentais da Religião Católica, é melhor calar-se, pois para discutir é preciso conhecer o assunto em discussão, e para refutar é preciso conhecer o erro que se quer refutar.

Aqui o Sr. quer refutar o que não existe, e discutir doutrinas que ignora ou finge ignorar por completo.

O que o professor não pode ignorar é que entre as coisas santas uma pode ser mais santa que outra.

Dar um fato novo a um pobre é melhor do que lhe dar simplesmente um copo d'agua.

Casar é bom, diz São Paulo, mas, continua ele: Não casar, para guardar a castidade, é melhor (Cor.7,38.)

Maria Sma. casou-se com S. José: Fez bem.

No casamento guardou a virgindade: Fez melhor!

Jesus Cristo não se casou: Fez ele bem ou mal?

Se fez bem, o amigo deve calar-se e imitá-lo.

Se ele fez mal, então o amigo faça o favor de repreendê-lo e de fazer melhor do que ele.

Fato curioso: os pastores protestantes querem casar todos os padres.

Então não há mais liberdade?

O Padre não se casa, porque quer imitar Jesus Cristo e os apóstolos.

Os pastores se casam, porque não têm a coragem de dominar a natureza para agradar a Jesus Cristo.

Os pastores se casam: fazes bem.

Os Padres não se casam: fazem melhor!

Eis a doutrina de São Paulo, da Igreja Católica e de todos os homens de bom senso.

 

II. Relâmpago e raio

O ilustre professor, após uma balbúrdia impenetrável, para provar que tais primos de Jesus são filhos de Maria, conclui.

Em Atos 1;13-14, os irmãos de Jesus são claramente, inequivocamente, distinguidos dos Apóstolos de Jesus. Eis o Que lá se diz: "E tendo entrado em certa casa, saíram ao quarto de cima, onde permaneciam Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, e Simão o Zeloso, e Judas, irmão de Tiago. Todos estes perseveravam unanimemente em oração com as mulheres e com Maria, mãe de Jesus e com os irmãos dele". (Ver. Fig).

Esta passagem fulmina o argumento do rev. e a teoria da sua Igreja. Mas outro fato ainda reduz a destroços qualquer coisa que dele ainda ficasse de pé. É o seguinte: É que Thiago e Judas já eram Apóstolos, quando os irmãos de Jesus, Tiago, Judas, José e Simão ainda eram incrédulos! Na ocasião da festa dos tabernáculos, apenas seis meses antes da crucificação, João (7:5) diz dos irmãos de Jesus: "Pois nem seus irmãos criam nele". Que mais faltará para a total destruição da teoria Católica?

Absolutamente nada.

Que embrulho desastrado, caro Professor!

Este texto nada fulmina, mas ilumina com novo fulgor a doutrina Católica.

É um relâmpago e um raio.

O relâmpago ilumina a verdade da pureza perpétua da Virgem Maria, e o raio fulmina o erro protestante que blasfema esta pureza.

Examinemos bem a passagem: citada:

Encontramos ali: Tiago, filho de Alfeu, com Tiago, filho de Zebedeu.

Muito bem!

E que prova isso?

O Sr. diz que isso prova que Tiago, irmão do Senhor, é distinto dos Apóstolos... E onde viu isso?

Saber ler entre as linhas pode ser bom, às vezes; porém ler fora do texto é falsificação.

Nós conhecemos dois Tiagos, Tiago, o menor filho de Alfeu, e Tiago o maior, filho de Zebedeu.

Ambos são primos em 2.º grau de Jesus Cristo, porém Thiago, o menor, é duas vezes primo de Jesus: uma primeira vez como filho de Cleofas, que era primo em 1.º grau de Maria Sma!; uma segunda vez, ele é primo por afinidade, pelo seu tio São José, casado com a Virgem Maria.

É este duplo parentesco que lhe faz dar o nome de "irmão do Senhor", enquanto São Tiago o maior, São João e São João Batista são chamados simplesmente irmãos-parentes.

Queira o Professor consultar a arvore genealógica que aqui reproduzo, para dissipar todas as dúvidas.

Tal genealogia foi composta por exegetas judeus e católicos, após pormenorizadas pesquisas e estudos dos documentos antigos.

Nesta árvore o Professor verá claramente que São Tiago, por ser irmão do Senhor (isso é: primo segundo) não é filho de Maria Sma., mas sim filho de Cleofas ou Alfeu e de Maria Salomé.

Em vez de ser filho de Maria Sma., ele é simplesmente sobrinho dela e primo-irmão de Jesus.

 

MARIA

SOBÉ

MATAN

(pai de Ana)

JACÓ

Mãe de Salomé (mulher de Zebedeu)

Mãe de Santa Isabel

(mulher de Zacarias)

Mãe da Virgem Maria

Pai de Cleofas ou Alfeu e (esposo de Maria Salomé)

Pai de José

Esposo de Maria

Mãe de S. Tiago, o maior, São João Evangelista

Mãe de São João Batista (precursor)

Mãe de Jesus Cristo

Pai de S. Tiago o menor, José, Judas, Simão, Salomé e Maria

 

III. Um terceiro Thiago

Para atrapalhar tudo, o professor batista cria um terceiro Tiago, que não é Apóstolo.

Escutem o que ele escreve:

Tiago o, o irmão do Senhor, (Gl.1:19) é uma pessoa tão notável, e tão destacada do Novo Testamento, que não há razão nenhuma para um leitor atento e sincero da Bíblia confundi-lo com qualquer um das Tiagos que eram apóstolos de Jesus. É mencionado em Mc 6:3; Gl.1:18,2:8,:1Cor.15:7; At 15:13,21:8 e em diversos outros lugares. Depreende-se de 1Cor.15:7 que ele se converteu na ocasião quando Jesus lhe apareceu depois da ressurreição.

É a conclusão do texto citado em que os Atos nos mostram uns apóstolos perseverando na oração com as santas mulheres, com Maria e com os irmãos dele.

Disto o Professor conclui: há aí os apóstolos, as santas mulheres, a Mãe de Jesus e os irmãos dele.

Os dois santos Tiagos eram apóstolos.

Logo, tais irmãos dele são outros personagens e devem ser filhos de Maria Sma.

Que horrível silogismo, ou melhor que sofisma anfibológico!

 

Vejamos bem os componentes da reunião citada: o texto diz: Subiram ao quarto de cima, onde permaneciam Pedro, João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago fiho de Alfeu, Simão o zelador, Judas irmão de Tiago, as santas mulheres, Maria, Mãe de Jesus, com os irmãos dele. (At.1,12-16.

Temos pois aqui os 11 Apóstolos, não tendo ainda sido escolhido Matias para substituir Judas. (At.1,26.

Entre estes apóstolos estão cinco parentes de Jesus.

Tiago, o maior, e S. João, filhos de Zebedeu.

Tiago, o menor, Judas e Simão, filhos de Alfeu.

Faltam apenas: São João Batista, filho de Santa Isabel, e José, outro filho de Cleofas, como faltam as duas irmãs de José: Salomé e Maria, filhas de Cleofas.

Eis três personagens que parecem não estarem incluídas na enumeração.

Na linha ascendente Jesus tinha como afim o tio Zebedeu, e um tio direto Cleofas.

Deve-se supôr que estes tios seguiram os filhos e as esposas e acompanharam também Jesus.

Eles também sendo parentes de Jesus merecem o nome de irmãos.

Deste modo teríamos sob o título de irmãos dele, não mencionados entre os apóstolos, nem entre as santas mulheres: 5 personagens, sendo: Zebedeu, Cleofas, José e suas irmãs Salomé e Maria.

Tudo isso é tão natural... tão lógico, que se fica admirado o professor de Exegese não ter notado a existência destes outros irmãos de Jesus.

Desde que o nome de irmãos é um termo genérico que se aplica aos parentes, como ficou provado, ele deve ser aplicado a estes últimos, como o é aos Apóstolos, parentes de Jesus.

E eis que toda a dificuldade se dissipa, sem que haja necessidade de criar um terceiro S. Tiago, que não figura em parte nenhuma da Escritura e cuja genealogia é desconhecida.

Não temos o direito de ajuntar uma virgula às Escrituras, como não temos o direito de suprimir-lhes um ponto.

 

IV. À força de textos

Todos os textos citados pelo Professor nada provam em contrário do que aqui fica dito; provam até positivamente a doutrina Católica.

Percorramos um instante, estes textos, para fazer luz na balbúrdia protestante.

S. Marcos 4,3 — Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago e de José e de Judas e de Simão? Não estão aqui entre nós também suas irmãs.

Texto comprobativo da doutrina Católica.

Examine bem a árvore genealógica... Todos os 5 são primos-irmãos de Jesus, por consanguinidade e por afinidade.

* * *

Gal. 1,19 — E dos outros Apóstolos, não vi nenhum, senão Thiago, irmão do Senhor.

Mesmo texto comprobativo. Tiago é primo-irmão do Senhor, e nada mais se pode concluir deste texto.

Gal, 2,9 — E tendo reconhecido a graça que me foi dada, Tiago e Cefas e João, que eram considerados as colunas da Igreja, deram as mãos a mim e a Barnabé.

Que prova isso? Nada, senão a existência de Tiago e o seu zelo apostólico. Ora, já sabemos disso.

* * *

Gal. 2,12 — Antes que chegassem alguns de Tiago, ele comia com os gentios.

De novo. tal texto prova apenas a existência do S. Tiago, da qual ninguém duvida.

1Cor. 15,7 — Depois foi visto por Tiago em seguida, por todos os apóstolos.

Outro texto que prova apenas a existência de São Tiago, e nada mais.

* * *

Atos 15,13 — E depois que se calaram Tiago tomou a palavra.

Para que estes textos?... Para provar que São Tiago não era mudo, mas sabia falar. Ora, ninguém o contesta.

* * *

Atos 21,18 — E no dia seguinte foi Paulo conosco à casa de Tiago, onde se tinham reunido todos os anciãos.

De novo, porque este texto?... Será para provar que São Tiago tinha uma casa? Não valia a pena!

* * *

Eis os textos com os quais o professor batista pretende provar que há 3 Tiagos...

Dá vontade de rir e de chorar!

Seria mais simples dizer que cada texto é um Tiago diferente; deste modo teremos logo 8 Tiagos. Isso será suficiente para satisfazer as 886* seitas protestantes, e os próprios católicos deverão ficar satisfeitos. *(Nota do redator:a 85 anos atrás.)

Imaginem: 8 São Tiagos!!!

A citação pormenorizada de cada texto mostra a puerilidade do sistema protestante.

Apresentam-se logo com uns vinte textos, que nada dizem a respeito da discussão e pretendem provar pelo número de textos, o que a lógica, o bom senso e a Bíblia desaprovam.

Não é o número dos textos que prova uma verdade, mas sim o valor comprobativo do texto.

É o caso daqui.

Basta compreender a árvore genealógica, que mostra todos estes pretensos irmãos serem simplesmente primos-irmãos, por consanguinidade ou afinidade, e tudo está resolvido. Os textos da Sagrada Escritura ficam claros, luminosos, compreensíveis para todos.

Mas os bons protestantes não querem luz, querem protestos, e protestam... baralham, deturpam até chegar a uma aparência de verdade para combater a Igreja Católica.

Pobres protestantes: Aparência não é realidade.

Só a Igreja Católica possui a realidade.

 

V. Outra balbúrdia

Citemos mais uma passagem do artigo desastrado do professor exegético batista.

A verdade já está claramente provada, mas não será inútil provar mais uma vez a perversidade da interpretação individual protestante.

Dizem eles e repetem que a Sagrada Escritura é um livro claro, ao alcance de todos.

É um erro. Nenhum livro precisa mais de explicação e de estudo do que a Bíblia.

Mas, mesmo se fosse verdade, porque então tecem eles tantos comentários, inventam tantas hipóteses, até novos Tiagos, e escurecem com seus comentários o que é claro e luminoso.

Se assim fazem dos textos claros... que será então com os obscuros?

Eis mais um pedacinho, claro, que lhes serve de protesto escuro.

No Dia de Pentecostes, os primos de Jesus e os irmãos de Jesus estavam presentes (Atos1:43,14). Os irmãos são positivamente distinguidos dos apóstolos que tinham o mesmo nome.

João7:2 declara que na ocasião da festa dos Tabernáculos, seis meses antes da crucificação, "nem seus irmãos criam nele"..

Eis premissas das quais o professor vai tirar uma conclusão fenomenal.

Infelizmente parece ignorar as leis do silogismo, de modo que até agora não encontramos ainda nenhuma dedução ou indução viável; são todas provas que nada provam.

Não basta lançar pó nos olhos da gente e gritar que é assim, mas que não vemos nada por causa do pó.

Queremos ver de perto.

Vamos por a passagem ali indicada em São João 7,5.

Estava próxima a festa dos Judeus... Disseram-lhe pois seus irmãos: Sai daqui e vai para a Judeia, afim de que também os teus discípulos vejam as obras que fazes... porque nem mesmo os seus irmãos criam nele... Vós ides a essa festa, eu não vou a essa festa(Jo 7,5—8)

Eis uma passagem simples que mostra de novo os tais primos-irmãos e a sua falta de fé na missão de Jesus.

É coisa simples. E é desta coisa simples que o professor vai tirar a seguinte conclusão:

Estes irmãos eram incrédulos.

Ora, os Apóstolos já tinham a fé.

Logo, tais irmãos são distintos dos apóstolos.

O raciocínio peca pela base, formando um sofisma anfibológico.

Onde é que o professor encontrou a palavra incrédulo?

Não crer em alguém não é ser incrédulo.

Eu não creio na exegese do professor batista; entretanto não sou um incrédulo.

Os apóstolos não eram incrédulos, mas a sua fé, como vemos em toda parte, era ainda material, acreditavam em Jesus Cristo, como taumaturgo, como profeta, como Messias, mas não como de Deus.

São Pedro tinha dado esto brado de fé: Tu s o Cristo, o filho de Deus vivo!(Mt. 16,16) mas no fundo do Espírito os apóstolos, o entre eles os parentes de Jesus, acreditavam ainda no restabelecimento do reino de Israel.

Temos a prova desta disposição dos apóstolos na interrogação quo fizeram a Jesus já ressuscitado antes de ascenção: Senhor, porventura chegou o tempo em que restabelecereis o reino Israel? (At.1,6).

Tal era a disposição de Espírito dos discípulos, mesmo depois da ressurreição; devia sê-lo ainda mais, antes da ressurreição.

Não eram pois incrédulos, mas não acreditavam ainda completamente na missão divina de Jesus Cristo.

* * *

Conhecendo a disposição dos parentes de Jesus, vejamos agora o fato da ida a Jerusalém.

Estava próxima a festa dos Tabernáculos.

Ora, era uma lei para os Judeus que, três vezes no ano (na Páscoa, Pentecostes e festa dos Tabernáculos), todos os homens fossem à Jerusalém adorar a Deus (Ex.23,15;34,23).

Esta viagem se fazia solenemente. como as nossas romarias religiosas de hoje: os homens num grupo, as mulheres em outro como vemos na ocasião da ida da Sagrada Família à Jerusalém, Em que perderam o menino. (Lc. 2,41-53)

Jesus estava em Galileia, tendo deixado a Judeia, onde os Judeus procuravam prendê-lo.

Jesus estava, com certeza, hospedado na casa de um de seus parentes, Zebedeu ou Cleofas.

Organizaram os grupos e pediram naturalmente que Jesus neles tomasse parte, pretextando que era bom que se manifestasse publicamente em Jerusalém, num momento que tanta gente de fora ia reunir-se ali.

Os parentes (tais irmãos) julgavam que Jesus seria sensível à estima dos homens nesta ocasião, porque não criam nele como Filho de Deus.

Jesus recusa, dizendo que não tinha ainda chegado a hora de ele manifestar-se, que não iria agora publicamente, mas que seguiria depois da caravana, ocultamente.

Quando seus irmãos já tinham partido, então foi ele também à festa, não descobertamente, mas como em segredo, diz S. João. (Jo.7,10)

Eis o que é simples, claro, lógico.

Como é que o professor batista pode concluir disso que os tais irmãos (parentes) de Jesus eram incrédulos, enquanto Tiago e Judas eram apóstolos? Quer provar com isso que o Tiago desta passagem é um outro que o Tiago do Evangelho.

Pobre fanatismo.

São bem os mesmos parentes — apóstolos, com as suas mesmas ideias, ainda materiais; o que não lhes impedia de ser apóstolos.

Judas era um incrédulo, um ímpio, um traidor; entretanto era um apóstolo: Judas, unus ex duodecim (Mt.10,4).

E Tiago não podia ser apóstolo, porque tinha ainda uma ideia materialista do reino de Jesus?

e porque não acreditava plenamente que era filho de Deus?

Que absurdo!

A verdade é — e os fatos o provaram por demais — que todos os apóstolos eram vacilantes, hesitantes...e que só no dia de Pentecostes receberam do Espírito Santo o dom de força e de firmeza, que deveriam caracterizá-los em seguida.

 

VI. Provas internas exegéticas

Depois de termos refutado o erro do ilustre professor batista, erro que ele reconhecerá, se for sincero, é mister estabelecer claramente a verdade única, certa, evangélica.

Quero fazê-lo aqui sucintamente, citando as diversas provas internas da Sagrada Escritura, interpretadas por uma exegese óbvia, lógica. irrespondível.

Como tenho repetido a cada passo, o termo irmãos de Jesus — nada prova contra a Virgindade perpétua de Maria Sma.

Todos os historiadores concordam em dizer que;a palavra — irmão — não tinha entre os hebreus e entre os judeus helenistas, e em consequência na linguagem dos escritores sacros, o sentido restrito que possui entre nós.

Servia para designar todos os membros de uma mesma família, ou todos os descendentes de um mesmo pai, quase indiferentemente.

"Toda a S. Escritura prova que irmãos quer dizer primos ou parentes", diz S. Jerônimo.

Cf. Gn. 12,5 — Nm. 17,10 — Jos. 15,17 — IV.Reg. 10,13 — II.Paral 27,8 — Ap. 12,10 — Mt. 12,46 — Mc. 3,31 — Lc. 8.19 — Jo. 2,12 — At. 1,14 — 1Co. 9,5 — Gl. 1,19, etc., etc.

A razão desta generalização do termo irmão, conforme já ficou dito, é que na língua hebraica falta o termo próprio para indicar as diversas relações de parentesco.

A palavra Ahh em hebraico é o equivalente da palavra germanus em latim, e da palavra parente em português.

Deve-se dizer a mesma coisa da palavra: Adelios nos Setenta, como da palavra frater na Vulgata.

O nosso Professor quis encontrar um escanatório, dizendo que os evangelhos não foram escritos em hebraico, nem em aramaico.

Distingo: O Evangelho de Matheus foi escrito em hebraico, ou em dialeto hebraizante, chamado por alguns Siro-caldulco por outros aramaico.

Os três outros Evangelhos foram escritos em grego, mas convém notar que foram escritos (fora o Evangelho de S. Marcos) para os judeus e, como tais, embora escritos em grego, respeitavam o modo de dizer dos judeus.

Havia em grego o termo anepsios para — exprimir a palavra primo, é certo, porém se o termo existia em grego, não era usado pelos hebreus helenistas que, através da língua grega que falavam, conservavam os costumes e as expressões de sua raça.

Isso acontece diariamente. Um francês escrevendo em português, pode saber que a palavra saudade existe, mas facilmente dirá nostalgia, por ser um termo ao mesmo tempo francês e português; dirá ainda: bouquet em vez de ramalhete, soirée em vez de sarau, detalhe, em vez de pormenor, etc.

Assim fizeram em muitas passagens os evangelistas: conheciam o termo anepsios, mas falando de primos, em geral, incluindo primos de vários graus, tios, etc., conservam o termo genérico ahh, irmão.

De outro lado, porque os evangelistas não teriam dado o nome de irmãos aos parentes de Jesus, que não eram os filhos de Maria, quando chamam São José pai de Jesus na mesma página em que acabam de dizer que ele nada tinha na Conceição de Maria.

O próprio Evangelho fornece a prova desta interpretação, explicando o valor do termo: irmãos de Jesus, pela aplicação que dele faz a parentes próximos e remotos de Jesus.

Doze vezes o Novo Testamento fala de tais irmãos e irmãs de Jesus, mas nunca os chama de filhos de Maria, nem filhos de José. embora sejam nomeados diversas vezes ao lado de José e de Maria. (Mt. 12, 46-47 — Mc. 3,31-32 — Lc. 7,19-20 — Jo. 2,12 At. 1,14).

Porque uma tal reticência?

Porque não dizer logo que eles são filhos de Maria e de José?

Porque tanto mistério?

Se o Evangelho diz clara e expressamente que Maria é mãe de Jesus (Lc. 1,43 —Jo. 2,1.3 — At. 1,14) etc., porque não diz também que ela é mãe de Tiago, de S. João, José, Judas, Simão etc.?

* * *

Além disso, Jesus é designado em Nazaré, como o é comumente, o filho único de uma mulher viúva, sob o título de o filho de Maria — o Uios Marias, (Mc.6,3) enquanto os outros nunca passam de irmãos (parentes) de Jesus.

Se estes primos fossem verdadeiramente irmãos de Jesus, filhos de Maria Sma. e de S. José, deviam necessariamente ser mais novos que Jesus, pois teriam nascido depois, e Jesus é chamado o primogênito; entretanto tais irmãos parecem ser mais idosos que Jesus (cf. Mt.12,46—13, 54.56—Mc.3,21.31 — 4,2.3 — Lc. 8,19.21).

* * *

Outra prova encontramos nas últimas palavras de Jesus, dirigidas a S. João e a Maria Sma.:— Ecce Mater tua... Eis aí a tua Mãe, eis aí o teu filho: Uios soul — palavras que supõe evidentemente que ela não é a mãe de Tiago, de José, de Judas e de Simão, e que Jesus é seu filho único.

Se ela tivesse outros filhos, porque Jesus diria que doravante João será o seu filho?

Porque devia S. João considerá-la como a sua mãe, e recebê-la como tal em sua casa?

Eis ta ídia.

Tal procedimento seria evidentemente um insulto lançado no rosto dos outros filhos de Maria!

O Professor objetou que Jesus assim fez, porque seus irmãos não acreditavam nele.

É outro insulto!

Então, por ser incrédulo, um filho deixa de ser filho de sua mãe?

Aliás, é uma calúnia atirada à face dos Apóstolos, a qual já pulverizei acima.

Os Apóstolos nunca foram incrédulos, mas simplesmente vacilantes em sua fé sobrenatural, devido às ideias materialistas que tinham do Messias.

Nem o próprio termo de Jesus dirigido a São Tomé tem este sentido: Não sejas incrédulo, mas fiel! (Jo. 20,27)

Tomé não era umincrédulo; era apenas incrédulo na ressurreição de Jesus.

***

O grau de parentesco de Tiago, José, Simão e Judas, com Jesus, sobressai claramente das diversas passagens já citadas.

De fato, via-se ao pé da Cruz do Salvador: — Maria, mãe de Tiago, e de José (Mt. 27,56 — Mc. 15,40, 47 — Lc. 24,10).

Ora, qual será a tal Maria?

Não pode ser a Mãe de Jesus; ela não seria designada deste modo.

É pois una outra Maria aquela que S. João coloca ao pé da Cruz, ao lado da Mãe de Jesus, e que diz ser sua irmã, isso é, a sua parente, e que se chama Maria Cleofas, ou mulher de Cleofas (Alfeu) e mãe de Tiago e de Simão.

Entretanto estavam de pé, junto à Cruz de Jesus, sua Mãe e a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cleofas e Maria Madalena (Jo.19,25).

Eis, pois, dois dos tais pretensos irmãos de Jesus, que não podem ser senão os seus primos, e que não o são num grau muito próximo.

S. Tiago, nomeado diversas vezes filho de Alfeu (Mt. 10,3 — Lc. 6,15 - At. 1,13) sinônimo de Cleofas (Klopas) de que não difere senão por um acento, tem por irmão: Judas (Lc. 6,16).

Segundo Hegésipo (189) citado por Eusébio, Simão, o último dos quatro irmãos de Jesus indicados por São Marcos, (Mc.6) foi o sucessor de S, Tiago. o Menor, na sede de Jerusalém, porque como o seu antecessor era filho de Cleofas, que era irmão de José. (cf. Mt. 13,55—Mc.5. 3—15,40).

Vê-se, deste modo, que os quatro pretensos irmãos de Jesus são simplesmente seusprimos.

Eis as provas internas bíblicas diretas, além das provas indiretas, pela refutação das interpretações erradas.

 

VII. Conclusão

Paremos aqui. O professor já está abusando de nossa paciência, com as suas objeções sem fundamento, que só têm por fim escurecer o que é claro, e baralhar o que é lógico.

E agora o que resta em pé de sua falsa e sofística argumentação?

Nada! nada! senão destroços de uma derrota vergonhosa.

Que mais faltará, digo com o professor, para a total destruição da teoria protestante?

Absolutamente nada...

Mas o que fica de pé, firme, inabalável e luminoso é o dogma católico da Virgindade perpétua da Virgem Imaculada.

Resumamos aqui em poucas palavras o que temos amplamente desenvolvido e provado nestes dois artigos.

É um dogma de ié na Igreja Católica que a Mãe de Jesus permaneceu Sempre Virgem.

É a tradição unânime dos séculos, como é o ensino do Evangelho.

É o sentido do título que sempre a Igreja aplica à Mãe de Jesus: e Partenos: A Virgem conceberá e dará à luz um filho: Deus conosco. (Mt.1,23)

É como o cântico de amor da liturgia católica, sobretudo na festa da "Pureza da Bem-Aventurada Virgem".

"Gerastes, lê-se neste ofício, aquele por quem fostes criada, e permaneceis eternamente Virgem.

Santa e Imaculada Virgindade de Maria, não sei como louvar-vos dignamente!

Ó Bem-aventurada Mãe de Deus, Maria, sempre Virgem, após o vosso parto, permanecestes perfeitamente virgem.

Celebremos com alegria a Virgindade da Bem-aventurada Maria, sempre Virgem!

Genuisti qui te fecit et in cternum perma- nes Virgo!

Bela e consoladora verdade, que eleva a Mãe de Jesus acima de todas as mães, e faz dela: a Mulher Bendita entre todas as mulheres, a Virgem puríssima entre todas as virgens, a Mãe admirável entre todas as mães.

Como uma tal doutrina é bela, harmoniosa, divina e se eleva acima das objeções mesquinhas e das ideias frias quão ciumentas do fanatismo protestante!

Querer rebaixar a própria Mãe de Deus!

Que tarefa infamante.

Querer arrancar de sua fronte virginal o mais radiante diadema de grandeza e de amor...

Que papel horrível!

Querer provar pelo Evangelho o contrário do que ele ensina, sustenta e afirma.

Que trabalho herético!

Pobres protestantes, como sois infelizes!

Quereis agradar a Jesus e insultais à sua mãe.

Quereis exaltar o filho e rebaixais a mãe, julgando agradar a Deus e iluminar as almas.

Que cegueira!

Como pode passar por um Espírito humano a ideia de que a Virgem Imaculada, que não quis aceitar a dignidade de Mãe de Deus senão com a condição de conservar a sua virgindade, que a conservou antes e durante o parto, a tenha perdido depois, para ter outros filhos, além de seu filho divino?

A simples suposição inspira horror.

Santo Thomaz diz muito bem: Uma tal idéa deroga a dignidade e a Santidade da Mãe de Deus. Seria de sua parte uma ingratidão sem nome, se, não reconhecendo os milagres que o céu multiplicou para a conservação de sua virgindade, ela tivesse voluntariamente renunciado a uma integridade que Deus tanto estimava.

O abandono de uma tal prerrogativa seria sem explicação e sem desculpa. (S T. III.p.q.28)

Não se pode pensar sem horror, diz Bossuet, que este seio virginal, onde o Espírito Santo tinha operado, do qual Jesus Cristo tinha feito o seu tabernáculo, pudesse ser profanado, nem que José, nem que Maria tenham podido deixar de respeitá-lo.

Antes de sua Conceição e de seu parto, Maria Sma. tinha dito em geral; Não conheço varão. S. José entrou neste desígnio; e ele teria deixado de respeitá-la depois do parto milagroso?

Não, não; não pode ser; teria sido um sacrilégio indigno deles e indigno de Jesus Cristo.

Digamos, pois, bem alto, e com toda a certeza de um dogma revelado por Deus: Virgem Santa, Mãe de meu Deus, em vós a honra da maternidade não destrói a integridade virginal, e a integridade virginal realça a honra maternal com um fulgor que lhe recusa a natureza.

Vós sois Mãe, tanto mais admirável, quanto sois Virgem, e sois Virgem, tanto mais admirável, quanto sois Mãe!

As objeções protestantes, em vez de tirarem o brilho de vossa coroa virginal, lhe dão mais esplendor, pois dão ocasião de penetrar, mais a fundo, no santuário de vossa inviolável e perpétua Virgindade.

 

CAPITULO IX

Novos erros protestantes

As expressões até que e primogênito

A grande discussão sobre a perpétua virgindade de Maria, está terminada, e creio que estão claramente provadas as duas grandes teses:

1º O erro protestante atribuindo à Maria outros filhos, além de Jesus.

2º A Virgindade de Maria provada positiva e claramente pela Bíblia.

Parece que devia dar por finda a discussão, mas é impossível.

Os protestantes são menos exegetas, filósofos, racionadores, do que plagiadores; Não raciocinam por si, mas reproduzem tudo o que no passado foi escrito contra o culto de Maria Sma. pelas pessoas mais ímpias ou ignorantes.

Acumulam textos que nada provam no assunto, procurando provar pela quantidade o que lhes faltam em qualidade.

Vão copiando objeções mil vezes pulverizadas, e parece que cada objeção continua a ser para eles um pedra formidável contra a verdade Católica.

Obedecendo a esta mania, o nosso Professor de exegese-batista não quer contentar-se em defender simplesmente uma tese, mas quer produzir outras objeções contra o culto da Virgem Santa...

Já refutei tais erros, e em diversos livros, mas quero dar-lhes mais uma resposta completa e decisiva.

Eis como o Professor de exegese termina o seu artigo... Cito apenas duas conclusões desta síntese, tendo sido o resto refutado nos capítulos precedentes: Eis finalmente sintetizadas as provas irrefutáveis do Novo Testamento, que Maria, mãe de Jesus, teve outros filhos.

1. "José tendo despertado do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu sua mulher, e não a conheceu enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus. (Mt.1,24-25). Aceitamos o ensino da virgindade de Maria no sentido das palavras: enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o mome de Jesus. O dogma da perpétua virgindade de Maria não é ensinado nesta linguagem. Ao contrário, implica que ela depois do nascimento do seu primogênito consumou o seu amtrimônio com o seu marido José.

2. Lucas 2,7 declara positivamente que Jesus era o primogênito (lon prolokon) de Maria. Por que o evangelista Lucas não disse (como diz o P. Julio) que Jesus era o unigênito filho de Maria? Porque sabia que Maria tivera ou- os filhos (Lc. 8, 19-20).

Eis duas passagens que vou refutar aqui brevemente, desenvolvendo a verdade contrária a estas falsidades.

 

I. Antes e depois

A primeira objeção denota muita ignorância, tanto do sentido gramatical da palavra, tanto do sentido exegético da Bíblia.

Parece-me impossível que um professor de exegese seja capaz de apresentar tal argumento ridículo, que nem sequer possui uma aparência de base.

Examinemos de perto a tal frase do Evangelho:

E despertando José do sono, fez como lhe tinha mandado o anjo do Senhor, e recebeu (Maria como) sua esposa; e não a conhecia, até que deu à luz seu filho primogênito (Mt. 1,24-25).

Que prova tal texto? Prova diretamente que Maria Sma. foi virgem até ao nascimento de Jesus Cristo: nada mais... nada menos.

O sentido gramatical e exegético é claro:

Donec peperit-Donec, — até, — eõsou, indica a persistência de um estado até certo tempo, porém não implica a cessação deste estado após este tempo.

Não há ali nenhuma prova que Maria não ficou virgem depois.

Tal é a interpretação óbvia, seguida pela Igreja Católica e pelos protestantes instruídos e sinceros, sendo apenas combatida tal verdade pelos ignorantes: e pelos plagiadores, que se contentam em copiar o que os outros escreveram, sem nenhuma reflexão sobre a interpretação adotada.

Cito aqui apenas umas interpretações fora de contestação, as de uns chefes protestantes: Grocio, Calvino e Pearson, Owen, Dr. Hickes e Dr. Branhal, todos eles protestantes e de posição.

Eis o que escreve Grocio (Anot. in Mat. op. teol: t. IH p. 15).

"A negação de que José não conheceu Maria antes de ela dar à luz, não inclui de nenhum modo a afirmação para o tempo que seguiu.

Uma multidão de exemplos demonstram que isso era entre os judeus um modo notório e usual de exprimir-se...

A própria intenção do Evangelista nos obriga a limitar-nos ao tempo de dar à luz, de que ele fala, não se tratando de outra coisa, senão e fazer conhecer que José nenhuma parte tiha nesta operação.

Nada da passagem citada refere-se ao tempo posterior, mas exclusivamente ao tempo anterior."

Eis uma outra de Calvino, um dos fundadores da seita. ele escreve: (Com. sobre a harm. evang. p. 41)

"Apoiando-se sobre o texto: Não a conhecia té que deu à luz, Helvídio (o inventor da groseira objeção -IV século), em seu tempo suscitou grandes perturbações na Igreja, querendo sustentar que Maria tinha sido apenas virgem no parto, e que depois tinha tido outros filhos de seu marido.

S. Jerônimo sustentou a virgindade perpétua de Maria e a defendeu forte e largamente. Basta-nos dizer que tal não é o sentido do Evangelho, e que é uma loucura o querer recolher desta passagem o que aconteceu depois do nascimento de Cristo."

Eis também o que é claro, e o que não é dito por um teólogo católico, mas por um dos primeiros chefes do protestantismo.

O bispo protestante Pearson, (Expos. of the reed. p. 173) a quem não se pode negar competência, diz por sua vez:

"A expressão, diz ele, desta linguagem bílica não traz consigo semelhante dedução. Com feito, dizendo Deus a Jacó que não o deixaria até que não fizesse aquilo de que lhe tinha falado, segue-se porventura, que Deus tenha abandonado a Jacó depois de o ter feito?

Sendo lógico, é preciso concluir, como todos os exegetas sérios concluem, que o não ter José conhecido a sua Esposa, até ela dar à luz o seu primogênito, não traz como consequência necessária que a conhecesse depois, e que por conseguinte o Evangelista na passagem alegada quis apenas dizer-nos o que não se tinha feito.

Citemos mais um testemunho de outro protestante instruído, o bispo dr. Roberto Owen. (The dogme theol. p. 44. Oxiord).

"Nós abraçamos com gosto o sentimento, que prevalece entre os cristãos, de ser Maria Virgem, pura de qualquer comércio humano com seu esposo, não só quando nela se completou o mistério da geração de Cristo, mas também por todo o tempo de sua vida."

Ainda outro luzeiro do protestantismo, o dr. Hickes, escreve (On the due praise and h. of the M. V. p. 269).

"Maria foi Virgem na alma como no corpo, de tal maneira que nunca olhou com fim voluptuoso para a criatura; foi Virgem em tudo, e era toda pureza, tanto interior como exteriormente, conservando o seu corpo como Santuário e lugar santo, e a sua alma como o Sancta Sanctorum, por ser o receptáculo do Espírito Santo, o Tabernáculo do Filho de Deus."

Terminemos por este brado admirável de um arcebispo protestante dr. Bramhall (Works vol. Ip. 53) confirmando a referida doutrina católica, e condenando o erro de nossos modernos exegetas batistas:

"Nós admitimos as genuínas, universais apostólicas tradições, como sejam o Símbolo dos Apóstolos, e a perpétua virgindade da Mãe de Deus."

Tais autoridades, caro professor, sendo protestantes da gema, m merecem ou não, fé para senhor?

Nós, católicos, estamos de acordo com eles sobre este ponto... como é que vós não o estais?

Sois divididos... e, como disse o Salvador, toda casa dividida não pode subsistir...

Eis porque o protestantismo rui, cai, esfarrapado sob os dentes de seus próprios adeptos.

Hoje não existe mais protestantismo, só existem pretestantes... tendo cada um a sua ideia, sua religião, seu credo, fabricado por ele mesmo. É a dúvida geral, a dúvida de tudo, afora sua interpretação individual.

Na Igreja Católica, o que um ensina, todos ensinam, porque há uma autoridade central, há uma unidade perfeita; a verdade sendo uma, é indivisível.

 

II. Provas Bíblicas

Para corroborar o sentimento das autoridades protestantes contra a interpretação batista do nosso Professor de exegese, citamos uns textos paralelos da própria Escritura, om que a mesma locução é empregada, e com o sentido que lhe atribui a doutrina Católica.

Deus falando a Jacó do alto da escada que viu em sonhos, disse-lhe:

Não te abandonarei, enquanto não cumprir tudo o que disse (Gn.28,15).

Quererá isso dizer que depois de Deus ter cumprido o que prometera a Jacó, o abandonaria

É impossível, Deus fala do presente, sem se ocupar do que fará no futuro.

No Deuteronômio o Escritor Sagrado diz de Moisés: E Moisés, servo do Senhor, morreu ali na terra de Moab... e este o sepultou no vale de Moab... e nenhum homem soube até hoje o lugar de seu sepulcro. (Dt.34,6)

Pode-se inferir deste passo que o dito lugar tenha sido conhecido depois?

Impossível, pois o túmulo do Moisés nunca foi descoberto.

O Espírito Santo indica os precedentes até ali, sem falar do futuro.

* * *

O Santo homem Jó, proclamando a sua inocência, diz:

Enquanto eu viver, não me apartarei da minha inocência (Jó.26,5)

Quererá dizer isso que depois de viver, isso é, depois de morto, Jó se apartará da sua inocência?

Uma tal interpretação seria o cúmulo do absurdo.

* * *

Noé para conhecer o estado da terra, após o dilúvio, soltou um corvo, o qual saiu, e não tornou mais, até que as águas fossem secas sobre a terra (Gn.8,7)

Quererá dizer isso que o corvo tenha voltado depois do desaparecimento das águas?

Naturalmente, não. O corvo não voltou mais, a Bíblia diz apenas que não apareceu até o desaparecimento das águas, sem dizer o que aconteceu depois.

É mais que provável que o corvo não tendo encontrado lugar onde pousar, nem alimento, tenha morrido nesta excursão.

* * *

No livro dos Reis (ou de Samuel) lemos: E Samuel não viu mais Saul até ao dia da sua morte (Sm.15,35).

Quererá dizer isso que Samuel viu Saul depois da sua morte?

Novo absurdo!

A Sagrada Escritura fala da época que precede o dia da morte de Saul, e nada diz do que seguiu a esta morte.

* * *

Outra passagem do Samuel (II Reis)

Por esta razão Micol, filha de Saul, não teve filhos até o dia de sua morte (2Sm.6,23).

Então Micol não tendo tido filhos até ao dia da sua morte, tê-los-a tido após a morte?

Que lógica impagável!

O texto diz o que houve até a morte, sem tratar do que haveria depois.

 

* * *

Isaías, na visão contra Jerusalém, ouve a voz do Senhor clamando contra a cidade prevaricadora: Não, não vos será perdoada esta iniquidade até que morrais (Is.22,14)

Quer dizer isso que a tal iniquidade será perdoada depois da mote?

Não pode ser, pois após a morte não há mais perdão; é a eternidade.

***

Jesus Cristo disse aos Apóstolos : Eis que eu estou convosco, todos os dias, até a consumação dos séculos (Mt.28,20).

Deve-se concluir disso que depois da consumação Jesus Cristo abandonará para sempre os seus Apóstolos?

É o contrário; estará com eles, no céu, mais estreitamente unido, do que aqui na terra.

***

Antes da Ascenção, o Salvador disse a seus Apóstolos:

Eu vou mandar sobre vós o Espírito Santo prometido por meu Pai: entretanto permanecei na cidade, até que sejais revestidos da virtude do alto. (Lc.24,49).

Significará isto que, depois de receber o Espírito Santo, os Apóstolos tinham que fugir de Jerusalém, e não podiam mais permanecer ali?

Seria outro absurdo, pois vemos os Apóstolos voltarem a cada instante a Jerusalém, reunirem-se ali, e um deles ser o primeiro Bispo da antiga Cidade Santa.

***

Podiam-se recolher centenas de outros passos que provam que o sentido bíblico, como aliás o sentido gramatical, lógico, popular, de tais passagens até, enquanto, indica sempre o que precede e nunca o que segue.

Colocando ao lado destes textos paralelos O texto em discussão, vemos logo que o sentido é idêntico, e exprime única e exclusivamente o que precedeu, e nada diz do que segue:

E não a conheceu, até que deu à luz um filho.

O Professor, examinando estes textos, será obrigado a confessar a verdade bíblica, aí claramente indicada, e a certeza da interpretação católica, como a dos próprios chefes protestantes, acima citados.

 

III. Provas do bom senso

É inútil prolongar as citações, pois a Sagrada Escritura, sendo a palavra de Deus, um único texto é tão comprobativo como cinquenta.

O Evangelho, dizendo que José não conheceu Maria até que deu à luz seu filho primogênito, (Mt.1,25) diz o que não se tinha feito até ao nascimento do Salvador; nada mais; sem querer falar do que seguiria.

O não tê-la conhecido até dar à luz o seu filho, não traz, de nenhum modo, como consequência que a conhecesse depois.

O protestante Grocio, já citado, diz com muito bom senso: "A própria intenção do escritor sagrado nos faz uma lei de limitar-nos ao tempo do parto, de que fala, não se tratando de outra coisa em sua intenção, senão de fazer bem conhecer que José ficou nele estranho. De modo que que segue não tem nenhuma relação com o que precede." (Grot. Ann. in Mat, p. 15).

O simples bom senso nos indica o sentido de tais frases, não sendo preciso recorrer às interpretações gramaticais ou exegéticas.

Em linguagem clara nós dizemos:

Este homem foi honrado até a morte.

Será que deixou de sê-lo depois da morte?

Não; diz apenas que foi honrado, enquanto vivo.

Fulano de tal trabalhou até fazer fortuna... o que não quer dizer que, depois de rico, deixou de trabalhar.

Sicrano perdeu no jogo até à noite; quererá dizer que deixou de perder no dia seguinte?

Dizendo alguém: estudei até conseguir o meu diploma, não diz que não continuou a estudar depois.

A verdade Católica brilha, pois, com todo o fulgor da revelação divina, e nos mostra a Virgem Imaculada, toda pura, na auréola de sua virgindade perpétua.

O autor desta heresia não é um protestante.

Estes nem o mérito têm da invenção!

Deixaram as outras interpretações clara e positivamente favoráveis à virgindade da Mãe de Jesus, o acolheram com palmas esta, porque parece contradizer esta glória... e depois bradam, e escrevem que honram e veneram a Mãe de Jesus... dizem-se até irmãos de Maria, porém recusam-lhe tudo o que pode exaltar a sua glória.

Pobres protestantes, refleti bem... e Deus vos dê a graça de reconhecerdes o erro lamentável da vossa doutrina anti-Bíblica e anti-racional.

A fé da Igreja nunca mudou a esse respeito.

A Igreja aclama Maria Sma., não como uma deusa, mas como Virgem das virgens:

Virgem antes do parto,

Virgem no parto,

Virgem depois do parto.

Assim falam os Concílios... assim fala o Credo... assim fala o Evangelho: Como se fará isto, porque não conheço varão? Assim falam os próprios protestantes instruídos e sinceros.

Os contraditores desta verdade mostram apenas que não refletiram, mas foram plagiando objeções bolorentas, mil vezes pulverizadas.

 

IV. O primogênito

Eis-nos chegados à última objeção de nosso Professor.

Digamos-lo logo: ele começou mal, e terminou ainda pior.

A conclusão, que é o último argumento de oposição, é de uma miséria sem nome.

A mesma passagem, que acabo de refutar, fornece um duplo argumento à teimosia do Professor.

O Evangelho diz que José não conheceu Maria até que deu é luz o seu filho primogênito (Mt.1,25).

São Lucas repete a mesma frase: E deu à luz o seu filho primogênito.(Lc.2,7).

Ora, dizem os protestantes: Maria teve um filho primogênito.

Ora, não há primogênito sem segundo gênito.

Logo, Maria teve outros filhos.

É de se bater palmas pela invenção e pela forma silogistica...

É um raciocinio de criança.

Então não pode haver primeiro, sem que haja segundo?

Esta é estupenda!

Nesto caso, e com tal lógica protestante, a mãe só terá um primeiro filho, depois de um segundo nascer.

Que não haja um segundo sem primeiro, isso sim! mas o primeiro, desde que nasce, é bem o primeiro e fica o primeiro, independente do nascimento do segundo.

O adjetivo ordinal primeiro é completamente independente de segundo, indicando a ordem do passado até o presente, sem se ocupar do que segue.

Dizendo, por exemplo, que um aluno é o primeiro de seu curso, sabe-se que ninguém o precede, mas ignora-se quantos o seguem.

Se tal aluno ficar só, ele é o primeiro, tão bem, como se for seguido de vinte outros.

Um homem que constrói uma casa pode dizer com toda verdade: Esta é a primeira casa que construo, mesmo se ele pretende não construir mais outras casas.

Quando alguém morre, é bem a primeira vez que morre, e só morre uma vez.

Está vendo, caro Professor. como é ridícula a tal asserção, de não haver primeiro, sem que haja segundo, ou de dizer que por haver primeiro ou primogênito, deve haver outros gênitos.

Os próprios protestantes, um pouco instruídos, rejeitam tal absurdo.

Eis uma palavra de vosso pai ou tio Calvino:

"O Cristo, diz ele, é chamado primogênito, para mostrar-nos que nasceu de uma mãe virgem, e que nunca teve outros filhos."

Pobre Calvino, porque não consultastes os profssores de exegese de dois séculos mais tarde?

Grocio, um luzeiro da seita, escreve:

"A expressão primeiro quer dizer que nenhum outro o precedera, mas não que um outro o seguiu".

Pobre, Grocio... os teus netinhos são de outro pensar.

O grande Pearson, outro luzeiro, escreve ainda:

"A noção bíblica de prioridade exclui um antecedente, porém não exprime um consequente!

Santificai-me, disse Deus, todos os primogênitos!

"Era esta uma lei fixa e obrigatória, à qual se devia satisfazer assim que nascia o menino; porém,se a palavra primogênito tivesse relação, necessária com um segundo gênito, essa obrigação não teria sido imediata, e o primogênito não seria santificado por si mesmo, mas santificá-lo-ia o nascimento do segundo gênito...

"Por conseguinte essa palavra primogênito não pode designar nascimentos posteriores; não prova, portanto, que Maria tivesse outros filhos."

Tal é o raciocínio e a interpretação de um bispo protestante, conhecido por seu talento e por sua sinceridade.

Como vê o meu Professor, tal interpretação é completamente Católica, porque é sincera e científica, e discorda por completo da interpretação mesquinha e perversa que os modernos netinhos de Lutero querem dar a estas passagens.

Ubi est veritas? Onde estará a verdade?

Com a Igreja Católica e com os teólogos protestantes, ou com uma dúzia de homens sem doutrina e sem fé?

 

V. Provas bíblicas

Recorramos a Bíblia que os amigos protestantes dizem ser a regra de sua fé,e mostremos que a Bíblia aprova completamente a interpretação Católica, rejeitando integralmente o erro protestante.

A citação de lugares parallelos vai dar-nos o sentido exato da palavra primogênito.

No Êxodo Deus disse: Todo o primogênito na terra do Egito morrerá (Ex.11,5).

E assim aconteceu, Não havia casa em que não houvesse um morto (Ex.11,30).

Havia necessariamente, como em todos os países, casais de um só filho; por exemplo, todos os que tinham casado nos dois últimos anos...

Havendo só um filho, tal filho era o primogênito e por isso morreu.

* * *

Deus disse ainda: Todo primogênito é meu (Nm.3,13).

Depois Deus manda contar todos os primogênitos machos dos filhos de Israel, da idade de um mês para cima (Nm.2,40).

Ora, se há primogênitos de um mês de idade, como é que se pode exigir que, para haver primeiro, haja um segundo?

Podia uma mãe tendo um primogênito de um mês, ter já outro segundo?

Logo, o primeiro nascido, haja outros ou não, é verdadeiramente o primogênito.

* * *

No Êxodo ainda Deus dá ordem de santificar-lhe todo o primogênito, que nascer entre os filhos de Israel (Ex.12,2).

Ora, se a mãe, para saber se o primeiro nascido é bem o primogênito, tivesse que esperar o nascimento do segundo, como poderia ela oferecer a Deus, desde o nascimento, o tal primogênito?

Seria impossível.

Tal texto prova, pois, que o primogênito não Supõe de nenhum modo algum segundo.

* * *

No Êxodo ainda lemos, no capítulo 22: O primogênito de teus filhos me darás; sete dias estará com sua mãe, e ao oitavo dia mo darás (Ex.22,29-30).

O primogênito, conforme a ordem divina, lhe deve ser oferecido no oitavo dia do nascimento,

Ora, em oito dias, tal filho é bem o único; entretanto Deus chama-o: primogênito.

Logo, há primogênito, sem que haja um segundo...

* * *

A primogenitura era um título de dignidade e de honra entre os Judeus, e geralmente o primeiro nascido conservava este título do primogênito, tendo direito a certos privilégios, como os de herdeiro, etc, e ficando sujeito a certas obrigações, como vemos na Bíblia (Lc.2,23).

É pois a propósito e com razão quo o Evangelista a chama Jesus: primogenito— Ton protótokon.

Ele o designa deste modo como herdeiro de Davi, como tendo um direito privilegiado sobre esta herança. (cf. Gn.10,15;21,12).

Longe de ser um título equívoco, que apresenta qualquer dificuldade, tal expressão torna-se um sinal do autenticidade.

Embora natural sob a pena de um Judeu, tal expressão não se teria apresentado ao Espírito de um estrangeiro.

Tal é o sentido gramatical e lógico da palavra primogênito no antigo Testamento e este sentido sendo o único admissível ficou conservado no Novo Testamento como se pode ver na apresentação de Jesus no templo: Depois que foram concluídos os dias da purificação de Maria, segundo a lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor: Todo o varão primogênito será consagrado ao Senhor (Lc.2,22)

Eis que S. José e Maria Sma., em obediência à lei de Moisés, levam Jesus para oferecê-lo ao Senhor como sendo o primogênito.

Ora, se um filho único não pode ser chamado primogênito, porque então sujeitaram se eles a esta lei, e porque os sacerdotes, conhecedores da lei, permitem e aceitam a tal oferta, de um filho único?

S. José e Maria Sma., tão instruídos na Sagrada Escritura, como os sacerdotes do templo, ignoravam o sentido da lei de Moisés... ou então, o menino primeiro nascido é bem o primogênito.

Jesus era o filho único, neste tempo, até para os batistas que lhe querem dar vários irmãos, pois Jesus tinha apenas 40 dias de idade, não podendo ter ainda irmãos.

A passagem supra é típica e resolve toda a discussão.

Só o meu Professor tapa-se os dois olhos com os punhos, para não ver!

E vendo, deve confessar que está redondamente enganado; ou então que nunca estudou os passos referentes ao primogênito.

É ignorância ou maldade.

Não pode haver outra solução.

 

VI. Prova arqueológica

Além das provas exegéticas, temos uma prova arqueológica decisiva, e talvez desconhecida pelo Professor batista.

Em 1922, C. Edgard publicou nos "Anais das Antiguidades do Egito" 14 novas inscrições, descobertas em Tell e Yeharidich (antiga Leontópolis) onde foi encontrada importante necrópole judaica do tempo do imperador Augusto.

 

Numa delas lê-se um epitáfio grego que, vertido à nossa língua, diz o seguinte:

 

Eis o túmulo de Arsinoe, ó transeunte,

Chora, ao considerar quanto ela foi infeliz.

Ainda de tenra idade, fiquei órfã de minha mãe.

E quando a flor da mocidade me adornou

para o hymeneu,

Meu pai Phabeiti deu-me um marido.

Porém entre as dores que acompanharam

o parto de meu filho primogênito (protótokon teknou)

A sorte me levou ao termo da vida...

Epitáfio de Arsinoe.

No ano 25, segundo do mês Mechir.

Tal ano 25 deve referir-se à época do reino de Augusto, em Roma, e de Ptolomeu VII, rei do Egito neste tempo.

A tal data corresponde a 28 de Janeiro, do ano 5 antes de Jesus Cristo.

Foi talvez naquele mesmo ano que, em Belém, Maria deu à luz o seu filho primogênito.

O estudo intrínseco da inscrição prova a sua origem judaica.

aquele filho primogênito foi o primeiro e o único (prótos Kai monos), para responder ao dilema, de nosso Professor batista.

O termo (protótokos) significa bem: o primeiro, simplesmente, (ante quem nullus) em sentido absoluto, pois as circunstâncias são tais que nascimento ulterior de irmãos ou irmãs é positivamente excluído.

Podemos pois afirmar categoricamente contra os protestantes, e entre eles contra o Professor de exegese batista, como contra todos aqueles que pretendem combater a Virgindade perpétua da Sma. Virgem, podemos pois formular as seguintes conclusões:

1. E falso que o termo protótokos (primogênito) se empregue sempre em sentido relativo,

e só se possa empregar com relação aos irmãos nascidos depois do primeiro.

2. É falso que uma mãe que teve um primogênito, se deva naturalmente supor ter tido outros filhos depois daquele.

3. É falso que o termo primogênito exprimia reserva ou possibilidade do nascimento de outros filhos.

Arsinoe, que morreu na ocasião do nascimento de seu filho primogênito, estava definitivamente impossibilitada de ter outros filhos.

4. É falso que o termo primogênito comprometa o futuro ou implique a vinda de uma progênie subsequente.

A família de Arsinoe compreendeu que tal primogênito era o primeiro e o último (primogênito e unigênito).

É falso que o termo unigênito (monogenes) seja mais apropriado que o termo primogênito, por tratar-se de um filho, cujo nascimento não devia ser seguido de outros.

Fica portanto provado, com inteira certeza, que o Evangelista São Lucas pode, com toda razão, chamar Jesus Cristo o filho primogênito de Maria, em vez de o chamar filho único, sabendo mesmo com certeza estar excluído não somente o fato, mas ainda a possibilidade de ulteriores filhos de Maria.

 

VII. Conclusão

Eis onde terminam as suas tristes objeções, caro Professor.

O texto evangélico, interpretado pelo bom senso, pela ciência e pela exegese sincera, fica em pé, tal qual foi sempre entendido na Igreja católica.

José não conhecia Maria; até que deu à luz seu filho primogênito (Lc.1,25).

Ficou provado que tal expressão refere-se ao que precede e nada diz do que segue.

Tanto a Bíblia como a gramática e o modo de exprimirmos, dá e confirma este sentido.

Maria Sma. ficou pois virgem depois do nascimento de Jesus, como o foi antes e durante e nascimento, conservando intata a sua pureza virginal.

Quanto ao termo primogênito, é quase pueril discuti-lo.

E uma luz meridiana que só não enxerga o fanatismo cego, ou então a impiedade empedernida, e e contra tal estado de Espírito não ha remédio.

Primogênito é o primeiro nascido, seja ele ou não seguido de outros.

Desde que o primeiro nasce, é bem o primeiro desde a hora de seu nascimento; e qualquer mãe, tendo apenas um só filho, sendo interrogada acerca deste filho, responderá: Esto é meu primogênito, ou o meu primeiro filho, embora ela ignore se terá ou não outros filhos.

Só os pobres protestantes não permitem dizer a tais mães que este filho é o primogênito… o que faz acreditar que não existe, apesar de nascido; só existirá e será o primeiro, depois de o segundo nascer.

É preciso muita coragem para sustentar tais absurdos.

É, pois, fora de toda a discussão sincera que a palavra primogênito não significa unicamente o filho mais velho entre diversos irmãos, mas, sim, o filho de toda mulher que ainda não foi mãe anteriormente.

É a expressão de São Jerônimo: Non quem fraires sequuntur, sed qui prius omnium tatus est. (S. Jer. in Math. I. adv. Helv. X.)

Tal é claramente o sentido indicado pela própria Bíblia.

Tudo o que sai primeiro do seio de qualquer carne... pertencer-te-à por direito: mas com esta condição de que pelo primogênito do homem recebas o preço. (Nm. 18, 15).

O termo primogênito tinha ainda entre os Judeus uma significação de honra e de dignidades que o fazia gozar de certos privilégios, como se pode ver na Bíblia, que fala diversas vezes dos direitos de progenitura.

Este é o primeiro de seus filhos, e a ele pertence o direito de primogenitura (Dt.21,17).

Ao terminar seu artigo o Professor pergunta porque o Evangelista não usou do termo Unigênito em vez de primogênito.

A razão é simples.

O Espírito Santo não é protestante, e conhecendo a fundo a significação dos termos, achou que o termo de primogênito (ton protótokon) era a palavra própria, para exprimir o que ele queria dizer.

 

***

O termo unigênito servia para exprimir o fato físico do nascimento de Jesus Cristo, mas limitava-se a este fato, enquanto o termo primogênito refere-se ao fato físico e ao fato espiritual.

Jesus Cristo como Deus é o Unigênito do Pai Eterno. Filium suum unigenitum misit eus in mundum (1Jo.4,9).

Como homem-Deus Ele é o primogênito de todas as criaturas — Primogenitus omnis creaturae (Col.1,15).

Como homem ele é o Unigênito da Virgem Sma. — Et paries filium (Lc.1,31).

Mas Jesus Cristo não veio só como Deus, nem só como homem; veio como homem-Deus como tal devia ser o primogênito entre muitos irmãos.

É S. Paulo quem nô-lo explica:

Ele escreve aos Romanos: Os que Deus conheceu na sua presciência, também os predestinou para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos (Rm.8,29).

Jesus Cristo deve ser o primogênito entre muitos irmãos.

Estes irmãos são os homens justos, são os santos.

Eis porque Jesus Cristo participou da nossa carne e do nosso sangue, devendo ser semelhante a seus irmãos, para ser o seu Pontífice perante Deus.

Neste sentido espiritual Maria Sma., deu à luz um primogênito... o primogênito de todos os cristãos, dos quais ela é a Mãe espiritual.

Deste modo, diz ainda S. Paulo, Jesus é o primogênito de todas as criaturas: primogenitus omnis creaturae (Cl.1,15).

Expressão sublime, como é sublime a verdade que manifesta, envolvendo a Virgem Sma. no resplendor mais vivo e mais universal.

Todas as criaturas, animadas e inanimadas, celestes e terrestres, regeneradas, pacificadas, consagradas pelo filho primogênito de Maria, saúdam nela a Mãe e a Senhora do universo.

E tudo isso, por estas simples palavras: ela deu à luz o seu filho primogênito. (Lc.2,7)

Não nos admiremos que palavras tão simples revelem um sentido tão profundo, quando a criancinha, que nos mostram, revela-nos um Deus!

Estas palavras não são, pois, uma diminuição da glória da Mãe de Jesus, mas sim uma auréola resplandecente que o Espírito Santo coloca sobre a sua fronte Imaculada.

E os pobres protestantes, adulterando o sentido destas palavras, quereriam que exprimissem a perda da virgindade da Mãe de Jesus.

Não, não, pobres protestantes! Elas exprimem ao contrário a maternidade espiritual da Mãe de Deus, que se torna, deste modo, também a Mãe dos homens.

 

CAPÍTULO X

Maria, Mãe de Deus!

Maria é Mãe de Deus!

É uma verdade tão lógica, que parece quase impossível haver discussão a este respeito.

E entretanto a discussão existe.

Basta a Igreja Católica aclamar Maria, omo Mãe de Deus, para que o ódio protestante, sempre em oposição à doutrina Católica, exclame: Não é Mãe de Deus! Maria é simplesmente a Mãe de Cristo... como qualquer outra mãe é mãe de seu tilho!!

E, para rebaixar esta maternidade divina, para tirar da sua fronte Imaculada de Mãe a sublime auréola desta maternidade única, chegam aqueles infelizes a querer dar a Maria Sma., vários outros filhos, como vimos nos capítulos precedentes.

Renovando o erro do herege Nestório, e contrário ao ensino de seus próprios fundadores e teólogos antigos, os protestantes antigos e os protestantes modernos não admitem que Maria Sma. seja Mãe de Deus; querem apenas que seja mãe de um homem, unido a Deus.

É o maior dos absurdos, mas quando se trata de contradizer à Igreja Católica, os absurdos chamam-se ciência, exegese, progresso, etc., nas escolas dos pastores protestantes que, aliás, nem acreditam mais na divindade de Jesus Cristo.

Estudemos aqui este sublime assunto, mostrando, clara e irrefutavelmente, o erro protestante e a verdade Católica, verdade ensinada pelo bom senso, pelo Evangelho e pela tradição unânime, desde os Apóstolos até hoje.

É um estudo interessante, instrutivo, e de sumo proveito para as almas sinceras e de boa vontade.

 

I. Como Maria é Mãe de Deus

Se eu perguntasse a um protestante, se ele é verdadeiramente o filho de sua mãe... e se a progenitora dele é verdadeiramente a mãe dele, de certo, ele olharia para mim com grande espanto, admirado de que um homem em posse de seu bom senso, possa duvidar um filho não ser o filho de sua mãe.

E teria razão! Muita razão!

Mas, como é que ele pretende que Jesus sendo filho de Maria... Maria não é a Mãe de Jesus?

A sua mãe, caro protestante, é apenas a mãe de seu corpo.

Ora, o homem é composto de um corpo e de uma alma, sendo a alma a parte principal do homem, pois é ela que comunica ao corpo a vida e o movimento.

A sua mãe da terra não é a autora de sua alma. A alma é criada por Deus, para cada corpo em particular.

A sua mãe é pois apenas a mãe da parte material de seu ser. Como é que o sr.diz que ela é sua mãe?

Se o amigo protestante tivesse um pouco de instrução, responderia: É certo, a minha mãe é apenas a mãe de meu corpo e não o é da minha alma, porém a união desta alma e deste corpo forma a minha pessoa; e a minha mãe a mãe de minha pessoa.

Sendo ela a mãe de minha pessoa, que é composta de corpo e alma, é bem e realmente minha mãe.

Deus criou-me uma alma, porém ele não criou a minha pessoa, que provém da união substancial do corpo e da alma.

A minha mãe é a mãe desta pessoa, pois é em seu seio que se operou esta união do corpo e da alma.

O meu caro protestante, raciocinando e falando deste modo, falaria como um homem sensato, mostrando que é filho de sua mãe, e que sta mãe é realmente a mãe dele.

Pois bem, apliquemos estas noções de bom senso ao caso da maternidade divina de Maria Santíssima.

Há em Jesus Cristo duas naturezas: a natureza divina e a natureza humana.

Estas duas naturezas, reunidas, constituem uma única pessoa: a Pessoa de Jesus Cristo.

Ora, Maria é a Mãe desta única pessoa que possui ao mesmo tempo a natureza divina e a natureza humana, como a nossa mãe é a mãe da nossa pessoa.

Maria Sma. deu a Jesus Cristo a natureza humana; não Lhe deu, porém,a natureza divina, que vem unicamente do Pai Eterno.

Maria deu à Pessoa de Jesus Cristo a parte inferior: a natureza humana, como a nossa mãe nos deu a parte inferior da nossa pessoa: o corpo.

Apesar disso a nossa mãe é a mãe da nossa pessoa, e Maria é a Mãe da pessoa de Jesus Cristo.

E notemos que em Jesus Cristo há só uma pessoa, e esta pessoa é divina, infinita, eterna: é a pessoa do Verbo, do Filho de Deus, igual em todas as coisas ao Pai Eterno e do Espírito Santo.

E Maria Sma. é a Mãe desta pessoa divina.

Logo, ela é a Mãe de Jesus. a Mãe do Verbo Eterno, a Mãe do Filho de Deus, a Mãe da segunda Pessoa da Sma. Trindade, a Mãe de Deus, pois tudo isso é a mesma e única pessoa, nascida do seu seio virginal.

Jesus Cristo, Filho de Deus e da Virgem Imaculada, é Deus feito homem; em outros termos: é Deus revestido de um corpo e de uma alma.

A alma de Jesus Cristo, criada por Deus, é realmente a alma do Filho de Deus.

A humanidade de Jesus Cristo, composta de corpo e de alma, é realmente a humanidade do Filho de Deus.

E a Virgem Maria é verdadeiramente a Mãe deste Deus, revestido desta humanidade: ela é a Mãe de Deus feito homem.

Ela é a Mãe de Deus.

Maria, de qua natus est Jesus.

Maria, de quem nasceu Jesus (Mt.1,16)

Eis como, por uma lógica irretorquível, o bom senso nos prova que Maria é verdadeiramente a Mãe de Deus.

Ela não é a Mãe da divindade, como a nossa mãe não é mãe da nossa alma; mas ela é a Mãe da pessoa de Jesus, como a nossa mãe é mãe da nossa pessoa.

A pessoa de Jesus é uma Pessoa divina, é a Pessoa do Filho de Deus.

Logo, ela é a Mãe de Deus.

A nossa mãe é a Mãe da nossa pessoa; esta pessoa é humana, e é determinada, chamando-se: Pedro, Paulo, José Maria ou Regina; pouco importa o nome.

Por isso a nossa mãe ,sendo a mãe da nossa pessoa, é verdadeiramente a nossa mãe; ou mãe de Pedro, ou de Paulo, ou de José, ou de Maria, ou de Regina.

Basta este raciocinio para mostrar o absurdo dos infelizes protestantes, em quererem negar um título a Maria Sma., que lhe é próprio, que lhe foi dado por Deus, e que lhe é absolutamente devido, pelo fato de ser ela a Mãe de Jesus.

 

II. Os erros dos primeiros heresiarcas

Não foram os protestantes, os primeiros, a negarem este título de Maria Sma..

O inventor da absurda negação sido foi Nestório, indigno sucessor de São João Crisóstomo, na sede de Constantinopla.

A sutilidade grega tinha suscitado vários erros a respeito da pessoa de Jesus Cristo.

Sabellio quis aniquilar a personalidade do Verbo.

Ario procurou tirar desta personalidade a auréola da divindade.

Os docetas negaram a realidade do corpo de Jesus Cristo.

Os Apolinaristas rejeitaram a alma humana de Cristo.

Tudo tinha sido atacado, pela heresia, na pessoa de Jesus Cristo; mas a cada heresia que se levantava, a Igreja infalível, sob a direção inspirada do Papa de Roma, defendia e proclamava a única e imperecível verdade:

da pessoa do Verbo divino contra Sabellio,

da divindade desta pessoa, contra Ario,

da realidade do corpo humano de Jesus, contra os docetas,

da realidade da alma humana de Jesus, contra os Apolinaristas.

Restava apenas um ponto isento de ataque da parte dos hereges: era a união das duas naturezas: a divina e humana, em Jesus Cristo.

Cabia a Nestório levantar esta heresia, e aos filhos de Lutero continuarem a defender este erro grotesco.

Foi em 428 que o indigno Patriarca Nestório começou a pregar que havia em Jesus Cristo duas pessoas, uma divina como Filho de Deus; outra humana, como Filho de Maria.

Por isso, conclui o heresiarca, Maria não pode ser chamada Mãe de Deus, mas simplesmente Mãe de Cristo, ou do homem.

Concebe-se a importância de uma tal negação.

Se as duas naturezas, a divina e a humana, não são hipostaticamente (união pessoal) unidas em Jesus Cristo, de modo a formar uma única pessoa, desaparece a Encarnação e a Redenção.

O Filho de Deus, não se tendo revestido da nossa natureza, não pode ser o nosso Redentor.

Somente o homem sofreu nele.

Ora, o homem, como ser finito, só pode fazer obras finitas.

Logo, a redenção não é mais de um valor infinito.

Jesus Cristo não pode mais ser adorado:

é apenas um homem.

A Eucaristia não é mais a carne e o sangue de um Deus; é apenas a carne de um homem.

O Salvador não é mais o Homem-Deus.

Tal é o erro grotesco que Nestório, como predecessor de Lutero, veio lançar ao mundo.

E os protestantes, sem terem a coragem de sustentar todos estes erros, continuam a defender a maior parte deles.

É falta de lógica! Ou devem aceitar tudo ou devem negar tudo.

Nestório era pelo menos lógico, em suas deduções, que eram falsas, porque dimanavam de um principio falso.

Os protestantes admitem e professam o princípio falso de Nestório, sem terem a ousadia de tirar logicamente todas as conclusões deste princípio.

Admitem umas conclusões e rejeitam outras.

Porque este seletismo?

Admitem em Jesus Cristo duas naturezas e uma pessoa, mas rejeitam a união pessoal (hipostática) das duas naturezas na única pessoa de Cristo.

Adoram Jesus Cristo, e negam à sua Mãe Imaculada o título da maternidade desta pessoa divina.

Admitem o Salvador, como Homem-Deus, e negam a presença de sua pessoa divina, na Eucaristia.

Mas refleti, caros protestantes... é um absurdo!

Admitis que Jesus Cristo é Filho de Maria, e negais que Maria é Mãe de Deus.

Admitis que Jesus Cristo é Deus, nascido de Maria, e negais que Maria é a Mãe deste Jesus Cristo.

Mas, por favor, aprendei a raciocinar.

Ou negai tudo, ou aceitai tudo; deste modo sereis pelo menos lógicos.

Negando tudo, sereis hereges, ou pagãos se quiserdes; mas sereis lógicos.

Admitindo tudo, sereis lógicos também; e neste caso sereis Católicos, Apostólicos Romanos, pois a Igreja Católica admite tudo: o princípio e todas as conclusões que dele dimanam.

Admitindo que Jesus nasceu de Maria: — e não podeis negá-lo, pois está no Evangelho. (Mt.1,16) — deveis admitir que a pessoa deste Jesus é divina.

Que Maria é a Mãe desta pessoa divina.

Que ela é pois Mãe de Deus!

E um dilema sem saída.

 

III. O Concílio de Éfeso

Quando o heresiarca Ario lançou ao mundo o seu erro, negando a divindade da pessoa de Jesus Cristo, a Providência divina suscitou o intrépido Sto. Atanásio para confundi-lo, assim como suscitou Sto. Agostinho para confundir o herege Pelágio.

Esta mesma Providência suscitou São Cirilo de Alexandria para refutar os erros de Nestório.

As blasfêmias do heresiarca semearam a perturbação e a indignação no Oriente.

São Cirilo foi o intérprete inspirado e sublime da indignação do mundo católico, que chorava, sob o peso da blasfêmia, com que o erro pretendia humilhar a mãe de Jesus,

Em 430, o Papa São Celestino I, num concílio de Roma, examinou a doutrina de Nestório que lhe fora apresentada por São Cirilo, e condenou-a integralmente como errônea, anti-católica, herética.

São Cirilo formulou a condenação em doze proposições chamadas os doze anátemas em que resumia toda a doutrina Católica a este respeito.

Pode-se resumí-los em três pontos.

1. Em Jesus Cristo, o Filho do homem não é pessoalmente distinto do Filho de Deus.

2 A Virgem Sma. é verdadeiramente a Mãe Deus, por ser a Mãe de Jesus Cristo, que é Deus.

3. Em virtude da união hipostática, há comunicação de idiomas, isso é: denominações, propriedades e ações das duas naturezas em Jesus Cristo, que podem ser atribuídas à sua pessoa, de modo que se pode dizer: Deus morreu por nós, Deus salvou o mundo, Deus ressuscitou.

Nestório não aceitou as declarações do Papa e continuou em suas heresias.

Para exterminar completamente o erro, e restituir a unidade, da doutrina ao mundo, o Papa resolveu reunir o Concílio de Éfeso, (na Ásia menor) em 431, convidando todos os bispos do mundo.

Perto de 200 bispos, vindos do todas as partes do mundo, reuniram-se em Éfeso.

São Cirilo presidiu a assembleia em nome do Papa.

Nestório recusou comparecer perante os bispos reunidos

Desde a primeira sessão a heresia foi condenada.

Sobre um trono, no centro da assembleia, os bispos colocaram o Santo Evangelho, para representar e assistência de Jesus Cristo, que prometera estar com a sua Igreja até a consumação dos séculos, espetáculo santo e imponente, que desde então foi adotado em todos os concílios.

Os bispos, cercando o Evangelho e o representante do Papa, pronunciaram todos unanimes e ao mesmo tempo, a definição proclamando que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus, que Nestório tinha blasfemado, e doravante deixava de ser bispo de Constantinopla.

Quando a multidão de povo que rodeava a Igreja de Sta. Maria Maior, na qual se tinha reunido o concílio, soube da definição que proclamava Maria, Mãe de Deus, num imenso brado ecoou a exclamação: Viva Maria, Mãe de Deus!

Foi vencido o inimigo da Virgem! Viva a grande, a augusta, a gloriosa Mãe de Deus.

Quando, à noite. os prelados saíram do templo, foram acompanhados e levados em triunfo pela multidão, entre milhares de archotes e de lanternas no meio de uma iluminação feérica, ao som das músicas, dos cânticos e das aclamações entusiastas da cidade inteira, e; dos milhares de forasteiros, acorridos para glorificarem com eles a Mãe de Deus.

Em lembrança desta solene definição, o concílio juntou à saudação angélica estas palavras simples e expressivas: Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte.

Nestório procurou primeiro resistir ao Papa e ao concílio, mas o imperador que o tinha protegido até aí, informado da verdade, abandonou-o, e, diante da revolta do herege, condenou-o ao exílio.

Viveu ainda 8 anos, com o ódio no coração e a blasfêmia sobre os lábios.

Morreu miseravelmente, como morrem todos os hereges, tendo o corpo apodrecido e a língua que blasfemara a Virgem Santa devorada pelos vermes, antes mesmo de exalar o último suspiro.

Foi o justo castigo de uma lingua que teve o atrevimento de blasfemar o nome e a dignidade da Mãe de Deus.

Eis o erro protestante, refutado e condenado muito antes que o adotassem os filhos de Lutero, querendo, por um contra bom senso inexplicável, negar à Maria Sma. a dignidade de Mãe de Deus, reconhecendo, entretanto, que Jesus, o Filho de Deus, é o seu verdadeiro filho.

 

IV. Provas da S. Escritura

Para iluminar com um raio divino esta bela e fundamental verdade, recorramos à Sagrada Escritura, mostrando como ali tudo proclama este título da Virgem Imaculada.

Maria é verdadeiramente Mãe de Deus.

Ela gerou realmente um homem, hipostaticamente unido a Deus; e Deus nasceu verdadeiramente dela, revestido de um corpo mortal, formado do puríssimo sangue da Virgem Santa.

Embora, ela não seja chamada, expressamente no Evangelho, Mãe de Cristo, Mãe de Deus, esta dignidade deduz-se rigorosamente do texto Sagrado.

* * *

O Arcanjo Gabriel, dizendo a Maria: — "O Santo que há de nascer de ti, será chamado Filho de Deus" (Lc.1,35) exprime claramente que ela será Mãe de Deus.

É como se ele dissesse: O fruto de tuas entranhas será o Filho de Deus, Deus e homem, cujo nascimento é, ao mesmo tempo, eterno e temporal.

* * *

O Arcanjo diz que o Santo que nascerá de Maria será chamado o Filho de Deus.

Se o Filho de Maria é o Filho de Deus, é absolutamente certo que Maria é a Mãe de Deus.

* * *

Repleta do Espírito Santo, Isabel exclama: Donde me vem a dita que a Mãe de meu Senhor venha visitar-me? (Lc.1,43)

Que quer dizer isso, senão que Maria é a Mãe de Deus? Mãe do Senhor ou Mãe de Deus é uma mesma expressão.

* * *

São Paulo diz que Deus enviou seu Filho, feito da mulher, feito sob a lei (Gl. 4,4).

Se, pois o Filho de Deus é feito da mulher não como o foi Eva, de uma costela de Adão, mas sim por via de geração, pois é positivamente dito no Evangelho que Maria deu é luz o seu filho primogênito, esta mulher é verdadeiramente a Mãe de Deus.

* * *

O profeta Isaías predisse que a Virgem conceberia e daria à luz um Filho que seria chamado Emanuel ou Deus conosco (Is.7,14)

Qual é este Deus?

É necessariamente aquele que, no dizer do Anjo: é o Filho de Deus.

É aquele que, segundo o testemunho de Pedro, não é, nem Jeremias, nem Elias, nem

qualquer outro Profeta, mas sim o Cristo, o filho de Deus vivo.

É aquele que, conforme a confissão dos demônios é: o Santo de Deus.

Tal é o Cristo que Maria deu à luz.

Ela gerou pois um Deus-Homem.

Logo, ela é Mãe de Deus.

* * *

 

A mulher do Evangelho exclama: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os seios em que foste amamentado (Lc.11,27).

Estas entranhas e estes seios não seriam bem-aventurados, se tivessem apenas trazido um homem; só podem sê-lo por terem sido as entranhas que geraram um Deus e os seios que o alimentaram.

O filho de Maria sendo Deus, Maria é pois Mãe de Deus.

 

V - Doutrina dos Santos Padres

Tal é a doutrina claramente expressa no Evangelho e sempre seguida na Igreja Católica.

Os Santos Padres, desde os tempos Apostólicos até hoje, ficaram sempre unânimes a este respeito, e seria uma página sublime, se pudéssemos reproduzir as numerosas sentenças que eles nos legaram.

Citemos pelo menos, uns textos dos principais apóstolos, tirados de suas "Liturgias" e transmitidos por escritores dos primeiros séculos.

Santo André diz: Maria é Mãe de Deus, resplandecente de tanta pureza, e radiante de tanta beleza, que abaixo de Deus, é impossível imaginar maior, na terra ou no céu. (1)

1) Mater Dei, tanta puritate splendens, tantaque pulcritudine fulgens, ut sub Dei pulchritudine nulla in terris in coelis major cogitari possit (S. Andréas. Apost. in situ B V. apud Amad.)

S. João diz: Maria é verdadeira Mãe de Deus, pois ela concebeu Deus, gerou um verdadeiro Deus, deu à luz, não um simples homem como as outras mães, mas Deus unido à carne humana. (2)

São Tiago diz: Maria é a Santíssima, a Imaculada, a gloriosíssima Mãe de Deus. (3)

São Dionísio Areopagita diz: Maria é feita Mãe de Deus, para a salvação dos infelizes (4)

Orígenes (seg. século) escreve: Maria é Mãe de Deus, unigênito do Rei e Criador de tudo o que existe (5)

Santo Atanásio diz: Maria é Mãe de Deus, completamente intata e impoluta (6)

Santo Efrem: Maria é a Mãe de Deus sem culpa (7)

São Jerônimo: Maria é verdadeira Mãe de Deus (8)

Santo Agostinho: Maria é a MÃE DE DEUS, feita pela mão de Deus. (9)

2) Mater Dei vera; verum enim Deum concepit, verum Deum peperit, et quia non hominem purum, ut aliae matres, sed Deum carni humanae unitum genuit (S. João Apost. Poid)

3) Mater Dei Sanctíssima, Immaculata, gloriosissima, (S. Jacob. Minor. in sua liturgia.)

4) Mater Dei facta, propier miserorum salutem. (S. Dion. Areop. In revel. B. Brig t. C. 103).

5) Mater Dei unigeniti Domini et Regis omnium plasmatoris et creatoris cunctor um (Orig. Hom. 1 in divers).

6) Mater Dei intactissima, impolutissimaque (S. Ath Or. in pur. B. V).

7) Mater Dei inculpata (S. Ephr. in Thren. B. V.)

8) Mater Dei vera (S. Jeron: in Serm. Ass. B. V).

9) Mater Dei, Dei manu fabricata (S. Agost. inorat ad beress.)

E assim por diante!

Todos os Santos Padres rivalizaram em amor e veneração, proclamando Maria: a Santa e Imaculada Mão da Deus.

Terminemos estas citações, que poderíamos prolongar capítulos afora, pela citação do argumento com que São Cirilo refutou Nestório.

Maria Sma., diz o grande polemista, é Mãe de Cristo e Mãe de Deus, porque ela concebeu e deu à luz Aquele que, numa única pessoa divina, foi homem e Deus ao mesmo tempo.

No momento de sua concepção não houve senão uma única e mesma pessoa, com a natureza divina e humana. O Verbo carne na carne e o Homem-Deus em Deus.

"A carne do Cristo não foi primeiro concebida, depois animada, e enfim assumida pelo Verbo; mas no mesmo momento foi concebida e unida à alma do Verbo.

"Não houve pois nenhum intervalo de tempo entre o instante da Conceição da carne, que permitiria chamar Maria: Mão de um homem, e a vinda da majestade divina.

No mesmo instante a carne de Cristo foi concebida e unida à alma e ao Verbo".

É o que fazia dizer a São João Damasceno: "Desde que apareceu, a carne do Verbo divino apareceu animada de razão e dotada de inteligência". (10)

10) Lib III. Orthod. fid. C. II.

Santo Tomás corrobora esta verdade Católica com autoridades e razões peremptórias. "Como, diz ele, a Bem-aventurada Virgem podia ser simplesmente mãe de um homem, visto quo o Cristo nunca foi um simples homem, mas foi, desde o instante da Conceição do homem, o Deus verdadeiro unido à carne animada?"

Vê-se, por estas citações, que nenhuma dúvida, nenhuma hesitação existe no Espírito dos Santos Padres, a este respeito.

É uma verdade evangélica, tradicional, universal, que todos admitem e professam.

 

VI. Grandeza de Maria

De seu título de Mãe de Deus dimana toda a grandeza da Virgem Santíssima.

Tudo o que precedeu a sua maternidade divina foi a preparação para esta dignidade; e tudo o que a segue dimana desta dignidade, como de sua fonte inesgotável.

A dignidade de Mãe de Deus, de fato, provém da dignidade de seu Filho.

Ora, a dignidade de Jesus Cristo ultrapassa infinitamente toda dignidade humana ou angélica.

Logo, a dignidade de Maria ultrapassa a dignidade de todas as demais criaturas.

As criaturas nada podem dar a Deus, pois ele possui tudo e não precisa de nada.

Só a Bem-aventurada Virgem lhe deu um corpo que ele não tinha e de que precisava para realizar a redenção do mundo.

A grandeza de Maria Sma. é tão alta e tão excelsa, que somos incapazes de compreendê-la a fundo.

Numa frase sintética o sábio Cornélio a Lapide dá uma ideia deste título.

"Ser Mão de Deus, diz ele, é ter concebido e dado à luz um Deus.

"É ter-lhe dado com a natureza humana, a sua própria substância, seu corpo, sua carne, seu sangue.

"É ter sobre ele os direitos que uma mãe tem sobre o filho e sobre a sua raça.

É vê-lO submisso como um filho, ao ponto que a chama pelo mome de mãe, que a respeita, honra como mãe e lhe obedeça em tudo".

E há tudo isso entre Jesus e sua Mãe.

Tiremos desta verdade fundamental da maternidade divina quatro conclusões que são como os princípios de todas as grandezas da Mãe de Deus.

Primeiro principio:

O sangue puríssimo de Maria que foi a matéria prima do Corpo de Jesus Cristo, assim como o leite que o alimentava, depois de mudados na substância do Salvador, foram unidos hipostaticamente ao Verbo Eterno. (11)

11) Hec Matris dignitas physice sumpta habet, quod B. Virgo vere ac proprie concurrerit ad fabricandum corpus, et aliqua Virginei corporis substantia, ex qua Christi corpus in principio constitutum, postea auctum ac deinde lacte nutritum et, Dei Verbo hypostatice unita fuerit, adeor que credi potest istam carnis substantiam quam Christus ex Virgine assumpsit, nunguam fuisse, omnino demissam, aucontinua coloris naturalis actione resolutam, sed eadem semper fuisse consertam Verbo unitam. (Suarez: de Incarn. p.2 d.1)

 

Segundo princípio:

Em consequência desta relação íntima entre Deus e a Virgem Santa, existe nesta última uma relação real de maternidade, que lhe dá direito sobre todos os bens de seu Filho, uma ligação tão estreita com Deus, Pai Eterno deste mesmo Filho, e uma aliança tão estreita com a augusta Trindade, que só Deus pode compreender a grandeza imensa da Mãe de Deus.

É a opinião de Santo Agostinho: “Digo-o sem hesitar, escreve ele, Maria não pode explicar completamente o que ela não pode compreender."

"Só Deus, pode louvar dignamente uma tal dignidade" diz Santo André de Creta.

Terceiro princípio:

Após a união hipostática do Verbo, não há união mais transcendente do que a da maternidade divina, pois esta graça é de uma espécie toda diferente das outras graças; mais elevada, incomparável, que nunca foi comunicada a outra criatura.

Esta dignidade de Mãe de Deus pertence, de qualquer modo, a união hipostática, ligada com ela intrinsecamente e tendo com ela uma união necessária.

De fato, a carne de Cristo, unida hipostaticamente ao Verbo, é, pela sua origem, a carne de Maria.

São Pedro Damião diz muito bem: "Deus se acha em todas as coisas de três modos, mas quis estar em Maria de um quarto modo, todo especial: pela identidade, pois ele é o mesmo que ela. Faça silêncio toda criatura e trema, ousando apenas contemplar a imensidade de uma tão grande dignidade." (12)

12) Cum Deus in alijs rebus sit tribus modis, in Virgine fuit quarto speciuli modo, scilicet per identitatem, quia idem est quod ipsa. Hinc taceat et contremiscat omnis creatura, et vix audeat aspicere tantae dignitatis immensitatem: (S. Pet. Dam. Serm. de Ann.)

A dignidade de Mãe de Deus, de fato, provém da dignidade de seu Filho.

Ora, a dignidade de Jesus Cristo ultrapassa infinitamente toda dignidade humana ou angélica.

Logo, a dignidade de Maria ultrapassa a dignidade de todas as demais criaturas.

As criaturas nada podem dar a Deus, pois ele possui tudo e não precisa de nada.

Só a Bem-aventurada Virgem lhe deu um corpo que ele não tinha e de que precisava para realizar a redenção do mundo.

A grandeza de Maria Sma. é tão alta

Quarto princípio:

Qualquer outro estado de criatura é limitado e finito; este da maternidade divina, porém, é como infinito, por causa da ligação estreitíssima com uma pessoa puramente infinita.

"Esta união não é união pessoal, diz S Bernardo, porém ela aproxima-se dela tão perto, que parece a Virgem Sma., estar como perdida na divindade, ficando unida pessoalmente à carne de seu divino Filho, que é formado de sua própria carne."

São Tomás e os demais Escolásticos, com uma rigorosa exatidão, qualificam a maternidade de Maria, como dignidade simplesmente infinita, ou ainda: quasi infinita. Suarez a chama: infinita em sua espécie: in suo genere infnita.

Quinto princípio:

A maternidade divina de Maria é o fundamento de toda a sua glória, por ser a raiz de todas as outras prerrogativas suas.

Desde toda a eternidade, de fato, Maria foi predestinada para esta maternidade; e em consequência desta predestinação, Deus adornou-a de tantas graças, que patenteou nesta obra prima o seu poder sem limites, a sua sabedoria sem medida, a sua bondade sem par,a sua liberalidade sem fundo, a sua caridade, a sua justiça unidas à sua misericórdia infinita.

Tais são os cinco princípios que dimanam de sua Maternidade divina e formam o pedestal de toda a sua grandeza, grandeza tão excelsa que nem os homens, nem os Anjos, nem a própria Virgem Santa, podem compreendê-la completamente.

 

VII. Conclusão

Que abismo profundo!

Que altura vertiginosa!

Entretanto, não há em tudo isso nenhum esforço de imaginação: é a consequência certa, teológica de sua inefável prerrogativa de Mãe de Deus.

Maria é Mãe de Deus... É absolutamente certo.

Esta dignidade supera todas as demais dignidades: é o último grau de elevação de uma criatura.

Ora, toda dignidade supõe um direito; e não há direito, sem que haja um dever em outra pessoa.

Se Deus elevou tão alto a sua Mãe, é porque Ele quer que seja por nós honrada, exaltada.

Não estamos bastante convencidos desta verdade.

A causa desta deficiência de convicção é que comparamos a Virgem Santa com as outras mães, e nesta comparação representarmo-nos a qualidade de Mãe de Deus como exterior e acidental, enquanto na realidade, ela tem a sua base em seu próprioser moral, donde ela influi em seu ser físico.

Maria concebeu o Verbo divino em seu seio, porém esta Conceição foi o efeito de uma plenitude de graças e de uma operação do Espírito Santo em sua alma.

pode-se dizer que uma mãe não se torna mais recomendável, em si, por ter dado à luz um grande homem, pois isto não lhe traz nenhum aumento de virtude ou de perfeição; mas a dignidade de Mãe de Deus, em Maria, é a obra de sua santificação, da graça que a eleva acima dos próprios Anjos, da graça a que ela foi predestinada, na qual foi concebida: para alcançar este fim sublime de ser Mãe de Deus: É a sua própria pessoa.

Diante de uma tal maravilha, única no mundo e no céu, eu pergunto aos pobres protestantes:

Não é logico, não é necessário, não é imperioso que os homens louvem e exaltem àquela que Deus louvou e exaltou acima de todas as criaturas?

O culto de Maria não é um adorno da religião; é uma peça constitutiva, é uma parte integral, tão indissoluvelmente ligado à todas as verdades e mistérios evangélicos, que, querendo separá-lo da conjunto da doutrina de Jesus Cristo, é, de um só golpe, matar a religião inteira, fazê-la cair, o não compreender mais nada do suave amplexo em que Deus vem unir-se às criaturas.

Maria é Mãe de Deus.

Maria de qua natus est Jesus.

Tudo está nesta frase:

É Maria: simples criatura.

É Jesus: Deus eterno.

É a Encarnação "de qua natus est".

É a união indissolúvel que produz o nascimento, entre o Filho e a Mãe.

Oh! em vez de blasfemar, pobres e queridos protestantes, prostrai-vos de joelhos, e a fronte em terra adorai este Deus infinito que se fez homem no seio desta mulher Bendita, que é Maria; e louvai, exaltai esta criatura única que Deus escolheu para fazer dela a sua própria Mãe.

É a grande, a incomparável Obra prima de Deus. Ele pode fazer mundos mais vastos, um céu mais explêndido. mas não pode fazer uma mãe maior que a Mãe de Deus! (13).

13) Ipsaest qua maoiren facere Deus non potest Majorem mundum potest Deus facere, majus coelam, majorem matrem quam matrem Dri non potest facere. (S. Bern. Spec. B.V.c.10).

Ali ele esgotou o seu poder.

É a última palavra de seu poder e de seu amor.

Aclamemo-la, pois, e redigamos com confiança a bela invocação que termina a Saudação Angelica:

Santa Maria, Mãe de Deus, rogue por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte.

Amen!

 

 

CAPITULO XI

Maria, Mas dos homens!

Eis outro título, que excita o ódio protestante. Eles se intitulam "irmãos de Maria", mas não querem, de nenhum modo, ser Filhos de Maria.

Neste ponto eles são lógicos.

Se Maria Sma. não é Mãe de Deus, não é tão pouco mãe dos homens.

E mesmo sendo Mãe de Deus, não devia ser Mãe de pobres hereges, que rejeitam o ensino positivo de Jesus Cristo, para aderir às doutrinas contrárias à Sagrada Escritura. Digo: não devia ser, e entretanto ela o é.

Ela não é mãe do pecado, nem da heresia que detesta soberanamente, Mas é mãe dos pobres pecadores e dos infelizes hereges, que procura reconduzir ao seio da verdade e do amor.

Maria é Mãe de Deus! o temos provado no capítulo precedente.

Ela é também Mãe dos homens: é o que vamos provar aqui.

Como Mãe de Deus, a Virgem Santa tem a fronte cingida pelo poder de seu filho.

Como Miãe dos homens, ela tem o coração aureolado pelo amor e pela misericórdia de Jesus.

É uma das mais suaves verdades do Catolicismo.

Nós precisamos tanto de uma Mãe!

São tão infelizes as crianças que perdem a sua mãe: São pobres orfãzinhos.

E é tão triste ser órfão.

Os protestantes são órfãos: Expulsaram a mãe de seus templos, insultam a mãe... e pretendem agradar ao Pai.

É o que fazia dizer ao Bem-av. de Montfort: Se alguém disser que tem Deus por Pai, não tendo Maria por mãe; este é um mentiroso, que não tem outro pai senão Satanás.

Percorramos, com amor e carinho, as fases deste glorioso título: Maria, Mãe dos homens.

 

I. Como Maria é nossa Mãe

Muitas pessoas, mesmo piedosas, não compreendem bem como Maria é nossa mãe, julgando ser apenas um título de confiança e de amor, mas sem base na realidade.

É um erro fundamental.

O mesmo raciocínio que nos mostrou a realidade da maternidade divina da Sma. Virgem, mostrar-nos-á a realidade de sua maternidade espiritual.

Uma destas maternidades é correlativa à outra.

Há em nós a alma e o corpo, completamente distintos um do outro, e até de uma natureza radicalmente oposta.

0 corpo é material, visível, mortal.

A alma é espiritual, invisível, imortal.

Estas duas substâncias: o corpo e a alma, possuem cada uma, uma vida particular, distintas, opostas.

A vida do corpo é uma vida material, natural.

A vida da alma é uma vida espiritual, sobrenatural.

A vida do corpo chama-se: vida humana.

A vida da alma chama-se: vida divina.

Convém distinguir bem estas duas vidas, para compreender as consequências que dimanam destes princípios.

Cada uma destas duas vidas tem uma origem diferente.

A vida do corpo provém da união docorpo e da alma, de modo que cessando essa união, cessa também a vida do corpo, e o corpo deixa de ser um corpo humano, para tornar-se um cadáver.

A morte é a consequência da separação o corpo e da alma.

A vida da alma provém também de uma união; da união da alma com Deus, de modo que, cessando esta união, cessa também a vida da alma, e a alma deixa de ser uma alma divinizada, para tornar-se um cadáver, uma alma em estado de pecado mortal.

É a morte sobrenatural!

E esta morte é a consequência da separação da alma e de Deus.

O que une a nossa alma a Deus chama-se graça e o que a separa de Deus, chama-se: pecado mortal.

A nossa alma, pela graça, possui a vida sobrenatural... Sem esta vida sobrenatural, ela está na morte espiritual, ela é um germe do inferno.

Quem é que nos dà a vida do corpo?

É o nosso pai e a nossa mãe, ambos, tanto um como o outro. Da união deles dois resulta a transmissão da vida natural.

O mesmo acontece com a vida sobrenatural, a vida da nossa alma.

Esta vida vem de Deus, que é nosso Pai, mas vem também de Maria, que é nossa Mãe.

Vem deles dois, vem da união espiritual de Deus e de Maria Sma. Deus é a fonte desta vida sobrenatural.

Maria é o seu canal de transmissão.

Somos pois devedores da vida de nossa alma a Jesus e a Maria.

Jesus sendo o nosso Pai, Maria é pois a nossa Mãe.

O próprio dos pais é dar a vida.

Jesus nos dá esta vida, como princípio.

Maria nos dá esta vida como canal.

Mas ambos, Jesus e Maria cooperam na vida da nossa alma.

Lê-se na vida de Santa Gertrudes, que um dia a Virgem Santíssima lhe apareceu, com o semblante a irradiar uma doce majestade.

Era no dia de Natal.

Cantaram o Evangelho, no qual é dito que Maria deu à luz o seu primogênito (Lc.1,7)

A Santa começou a meditar sobre esta expressão: primogênito, sem compreender porque razão o Evangelista escreveu: primogênito, e não unigênito, pois é certo que Maria Sma. nunca teve outros filhos.

A Virgem Santa lhe respondeu logo: Não, Jesus não é meu filho unigênito,mas primogênito, pois se ele é o unigênito na ordem material, ele não o é na ordem espiritual; eu gerei espiritualmente todos os homens, dando a vida a sua alma, de modo que todos são meus filhes, os irmãos de Jesus, os membros vivos de meu filho Jesus.

A vida da nossa alma, é uma vida tão real que a vida de nosso corpo, sendo-lhe até muito superior; o é por Maria Sma. que Deus nos dá esta vida da alma, de modo que ela se torna a nossa mãe, mais do que aquela que nos deu a vida do corpo.

 

II. Necessidade de uma Mãe na religião

Um dia uma criancinha, educada sobre os joelhos de uma mãe piedosa, aprendia pela primeira vez a fazer o sinal da Cruz.

Terminando a invocação das três Pessoas divinas: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que vinha repetindo, a criança pára de repente e fixando o seu olhar límpido no olhar da sua mãe, pergunta: Mamãe, não há também uma mamãe no céu?

O instinto da piedade cristã falara pelos lábios da criancinha.

Deus lhe deve ter preparado uma resposta.

Esta resposta é: Maria, Mãe dos homens.

Maria é Mãe de Deus: e porque é Mãe de Deus, deve ser a Mãe dos homens.

Sim, lá nas alturas, com a fronte cingida de todas as grandezas... o coração transbordante do amor mais puro e mais desinteressado... a alma radiante de todas as virtudes... o olhar fixo-sobre as nossas lutas... a mão sempre estendida para abençoar... o sorriso sempre sobre os lábios... sempre disposta a consolar-nos... Maria, nossa Mãe reina, como reinam as mães, unicamente preocupada com a felicidade de seus filhos... ela reina na glória, perto de seu Jesus, e como abrandando o luminoso diadema que cinge a fronte do Salvador para nos mostrar o seu Filho primogênito, fazendo como Deus olhar para terra, e fazendo irradiar a misericórdia, onde deviam reboar os trovões de sua justiça.

Oh! só um coração de mãe é capaz de fazer isso!

Como Maria, vista nesta luz, toda de amor, nos parece grande... e nos aparece terna e carinhosa!

Aqui na terra, a primeira coisa que os olhos do recem-nascido encontram, nas brumas de seu primeiro olhar, é o sorriso de sua mãe.

O poeta o disse muito bem:

Incipe, parve puer, risum cognoscere matrem.

Se a criancinha tivesse o pleno uso de sua razão, conheceria logo a sua mãe, pelo sorriso.

A religião, que tão divinamente corresponde a todas as necessidades e às nobres aspirações do homem, não podia excluir esta relação tão suave e tão profunda.

O homem precisa de uma mãe no céu, como ele a tem na terra.

Uma religião, na qual não há uma mãe, não pode ser a religião verdadeira... ela é fria demais... o coração não vibra... ela não se adapta a nossos sentimentos nem satisfaz às nossas aspirações.

É a condenação do protestantismo triste, carrancudo, odiento... Falta-lhes uma mãe... são pobres órfãos!...

Deus conhece tão bem as nossas necessidades, que no Antigo Testamento ele se compara ora a um aio, ora a uma mãe.

Eu, como aio de Efraim, trazia-os em meus braços (Os.11.3).

Do mesmo modo que uma mãe acaricia o seu filhinho, assim eu vos consolarei (Is.66,13).

A maternidade, ao mesmo tempo, divina e humana de Maria, nos aparece tal uma ponte misericórdia, que nos permite ir a Deus pelo mesmo caminho pelo qual Ele veio até nós.

Pode-se dizer que, de certo modo, a Virgem Santa envolve a Sma. Trindade inteira, no véu imaculado de sua Maternidade; e Deus assim vestido da bondade e da ternura desta Mãe única, apresenta-se a nosso olhar, como pai, como mãe, como irmão, como amigo.

Porventura, pode uma mulher esquecer-se seu filhinho, diz Ele a cada um de nós, e não ter compaixão do filho de suas entranhas? Porém, ainda que ela se esquecesse dele, eu não e esqueceria de ti (Is.49,15).

Deus é pai, é irmão, é amigo, é benfeitor; mas pela sua Santíssima Mãe, Ele se faz mãe.

Deus é mãe, pela Virgem Santa.

Já vimos uma das razões desta maternidade espiritual.

Resumamo-las todas em síntese, para mostrar bem claramente que não é simplesmente um título, mas uma realidade, e que em todo o rigor dos termos: Maria é nossa Mãe.

 

III. Razões da maternidade espiritual

Há sobretudo cinco razões que provam a maternidade espiritual da Virgem Imaculada..

já desenvolvi a primeira razão, no começo deste capítulo; resumamo-la aqui, para termos a exposição completa.

Primeira razão:

Primeiramente ninguém é Mãe, se não dá a vida, pois a maternidade supõe uma comunicação de vida: Maria é Mãe, e ela é Mãe de Deus, pois dela nasceu Jesus que se chama o Cristo.

O Evangelho de S. Mateus nô-lo diz: ela deu a vida Àquele que é a vida do mundo: “Ego sum... vita"!

Ela é pois de modo eminente a Mãe de minha vida, pois que, como diz o Apóstolo, minha vida é o Cristo: “Mila enim vivere Christus est”.

Ora, se o Cristo é minha vida, a Mãe desta vida é também minha mãe,

Como se vê, a Escritura fornece dados desta prova, que aliás o simples raciocínio nos revela.

Segunda razão:

É tirada das palavras de Nosso Senhor.

O Cristo veio a este mundo afim de ser a cabeça do corpo, de que todos os resgatados tornaram-se membros.

E como ele mesmo o diz: “Ele ó o tronco; nós somos os ramos."

Logo, Maria, Mãe do tronco é também Mãe dos ramos.

Finalmente, diz a este respeito o. Bem-av. Grignon de Montfort, uma Mãe não dá à luz à cabeça sem os membros, nem os membros sem a cabeça; também na ordem da graça, a cabeça e os membros nascem de uma mesma Mãe.

Maria, mãe de nossa cabeça, é portanto nossa Mãe. (1)

1) Maria, non solum spiritu, verum etiam corpore, et Mater est et Virgo. Et Mater quidem spiritu membrorum Capitis mostri, quod nos sumus, quia enoperata est caritate, ut fideles in Ecclesianascerentur, quae iilius Capitis membra sunt: corpore vero ipsius Capitis Mater. (S. Agost.: De Sanct. Virg. C.5).

Terceira razão:

Pode-se dizer que Jesus Cristo, reintegrando a nossa humanidade em sua primitiva dignidade de que o pecado a fizera decair, mereceu-nos mais graças do que havíamos perdido pela queda original, de modo que, segundo a palavra do profeta Isaías: “Ele se fez o pai de nossas almas na lei da graça”.

Portanto, se Jesus é pai de nossas almas, Maria é sua mãe: com efeito, dando-nos Jesus, ela nos deu a verdadeira vida.

Quarta razão:

Nós a encontramos em S. Lucas, quando, falando do nascimento do Salvador, ele diz: “Maria deu à luz o seu Filho primogênito”. Peperit filium suum primogenitum”.

A palavra primogênito não supõe filhos subsequentes segundo a carne, mas havendo filhos espirituais, relaciona-se necessariamente com eles.

Somos, pois, segundo a palavra do Salvador a S. João no calvário, ou como Ele disse a Santa Gertrudes, os outros filhos de Maria segundo o Espírito.

É nesta inefável irradiação, nesta mistura divina de poder e de humildade, de grandeza, de ternura, de condescendência e de glória, que nos aparece a Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, a nova Eva, a herança sagrada que nos,deixa Jesus.

Quinta razão:

Mas é sobretudo no Calvário que aprendemos um modo tão formal quão claro de que Maria é nossa Mãe.

O próprio Salvador confirma solenemente esta maternidade.

Ele a inclui em seu Testamento, ou antes é o seu próprio Testamento que a transmite aos seus filhos: “ Mulier, ecce filius tuus--Ecce Ma- ter tua ”-Et ex illa hora accepit eam discipulus in sua.

E desde esta hora, ajunta o Evangelista, O discípulo tomou-a por todo o seu bem.

Tomar Maria como todo o seu bem, é desapegar-se de tudo, para não se apegar senão a ela, e por ela, encontrar Jesus, o fruto de seu seio virginal.

 

IV. A tríplice filiação

Há outro raciocínio que nos permite estabelecer a maternidade espiritual da Virgem Maria, tomando por base as diferentes espécies de paternidades e de filiação que existem entre os homens:

O Apostolo São João diz: Considerai que amor nos mostrou o Pai Eterno, em querer que sejamos chamados filhos de Deus, e que o sejamos, na realidade... Caríssimos, agora somos filhos de Deus; mas não se manifestou ainda o que seremos um dia. (Jo.3,1-2).

Ut filii Dei nominemur et simus.

O Apóstolo exprime claramente que há uma filiação de nome e outra de realidade, de modo que há necessariamente diversas espécies de filiação e reciprocamente, vários graus na paternidade e na maternidade.

Isto existe na ordem natural; e este fato nos ajudará a melhor compreender a ordem sobrenatural.

Há 3 espécies de paternidades e maternidades.

Há a paternidade de adoção, de aliança e de nascimento.

Em outros termos alguém pode ser pai ou mãe, por adoção, por aliança, ou por geração.

No rigor do termo, chamam-se pai e mãe àqueles de quem se recebe a vida; entretanto estas duas outras paternidades não deixam de ter um verdadeiro caráter de paternidade ou de maternidade; pois, se não dão a vida propriamente dita, dão entretanto o que é como uma parte desta vida: o nome, os bens, a condição.

Deus nos gerou verdadeiramente à vida sobrenatural, tornando-nos participantes de sua natureza, de sua própria substância, dando-nos o seu Espírito, que habita substancialmente em nós, sendo ele em nós um princípio de vida.

Vós vos tornais participantes da natureza divina, diz S. Pedro (1,4).

Sois o templo de Deus e o Espírito Santo habita em vós, ajunta São Paulo (1Co.2,16).

E este Espírito é um Espírito vivificador, completa o símbolo de Nicéa - Spiritum vivificantem.

Aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus... vós recebestes o espírito de adoção de filhos, diz ainda o Apóstolo (Rm.8,14).

A Sagrada Escritura repete a miúdo esta sublime verdade:

Vós nascestes de Deus... Tudo o que nasce Deus...

Ele nos gerou pelo Verbo da Verdade... Para que sejamos chamados e sejamos filhos de Deus.

Sem dúvida esta geração está infinitamente abaixo daquela pela qual Deus produz o seu Verbo Eterno, pois ele lhe dá, não uma participação à natureza divina, mas sim a própria natureza divina.

A nossa geração de Deus é uma participação da geração do Verbo Eterno, mas é uma verdadeira geração, uma produção de vida que torna literalmente verdadeira a palavra que somos nascidos de Deus — Ez Deo nati sunt.

Deus, pois, é nosso Pai, e isso não somente por adoção, nem por aliança, mas porgeração.

Deus, tem apenas um filho, por natureza, mas tem uma multidão de filhos por adoção, e mais do que por adoção.

De fato, por uma maravilha de seu amor e de seu poder, Deus achou o segredo de juntar, de identificar estas três filiações numa filiação única.

Na ordem natural estas três filiações não podem existir numa mesma pessoa, pois ninguém pode ser ao mesmo tempo, filho de adoção, de aliança e de nascimento.

Mas, na ordem sobrenatural, temos as vantagens destas três filiações.

Avantagem da filiação de nascimento consiste em fazer-nos participar da natureza divina, pela habitação substancial de Deus em nós, pela graça.

A vantagem da filiação de aliança consiste na comunicação dos méritos, direitos e prerrogativas do primogênito da família humana.

A vantagem da filiação de adoção consiste em sermos da parte de Deus o objeto de um amor gratuito, que nos eleva até Ele, apesar da baixeza de nossa condição natural, fazendo-nos seus herdeiros e co-herdeiros de Jesus Cristo.

 

V. Tríplice maternidade de Maria

Convinha lembrar, de passagem, a nossa tríplice filiação divina, para melhor compreender a maternidade espiritual de Maria Sma. a nosso respeito.

Podemos, de fato, aplicar à Virgem Imaculada tudo o que acabo de dizer de Deus.

O que Deus é por natureza, Maria o é por participação. Maria é nossa Mãe, na ordem da graça, e para a vida sobrenatural, nos três graus que acabamos de ver, falando de Deus, como Pai.

Nós somos pois seus filhos, por adoção, por aliança e enfim, verdadeiramente por nascimento.

* * *

A adoção, dizem os jurisconsultos e os Teólogos, é a assunção gratuita (assunção 6 o ato pelo qual se toma e eleva a si) de uma pessoa estranha, para que se torne filha ou herdeira.

Maria é Mãe de Deus; nós somos pobres pecadores: como tais somos como estranhos para Maria Sma. Ela nos toma e nos eleva, fazendo-nos filhos e herdeiros; filhos de Deus e de Maria, herdeiros do reino de seu Filho.

E como Maria nos adotou?

Pelo seu consentimento à paixão e à morte do Salvador; consentimento completamente gratuito de sua parte, pois ela entregou o seu Filho à morte para nossa Salvação.

Somos pois verdadeiramente filhos adotivos de Maria.

* * *

Somos também seus filhos por aliança, no sentido que as nossas almas são esposas, de seu Filho.

Tal aliança entre a alma e Jesus Cristo, embora toda espiritual, é, entretanto mais íntima e mais perfeita do que a aliança que existe na ordem natural, entre o esposo e a esposa.

Entre o Verbo Encarnado e a alma há uma comunicação de bens, de títulos e de direitos, incomparavelmente maior do que entre os esposos, nas alianças humanas.

Donde se segue que a Mãe de ,Jesus, pela aliança de nossas almas com o seu Filho, torna-se mais a nossa mãe do que na ordem natural.

E como se realiza esta maternidade de aliança?

Pelo consentimento a esta maternidade.

É uma lei, na ordem natural, que o filho não contrata aliança com uma esposa, sem o consentimento da mãe.

Tal lei é lógica, por causa das consequências do matrimônio, em relação com a própria mãe, devendo-se, ela, tornar-se a mãe daquela que faz um só com o seu filho.

Tal lei, fundada na natureza das coisas naturais, deve existir igualmente para a aliança sobrenatural,

Jesus não devia contratar com as almas uma aliança, aliás tão desproporcionada e que devia causar-lhe a morte, sem o consentimento da sua mãe.

É por este consentimento que ela nos adotou como filhos, unindo ao mesmo tempo as nossas almas a seu divino Filho.

É deste modo que nós somos os filhos de Maria, por adoção e por aliança.

Seria já bastante, sem dúvida, para podermos proclamar Maria Sma. a nossa Mãe,

* * *

Mas não bastaria, num sentido perfeito, se não fôssemos seus filhos, por nascimento. É este terceiro e supremo grau que forma a filiação perfeita e propriamente dita,

A filiação perfeita, de fato, exige que haja recepção de vida, o que não acontece rigorosamente na adoção e na aliança.

Ora, já provei no primeiro parágrafo deste capítulo que nós nascemos espiritualmente de Maria Sma.

Não somente a Virgem Imaculada uniu as nossas almas à alma de seu Filho, como esposas, mas ela nos gerou realmente à vida sobrenatural.

Deste modo somos seus filhos no grau mais elevado, naquele que constitui a filiação perfeita e propriamente dita.

São Bernardino de Senna exclama com todo rigor teológico: “Ó povo resgatado, aplaudi a vida que vos é dada pela Virgem Sma.... Por meio de uma mulher (Eva) a morte entrou neste mundo, e por meio de outra mulher, (Maria) nos chegou a vida... Mãe da divina graça... ela nos carregou todos em suas entranhas, como uma verdadeira mãe carrega os seus filhos.

É um pensamento que se encontra em muitos santos padres dos primeiros séculos, que houve em Maria uma dupla geração: uma que se fez na alegria, dando à luz o seu Filho divino; utra que se fez em dores indizíveis, gerando nos ao pé da Cruz, a nós seus filhos espirituais.

Ela nos deu à luz da graça, à luz da vida divina. Tendo recebido dela a vida, nós soros os seus filhos, não somente de adoção e de aliança, mas de nascimento.

 

VI. Encarnação e redenção

O assunto que tratamos é belo demais, para deixá-lo incompleto, tanto mais que há certos pontos de vista que raramente são tratados, com certa extensão, nos livros de piedade.

O fato da maternidade de Maria Sma., sobretudo, é muitas vezes tratado muito superficialmente, limitando-se às palavras de Jesus Cristo na Cruz "Eis a vossa Mãe!"

Tais palavras não são a instituição da maternidade espiritual da Virgem Santa, mas sim a confirmação de um fato já existente.

Para provar esta instituição, é preciso considerar não só a morte do Salvador, mas a Encarnação e a redenção, em suas duas fases distintas.

O Filho de Deus sefez homem: é a primeira fase ou a Encarnação.

Ele se fez homem para resgatar e salvar os homens: é a segunde fase, ou a Redenção.

Há deste modo duas coisas distintas na Encarnação: a Encarnação como tal, e a Encarnação em vista da salvação dos homens.

Digo que são duas coisas distintas e até separáveis, num sentido absoluto.

Falando de modo absoluto, de fato, o Filho de Deus podia-se ter feito homem, sem intenção de resgatar a humanidade, mas unicamente para que houvesse um Homem-Deus.

Tal é aliás a bela doutrina de Duns Scot, que pensa que, mesmo se Adão e Eva não tivessem pecado, o Verbo divino ter-se-ia encarnado, para, deste modo, elevar a criação e aproximá-la de Deus, unindo a natureza humana à natureza divina, na única pessoa divina de Jesus Cristo.

No que diz respeito à Virgem Santíssima, a encarnação lhe foi proposta, para que nela consentisse; porém ela lhe é proposta, tal qual deve efetuar-se, isso é, em vista da redenção dos homens.

Maria consente na Encarnação, em toda a extensão em que ela lhe é proposta.

Há, pois, na realidade, no consentimento que ela dá, um duplo consentimento: o consentimento à Encarnação limitando-se à sua pessoa, e o consentimento à Encarnação, efetuado em vista da redenção, incluindo já, em princípio, o sacrifício, pelo qual a redenção seria realizada.

São dois consentimentos distintos, embora unidos, mas, falando de modo absoluto, até separáveis.

Se o Filho de Deus se tivesse simplesmente feito homem, sem a intenção de salvar a humanidade, ou ainda se, fazendo-se homem, com a intenção de salvar o mundo, Ele tivesse escondido este fim à sua Mãe, Maria não teria tido necessidade de consentir à redenção, mas simplesmente à Encarnação.

Ora, o primeiro destes dois consentimentos, nada produziria, pelo menos diretamente, em relação conosco.

Maria consentiria simplesmente em ser Mãe Deus, permitindo ao Filho de Deus, o encarnar-se em seu seio virginal.

Este primeiro consentimento nada lhe teria custado, pois não incluía a aceitação de nenhum sacrifício, de nenhuma imolação, mas simplesmente a aceitação de uma dignidade e de uma glória.

O consentimento à segunda proposta é todo diferente.

Por ele, a Virgem Santa recebe em suas entranhas o Filho de Deus, como devendo ser o Redentor dos homens, pela sua paixão e morte.

E recebendo-o, por este título, em suas puras entranhas corpóreas, ela recebe em suas entranhas de coração a paixão e a morte do Salvador, como princípio e gérmen da vida sobrenatural nas almas.

E não é só isto: vejamos bem as consequências deste principio: Recebendo o Salvador, como agente da salvação, ela recebe conjuntamente todas as almas que devem ser vivificadas pela redenção.

A morte do Redentor é pois depositada em seu coração como um princípio de vida sobrenatural, para dar seu fruto de salvação, na hora marcada para cada alma.

Ora, que é isto, senão uma verdadeira Concepção de todas as almas à vida sobrenatural?

Concepção espiritual, é certo, mas que por isso não é menos que a concepção natural, uma concepção verdadeira e perfeita; e tanto mais perfeita, quanto a vida sobrenatural sobrepuja a:vida natural.

Devemos pois concluir que Maria Sma. nos carregou em suas entranhas e ;nos deu à luz da vida sobrenatural.

Nós nascemos dela espiritualmente.

Ela é pois a nossa Mãe... a nossa mãe verdadeira, pois aquela que dá a vida é mãe.

E nós somos os seus filhos, seus verdadeiros filhos.

 

VII. O ensino dos Santos

Elucidemos esta consoladora doutrina, que prova que Maria Sma. é verdadeiramente a Mãe dos homens, por umas citações dos Santos Doutores da Igreja, ciosos de dar à Mãe de Jesus, títulos que adornam a sua corôa imortal, sem nenhum exagero e sem nenhuma exaltação.

Há apenas a dificuldade da escolha, pois todos eles são unânimes em proclamar a Mãe de Deus, como Mãe dos homens.

Eis aqui uma passagem de Sto. Antonino, escrita há 15 séculos, que se diria pronunciada por qualquer um de nossos santos mais devotos da Virgem Imaculada, em nossos tempos.

A Mãe de misericórdia, diz o Santo, foi estabelecida cooperadora de nosso Redentor e de nosso nascimento espiritual.

É desta dupla concepção da Virgem que é dito pelo profeta: Antes que tivesse dor do parto deu à luz; antes que chegasse o tempo do parto, deu à luz um filho varão.

Quem jamais ouviu tal?

Quem viu coisa semelhante a esta?

Produzirá, por ventura, a terra o seu fruto num só dia?

Ou nasce ao mesmo tempo uma nação inteira? (Is.66,7).

A Virgem Santíssima deu à luz, sem dor, primeiro, o seu Filho primogênito, que ela enfaixou em paninhos e reclinou numa manjedoura; (Lc.2,7) depois ela deu à luz, ao pé da Cruz, no meio das dores angustiosas que partilhava de seu Filho, uma multidão de filhos; todos aqueles que foram resgatados pelo Senhor (Sl.106,2)

Maria os deu todos à luz, todos ao mesmo tempo, neste sentido, que é num único ato e num único instante, que ela deu o que é para todos a causa da vida.

"Ela não os deu à luz todos de uma vez, no sentido da aplicação, que é feita às almas, dos frutos da paixão, aplicação que produz, em realidade, a vida em cada alma, o que se faz no decurso do tempo.

Quem jamais ouviu falar de uma alegria tão grande, como a do primeiro parto?

Mas, quem já viu uma dor tão profunda, como a do segundo parto?» (Bibl. Virg. Tom.II p.517)

Como se vê, o santo Doutor aplica ao duplo parto da Virgem Santa as palavras do profeta Isaías, dando como uma maravilha inaudita o haver um parto antes da dor do parto.

Notemos bem que a maravilha não consiste nos dois partos sucessivos, pois isto se faz diariamente na ordem natural, mas no fato de o primeiro parto ser tão diferente do segundo, pela qualidade das pessoas e pela natureza das vidas que são o seu termo, sendo o primeiro parto uma causa de alegria, e o segundo uma causa de dor.

Mas há outra maravilha ainda, que não devo deixar passar sem assinalar, pelo menos de passagem.

O objeto dos dois partos, que se efetuam em tempo diferente, compõe-se de duas artes de um único todo: a cabeça e os membros, o Cristo em sua plenitude e em seu desenvolvimento, o Verbo encarnado e o seu corpo que é a Igreja.

Deste modo a maternidade da Virgem Santa, embora tenha por objeto o Filho de Deus e os homens, não tem em realidade senão um único

objeto, que é o Cristo, mas Cristo inteiro, Cristo propriamente dito e o seu corpo místico.

Após esta passagem expressiva e luminosa, de Santo Antonino, citemos em síntese umas utras sentenças dos Santos Padres, que resumimos o mais possível.

Sto. Agostinho diz: Maria é a Mãe dos membros de Cristo, que somos nós, porque ela cooperou, pelo seu amor, a fazer nascer os fieis na Igreja, cuja cabeça é o Cristo. (1)

S. Pedro Crisólogo: Maria é verdadeiramente a Mãe dos vivos, pela graça. (2)

Sto. Ambrósio: Maria é a Mãe dos fieis, porque deu à luz o Cristo, que é o irmão dos fiéis. (3)

Sto. Anselmo: Maria é a Mãe de todos que creem em Deus. (4)

S. Ricardo de S. Lourenço: Maria é a Mãe dos justos, porque ela os alimenta e os adota como filhos. (5)

Sto. Alberto Magno: Maria é a Mãe de todos os bons, pela bondade da graça e da glória: (6)

1) Por um equívoco, o texto de Santo Agostinho, que devíamos reproduzir aqui, ficou citado na pagina 272.

2) Maria, Mater vere orientium pergratiam (Serm.140).

3) Maria, Mater credentium, qula Christum genuit credentium fratruci (In fest. Purif.)

4) Matia, Materomninum in Deum credentium (in orat.B.V.)

5) Maria, Mater justorum, quia nutrit eos et adoptat ut filios (De taud. Virg. 1. 13).

6) Mater omnium bonorum, boniiate gratiae et gloriae (Sup. Missus est. C. 152).

Sta. Brigida: Maria é a Mãe de todos os pecadores que desejem emendar-se e tenham a vontade de não pecar mais. (7)

Ven. Gerson: Maria é nossa Mãe, pela nossa geração após a de seu Filho. (8)

S. Lourenço Justiniano: Maria é a Mãe comum de todos os que devem salvar-se. (9)

Maria é a Mãe de todos os homens. (16)

S. Bernardino de Sena: Maria é a Mãe dos eleitos, pelo seu amor. (11)

Sto. Antonino: Maria é nossa Mãe querida.

Maria, Nossa Mãe, pela dignidade e pela honra.

Nossa Mãe, pelo seu imenso amor.

Nossa Mãe, desde o começo.

Nossa Mãe, para nos curar.

Nossa Mãe espiritual, que vivifica àqueles que a nossa primeira mãe tinha matado.

Maria, Mãe de todos, porque é Mãe do Deus, que é pai e Criador de todos.

Maria, Mãe de todos, porque ela gerou a todos pelo afeto de sua dileção e os deu à luz, pelo sofrimento e, pelas dores, na paixão de seu Filho. (12)

Terminemos estas citações, que se podiam multiplicar por milhares, com uma passagem de Boaventura;

Pensais vós que a Virgem, que é de um modo singular a Mãe do Salvador, não seja também a Mãe comum de todos os fiéis?

A verdade nos ensina que Maria teve dois filhos: o primeiro Deus e homem ao mesmo empo; o segundo, um simples homem.

Do primeiro ela é Mãe por natureza; do segundo ela é Mãe espiritual." (13) Quando Deus deu o ser ao primeiro homem, Ele o deu ao mesmo tempo à multidão sem número de seus descendentes.

7) Mater omnium peccatorum se volentium emendare, et habentium voluntatem in Deum amplius non peccare (Revel c. 138)

8) Mater nostra, ex nostra post Filium generatione (Tr. 6. sup. Magnificat).

9) Mater communis salvandorum (Serm.de purif B. V).

10) Mater cunctorum hominum (Serm. de verbis B. V.)

11) Mater electorum per dilectionem (Serm. 55)

12) Mater nostra cara,

Mater nostra dignitate et honore,

Mater nostra ex maxima affectione,

Mater nostra ab antiquitate,

Mater nostra ob curam,

Mater nostra spiritualis quae vivificat nos, quos prima mater occiderat,

Mater omnium, quia mater Dei, qui est pater et origo omnium.

Mater omnium qua omnes concepit per affectum dilectionis et peperit per labores et dolores in passione Filii. (Sto. Anton: in Summa pars. IV.15 C.2)

13) Sed numquid solius Christi mater est Maria? Imo certe, quod jucundissimum est, Maria non solum est Mater Christi singularis, sed etiam, mater omnium fidelium universalis. Due filii Mariae sunt, homo Deus et homo purus, unius enim corporaliter, alterius spiritualiter mater est Maria . Bonav: In spec. C.VIII).

Assim aconteceu com Maria. Dando à luz o ilho de Deus, ela deu à luz à multidão de fiéis, chamados a viverem da vida de Jesus.

 

VIII. Conclusão

Belas e consoladoras verdades passaram diante de nosso Espírito, neste capítulo.

Maria é nossa Mãe querida!

E dando-lhe este título, não enunciamos simplesmente um termo de ternura, de piedade, de glorificação, mas sim a expressão de uma realidade, de uma verdade certa, inegável, que toda pessoa de bom senso deve admitir, no mesmo grau que admite que a sua progenitora é realmente a sua mãe.

Como é que os infelizes protestantes chegaram a oprimir o seu próprio coração, não querendo que.a Mãe de Deus seja também a sua Mãe?

É um mistério... mas um mistério das trevas... talvez irrefletido da parte de muitos, mas um ódio tradicional à Santa Igreja de Deus.

O protestantismo é essencialmente a negação do ensino da Igreja Católica, e como a Igreja, desde os Apóstolos até hoje, honra e venera a Imaculada Mãe de Jesus, proclamando-a: a Mãe carinhosa dos homens, o protestantismo protesta e não aceita um título e uma dignidade, embora sejam inteiramente evangélicos, professados pelo Catolicismo.

E eis o infeliz protestante a negar que Maria Sma. é Mãe de Deus, embora esteja em plenas letras no Evangelho. E não satisfeito em tirar da fronte da Mãe de Jesus o diadema com que a cingiu o Eterno, o infeliz protestante arranca de seu próprio coração o amor filial que deve à sua Mãe, não lhe querendo dar o seu amor, porque a Igreja Católica a ama e a invoca.

Pobres infelizes,se refletissem um instante, com calma e sem preconceitos, sobre o que aqui temos exposto, eles deveriam reconhecer, pelo simples bom senso, que nós precisamos de uma Mãe, que precisamos não somente da luz do Evangelho, para o nosso Espírito, mas de um pouco deste amor que o Evangelho nos anuncia, do qual Jesus Cristo é a fonte inesgotável, mas cujo canal é a Virgem Imaculada.

Pobres infelizes, deixai de blasfemar.. deixai os preconceitos... deixai o ódio e lembrai-vos que é impossível que esta Igreja Católica, tão odiada por vós esteja no erro, na idolatria.

É impossível, digo, pois ela é a Igreja universal, a Igreja de Cristo, construída sobre Pedro, com a promessa de nunca desfalecer em seu ensino. Escutai estes milhares de homens extraordinários em virtudes e em obras, que nós chamamos os Santos, e todos eles, unânimes, sem uma voz discordante, proclamam Maria, nossa Mãe, nossa esperança, nossa vida.

Oh sim, no meio das misérias desta vida, olhemos para Maria; e lembremo-nos do nosso título de filhos desta Mãe gloriosa.

Invoguemo-la, como nossa Mãe querida; tenhamos nela a mesma confiança que um filho em em sua mãe,e breve, experimentaremos como é bom, como é doce ser guiado pela mão carinhosa de uma Mãe.

A vida é tão triste... o exílio é tão prolongado, o sofrimento é tão intenso neste mundo, que seria barbaro, cruel da parte de Deus, se não nos desse uma Mãe, para consolar-nos, enxugar as nossas lágrimas, tomar-nos em seus braços, e apontar-nos a pátria celeste.

Precisamos de uma Mãe...

Deus nos deu esta Mãe na pessoa de Maria Sma.

Amemo-la com todas as forças de nossa alma...

um pouco como Jesus a amava, durante a sua vida mortal, e como continua a amá-la na eternidade. Em sua vida terrena Ele fez dela a sua Mãe; no céu Ele a fez Rainha de glória, e na erra Ele a nomeou: Rainha de misericórdia.

 

CAPITULO XII

As Boda de Caná

Como corolário das duas sublimes dignidades de Maria Sma., que acabamos de analisar: a de Mãe de Deus e a de Mãe dos homens, devemos contemplar uns instantes uma cena encantadora do Evangelho, na qual estas duas prerrogativas destacam-se com admirável cintilação: É a cena das Bodas de Caná.

Os nossos amigos protestantes, compreendendo o alcance desta página evangélica em honra e glória da Mãe de Jesus, concentraram sobre ela os seus golpes heréticos, procurando diminuir o seu brilho e até — o seu ódio chegou a este ponto — fazer reverter contra a Mãe de Jesus o que é uma das pérolas mais brilhantes de sua corôa.

E, coisa triste a confessar, vários tradutores do Evangelho, em língua vernácula, deixaram arrastar-se pela corrente protestante e adotaram uma versão, que não é absolutamente errônea, é certo, mas que não traduz nem as palavras, nem o gesto, nem o pensamento do divino Mestre.

É preciso dizer logo para os protestantes o saberem, que cada um pode traduzir a Bíblia, e pode publicar esta tradução, desde que é revestida da autorização da autoridade eclesiástica.

O único texto sagrado, reconhecido autêntico, é o texto latino da Vulgata.

Tal autorização eclesiástica, entretanto, não declara a autenticidade da tradução, mas simplesmente que não contém, erros de doutrina.

Bem compreendido isso, desculpar-me-á o leitor de perscrutar outros textos paralelos, para elucidação da dificuldade que suscita a passagem da cena de Caná, e pulverizar as objeções dos protestantes contra o poder de intercessão da Sma. Virgem que aí tão cintilante se apresenta.

 

I. O texto do Evangelho

E Comecemos pela citação do texto Evangélico, de uma beleza sem par e de uma simplicidade encantadora.

Depois de narrar o encontro de Jesus com seus cinco primeiros discípulos: André, Simão Pedro,Filipe e Natanael e mais um outro, o Evangelista continua:

Cap. 2.

1.— Três dias depois, celebraram-se umas bodas em Caná da Galileia: encontrava-se lá a Mãe de Jesus.

2.— E foi também convidado Jesus com seus discípulos para us bodas.

3.— E faltando o vinho, a Mãe do Jesus lhe disse: Não tem vinho.

4.— E Jesus disse-lhe: Deixe estar, Senhora, cuidarei disso, embora não tenha chegado a minha hora.

5.— Disse sua Mãe aos que serviam: Fazei tudo o que Ele vos disser.

6.— Ora, estavam ali seis talhas de pedra, preparadas para a purificação judaica, que levavam cada uma duas ou três medidas.

7.— Disse-lhes Jesus: Enchei-as talhas de água. E encheram-nas até em cima.

8.— Então disse-lhes Jesus: Tirai agora, e levai ao arquitriclino. E eles levaram.

9.— E o arquitriclino, logo que provou a água convertida em vinho, como não sabia donde lhe viera (este vinho), ainda que o sabiam os serventes, porque tinham tirado a água, o arquitriclino, chamou o esposo.

10.— E disse-lhe: Todo o homem apresenta primeiro o bom vinho: e quando já (os convidados) tem bebido bem, então lhes apresenta o inferior: tu ao contrário tiveste o bom vinho guardado até agora.

41.— Por este modo deu Jesus princípio aos (seus) milagres em Caná da Galileia, e manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele.

12.— Depois disto foi para Cafarnaum, ele e sua Mãe, e seus irmãos, e seus discípulos, mas não se demoraram ali muitos dias. (Jo.2,1-12)

Tal é a narração em sua encantadora simplicidade.

É uma palavra escrita... Tal palavra tem uma grande vantagem: é a firmeza; tem também um grande inconveniente; a sua frieza congelada.

As palavras no papel têm o valor que possuem nas colunas de um dicionário.

Na conversa falada, entre pessoas, que se compreendem sobretudo, as palavras são matizadas, graduadas pelo acento, o olhar, o gesto o sorriso.

Por falta de acento, que não podemos restituir, devemos servir-nos do contexto e das circunstâncias de pormenores, para interpretar a palavra evangélica.

O texto citado é o da tradução corrente, afora o versículo 4º. que traduzi, a meu modo, mas apoiado sobre autoridades e fatos históricos que aqui quero explicar.

O texto latino deste versiculo é:

Quid mihi et tibi, mulier?

O texto grego diz: Ti emoi kai soi, juvai.

A tradução de P. Mattos Soares diz: Mulher, que nos importa a mim e a ti isso? E esta tradução é a melhor entre as aceitáveis.

Outros traduzem: Que há entre mim e ti, mulher?

Donde provêm estas variantes? esta espécie de desacordo sobre um texto que é, entretanto, de primeira importância?

Vale a pena examinar a questão, para melhor repelir a objeção protestante, que teve anto melhor aceitação, quanto mais dissenção ouve entre os católicos sobre a significação certa desta passagem.

 

II. A origem de um mal entendido

Não é um erro, é um simples mal-entendido, mas cujas consequências prejudicam ao culto da Mãe de Jesus.

A maior parte dos tradutores que adotam a versão: "Que há entre mim e ti", apoiam-se sobre Santo Agostinho.

Este Santo tinha de combater a heresia monstruosa dos Maniqueus, cujo erro fundamental consistia em ensinar que a matéria era obra do Demônio. como o Espírito era obra de Deus, Querendo provar que Jesus Cristo tinha tomado, não um corpo verdadeiro, mas um corpo aéreo e celeste, estes hereges se aproveitaram deste texto de Jesus à sua Mãe, nas Bodas e Caná: Que há entre mim e ti, que traduziam; Que há de comum entre mim e ti; como se Jesus quisesse dizer que o seu corpo não era a mesma natureza que o nosso, e que, por isso, não tinha tido Mãe, segundo a sua humanidade.

Santo Agostinho, para premunir os fiéis contra esta heresia, estende-se longamente em provar que Jesus Cristo era verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e que Maria Sma. deu somente à luz a humanidade do Salvador; e que, em consequência, falando como Deus, ele devia dizer que, como tal, não tinha Mãe, nem nada de comum com Maria.

Raciocinando deste modo, Sto, Agostinho não pretendia excluir as outras interpretações desta lavra, mas a sua intenção era de responder aos hereges, que abusavam do texto em questão — Quantum arbitror, conclue o Santo, responsum est hereciicis.

Quem está um tanto acostumado à leitura dos Santos Padres, sabe que, no intuito de prevenir os fiéis contra a heresia, eles davam frequentemente à Sagrada Escritura um sentido acomodatício, sem pretender dar a significação própria da citação.

Bossuet, grande admirador de Sto. Agostinho, não quis adotar este sentido, e traduz: Que nos importa, a vós e a mim?

É o que fazem diversos outros interpretes, entre eles Dionísio o Cartucho, que acusa de ser bastante obscura a tradução de Santo Agostinho. (1)

 

1) Quid mihi et tibi est, mulier? Exponitur autem iocus iste dupliciter, Secundum Augustinum hoe mode: Nihil cominune cst mihi et tiai, cujus virtute conveniat mihi facere miracula, nondum venit hora mea, Id est tempus persecutionis et passionis, in quo agam patiar quae mihi oonveniuut ratione naturae exte sumpte, et tune ero solicitus de te committendo te Discipulo praedilecto... Sed aec exposito videtur satis obscura (Dion. Cart. In Evang C. II a 7)

O venerável Olier apresenta uma outra interpretação que me parece aproximar-se mais da verdade.

Vós e eu, que podemos nós fazer? Que podemos nós sobre isso?

Ou ainda: Que poder ha em mim que não esteja também em vós?

Que há em mim que possa fazer para vós, que não faço? porém, não chegou ainda a minha hora.

É como se dissesse à Sma. Virgem: nem vós, nem eu como homem, não podemos dar, nem operar, por nós mesmos, o bem que quereis que eu faça. Tudo vem de Deus Pai, que quer fazer tudo por nosso intermédio, como pelos órgãos e as raízes, que devem haurir Nele a sua seiva e a vida. Vós nada podeis, senão por mim, eu tenho as mãos ligadas, até que chegue o momento marcado por meu Pai. (Olier Mem. t.5)

São João Crisóstomo traduz a mesma passagem: Que nos importa,a vós e amim, se aos convivas falta o vinho?

Dionísio o Cartucho, prefere ainda outra tradução: Não cabe nem a vós, nem a mim velar por estas coisas.

Vê-se, por estas citações, que sempre houve um certo desacordo sobre o sentido óbvio e exato desta passagem. E é a razão que levou os protestantes a adaptarem-na a seu sentido, mudando-a numa expressão insultuosa, dizendo: Mulher, que tenho eu contigo? — expressão que é sensivelmente injuriosa e indigna de Jesus, como Deus e como Filho de Maria.

 

III. Textos paralelos

Chamam-se textos paralelos as expressões usadas na Bíblia, e cuja significação é mais ou menos idêntica em diversos lugares.

A expressão latina: Quid mihi et tibi, ou a grega: Ti emoi kai soi é uma expressão usada na Sagrada Escritura.

Procuremos umas destas passagens, para examinar qual é o sentido geral que os Escritores sacros lhes atribuem.

* * *

1- Em Josué, 22,24, lemos: O pensamento e desígnio que tivemos foi porque poderá acontecer que um dia digam os vossos filhos aos nossos: Que tendes vós com o Senhor, Deus de Israel? Quid robis et Domino Israel ?

Este texto exprime uma relação de amizade e de participação entre os filhos de Ruben e de Israel.

O sentido é claro: queremos ser unidos, agir de acordo, mas receiamos uma desunião da parte de vossos filhos.

 

* * *

2- No livro dos Juízes encontramos a mesma expressão (Jz.11,12)— Jefté, enviou embaixadores ao rei dos filhos de Amon, para que lhe dissessem da sua parte: Quid mili et tibi est— que tens tu comigo, que vieste contra mim para devastar o meu país.

Há uma variante nesta passagem, que exprime entretanto amizade e união, mas ajunta uma queixa de o outro querer romper a união existente.

* * *

3- O Rei Davi, fugindo diante de Absalão, encontra no caminho Semei que o insulta e amaldiçoa.

Então Abisai quer vingar o seu Rei, matando o insultador, mas Davi se opõe, respondendo: Quid miki et tibi est? Que importa a mim e a vós, filho de Sarvia. Deixai que me amaldiçoe conforme a permissão do Senhor. (2R.116,10).

O sentido desta passagem tem apenas uma quena variante, exprimindo de novo uma relação de amizade e de ação combinada. Esta passagem tem muita semelhança com o texto das Bodas de Caná.

* * *

4- O Profeta Elias na casa da viúva de Sarepta está diante do cadáver do filho desta última: A mãe desolada, dirigindo-se ao Profeta lhe diz: Quid tibi et mihi est: que te fiz eu, ó homem de Deus?

De novo tal expressão indica a confiança completa da viúva no profeta e contém já implicitamente um pedido, uma súplica, que é logo atendida.

Que te fiz eu, ó homem de Deus? Por ventura vieste à minha casa para excitares em mim memória de meus pecados, e matares meu filho?

E Elias disse-lhe: Dá-me o teu filho. E tomou-o em seu regaço e ressuscitou-o. (2R. 17,18).

Esta passagem é uma destas que mais se parecem com a cena de Caná. A mesma expressão da parte da suplicante, e o mesmo gesto da arte do suplicado.

Há um paralelismo perfeito entre os dois passos.

* * *

5-—No 2o. livro dos Reis há outra expressão semelhante, porém desta vez mais discordante: mo sentido (2R. 3,13).

O Rei de Israel foi consultar o profeta Eliseu. Este respondeu-lhe: Quid mihi et tibi est — Que tenho eu contigo? Vai ter com os profetas de teu pai e de tua mãe.

E o rei de Israel disse-lhe: Porque juntou o Senhor estes três reis para os entregar nas mãos de Moab?

E Eliseu respondeu-lhe: Viva o Senhor dos Exércitos, em cuja presença estou, que, se não fosse por respeito à pessoa de Josafá, rei de Judá, eu sem dúvida não te atenderia.

Esta passagem, conservando sempre o sentido de união, exprime aqui uma repulsa, porque o pedido é feito por um rei perverso que não merece resposta. Entretanto, em consideração do piedoso Josafá, o profeta atende ao pedido, e o milagre se realiza.

* * *

6- Mais outra passagem do livro dos Paralipomenos, palavra grega que significa, "coisas omitidas", É uma espécie de suplemento aos livros dos Reis (Paral. 35.21).

O piedoso Rei Josias, indo ao encontro de Necao, rei do Egito, para impedir que este tomasse as terras de Charcames, este mandou-lhe seus mensageiros dizerem-lhe: Quid mihi et tibi est, rex Judá? — Porque te embaraças tu comigo, ó Rei de Judá, não venho contra ti hoje, mas contra outra casa, contra a qual me mandou Deus que marchasse a toda pressa.

O sentido é de novo a expressão de amizade e de união, pedindo que não rompesse esta união, fazendo guerra sem razão.

* * *

7- No Novo Testamento, encontramos a mesma expressão, e sempre com o mesmo significado (Mt.7,29).

Dois endemoniados, ou possessos do demônio, foram no encontro de Jesus, e gritaram-Lhe: quid nobis et tibi, Jesu, Fili Dei? — Que tens tu conosco, Jesus, Filho de Deus? Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo? (Em grego:- Ti emin kai soi, vie toro theos?)

A mesma expressão reveste-se aqui de uma completa separação, entre Jesus e o demônio.

É um brado de terror... é um pedido da parte dos endemoniados, pedido a que Jesus atende permitindo que, ao saírem do corpo destes possessos, entrem no corpo de uma manada de porcos.

* * *

8- Outro exemplo ainda encontramos em S. Mateus (Mt.27,19). É o recado que a mulher de Pilatos lhe manda, pedindo que não condenasse Jesus: Nibil tibi et justo uli. — Nada haja entre ti e esse justo: porque fui hoje muito atormentada em sonhos por causa dele. (grego: Medên soi kai ton dikaio ckeinô).

De novo, esta expressão traduz aqui um pedido e uma súplica: a de não condenar a Jesus.

* * *

9- Mais um exemplo do Evangelho de Marcos (1,24). Jesus, entrando na Sinagoga para ensinar o povo, encontrou ali um homem possesso do demônio que lhe disse: Quid nobis et tibi Jesu Nazarene? — Que tens tu que ver conosco, ó Jesus Nazareno? Mas Jesus o ameaçou, dizendo : Cala-te e sai desse homem. E o demônio saiu dele. (grego: Ti emin kái soi, Jeson Nazarené).

A frase exprime aqui uma separação, um medo, sem deixar de ser uma súplica, de não atormentar o possesso, expulsando o demônio.

* * *

10- Uma última passagem é de São Lucas (Lc.4,34). Jesus pregava em Cafarnaum, quando encontrou na Sinagoga um possesso de um demônio imundo, que exclamou em alta voz, dizendo; Quid nobis et tibi Jesu Nazarene? Deixa-nos, que tens tu que ver conosco, ó Jesus Nazareno? — Vieste para nos perder? Sei quem és: O Santo de Deus! (grego: Eati emin kái soi, Jeson Nazarené)

Outro brado de separação, de horror, da parte do demônio, que receia a autoridade de Jesus, não querendo sair do corpo deste possesso.

Tais são as dez principais passagens da Bíblia, nas quais encontramos textualmente a mesma expressão, de que usou Jesus nas Bodas de Caná: Quid mihi et tibi est!

Do confronto destas diversas passagens devemos agora encontrar o seu sentido certo e incontestável.

 

IV. O sentido único

Ao ler com atenção estas dez passagens, vemos logo que o texto autêntico da Vulgata latina conserva sempre a mesma expressão quid mihi et tibi est, como faz também o texto grego: Ti emin kái soí... enquanto a tradução em vernáculo muda a expressão, para adaptá-la à ideia que a passagem quer exprimir.

Vê-se o embaraço do tradutor, não encontrando expressão equivalente em nossa língua para traduzir o latinismo, ou o helenismo, que, em mudança de palavras se adapte a cada uma as circunstâncias, nas quais é empregado.

É um destes termos genéricos que, conforme a entonação, ou o gesto, significam até duas coisas contrárias, opostas, como quando nós dizemos: espere lá, já vou, que pode ser, conforme a ocasião, expressão de união ou de vingança.

A tradução de cada passagem é exata em conformidade com a ideia que domina em a narração, porém há possibilidade de unificar o texto, exprimindo, segundo o caso, a variante de sentido, com uma palavra suplementar que indica intenção e o gesto.

As dez citações podem, conforme o sentido, incluir-se em duas categorias:

 

1. Sentido de bondade

1. Que tendes vós com o Senhor Deus de Israel?

3. Que importa a mim e a vós, filho de Sarvia?

4. Que te fiz eu, ó homem de Deus?

6. Porque te embaraças tu commigo, ó Rei de Judà?

8. Nada haja centre ti e esse justo!

 

2. Sentido de rigor

2. Que tens tu comigo, que vieste contra mim?

5. Que tenho eu contigo?

?. Que tens tu conosco. Jesus, Filho de Deus?

9. Que tens tu que ver conosco, ó .Jesus Nazareno?

10. Deixa-nos, que tens tu que ver conosco, ó Jesus Nazareno?

Examinando de perto estas dez locuções, motamos que exprimem um único pensamento, porém diferentes, segundo os interlocutores.

O texto latino da Vulgata, como o texto grego, conservou a unidade de fórmula, enquanto a tradução vernácula adaptou-se às disposições dos interpelantes.

No fundo vê-se que tal expressão corresponde bastante exatamente à nossa locução: Deixe estar, eu me encarrego disso, que pode adaptar-se a cada uma destas expressões, dando-lhe a tonalidade de bondade ou de rigor que o caso comporta.

De fato, a mesma locução muda completamente segundo a entonação.

Dizendo. por ex. a um amigo: Deixe estar, amigo: é tomar um compromisso de fazer qualquer coisa.

Como dizendo a um inimigo perverso: Deire estar: é uma ameaça de vingança.

A mesma locução parece corresponder ao quid mihi et tibi, em latim e ao TI EMIN

KÁI SOI em grego.

 

1- 0s filhos de Ruben, dizendo aos filhos de Israel: Pode acontecer que um dia digam os vossos filhos aos nossos:— Deixa estar, nós também somos filhos do Deus de Israel, exprimem a sua união e amizade com eles, e temem a separação.

3- As palavras de Davi são mais expressivas ainda.

Davi fala a seu amigo e defensor Abisai: deixe estar, amigo Abisai, é Deus que o permite que este homem me amaldiçoe!

4- A viúva de Sarepta venerava muito o profeta Elias, e queixa-se amorosamente: Deixe estar, homem de Deus, não haveis de permitir que o meu filho morra.

6- 0 rei Necao não era inimigo de Josias, previne-o que é por ordem de Deus que faz guerra: Deixe estar, ó rei de Judá, não venho o contra ti, hoje, mas contra outra casa.

8- A mulher de Pilatos manda-lhe um recado amigável: Deixe estar, não faça mal a este justo.

Estas cinco locuções são as que combinam em sentido com a de Caná, enquanto as outras, pronunciadas entre inimigos, entre Jesus e o demônio, exprimem uma ideia de repulsa.

Parece que, para maior uniformidade e maior fidelidade ao texto da Vulgata, se poderia, pois, traduzir esta locução "quid mihi ettibi est?" pela expressão: Deixe estar, expressão que elucida perfeitamente a palavra de Jesus à Maria, sem ser obrigado a recorrer a longas e complicadas explicações.

Entre estes diversos passos, vê-se claramente que o termo: Quid mihi et tibi, pode ser tomado em sentido amistoso e em sentido pejorativo.

Entre amigos há uma expressão amistosa, entre inimigos é uma expressão pejorativa.

Davi, dirigindo-se a seu amigo Abisai, ou a mulher de Pilatos dirigindo-se ao seu marido, empregam a expressão amistosa; enquanto o demônio dirigindo-se a Jesus, emprega a expressão pejorativa.

Havendo de escolher entre estas expressões, porque os protestantes foram escolher a mesma significação que a do demônio, dirigindo-se a Jesus?

Que tens tu conosco?

Que tens tu que ver comnosco?

Não compreendem os pobres protestantes que uma tal expressão sobre os lábios de um filho, falando à sua mãe, é sumamente revoltante.

Porque não tomaram eles uma das expressões que tem a mesma significação, em sentido amistoso?

Há 5 variantes de cada lado.

Não provará isso que eles procuram antes de tudo rebaixar a Mãe de Deus, insultá-la?

Não sendo esta a sua intenção, deve então ser a consequência da ignorância.

Possam eles compreender esta verdade tão simples, tão clara e tão lógica, e para esta passagem, como para outras mal interpretadas, eles verão mais uma vez os inconvenientes, e até o absurdo da interpretação individual e a necessidade da interpretação autêntica por uma autoridade legítima.

 

V. Outras traduções

As diversas traduções correntes deste passo, têm, cada uma, a sua significação espiritual, expressiva, apenas pode-se lamentar a falta de unidade no texto.

Uma tradução muito espalhada é a de Sto. Agostinho: Que há entre mim e ti, mulher?

Notemos que é uma pergunta.

É como se Jesus perguntasse: Que há entre o filho e a Mãe?

Que há?

O respeito, o amor, a união mais completa.

Pois bem, minha Mãe, isto existe entre nós, de modo que a vossa vontade é minha vontade.

Que há entre mim e ti?

Jesus conhecia a falta de vinho, e talvez rejeitava fazer o milagre, sem querer adiantar a hora marcada pelo seu Pai, sem uma razão plausível.

O pedido da Mãe apresenta-lhe esta razão.

E Jesus, satisfeito, parece dizer: Que há entre mim e ti? para que os mesmos pensamentos e os mesmos desejos nos ocupam ao mesmo tempo?

Que há? É o amor recíproco, é a comunicação da mesma bondade e da mesma solicitude.

Que há entre mim e ti?

Maria Sma. tinha o poder de fazer milagres, embora não consta que dele tenha feito uso em público.

Nesta ocasião ela poderia realizar o milagre sem recorrer a seu divino Filho.

Jesus lembra-lhe este poder.

É como se dissesse: Entre nós dois, não há separação; somos unidos como mãe e filho; porque, pois, pedir-me um milagre, quando podeis fazê-lo, porque a minha hora não chegou ainda: que há entre mim e ti, que não usais do poder que tendes?

Que há?

É a humildade profunda da Virgem Santa, que prefere ficar escondida, para melhor manifestar a glória de Jesus.

Como se vê, Santa Agostinho não adotou tal tradução sem fortes razões, sem ter em vista uma profunda homenagem à gloriosa Mãe de Jesus.

* * *

O venerável Olier assinala mais um outro sentido, perfeitamente de acordo com o texto literal e místico, e diz ter recebido de Nosso Senhor tal interpretação: quid mihi et tibi. — O que é meu, é também: teu, isto é: o meu poder está a tua disposição, ó Senhora, embora não tenha chegado ainda a minha hora de fazer milagres.

Este sentido é belo, majestoso e cheio de reverência para Maria Sma. Além disso combina admiravelmente com a continuação do texto.

É certo que esta interpretação não concorda no sentido literal com os lugares paralelos, mas exprime, de certo, o pensamento de Jesus nesta ocasião.

Todas estas traduções concordam mais ou menos com a tradução que indiquei como preferível: Deixe estar... ou deixe isso a meu cuidado, embora sejam menos claras e menos simples.

Os protestantes não quiseram adotar nenhuma destas traduções, preferindo inventar uma nova versão, que melhor exprimisse o seu tradicional ódio à Mãe de Jesus.

Todas as expressões acima citadas são respeitosas, calmas, e umas até cheias de ternura; por isso mesmo não servem, e eis que os amigos protestantes inventaram a seguinte: Mulher, que tenho eu contigo?

Esta, sim, deve ser boa, autêntica, pois se distingue de todas as traduções romanas, e põe obre os lábios de Jesus uma frase insultuosa à sua santa Mãe, a mesma que o demônio dirigiu à Jesus, quando este o ameaçava de.expulsá-lo do corpo dos possessos. Isto pelo menos é protestante: logo, deve ser adotado... e foi adotado durante muito tempo. Parece ter por autor o próprio Calvino.

 

VI. A cena encantadora

Reconstituamos agora a cena total das Bodas, para recolher as profundas lições que dela emanam.

E uma cena de núpcias com todo o encanto da simplicidade antiga.

É provável que os nubentes fossem parentes de Maria Sma. ou de S. José; e por esta razão eram convidados Jesus e Maria.

Era no começo de sua vida pública e Jesus tinha escolhido apenas uns cinco ou seis discípulos, e assistiu, com eles ao pequeno festim, junto com sua Mãe.

De repente, vem a faltar o vinho, o que prova que os nubentes pertenciam à classe pobre.

Maria Sma, percebe o embaraço dos nubentes e quer logo poupar-lhes, como aos convidados, um desgosto ou uma contrariedade.

Vê-se nesta solicitude de Maria Sma. toda a bondade do seu coração. Ela é mulher, é mãe, conhece, por experiência, estes imprevistos da vida doméstica.

Repleta de fé na divindade de Jesus, ela não ignora que, para fazer um milagre, é o bastante este o querer.

Ela não duvida que o faça a seu pedido.

Acostumada aos seus obséquios de criança, à sua suave submissão, às suas divinas atenções, ela sabe que é bastante dizer uma palavra para ser atendida.

Até hoje Jesus não fizera nenhum milagre exterior que o manifestasse ao mundo; havia pois razão de hesitar da parte de Maria Sma,, sabendo que tal hora estava marcada pela vontade do Pai Celeste.

Mas, havia ali uma boa obra a fazer, havia um auxílio a prestar a estes recém-casados, que mereciam, pela sua piedade, este ato de caridosa intervenção.

A Virgem Santa, com este olhar de dona de casa, que penetra nos acontecimentos, e este outro olhar de esposa carinhosa, que advinha a necessidade, compreendeu o embaraço dos casados, e ela não hesitou.

Levantou-se de seu lugar e aproximando-se de Jesus, ela inclina-se a seu ouvido, e lhe diz: Vinum non habent — eles não têm mais vinho (Jo.2,3)

Nada mais!

E para que dizer mais?

Esta prece respeitosa, como velada na sombra de uma narração é o bastante. Maria Sma., não mostra nem precipitação, nem inquietação.

Ela expõe o fato com a plena certeza de ser atendida.

Jesus escutou e, virando levemente a cabeça do lado de sua Mãe: com um suave sorriso ele responde: Deixe estar, Senhora, cuidarei disso, embora não tenha ainda chegado a minha hora — Quid mihi et tibi, mulier!

Maria Sma, retribui a resposta graciosa e o sorriso do Filho, e dirigindo-se diretamente para serviçais da mesa. ela lhes diz: Sei que não há mais vinho, mas o meu Filho vai providenciar, fazei tudo o que ele vos disser, e Maria Sma. retoma o seu lugar, junto às outras Senhoras convidadas.

Ninguém notara o pequeno incidente.

Em seguida, Jesus levanta-se e dirige-se para o lugar das abluções, onde havia umas urnas de água, ordena aos serviçais que as encham,e muda a água em vinho.

O milagro está feito!.. É o primeiro dos milagres de Jesus, feito à pedido de sua Santa Mãe.

Este milagre manifestou a sua glória e a do ilho de Deus, e os discípulos creram Nele.

Tal é a bela, a tocante e significativa cena das Bodas de Caná.

Tudo ali é suave, é divino, e mostra-nos em sua radiante união: o Filho e a Mãe, Jesus e Maria.

A bondade do Coração de Maria, sua compadecida vigilância e solicitude, o seu crédito perto do Jesus, e de outro lado o amor de Jesus para sua Mãe, e a pronta referência que lhe manifesta, fazendo a seu pedido o primeiro milagre, embora não tivesse chegado ainda a hora de manifestar-se publicamente.

* * *

O quadro de Caná deve alargar-se.

As gerações dos filhos de Deus, virão reconhecer e aprender nos pormenores minuciosamente conservados deste festim, o papel de introdutora, de iniciadora, de medianeira, da Virgem Sma. perto de seu divino Filho.

Jesus sabia que havia falta de vinho nas Bodas de Caná. O seu olhar penetra o futuro e conhece tudo. porém, Ele quer ser implorado.

É o direito do sua onipotência.

É também o dever da nossa inferioridade.

Ele espera que brote uma prece de nosso coração e que esta prece lhe seja apresentada por sua Mãe Santíssima.

Basta a Virgem Santa dizer-lhe: Vinum non habent.

Esta alma não tem força, não tem alegria, não tem piedade, não tem perseverança, e logo Jesus responde: Quid mihi et tibi, mulier.

Deixe estar, minha Mãe, eu providenciarei a isso!

E o milagre da misericórdia divina será efetuado em nosso favor.

Deus não muda... e tendo feito este primeiro milagre pela intercessão de sua Santíssima Mãe, é uma espécie de lei, que todos os outros milagres sejam obtidos pela mesma intercessora.

Esta cena tão bela que tanto realce dá à intercessão da Virgem Santa, não podia deixar do suscitar os protestos dos protestantes, o ei-los a explorar este fato, procurando destruir a sua significação e desviar as palavras, ao ponto de aproveitar-se daquilo que exalta a Mãe de Deus, para combater o seu culto e fazer acreditar que Jesus lho dera uma resposta dura, desdenhosa e quase insultante.

Traduzindo este texto como eles fazem, por falta de consultar os textos paralelos, pela locução, Mulher, que tenho eu contigo, temos verdadeiramente uma palavra de repulsa, uma repreensão, como vimos nas respostas dadas pelo demônio a Jesus.

Ora, Jesus faz imediatamente o milagre pedido; e a Sma. Virgem, ao ouvir a resposta de seu Filho, compreende perfeitamente que Ele vai operar o milagre. Como conciliar a negação e afirmação, a repreensão e a obediência, a dureza primeira e a bondade subsequente?

Seria uma flagrante e inconciliável oposição o modo de dizer e de fazer de Jesus Cristo.

É o bastante para ver que tal interpretação repugna tanto ao bom senso, como a dignidade de Jesus.

 

VII. Outra discordância

Resta resolver uma última objeção protestante, a respeito do texto estudado;

No Evangelho citado. Maria Sma. é chamada diversas vezes "Mãe de Jesus" e quando o Salvador lhe dirige a palavra chama-a Mulher, em vez do chamá-la "minha Mãe".

É uma objeção protestante que provém de novo, da ignorância dos costumes orientais e antigos.

É claro que um livro escrito há 1900 anos, discorda, em certos pontos, dos costumes e usos da nossa época.

Entre os orientais, como aliás, em certos países ocidentais, a palavra "Mulher" é um título de nobreza, de dignidade, como a palavra Homem exprime valor. Dizer: Fulano de tal é um homem, é dizer que é digno e honrado.

Dizer de uma senhora, que é uma mulher digna deste nome, é significar que é digna, afetuosa, carinhosa.

A nossa palavra e "minha mãe" era só empregada na intimidade, e nunca em público.

Entre os árabes, sírios, judeus e outros povos orientais o filho chama a mãe "Senhora ou «Mulher".

Em grego, o substantivo gyne, mulher, é um termo completamente honroso.

Xenofonte na sua: Cyropedia, coloca nos lábios de um dos oficiais de Ciro, esta expressão: "Toma coragem, ó mulher (o vocativo Gynai, que é o mesmo do Evangelho).

Todos sabem que o valor de certas expressões muda através dos tempos.

Camões chama de donzela, a uma Senhora, mãe de filhos, qual foi Inês de Castro Tal esta morta e pálida donzela — Donzela era neste tempo uma senhora ainda jovem.

Do mesmo modo chamavam-se outrora os príncipes de Mercê, que hoje humilha a qualquer copeiro.

Em certos lugares, na língua portuguesa, chama-se de rapariga, uma moça honrada... e em outros lugares é um termo de desprezo.

No tempo de Jesus Cristo, a palavra Mulher era um termo de nobreza. O Anjo empregou-o para exaltar a Virgem Maria: "Bendita sois vós entre as mulheres."

O Evangelho não cita um só exemplo de Jesus ter chamado Maria Sma. "Minha mãe”; sempre chamava-a "Mulher".

Tal vocábulo não se adapta mais aos nossos costumes modernos; entretanto em certas famílias nobres, os filhos dizem ainda: Senhor, meu pai!.. Senhora, minha mãe!... e em certos países, na Alemanha, entre outros, a palavra Mulher (Frau) continua a ser um título de nobreza.

Os protestantes podem verificar na Bíblia, que tal expressão, em vez de ser injuriosa ou fria, é ao contrário, um título de respeito e de veneração.

Na hora da morte, como último brado de solicitude e de amor para com sua santa Mãe, Jesus redirá a mesma palavra "Mulher, eis aí o teu filho". (Jo.19,28)

Aceitando que a primeira expressão envolve um desrespeito à Sma. Virgem, é preciso admitir que Jesus, morrendo tenha ainda menosprezado sua Mãe.

E quem ousaria dizê-lo?

Longe disso! A palavra: Mulher, é uma expressão respeitosa e humilde sobre os lábios dos filhos, e nunca tal palavra pode ser tomada como insultuosa.

Eis pois resolvida a grande dificuldade que suscitam os protestantes contra a veneração de Maria Sma. e a resposta clara à objeção que levantam contra a intercessão da pura e santa Mãe de Jesus.

Devem estar convencidos que tal objeção nasce da ignorância do sentido da Bíblia, como também da tradução pérfida do texto do Evangelho, mal traduzido, deturpado, para fazer-lhe dizer o que não diz, nem pode dizer.

O texto protestante "Mulher, que tenho eu contigo, é falso e perverso, e como o provei, não traduz nem o texto hebraico, nem o grego e nem o latino: Quid mihi et tibi est, mulier!

O sentido mais exato é "Deixe estar... eu cuidarei disso.

Este texto é claro, lógico e expressivo.

É como se Jesus dissesse:

O teu pedido é uma ordem para mim, o que pedires será sempre atendido.

E para prová-lo, Jesus fez o milagre, embora não tivesse chegado ainda a hora de operar milagres,

Isso é claro, insofismável, consolador e honroso para Jesus e para Maria.

 

VIII. Fazei tudo o que ele vos disser!

Não devemos terminar esta exposição do mistério de Caná, sem meditar as últimas palavras que formam como que a chave de ouro desta deliciosa cena nupcial.

Dirigindo-se aos serviçais, Maria Sma. lhes diz:

Fazei tudo o que Ele vos disser!

Como é curta e como é sublime esta frase!

Maria a repete a todos nós, falando de seu Jesus: Fazei tudo o que Ele vos disser...

É a palavra que conduz a Jesus, que faz escutar a Jesus.

Tal é realmente o papel de introdutora da Virgem Sma.

Observaram que Maria Sma. falou apenas quatro vezes, durante a sua vida, ela que dera à luz o Verbo divino.

É por isso mesmo qua ela não tinha que falar.

Ela falava interiormente com este Verbo, ou Filho que havia gerado, o que saiu do seu seio, mas permaneceu em sua alma.

Estas duas palavras: Não têm mais vinho e Fazei tudo o que Ele vos disser exprimem admiravelmente o caráter da intercessão de Maria e o culto que lhe tributamos: caráter de medianeira perto do Mediador — Ad Mediatorem mediatrix.

Pela primeira palavra: eles não têm mais vinho, ela expõe as nossas necessidades com um interesse e uma autoridade maternais, sendo ao mesmo tempo, a nossa Mãe e a Mãe de Jesus.

Pela segunda palavra: Fazei tudo o que Ele vos disser, ela nos ensina a submissão a Jesus, em retribuição da graça que nos alcança. Ela não intercede senão para nos entregar a Jesus; e ela mesma nos dá o exemplo desta submissão.

É Tal é o sentido desta cena evangélica, em espírito e verdade.

E o que divinamente completa esta narração, é o modo como se fez este milagre. Por este modo, deu Jesus princípio aos seus milagres em Caná de Galileia. (Jo. 1,11)

Notemos bem a expressão empregada pelo Evangelista.

Ele não diz que é o primeiro milagre de Jesus, considerado em si, mas sim o primeiro dos milagres, ou mais literalmente ainda: o começo, a abertura dos milagres: Initium signorum.

Tal expressão indica que o Evangelho, como juntando todos milagres Ge Jesus, os compara e os refere ao milagre de Caná, como a sua origem ou à sua primeira fonte, do mesmo modo que o curso das graças espirituais que Jesus Cristo devia derramar sobre a humanidade tiveram a sua fonte, o seu começo no milagre da purificação de S. João Batista, no seio de sua mãe, no dia da Visitação.

Ora, no mistério da Visitação, é pelo intermédio, como pela voz de Maria que esta primeira graça de santificação foi comunicada por Jesus, a seu Precursor.

Do mesmo modo, no mistério de Caná, é pelo intermédio da voz de Maria que Jesus começa o curso de seus milagres.

Resulta desta aproximação, e do termo empregado pelo Evangelho que Maria Sma. nos é intencionalmente recomendada como o instrumento, o canal, tanto das praças temporais como das graças espirituais de Jesus, em sua dispensação geral.

É esta toda a doutrina Católica a respeito da intercessão da Mãe de Jesus.

Esta doutrina já se desprendia do mistério da Encarnação, no qual Deus dá ao mundo todas as graças por Maria, na pessoa de Jesus.

É deste fato que Santo Agostinho tira esta admirável e profunda conclusão, que: "Deus, nos tendo dado Jesus Cristo por Maria, esta ordem não muda maís, e Maria tendo colaborado na nossa salvação, na Encarnação, que é o princípio universal da graça, ela deve contribuir em todas as outras operações, que são dependentes desta primeira operação.

Este argumento é uma dedução teológica, enquanto a cena de Caná é um fato evangélico.

O Evangelho confirma pois a doutrina.

De fato vemos nestes dois fatos evangélicos: a Visitação e Caná, Jesus comunicando as suas graças, tanto espirituais, quanto temporais, pela Sma. Virgem.

Estes dois fatos são sem réplica; e se os pobres protestantes refletissem, deveriam reconhecer que a cena das Bodas de Caná, longe de deprimir o poder de Maria Sma., o exalta e o estende.

 

 

IX. Conclusão

Recolhamos ainda a última frase, com que o Evangelista encerra a cena de Caná, Jesus manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele (Jo.2,11)

Trata-se aqui de sua manifestação cono Deus, pelo poder dos milagres.

Esta hora não tinha chegado ainda, como disse Jesus, mas ele antecipou-a em consideração ao pedido de sua Santa Mãe.

Reflitamos bem sobre este fato. Que ideia mais sublime, que testemunho mais claro, podia dar-nos Jesus Cristo do poder de intercessão de sua Mãe, do que este de antecipar, em consideração dela, a hora da sua manifestação gloriosa?

Deus não mudou. nem modificou os seus planos, porém fez entrar neste plano a suplicação de Maria, como meio determinado de seus desígnios, os quais, sem este meio não seriam o que são.

Segundo estes desígnios a hora da manifestação de Jesus Cristo não teria chegado, sem o intermédio de Maria, como a graça de Jesus Cristo não teria descido sobre João Batista, sem a Visitação, como ainda, Jesus Cristo não teria baixado do céu sem o seu consentimento virginal.

Eis uma tríplice e única verdade que convêm destacar bem nitidamente e em pleno relevo, pois ela é fundada sobre fatos evangélicos claros e positivos. E admitindo estes fatos, é preciso, necessariamente, admitir as suas consequências; e estas consequências constituem a doutrina da intercessão da Mãe de Deus.

Reunindo em síntese estes grandes fatos evangélicos e as suas consequências, estamos diante do grande e único plano divino, que se estende ao mesmo tempo à ordem da natureza, à ordem da graça e à ordem da glória.

Na ordem da natureza, ela dá à luz o Filho de Deus, e dá ao mundo a causa final da sua criação.

Na ordem da graça, ela nos dá Jesus-Eucaristia, comunicando-nos aquele que é a vida das almas.

Na ordem da glória, ela nos manifesta Jesus Cristo e determina a sua glorificação. Os Santos lhe devem a sua glória.

Eis o que nos ensinam os três mistérios evangélicos: a Anunciação, a Visitação e o milagre de Caná.

O que começaram estes três mistérios, e o que nos ensinam, deve perpetuar-se através dos séculos. Não são simplesmente três fatos evangélicos, são três mistérios que se perpetuam, ou continuam sempre a sua ação misteriosa.

Constantemente Jesus Cristo vem ao mundo por Maria. Constantemente Maria o traz a nossas almas, pela visitação.

Constantemente Maria manifesta a glória de Jesus pelos prodígios que ela alcança de sua misericórdia.

Eis o que é Maria Sma. na obra salvadora e santificadora do mundo.

Meditem estes mistérios, os pobres protestantes transviados, pela livre interpretação da Bíblia, e peçam a Deus que lhes dê a graça de compreenderem uma doutrina tão simples, tão lógica, tão consoladora e tão evangélica.

A cena sublime de Caná, toma, deste modo, proporções infinitas. Não é mais um simples festim de núpcias, é a imagem do grande festim, ao qual Jesus Cristo nos convida, que Ele preside, mas onde encontramos também a sua Mãe Santíssima para apresentar-nos a Ele, e, se preciso fosse, pedir-lhe um milagre em nosso favor.

Caná, é antes de tudo, a manifestação de Jesus por Maria, para que nós, seus discípulos, creiamos nele, como nele creram então os seus discípulos.

 

CAPITULO XIII

Morte e Assunção de Maria

Os protestantes, impugnando, pelas suas mesquinhas objeções a vida, a santidade, as prerrogativas da Virgem Maria, durante a sua vida terrena, não podiam deixar de persegui-la, com o seu ódio, até na glória do céu.

De fato, não admitem nem a morte gloriosa de amor, nem a ressurreição, nem a assunção da Mãe de Deus.

Para eles, pobres e infelizes revoltosos contra a doutrina Católica, a Mãe de Jesus, apesar de ter sido o Tabernáculo vivo da divindade, devia conhecer a podridão do túmulo, a voracidade dos vermes, o esquecimento da morte, o aniquilamento material de sua pessoa.

Jesus Cristo, seu filho verdadeiro, que preserva da destruição o corpo de centenas de Santos, em recompensa das virtudes que praticaram, teria permitido que o corpo puríssimo, do qual Ele tomara o seu próprio corpo, fosse a presa dos vermes, da corrupção, da podridão do túmulo?

Oh! não, não! A fé do cristão revolta-se diante de uma tal blasfêmia, como o bom senso protesta contra uma tal ideia.

Os corpos de uma Santa Margarida Maria, de uma Santa Catarina de Senna, de um Santo Vigário de Ars, de Ozanam, de Bernadete, e de centenas de outras almas privilegiadas estão milagrosamente conservados até em nossos dias, e Deus teria permitido que o corpo da Virgem puríssima ficasse sujeito à lei da corrupção?!...

Não pode ser!

Examinemos esta questão de perto, e refutemos a infame objeção protestante, negando a ressurreição e a Assunção gloriosa da Mãe de Deus, proclamando bem alto o canto da Liturgia Católica: Maria foi elevada acima dos Coros dos Anjos no Reino Eterno.

 

I. O fato histórico

Antes de discutir os motivos da Assunção gloriosa de Maria, e de refutar as objeções protestantes a este respeito, narremos aqui o fato histórico, tal qual nos foi conservado pelos cristãos dos tempos apostólicos, pelos Santos Padres e Doutores da Igreja, formando através dos séculos, uma tradição firme, constante, ininterrupta.

Não é dogma de fé, porém o mundo Católico espera ansioso que, apoiado sobre a revelação implícita da Assunção na Sagrada Escritura, e na revelação explícita da tradição, a autoridade suprema, proclame esta verdade, e adorne com ela o imortal diadema de glória da Imaculada,

Eis, em resumo o que nos dizem os Santos e os Doutores da primitiva Igreja a este respeito.

Na ocasião de Pentecostes, Maria Sma. tinha mais ou menos 47 anos de idade.

Permaneceu ainda 25 anos na terra, após este fato, para educar e formar, por assim dizer, a Igreja nascente, como outrora ela educara, protegera, e dirigira a infância do Filho de Deus.

Suas preces e a sua afetuosa caridade foram a consolação dos primeiros fiéis.

Ela terminou a sua carreira mortal, na idade 72 anos; tal é a opinião mais comum.

A morte da Sma. Virgem foi suave, como o tinha sido a sua vida: ela vivera de amor, ela morreu de amor.

Chegada ao cume da mais incompreensível santidade, a sua alma desapegou-se calmamente de seu santíssimo corpo. O seu último suspiro foi uma aspiração de amor, que a levou como que naturalmente até às alturas do céu.

Os nove Coros dos Anjos levaram esta alma incomparável até ao Seio de Deus; onde o Pai Eterno a recebeu como a sua Filha amada, o Filho como a sua Mãe querida, o Espírito Santo como a sua Esposa imaculada.

Parece certo que foi em Jerusalém que Maria Sma. deixou este mundo, para tomar o seu voo para o céu.

Os Apóstolos que ainda não tinham sofrido o martírio, estavam presentes a esta bem-aventurada morte, exceto o Apóstolo São Thomé, ocupado neste tempo, a pregar o Evangelho às Índias.

Jesus quis dar esta suprema consolação à sua Santíssima Mãe e a seus Apóstolos.

Aí estavam São Pedro, São João com os outros Apóstolos, e diversos discípulos, entre os quais se destaca São Dionísio Areopagita, discípulo de São Paulo e primeiro Bispo de Paris, e nos conservou a narração destes fatos.

Diversos Santos Padres da Igreja narram que os Apóstolos foram milagrosamente levados para Jerusalém na noite que precedera o desenlace da Bem-aventurada Virgem.

Maria Sma. os abençoou uma última vez, consolou-os; provavelmente, recebeu das mãos de São Pedro, o adorável Sacramento da Eucaristia, que, até este dia, tinha recebido diariamente das mãos de São João.

Depois, sem moléstia alguma, sem sofrimento, sem agonia, ela entregou a sua alma, toda, abrasada pelo amor, nas mãos de seu Credor e seu Filho.

São João Damasceno, um dos mais ilustres Doutores da Igreja Oriental, conta que os fiéis de Jerusalém, ao terem notícia do falecimento de sua Mãe querida, como a chamavam, vieram em multidão prestar-lhe as suas homenagens, e que logo os milagres multiplicaram-se em redor desta relíquia sagrada de seu corpo.

Diversos mortos ressuscitaram; cegos, paralíticos, enfermos de toda espécie, foram repentinamente curados, ao contato do corpo da Mãe de Jesus.

Quanto aos Apóstolos, estavam como divididos entre a dor e a alegria, ficando em oração perto do santíssimo corpo, exaltando com cânticos e louvores as glórias desta Virgem bem-aventurada, que dera à luz a vida do mundo, Jesus Cristo, e que concebera e trouxera em suas entranhas o Filho do Altíssimo.

Sepultaram o Santíssimo Corpo com uma veneração de filhos amorosos, envolvendo-o em alvas mortalhas; seguidos pela multidão dos fiéis acompanhados pelos Anjos, foram depositar as preciosas relíquias num túmulo novo, no jardim.

de Getsemani, onde era a sepultura da sua família, e onde já repousavam os corpos de São Joaquim e de Santa Ana.

Fecharam o sepulcro com uma grande pedra, em forma de porta como era costume neste tempo.

Três dias depois, chegou o Apostolo São Tomé, que a Providência divina parecia ter afastado, para melhor manifestar n glória de Maria, como outrora tinha-se servido de Tomé, para manifestar o fato da ressurreição de Jesus.

Tomé pedia com instância, de poder contemplar, uma última vez, os traços augustos da Mãe de Deus.

São Pedro, São João e outros Apóstolos que ficaram em oração perto do sepulcro sentiram-se felizes em acederem a este desejo, que era também o seu desejo pessoal.

Quebraram os selos da pedra...

Abriram o sepulcro mas, oh! prodígio.

No lugar, onde tinha sido depositado por eles mesmos, os despojos mortais de Maria Sma., não encontraram senão as mortalhas, cuidadosamente dobradas; como outrora no túmulo do Salvador ressuscitado, as Santas Mulheres, São Pedro e São João tinham encontrado as mortalhas dobradas que envolveram o Corpo de Jesus.

Um perfume de uma suavidade celestial Esposa imaculada exalava do túmulo.

Como o seu Filho e pela virtude de seu Filho, a Virgem Santa ressuscitara no terceiro dia.

Os Anjos retiraram o seu corpo Imaculado e o transportaram para o céu, onde ele goza de uma glória inefável.

Nada é mais autêntico do que estas antigas tradições da Igreja sobre o mistério da Assunção da Mãe de Deus.

Encontram-se estas narrações nos escritos dos Santos Padres e Doutores da Igreja, dos primeiros séculos, e são relatadas no Concilio geral de Calcedônia, em 451.

 

II. A morte de Maria

Os protestantes que não acreditam senão em si mesmos, não darão fé a estas narrações autênticas, dos primeiros séculos, que formam o depósito sagrado da Tradição.

Eles querem provas.

Vamos dar-lhes estas provas agora, mostrando que estes fatos e verdades dimanam direta, embora implicitamente do Evangelho.

O fato da morte de Maria é indubitável, embora as circunstâncias fiquem em parte desconhecidas.

Mas como e porque morreu Maria Sma.?

Tendo sido concebida sem pecado, ela estava isenta da sentença de morte, proferida contra a humanidade.

A morte é o castigo do pecado. Slipendia peccati, mors diz o Apóstolo (Rm.6,23)— Stimulus autem mortis, peccatum est. (1Co.15,56)

Esta morte, dizem unanimemente os Santos Padres, não foi causada, nem pela moléstia, nem pela idade, mas unicamente pela violência do amor divino.

O amor tem uma tríplice influência em nossa vida e morte.

Todos os homens devem morrer noamor de Deus, sem isso não há salvação; este amor é a graça de Deus na alma.

Outros morrem por amor de Deus. É a morte da falange gloriosa dos nossos mártires, que, dando a sua vida por amor de Deus dão-lhe a suprema prova de amor que o homem é capaz de dar.

Maria Santíssima, morreu no amor, morreu por amor, mas morreu sobretudo de amor.

O amor foi a causa da sua morte.

Morrendo no amor, Maria morreu como Mãe dos homens.

Morrendo por amor ela morreu como Rainha dos mártires.

Morrendo de amor, ela morreu como Mãe de Deus.

É a única morte que lhe convinha, e que podia separar a alma de seu corpo virginal.

O sublime Bossuet diz muito bem, e as suas palavras são o resumo de toda a tradição católica.

Credes-me, almas santas, diz ele, não procureis outra causa da morte da Virgem Santa: seu amor era tão ardente e tão inflamado, que não podia mais exalar um suspiro, que não rompesse os laços de seu corpo mortal; não podia formular um pesar que não dissolvesse a harmonia de seu corpo; não podia lançar um suspiro para o céu, que não atraísse a sua alma inteira.

Disse que a sua morte foi um milagre; devo mudar a expressão: não foi um milagre, antes foi a cessação do milagre.

O milagre contínuo, é que Maria vivia separada de seu querido Jesus.

Ela vivia entretanto, porque tal foi a vontade de Deus, que fosse conforme a Jesus Crucificado, pelo martírio insuportável de uma longa vida, tanto mais penosa, quanto mais necessária foi à Igreja.

Mas como o divino amor reinava em seu coração, sem nenhum obstáculo, ele ia aumentando dia por dia, por si e pelo exercício, ao ponto que chegou a tal intensidade, que a terra era incapaz de contê-lo.

Tal é a única causa da morte de Maria: a vivacidade de seu amor." (1)

1) Bossuet II. Sermon sur L'Assomption. 2 point.— S. Francisco de Sales: 1 e 2 Serm. Ass.

Do que temos dito da Imaculada Conceição, pode-se e deve-se concluir que, a morte sendo um castigo do pecado original, aquele que fosse isento deste pecado, ficaria, pelo fato, isento da morte.

E Maria Sma. está neste caso. A lei fulminada contra todos não se aplica a ela, como a lei de Assuero não atingiu a Rainha Ester. (Ester 15,13)

Recolhamos, sobre o assunto, uma passagem admirável de São Cirilo, confirmada, em 1672, pelo Concílio de Jerusalém.

Não é ao contágio do pecado, diz ele, que se deve atribuir a morte da Virgem Santíssima, mas sim às disposições naturais que estavam no homem antes do pecado.

O homem, de sua natureza, estava sujeito à morte, mas a uma morte benigna.

Deus, por uma graça especial, suspendeu em seu favor, as leis da natureza, e o fez imortal.

Ora, a Santíssima Virgem foi também enriquecida desta prerrogativa. Embora ela fosse cumulada de bênçãos e isenta da menor mancha, entretanto, ela carregava em si, pela humanidade, o gérmen da morte, e devia ficar sujeita a esta morte. Deus, em sua bondade preservou-a, submetendo este privilégio ao consentimento da sua criatura.

Deste modo, ela teria podido ser levada viva, ao céu, se o tivesse querido, e se tal houvesse sido o seu bel prazer.

Mas sabemos que ela não quis fruir deste privilégio.

Tal é a melhor explicação deste mistério que hoje todos os teólogos adotam e defendem.

De fato, pode-se considerar a morte do homem sob um duplo aspecto: ou como consequência natural da constituição de seu corpo, composto de elementos que se vão desagregando naturalmente; ou como consequência do pecado original.

Se Adão não tivesse cometido o pecado original, o homem, por um privilégio singular entre os demais seres vivos, teria tido uma vida perpétua, pois o fruto da arvore da vida teria sido o suficiente para sustentar as suas forças, que causas internas ou externas poderiam enfraquecer.

Adão pecando, tal privilégio lhe foi retirado; a árvore da vida não lhe deu mais o seu fruto, e a natureza retomou os seus direitos: Era “preciso morrer.

O pecado original fica destruído em nós, pelo batismo, mas as consequências deste pecado permanecem; e uma destas consequências é a falta do fruto da arvore da vida; donde o homem deve morrer — Morte morieris!

A Mãe de Jesus, não obstante a sua Imaculada Conceição, não tinha mais o fruto da árvore da vida, e como tal ficou sujeita à morte.(2)

2) Praeterunda mihi haud videtur quaestio an mora quae in aliis a pecatto accidit fuerit in Maria peccati poena?

Siquidem Cajetanus in opusculo de Conceptione Virginisá leoonem X, vult ob peccatum mortuam Mariam; et contra sentire, haereticum putet cum Paulus arguet: Christus pro nobis mortuus est: ergo omnes mortui sunt.

Albertus Pigius et Ambrosius Catherinus ab haeresi excusant dicere, non propter peccatum mortuam Virginem, imo volunt pium esse sentire, nec mortem, nec aliquam originalis peccati posnalitatem a peccato provenisse Virgini, sed a voluntate Dei, qui sicut a peccato praeservavit mundam a peccati poenis liberam custodisset nisi eam conformari Filio vidisset conducere.

Nec id Christum Mariae liberatorem negat, et pro ea mortuum, quia cetecis perfectius liberatam indicent sicut et redemptam.

Itac sicut docet. S. Augustinus e unanimis consensus theologorum, etiamsi Adam non peccasset, nisi alioquin especiali Dei dono conservaretur, sed proprice naturor relinqueretur ex pugna continua caloris nativi et humidi radicalis, tandem periret...

lta Beatam Virginem affirmamus mortem sustinuisse, non tanquam paenam peceati quod ipsa contraxerit; sed vei tanquam conditionem adnexam, corruptibili naturae humanae, vei certe ex debito modi naturalis conceptionis et ortus sui.

Obnoxia fuit morti corporis, non obstante gratia praeservatlonis a peccato originali, quia licet Deus gratiae suae prevenerit infectionem anime, non tamen prsecavit carnis faeditatem, quam secum offert naturalis modus propagationis humanae per seminalem rationem ex Adam.

Et Ideo,ratione lilius mansit B. V. mortis discrimini obnoxia sicut et mansit alfis poe nalitatibus, quae per peccatum primi parentis introierunt in orbem terrarum, sicut fames, sitis, et alii corporales labores. (B, Angelus de Pas: in expos. Symboli. llb. 5, C. 622)

Acredita-se, entretanto, que, por um privilégio particular, Deus lhe deu o poder de não Morrer, se assim o preferisse.

Era apenas um privilégio, não era um direito: e Maria não quis fazer uso deste privilégio.

Quais foram as razões da escolha da morte pela Imaculada?

Podemos assinalar quatro:

1. Para refutar de antemão, a heresia dos que mais tarde pretenderiam que Maria não foi uma simples criatura como nós, mas pertencia à natureza angelical.

2. Para em tudo, ela assemelhar-se a seu divino Filho, tanto quanto o permitisse a diferença de sexo.

Ora, Jesus submeteu-se à lei geral da morte.

Maria Sma. quis imitá-lO.

3. Para não perder os merecimentos da aceitação resignada da morte, nem o encanto que a alma experimenta ao ver-se livre da vida mortal, para entrar na vida eterna.

4. Para servir-nos de modelo e ensinar a bem morrer, com as disposições de resignação e de total abandono que a vista da morte inspira.

Podemos pois resumir esta doutrina, dizendo que Deus criou o homem mortal.

Elevou-o, por privilégio, à imortalidade pelo fruto da árvore da vida.

O pecado origina! retirou-lhe este privilégio.

Maria Sma., apesar de Imaculada, não tendo este fruto da árvore da vida, ficou sujeita à morte.

Deus concedeu-lhe o privilégio (não o direito) de ser imortal, conforme a sua vontade.

Ela preferiu ser semelhante a seu divino Filho, escolhendo voluntariamente a morte, e não a sofrendo como castigo do pecado original que nunca tivera.

Quiz morrer... e morrer de amor.

 

III. A sepultura de Maria

Não devo deixar passar em silêncio a palavra de um dos testemunhos oculares da morte e ressurreição da Virgem Imaculada.

Juntos com os Apóstolos assistiram à morte de Maria Sma., São Timóteo, primeiro Bispo de Éfeso, Dionísio Areopagita, e o Bem-av. Hieroteu.

São Dionísio deixou por escrito esta cena sublime, narrando-a em seu livro "Os nomes divinos"(3) e dirigido a São Timóteo. A autenticidade deste livro nunca foi discutida, sendo obra do próprio São Dionísio.

3) De divinis Nominibus C. III 2 Tradução de Mgr. Darboy.

O Santo escreve pois: "Hieroteu, o nosso mestre sublime, brilhava entre os Pontífices inspirados, como vistes, quando juntos, nós fomos contemplar, vós e eu, com muitos outros irmãos, o Corpo, venerável que produzira a vida e contivera Deus.

 

 

 

Ali, encontravam-se Tiago, irmão do Senhor, e Pedro, Corifeu e Chefe supremo dos teólogos.

Todos os Pontífices quiseram, cada um a seu modo, celebrar a bondade e a onipotência de Deus que se revestira da nossa enfermidade.

Ora, depois dos Apóstolos, o nosso Mestre ilustre sobrepujou os outros piedosos doutores, todo encantado e extasiado, fora de si, todo comovido pelas maravilhas que publicava, e estimado por todos aqueles que o conheciam ou ouviam, considerando-o como um homem inspirado do céu, e como o digno panegirista da divindade.

Mas, para que relembrar-vos, o que foi dito nesta assembleia?

Se a minha memória não falhar, parece-me ter ouvido muitas vezes de vossa boca, fragmentos destes divinos louvores. Tão grande era o vosso ardor no que diz respeito às coisas santas.

Deixemos estes místicos anelos, que se não deve divulgar entre os profanos,e que vós conheceis perfeitamente.

Estas palavras, oriundas de um testemunho ocular, além de relembrar nos a morte da Virgem Santíssima, constituem uma prova inefável de que o culto de Maria Sma. foi inaugurado pelos próprios Apóstolos.

E com quanto esplendor e entusiasmo!

Os primeiros cristãos não podiam lembrar estes fatos sem profunda emoção.

Os Apóstolos, milagrosamente transportados das diversas partes do mundo, os mais ilustres pontífices da Igreja, um imenso concurso de fiéis, todos ali reunidos, para venerar o corpo que tinha gerado a Vida e contido o próprio Deus.

Havia ali cânticos. discursos e panegíricos tão eloquentes e comovidos que São Timóteo e São Dionísio os recitavam mais tarde, para a sua própria consolação.

Que mais podia fazer a Igreja nascente, apostólica, em louvor da Mãe de Deus?

* * *

Por consoladora quo fosse para Maria, a presença dos Apóstolos, ela esperava com ardor uma outra visita: a de seu divino Filho.

E esta visita não podia faltar-lhe.

São Gregório de Tours (4) resumindo as antigas tradições, escreve:

"Quando a Bem-aventurada Virgem chegou ao termo de sua vida, e que foi chegado o momento de deixar esta terra, todos os Apóstolos vindos dos diversos lugares que estavam evangelizando, juntaram-se em sua ermida; e tendo ouvido de seus lábios que ia morrer, velavam com "ela".

"E eis que veio o Senhor com seus anjos e, recebendo a alma de sua Santíssima Mãe, confiou-a a São Miguel."

4) Denique impleto a B. V. Maria hujus vitoe curaus congregati sunt omnes Apostoli. .. cumque audissent quia esset assumenda de mundo, vigilabant cum ea simul. Et eece Dominns Jesus advenit cum angells suis, et accipiens animam ejus, tradidit Micbaeii Archaugelo. (Greg. Turon. De glor. mart. c. IV)

São João Damasceno amplifica ainda esta tradição antiga.

"Então realizou-se, diz o Santo, um outro prodígio. O próprio Rei divino veio ao encontro de sua mãe, para recolher com as suas mãos divinas, a alma santa e imaculada de Maria.

Esta bem-aventurada Mãe lhe disse então:

É em vossas mãos, ó meu Filho, que remeto a minha alma. Dignai-vos acolhe-la, pois ela vos é querida, e ela vos deve o ter sido imaculada.

É em vossas mãos e não à terra que entrego o meu corpo. Preservai da corrupção esta morada que vós dignastes escolher, e à qual, pelo vosso nascimento, comunicastes um princípio de eterna incorruptibilidade.

Sede vós mesmo o consolador de meus filhos amados, que dignastes chamar vossos irmãos, A bênção que eu lhes dou, pela imposição das mãos, juntai novas e abundantes bênçãos.

Elevando então as mãos, como nos é permitido supor, ela suplicou as bênçãos divinas sobre os apóstolos e tendo terminado ela ouviu a voz de seu Filho.

"Ó Mãe Bendita, levantai-vos, vinde, vós que sois a amiga de meu coração... a mais bela entre as mulheres."

São João Damasceno nos mostra, depois. o céu inteiro, vindo ao encontro da alma da Bem-aventurada Maria... cercando, como uma guarda de honra este Tabernáculo vivo de um Deus vivo.

* * *

No dia seguinte, desda a aurora, os Apóstolos e os fieis, conduziram o corpo venerável para o lugar,que tinha sido designado pelo próprio Jesus.

O cortejo ia seguindo, numa solene lentidão para o Getsemani.

Em frente marchava S. João, levando a palma sagrada do Arcanjo S. Gabriel.

Pedro, o Pontífice Supremo, reservara para si o direito de carregar o esquife, e tinha admitido Paulo à honra do servir-lhe de segundo.

Seguiam os outros Apóstolos e os discípulos, tendo tochas acesas na mão.(5)

5) Tune igitur Sanctum Corpus imposuerunt feretro, Dexerunique ad inviecen Apostoli: quis palmam hanc antê feretrum ejus portabit. Tunc Joannes sit ad Petrum: Tu qui praecedis nos in Apostolatu, debes palmam hanc ante feretrum merito ferre.

Cui Petrus respondit: Tu, virgo electus a Domino, tantam gratiam invenisti, ut super pectus ejus recumberes... Tu igitur portare debes hane palmam, et ego suscipiam ad sustinendum sacrosantum hoc et yenerabile corpus, usque ad locum monumenti. Cui Paulus ait:

Et ego qui junior sum omnium vestrorum, portabo tecum.

(S. Meliton: de morte B.V.M)

Chegando em Getsemani, depositaram o esquife diante do túmulo aberto, e preparado por eles.

Prostrando-se de joelhos tributaram-lhe a homenagem do despedida, em meio de suas lágrimas e soluços.

Depositaram-no depois no túmulo, que foi cuidadosamente fechado, selado e guardado, dia e noite pelos discípulos e os fiéis, até ao dia, em que São Tomé, chegando atrasado, pediu para vêr uma última vez a sua Mãe querida.

Foi nesta ocasião que constataram a ressurreição gloriosa da Mãe de Jesus.

 

IV. A ressurreição de Maria

Como já disse, não existe nenhuma prova explícita, sensível, da ressurreição da Virgem Sma. porém, notemos que por falta de provas explícitas, há outras muitas, implícitas, de autoridade, que não deixam subsistir nenhuma dúvida a este respeito.

Os Apóstolos, ao abrirem o túmulo da Mãe de Jesus, para satisfazer a piedade de São Tomé e sua própria piedade, não encontrando mais o corpo sagrado, tiraram una indução do fato, concluindo a sua ressurreição.

Não era preciso ver Maria ressuscitada e glorificada, para crer em sua ressurreição.

A desaparição do corpo, as circunstâncias celestes da sua morte, a sua santidade, a sua dignidade de Mãe de Deus, a sua Imaculada Conceição, a sua união com o Redentor, tudo isso constitui uma prova irrefutável de sua Assunção.

A assunção consiste, como o exprime a própria palavra: assumere, que a alma da Sma. Virgem, depois de ter-se unido de novo ao corpo, por um privilégio particular, foi transportada para o céu, pelos Anjos.

A Assunção de Maria Sma. difere essencialmente da Ascenção de Jesus Cristo (ascendere) que sobe ao céu, pela sua própria virtude, enquanto Maria é transportada pela vontade de Deus.

Como se pode raciocinar para estabelecer, com segurança, a Assunção da Virgem Imaculada?

Primeiro argumento

Todas as obras de Deus são de uma perfeita harmonia.

O seu fim corresponde ao começo, e o conjunto corresponde às diversas partes.

Se, após uma vida tão santa, a morte de Maria Sma. fosse semelhante à morte dos outros, seria isto um milagre mais admirável que aquele de uma morte análoga a sua vida.

Entrando de modo sobrenatural nesta vida, é necessário sair dela de modo sobrenatural.

Tal sobrenatural, torna-se como natural para tal alma.

Ora, como vimos longamente, Maria Sma. pela sua Imaculada Conceição entrou, de modo sobrenatural, nesta vida; era preciso pois que saísse desta vida de modo sobrenatural; e este modo era a ressurreição e assunção ao céu, em corpo e alma.

Segundo argumento

A morte deve ser o eco da vida. É a lei fixada por Deus: Talis vita, mors ita.

Ora, em Maria Sma. tudo foi, não simplesmente de uma santidade eminente, mas ela foi em tudo a mulher Bendita, sem igual, superando todas as mulheres, como lhe anunciou o Arcanjo.

Era preciso, pois, que ela fosse também superior a todas as mulheres, em sua morte.

Morrer, e estar sujeito à destruição do túmulo, é a sorte de todos os homens.

E entre os homens, há um certo número, cujo corpo Deus preserva da corrupção, em recompensa de suas virtudes, de sua angélica pureza, sobretudo.

Deus devia elevar Maria até acima destes privilegiados. E como fazei-lo, senão permitindo, que após a morte, a sua alma se reunisse de novo a seu corpo, e fosse logo, em corpo e alma gozar da felicidade celeste?

Terceiro argumento

A dignidade de Mãe de Deus exigia que Deus não deixasse no esquecimento do túmulo, aquela de quem tomou a nossa humanidade.

Maria Sma. foi feita pelo Verbo divino, em vista de produzi-lo em sua humanidade.

Deus fez a sua Mãe com suas próprias mãos; e ele a fez como quis ser feito por ela.

Deus colocou nesta Mãe privilegiada e única como que a previsão de todas as propriedades, que dela devia tomar em sua concepção e em seu nascimento.

Ele preparou a sua humanidade física e moral na própria humanidade de Maria.

É o que fez dizer aos Santos que Maria é um como Jesus Cristo começado.

É o Tabernáculo que não é feito pelas mãos dos homens isto é, não é desta criação (Hb.9,11)

É esta Arca da santificação (Paral. 131,8).

Donde devia surgir a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade (Jo.1,14).

Eis porque Deus, devendo sair desta arca Bendita, cheio de graça, ela Maria, devia ser cheia de graça; e como Ele devia ser o fruto bendito deste seio (Lc.1, 42) ela foi bendita para dá-lo à luz (Lc.1,42): como Jesus devia ser a flor, ela foi a haste (Is.2,1) de tal modo que se pode dizer que a humanidade inteira do Verbo estava como em gérmen na Virgem Sma., donde brotou, como a flor da sua virgindade.

E depois como é que se poderia conceber que este mesmo seio virginal, radiante de tanta pureza, adornado de tantas graças, cumulado de tantas bênçãos, enriquecido de tanta santidade, sendo como que a substância e a forma do próprio Jesus Cristo, tenha sido entregue à corrupção do túmulo?

Como se pode admitir que este mesmo poder e este mesmo amor, que conservaram a sua virginal integridade antes do parto, durante e após o parto, a tenham, esquecido ou antes, tenham se esquecido, deixando-a ficar no opróbrio da natureza humana e na infâmia da nossa condição no túmulo?

Longe de ter a ousadia de dizê-lo, diz Santo Agostinho, tenho horror ao pensar nisto. Sentire non valeo, dicere perlimesco.

Se o Filho de Deus, continua o Santo, tivera o poder de conservarvirgem o corpo de Maria em sua Conceição, ele tinha ainda o mesmo poder para conservá-lo incorruptível no túmulo.

Se tivera este poder, ele tivera esta vontade, e se tivera esta vontade, deve tê-lo feito.

Logo, Maria Sma. devia ressuscitar dos mortos logo após a sua morte.

Quarto argumento

A dignidade do Filho de Deus feito Homem exigia que não deixasse no túmulo Aquela de quem recebera o seu Corpo sagrado.

Se Maria Sma. antes da vinda do Salvador foi, no dizer dos Santos, um como Cristo começado, podemos e devemos concluir que, após a ascensão, Maria Sma. foi um como resto de Jesus Cristo. Tal expressão é tomada num sentido metafórico, sem dúvida, para melhor salientar a união íntima entre Jesus e Maria.

A carne de Jesus tinha sido tomada da carne de Maria. A carne de Jesus não é a carne de Maria, mas a substância da carne do filho é tirada da substância da carne da mãe. Caro Jesu, caro Mariae, ou melhor, Caro Jesu ex carne Mariae.

A carne de Jesus é tanto mais da carne de Maria, que esta lha transmitiu virgem, e que Jesus a conservou incorruptível.

Donde se pode concluir que Jesus Cristo é devedor a seu próprio Corpo, o conservar incorruptível o corpo de sua Mãe.

Se assim não fosse, Jesus Cristo traria na glória o seu Corpo sagrado, e enquanto este Corpo seria adorado na glória, a substância, de que fora formado este Corpo, estaria sujeita à putrefacção do túmulo.

São Bernardo vai além e diz que não somente convinha que Jesus Cristo preservasse da corrupção o corpo de sua Mãe, mas que devia fazê-lo; e o santo dá como razão: que a incorruptibilidade do Corpo de Jesus Cristo procedia de um princípio de incorruptibilidade que recebera de sua Mãe.

 

Non poterat Sanctum videre corruptionem, quia de incorrupti uteri virore ortum est (Serm. 35 in Cant.)

Privilégio este que, como os demais privilégios, provinha, sem dúvida, de Jesus Cristo como Deus, enquanto Ele o recebia de Maria, como homem, mas que supunha que ela possuía tal privilégio, como a haste possui as propriedades que deve comunicar à flor.

Jesus Cristo devia pois preservar a sua Mãe da corrupção do túmulo e glorificar, pela ressurreição, esta carne que foi a substância donde ele tirou a sua própria carne.

Quinto argumento

A afeição filial de Jesus, para com a sua Mãe, exigia que não a deixasse no esquecimento do túmulo.

Pode-se dizer que não há marca de respeito, de obséquio, de dedicação e de amor, que Jesus não tenha prodigalizado à sua Mãe querida, cada vez que se apresentava a ocasião.

Ora, tal dedicação e tal amor não podem conciliar-se com uma demora prolongada de Maria, no túmulo.

Uma tal demora pareceria, da parte do filho, uma espécie de esquecimento, e até de abandono.

Seria até absurdo pensar que Jesus não tenha feito para sua Mãe o que qualquer um de nós faria para a nossa própria mãe, se o pudéssemos fazer.

Suponhamos que a sorte de nossa mãe estivesse em nossas mãos, e que tivéssemos o poder de realizar para ela tudo o que nos ditasse o nosso coração de filho; que faríamos nós?

Antes de tudo preservaríamos a nossa mãe da corrupção do túmulo; e não podendo preservá-la da morte, o nosso primeiro cuidado seria ressuscitá-la logo depois.

É logico que Jesus assim tenha feito.

O amor quer a união.

Jesus permitiu que Maria Sma. passasse pela porta da morte; mas logo ao passar o limiar desta porta, lá estava Ele para receber a sua Mãe, na glória, para uni-la a seu Coração; não somente a sua alma, mas o seu corpo; pois queria a sua Mãe... a sua Mãe inteira... e a alma é apenas uma parte de nós, incompleta em seu gênero, aspirando após a reconstituição da sua personalidade, pela ressurreição do corpo.

Sexto argumento

A glória da ascensão de Jesus Cristo, como sendo o fruto de seus sofrimentos, deve haver entre a ascensão e a assunção a mesma relação que há entre a paixão de Jesus e a compaixão de Maria.

A relação direta da ascensão e da paixão do Salvador resulta da Sagrada Escritura; mas foi, de modo especial, promulgada pela palavra que Jesus disse aos discípulos de Emaús: ó estultos e tardos de coração para crer tudo o que anunciaram os profetas! Porventura, não era necessário que o Cristo sofresse tais coisas, e que assim entrasse na sua glória? (Lc.24,25)

De outro lado, a relação imediata da paixão do Filho e da compaixão da mãe foi promulgada, de um modo enérgico, no Evangelho, pela profecia de S. Simeão, falando do Filho à própria mãe: Eis que este menino está posto para a ruína e para a ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição. E uma espada transpassará a tua alma. (Lc.2,34.45)

Esta tradução é larga; o texto latino tem uma variante que parece ir além do texto vulgar.

Et tua ipslus animam pertransibit gladius — o que quer dizer literalmente: O mesmo gládio transpassará a alma dele e a vossa.

É como se a alma do Filho e a da Mãe fossem tão intimamente unidas, que o gládio que transpassa uma, transpassasse necessariamente a outra.

É uma união maravilhosa que esgota toda a energia de expressão e cuja justificação nos aparece nesta outra palavra do Evangelho: — Stabat autem juxta crucem Jesu, Mater ejus.

Esta união admirável, que descobrimos entre a paixão de Jesus e as dores de Maria, deve existir igualmente entre a glória de Jesus e a glória de sua Mãe.

Como seria possível que, tendo sido unidos tão intimamente no sofrimento, o fossem menos na alegria?

E esta alegria não é somente a glória do céu, é também o modo de entrar nele.

Jesus ressuscitou no terceiro dia; saiu do túmulo, triunfador da morte, e depois subiu ao céu, para ir ocupar o seu lugar ao lado de seu Pai, Maria também devia ressuscitar ao terceiro dia, triunfadora da morte com o seu Jesus, e subir ao céu para ocupar o lugar de honra que lhe compete como Mãe de Deus, co-Redentora dos homens, Rainha do céu e Mãe dos homens.

A ressurreição da Virgem Santa e a sua Assunção ao céu, vêm, deste modo, completar a união perfeita, indissolúvel, do Filho e da Mãe, para perpetuar na glória uma união começada no sofrimento e na morte.

A glória corresponde à graça.

A graça é uma glória começada.

A glória é uma graça consumada.

E Maria, cheia de graça, devia ficar cheia de glória no céu... e para isso, entrar nele com uma majestade que não cabe às simples criaturas, mas só a Jesus e a sua Mãe!

Limitemo-nos a estes seis argumentos.

Podiam-se formular muitos outros ainda, pois pode-se dizer que toda a vida, todas as prerrogativas, todas as virtudes da Virgem Sma. exigem a ressurreição de seu corpo e a sua Assunção ao céu!

Repito-o. Não está explicitamente indicado no Evangelho, mas sim implicitamente, porém de modo tão convincente, tão certo, tão lógico, que a dúvida a esse respeito é absolutamente impossível.

 

V. A assunção gloriosa

O corpo da Virgem Santíssima após a sua ressurreição não ficou aqui na terra.

A terra não era digna de possui-lo; era-lhe mister o céu, com a sua glória e a sua felicidade suprema.

Acompanhada pelos anjos, levada sob as suas asas luminosas, Maria Sma. brilha com um esplendor incomparável, seu corpo é transfigurado, glorioso, e penetra no céu, no meio das aclamações da côrte celeste.

As hierarquias afastam-se diante dela, os serafins abrem as suas falanges amorosas, para deixá-la passar; e em presença de toda a côrte celeste, Jesus corôa, ao mesmo tempo, os seus privilégios, as suas virtudes o os seus sofrimentos.

Ela é Rainha, como Jesus Cristo seu Filho, é Rei.

Rainha pelo esplendor de sua perfeição, pois tudo o que não é Deus, é menos perfeito do que ela.

Rainha pela imensidade de sua felicidade, pois toda a felicidade, que há nos santos e em cada um deles, acumula-se e concentra-se em sua alma extasiada.

Rainha pela extensão de seu poder, pois o céu inteiro está prestes a obedecer-lhe, e desde então as abóbadas celestes começam a repercutir os ecos deste hino que não terá fim: À mãe dolorosa do Cordeiro Imaculado, glória, honra, poder, no século dos séculos.

É pois um ponto de doutrina que o corpo de Maria tendo sido elevado ao céu, ali goza de uma glória incomparável,e possui, no mais alto grau, todas as perfeições que possuirão os corpos dos outros bem-aventurados, após o juízo final.

É um ponto de doutrina, que não é ainda dogma de fé, mas que não se pode contestar.

A assunção da Sma. Virgem foi sempre ensinada em todas as escolas de teologia, e não se encontra nenhuma voz discordante entre os doutores.

A Assunção é como uma consequência da encarnação do Verbo.

De facto, ha uma ligação admirável entre os diversos mistérios do cristianismo e a Assunção, como mostrei acima.

Se a Virgem Imaculada recebeu outrora o Salvador Jesus, é justo que o Salvador, por sua vez, receba a Virgem Santa.

Jesus, não tendo desdenhado o descer em seu seio puríssimo, ele deve elevá-la agora, para partilhar a sua glória.

Não nos admiremos que Maria ressuscite com tanta glória, pois Jesus, a quem ela deu a vida terrestre, lhe restitui hoje o que dela recebera.

E como é próprio de Deus o mostrar se sempre o mais magnífico, embora tenha recebido dela apenas uma vida mortal, convém que, em troca, lhe dê uma vida imortal.

 

VI. Conclusão

A conclusão destas considerações pode e deve ser curta.

Para uma alma sincera a discussão é impossível, e perante o bom senso as objeções protestantes se dissipam, porque são sem base e sem resistência.

A Mãe de Jesus, e como tal Mãe de Deus, tem um direito a todas as honras e louvores de que somos capazes. E Deus escolheu-a, entre e acima de todas as mulheres, encheu-a de graça o dignou-se nascer em seu seio virginal. Depois quis ser por ela educado, dirigido, obedecendo-lhe em tudo, como vemos no Evangelho.

Depois desta elevação de Maria à mais sublime dignidade que pode existir, será possível que Deus a tenha repudiado, destronado, rejeitado?

Sabemos que Maria Sma. foi sempre fiel a todas as graças, correspondeu fielmente a todos os convites de Deus, de modo que não houve da parte dela a mínima infidelidade. Ela soube manter-se à altura de sua dignidade de Mãe de Deus.

Ora, é uma lei básica, que nunca Deus se afasta de uma alma, sem que primeiro esta alma se afaste Dele: Aproximai-vos de Deus e ele se aproximará de vós, diz S. Tiago (Jac.4,88)

Como podia ele, pois, rejeitar a ,sua própria mãe? Depois de ter se servido dela, para a realização dos mais sublimes mistérios, depois de a ter elevado acima de todas as criaturas, Ele não pode desprezá-la, e reduzi-la ao nível de qualquer outra mulher.

É impossível!

Seria a maior das ingratidões.

Deus devia, para conservar a harmonia em sua própria obra,continuar a favorecer a Virgem Imaculada, e continuar a exaltá-la, como ele começou a fazê-lo desde a predestinação até a hora de sua morte.

Ora, podendo preservar a sua Santa Mãe da corrupção do túmulo, podendo fazê-la ressuscitar e levar ao céu, corpo e alma, Ele devia fazê-lo.

Deus devia coroar na glória aquela que ele já coroara na terra... e conservá-la perto de Si no céu, como a conservara perto de Si aqui na terra.

Maria, não faltando aos deveres de sua alta e sublime vocação de Mãe de Jesus Cristo, Deus também não podia faltar a seus compromissos para com ela.

E não faltou!

Ele se conservou fiel, enriquecendo, cada vez mais, aquela que já estava repleta de graças, mas cuja plenitude ia se dilatando, na medida de sua cooperação às graças divinas.

E eis porque Deus devia, no fim de uma vida tão repleta de santidade, como a de sua mãe, como consequência de sua Imaculada Conceição e de sua maternidade divina, preservá-la da corrupção do túmulo, fazê-la ressuscitar, levá-la para o Céu, para que ali ela continuasse a ser na glória o que era na terra: a mãe de Deus e a mãe dos homens.

Assim Deus devia fazer.

E ele o fez.

Maria Sma., foi levada ao céu em corpo e alma, participando este corpo virginal das prerrogativas dos corpos glorificados, e lá na glória gozando da posse de Deus, pela visão intuitiva.

A glória, ou beatitude essencial, consiste na visão clara, face a face, da Divindade, porém esta visão está em relação com a santidade de cada eleito.

Em Maria Sma. tal visão devia ser incompreensível, imensa, infinita, pois deve corresponder a três coisas:

À dignidade de Mãe de Deus.

Às graças recebidas durante a sua vida mortal.

À excelência de seus méritos.

Ora, a dignidade de Maria sendo incompreensível, a sua glória o deve ser sob o mesmo título.

As graças de Maria são tão imensas que ultrapassam as graças dadas a todos os Santos juntos.

Os seus méritos estão fora e acima de toda compreensão, pois tendo correspondido a todas as graças, a esta plenitude de graças, corresponde necessariamente uma plenitude de méritos.

Devemos, pois, concluir que a glória concedida por Deus à Maria Sma., é a glória suprema, que pode convenientemente ser concedida a uma pura criatura.

Pela beatitude da Mãe de Deus, conhecemos melhor a grandeza de Deus, a sua santidade, o seu poder, a sua magnificência, do que pela glorificação de todos os santos.

Esta beatitude essencial da Mãe de Jesus não difere, quanto à espécie, da beatitude dos outros santos; entretanto, esta glória é tão intensa, que constitui uma como ordem especial que, depois da visão de Deus e de Jesus Cristo, ocasiona aos bem-aventurados maior felicidade que todos os outros bens de que é repleto o céu.

Tal se nos apresenta Maria na glória do céu.

Sentada à direita de seu Filho querido, (II Reg.II.19) revestida do sol, como no-la descreve o Apocalipse (Ap.12,1) cercada da glória, como a glória do Filho único de Deus, (Jo.1,14) pois é a mesma glória que envolve o Filho e a Mãe!

Como Ele é belo, nesta glória!

Como é suave o seu sorriso de Mãe!

Como ela nos estende os braços, para nos convidar a irmos a ela, e partilhar um dia a sua glória!

 

CAPÍTULO XIV

Maria, Medianeira das graças

Eis um assunto que vai fazer ranger os dentes nos infelizes Batistas.

Maria, Medianeira entre Deus e os homens, bradarão eles, eis o que é o cúmulo, é idolatria, é absurdo, é invenção papal, é pagão... é tudo... o que há de horrível e execrável, porque não é protestante.

Pobres protestantes! que nem enxergais a explosão de ódio que se apodera de vós, o que já é uma refutação aos vossos erros, pois oódio nunca foi e nunca será virtude.

Nós refutamos os vossos erros, porque são erros, mas refutando-os, demonstramos com provas bíblicas, científicas e de bom senso, a verdade oposta a estes erros, enquanto vós blasfemais, procurais refutar a verdade Católica, mas nunca chegais a provar nem um de vossos erros, e dar-lhes pelo menos uma aparência de verdade.

É o caso da verdade de Maria, Medianeira das graças. Gritais contra, citais textos, mas todos estes textos nada provam em contrário.

É como se alguém, para provar que S. João é santo, citasse textos que provam que Judas é traidor e vice-versa.

Mas que relação têm estes textos: provam o que não deve ser provado, e nada dizem do que deve ser provado.

Examinemos bem, de frente e no âmago, esta grande verdade Católica, que Maria é medianeira das graças e vejamos o ridículo das objeções protestantes.

 

I. A objeção protestante

Recolho a objeção do jornal Batista, modelo de ódio anti-cristão e de cegueira fanática.

Leiam bem o pedacinho, e examinem o que provam os argumentos citados:

Em que razões se apoia o Catolicismo para provar o ofício medianeiro da Virgem Maria?

Em puros raciocínios humanos. Entre todas as suas razões, falta justamente a mais necessária e fundamental — a razão bíblica, a razão da carta constitucional do Cristianismo, o N. Testamento.

Esse ensinamento contradiz a Sagrada Escritura que ensina clara e peremptoriamente não só que Cristo é o Mediador, mas que é o único Mediador entre Deus e os homens. Eis apenas algumas passagens:

O Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido. (Lucas,19:10)

E os escribas deles e os fariseus murmuravam contra os seus discípulos (de Jesus) dizendo: Porque comeis e bebeis com publicanos e pecadores? E Jesus respondendo, disse-lhes: Não necessitam de médico os que estão sãos, mas, sim, os que estão enfermos; eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento, (Luc.5:30-32).

Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?

E por isso é Mediador de um novo Testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões, que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebessem a promessa da herança eterna. (Heb.9.:14,15)

E a Jesus, o Mediador d'uma Nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor que o de Abel. (Heb.12:24)

Parte do discurso do apóstolo Pedro, no dia de Pentecostes:

Seja conhecido de vós todos, e de todo o povo de Israel que em nome de Jesus Cristo, o nazareno, aquele a quem vós crucificastes, e a quem Deus ressuscitou dos mortos, em nome desse (ex-paralítico) está são diante de vós: ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça da esquina. E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos». (At.4:10-12)

Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem. (Tim.2:5)

Eu sou o bom Pastor: o bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas. (João,10:9,11)

Eu sou o caminho, e a verdade e a vida.

Ninguém vem ao Pai, senão por mim. (João,14:6)

E no último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios d'água viva correrão do seu ventre. E isto disse ele do Espírito que haviam de receber os que nele crêssem.(João,7:37,39)

Naquele dia pedireis (os discípulos) em meu nome, e não vos digo que eu rogarei por vós ao Pai; pois o mesmo Pai vos ama; visto que vós me amastes, e crestes que saí de Deus. (João, 16:26.27)

Não havendo pois na revelação divina passagem alguma que atribua à Virgem Maria a função de Medianeira entre ela e seu Filho, mas muitas militando em contrário, eis a razão dos mestres do catolicismo, que ensinam tal doutrina, se valerem tão somente de raciocínios humanos, tradições humanas, decisões de concílios, etc., etc.

Causa horror o pensar nos resultados funestos de uma doutrina que desvia as almas do único Mediador e Salvador para outra pessoa que embora bem-aventurada, não foi feita por Deus Mediadora, e que também ela mesma nunca se intitulou como tal, e que sentir-se-ia horrorizada, se soubesse que se deva a ela a honra que só ao seu bendito Filho — Homem e Deus — pertence.

Quanta balbúrdia nesta acumulação de textos que nada provam do que se deve provar, e nada refutam do que deve ser refutado.

Em tudo isso, qual é passagem que prova que Maria Sma. não é Medianeira das graças?

Nenhuma...

Vê-se até claramente que o nosso amigo Batista nem sabe exatamente o que é um Mediador; o que é um Mediador principal, e o que é um Mediador secundário.

Procuremos lançar um raio de luz neste labirinto protestante.

 

II. O único Medianeiro

Para bem compreender a doutrina Católica, é preciso não considerar cada ponto em particular e separado das outras verdades, mas tomar o conjunto das verdades evangélicas.

Uma verdade ilumina outra e, muitas vezes, o que é difícil de compreender separadamente, torna-se luminoso, quando se lhe aproximam outras verdades, que se completam e indicam o seu sentido exato.

E o mal do protestantismo.

ele toma um texto, separa-o do que precede e do que segue, e ei-lo a atribuir a tal texto um sentido completamente contrário do que a quele que tinha em vista o autor Sagrado.

Os textos assim citados pelo jornal Batista provam admiravelmente essa asserção.

Por exemplo, ele cita:

Eu sou o bom Pastor.

Eu sou o caminho, a verdade e « vida, etc.

Que provam taes textos contra a mediação da Mãe de Deus?

Absolutamente nada.

O bom Pastor é a imagem da bondade do Salvador.

Ele é o caminho, a verdade e a vida. É certo, e claro.

Ninguém duvida disso... porque então provar o que não deve ser provado?

Porque não cita o Batista um texto que diga:

Maria não é Medianeira das graças?

Não cita tal texto, porque não existe.

E existirá um texto contrário?

Perfeitamente! mas para quem sabe ler e interpretar, não só a letra que mata, mas o espírito do texto, que vivifica.

O texto mais comprobativo, com que os protestantes julgam abater a asserção Católica, é de São Paulo.

e Só há um Deus, e só ha um mediador entre Deus e os homens.

Esta verdade é repetida diversas vezes pelo Apóstolo. (Gal.3,20 — Heb. 8,6 — 9,15 — 12,24) e este mediador é Jesus Cristo (Tm.2,5).

Ora, este texto de nenhum modo é aplicável a Maria Sma., como vou prová-lo aqui.

Nós, católicos, aceitamos este texto integralmente e em seu sentido claro e positivo,

A Igreja Católica proclama em toda parte que só há um Mediador entre Deus e os homens, e esto Mediador é Jesus Cristo, e isto pela razão admiravelmente exposta pelo Apóstolo.

O Cristo nos deu um novo Testamento.

Mas onde há um testamento, é necessário que intervenha a morte do testador; pois o testamento não se confirma, senão quanto aos mortos. (Heb,9,16-17)

Ora, o Cristo ofereceu-se, morreu, derramando o seu sangue divino.

Logo, Ele é Mediador do novo Testamento (Ibid 9,15)

Até aqui não há discussão: católicos e protestantes estão de acordo.

Mas os católicos vão adiante e invocam a Imaculada Mãe de Deus, como Medianeira das graças.

Será possível isso?

Porque não? E os protestantes, refletindo um pouco, serão obrigados à conceder o que ilogicamente combatem.

Maria é Medianeira das graças.

 

III. Jesus e Maria na mediação

Procuremos compreender bem a diferença infinita entre a mediação de Jesus Cristo e a de Maria Sma.

É a confusão desta diferença que exalta nossos amigos protestantes e lhes dita as ridículas objeções que nos apresentam.

Primeiramente, que é um Medianeiro?

É uma pessoa que está no meio, entre duas outras pessoas, para uni-las.

Para isso, duas coisas são necessárias: estar no meio, e ter por ofício unir os dois extremos.

Sempre os extremos se unem no meio. (1)

Alguém pode exercer este ofício de dois modos:

1. Como agente principal e perfeito (principaliter et perfecte).

2. Como encarregado de preparar os caminhos (ministerialiter et dispositive).

Vê-se logo a diferença entre estes dois ofícios.

O primeiro é de ser o meio, o medianeiro por direito, pela sua própria posição.

O segundo é de ser nomeado para realizar ou preparar uma união.

O primeiro medianeiro é principal.

O segundo medianeiro é secundário.

O primeiro é necessário.

O segundo é útil.

Elucidemos isso com um exemplo popular.

1) Ad mediatoris officium proprie pertinet conjungere et unire eos inter quos est mediator, nam extrema uniuntur in medio. (S. Tom.q.28.a1)

Entramos numa casa de comércio, e aí encontramos o dono da casa e o caixeiro.

O dono é o medianeiro principal, necessário, perfeito, entre o comprador e a mercadoria a comprar.

O caixeiro está igualmente vendendo mercadorias, mas como medianeiro secundário, como encarregado, útil.

Negociando com um deles, estamos satisfeitos, e nem sequer nos lembramos de que o dono é o único mediador de compra, e que o seu caixeiro é um mediador nomeado, encarregado de vender fazendas.

Sentimos ser natural que ao lado do dono haja um ajudante, e compramos das mãos deste ajudante com a mesma confiança que das mãos do dono.

Pois bem, tal é, com toda a imperfeição da comparação, o ofício do medianeiro principal e do secundário.

Jesus Cristo é o único Medianeiro entre Deus e os homens. É certo: ele é mais que Medianeiro, ele é o Senhor, é o Mestre, é Deus.

Fazendo-se homem, lhe aprouve nomear a Virgem Santíssima, a sua auxiliar: auxiliar secundária, não necessária, mas sumamente útil.

Porque os protestantes aceitam tal medianeiro perto dos homens e não a aceitam perto de Deus?

A mediação do auxiliar de comércio em nada prejudica, altera ou diminui os direitos e o ofício do dono da casa... porque tal auxiliar, não age por conta própria, mas sim por conta de seu senhor, e segundo as suas ordens.

Assim a Mediação secundária de Maria Sma., em nada prejudica, altera ou diminui a autoridade de Jesus Cristo, pois ela não age por conta própria, mas de acordo com Jesus, e sob a direção de Jesus.

Jesus Cristo fica bem o único Medianeiro entre Deus e os homens, como o dono da casa comercial fica o único dono dos bens de sua casa.

Maria Sma. é auxiliar, é encarregada por Jesus Cristo deste ofício, ficando em segundo plano, e agindo em tudo de acordo com o seu divino Filho.

Como poderia pois a sua mediação ser prejudicial à de Jesus Cristo?

É impossível... É até ridículo supô-lo.

Eis o que fazem os protestantes. Não compreendendo nem os termos, nem o ofício, nem a união, começam logo a atacar o que não compreendem.

A mediação de Maria Sma., ministerialiter et dispositive, é o complemento natural da mediação soberana, principal e perfeita de Jesus Cristo.

Estas duas mediações unem-se para operar a grande reconciliação entre Deus e os homens.

O que acabamos de ver, da união de Maria Sma. com seu divino Filho, como Medianeira, secundária, de ofício, nos dá a razão porque a Igreja chama-a Medianeira perto do Cristo Mediador. São as palavras de São Bernardo e de sua S. Santidade o Papa Pio IX, na Bulla Ineffabdilis.

A Virgem Santissima, diz este Pontífice, é quem tem mais poder, no mundo inteiro, perto do Unigênito Filho, como medianeira e Consoladora.(2)

2) Beatissima Virgo est totius terrarum orbis potentissima apud unigenitum Filium suum Mediatrix et Consolatrix.

Diz-se que ela é: Medianeira, perto do Cristo Mediador— Mediatrix ad Christum Mediatorem, para melhor destacar a sua mediação secundaria (ministerialiter et dispositive).

Pode-se dizer que ela é a Medianeira entre Jesus Cristo e os homens, como Jesus Cristo é o mediador entre Deus e os homens.

Estas expressões têm necessariamente a mesma significação, pois Jesus Cristo sendo Deus, desde que Maria é Medianeira entre o Cristo e os homens, ela é necessariamente Medianeira entre Deus e os homens.

O termo: "entre Jesus Cristo e os homens", exprime melhor a sua mediação ministerial, secundária e afasta a ideia de querermos igualar a mediação da Virgem Santa à mediação de Jesus Cristo.

Jesus Cristo é o medianeiro, o único medianeiro, porque sé Ele pela sua natureza divina e humana está no meio entre Deus e os homens, Sé Ele junta em sua única pessoa divina os dois extremos: Deus e o homem.

Maria Sma. é simples criatura, mas uma criatura elevada por Deus à mais sublime honra: à honra de Mãe de Deus, e pela sua maternidade divina, ela fica unida a seu Filho, para a realização da redenção do mundo...

A consideração desta nova obra vai revelar novas verdades, e pôr em nossas mãos novos argumentos, aparentemente desconhecidos pelos protestantes.

 

IV. Maria na obra Redentora

Os erros dos protestantes a este respeito provêm de uma lamentável confusão na obra da redenção.

Eles representam; a redenção como sendo obra exclusivamente de Jesus Cristo. como Deus, reduzindo a participação de Maria Sma. à parte que as outras mães têm no nascimento de seus filhos.

Para eles, Jesus nasceu de Maria Sma. — Maria, dequa natus est Jesus, qui vocatur Christus (Mt.1,16).

Não negam este ponto fundamental, porque está em plenas letras no Evangelho, falsificando, entretanto, a significação do nome: Cristo — para fazer de Maria Sma. a mãe de um homem e não Mãe de Deus. Ora, Jesus Cristo é homem, mas nunca foi um homem, faltando-lhe, para isso, a pessoa humana.

Os protestantes pretendem que Maria deu à luz o Cristo, como a mãe de Rui Barbosa deu à luz este filho, ou como Santa Mônica deu à luz Santo Agostinho, ou como Margarida Zigler deu à luz Martinho Lutero.

Indiretamente, a mãe de Ruy Barbosa teve qualquer influência sobre as letras brasileiras, como Santa Mônica a tem sobre o tratado da graça, escrito pelo filho, ou como a mãe de Lutero tem indiretamente uma influência sobre a fundação do protestantismo; e pronto: nada mais,

Para eles, Maria Sma. teria esta mesma influência indireta, remota, sobre a redenção e nada mais.

Jesus nasceu de Maria. O Evangelho nô-lo mostra na casa de Santa Isabel, perto do presépio; em Caná, ao pé da cruz; com os Apóstolos no dia de Pentecostes; mas, concluem eles: que relação tem isto com a redenção e com a salvação?

Pobres cegos,não enxergam eles que a Redenção é uma obra toda diferente das obras humanas; é uma obra divina e, como tal, forma uma unidade perfeita em todas as suas partes.

A obra Redentora — e este ponto é o eixo sobre o qual giram todas as outras obras divinas — a redenção não é simplesmente a paixão e a morte do Salvador, como o pensam os protestantes, mas é o conjunto de tudo o que se refere a ela, na preparação, na execução e na aplicação.

A obra Redentora, nos desígnios divinos, é uma só: é a nossa salvação por Jesus Cristo.

A Encarnação e os diversos mysterios de Jesus Cristo; são unicamente orientados para a Redenção.

A redenção é orientada para a nossa salvação.

É uma obra única, constando de duas partes.

Há a Encarnação, a vida e a morte de Jesus, para resgatar-nos, reconciliar-nos com Deus, e nos merecer as graças necessárias, que cada um receberá na hora oportuna, durante a vida.

Há depois as graças particulares que nos são preparadas, em vista dos méritos de Jesus Cristo, e que formam como a trama da nossa vida sobrenatural.

Sendo certo que Maria teve a sua parte, ao lado de Jesus, na obra Redentora, pelo fato mesmo, ela deve ter parte na obra da nossa salvação e em todas as graças que nos são dadas, em vista do Redentor, pois tudo isso é uma única e mesma obra Redentora.

Nenhum protestante de boa fé pode negar esta unidade completa da obra divina!

Tudo isso é ligado à maternidade divina.

Na ocasião da Encarnação, que é que o Anjo S. Gabriel, em nome de Deus, negocia com a Virgem de Nazaré?

Que é que ele propõe a Maria?

Será uma coisa particular, pessoal?

Pede o Anjo que Maria consinta em dar à luz o Filho de Deus, ficando este, depois, livre de salvar o mundo como ele entender, tendo sido Maria um mero instrumento cego, uma espécie de máquina automática, que se rejeita depois, como se corta e rejeita uma bananeira que deu cacho?

Tudo isso seria sumamente ridículo e indigno de Deus... E é o contrário que ressalta da simples leitura do Evangelho.

O anjo não se limita a falar da grandeza pessoal de Jesus, mas o apresenta como Salvador, Messias esperado, Rei da humanidade, Redentor...

Este (filho: Jesus) será grande, diz o Arcanjo... O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi... reinará eternamente. Será chamado Filho de Deus (Lc.1,32)

Eis a grandeza pessoal de Jesus.

Na ocasião do nascimento, os Anjos diziam aos Pastores: Nasceu-vos um Salvador, que é O Cristo Senhor (Lc.1,41)

E São Simeão disse Dele: Meus olhos viram a tua Salvação (Lc.2,20).

Eis que este menino está posto para ruína e para a ressurreição de muitos em Israel e para ser alvo da contradição (Lc.1,34).

Sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo (Jo.4,42).

Encontramos o Messias, que quer dizer o Cristo (Jo.1,41)

Eis a missão de Jesus.

E Maria, devendo ser a mãe de Jesus, o é necessariamente de Jesus inteiro, de Jesus, como pessoa e como enviado de Deus.

O Arcanjo lhe propõe, deste modo, cooperar à Salvação da humanidade, à obra messiânica, ao estabelecimento do reino anunciado, numa palavra: a obra Redentora.

E tal é a razão, por que Maria é cheia de graça, e bendita entre todas as mulheres (Lc.1,28)

Não se pode distinguir em Jesus a pessoa privada, da qual Maria seria a mãe, e a pessoa pública, na obra da qual a sua mãe teria apenas uma ligação indireta e remota, como pretendem os protestantes.

Pelo fato de sua cooperação à Encarnação, Maria Sma. cooperou à obra Redentora, e isso de um modo próximo e direto.

A Encarnação é a redenção principiada.

Cooperar à Encarnação é pois cooperar diretamente à redenção.

E cooperar à redenção é cooperar à nossa Salvação.

Deste modo nós somos devedores à Maria de Jesus inteiro: E Jesus como resgate e como fonte de todas as graças.

Não é a Encarnação que nos salva, sem dúvida; mas, sim, a morte do Verbo Encarnado.

Porém notemos que o Verbo se encarnou para morrer.

E este Jesus Encarnado para morrer nos é dado por Maria.

Logo, Deus dando-nos Jesus por Maria, nos dà tudo por Maria e esta é verdadeiramente a medianeira entre Deus e os homens, ao lado, embora em baixo, de seu Filho Jesus.

 

V. Maria na obra Santificadora

Maria, presente na obra Redentora, deve igualmente estar presente na obra santificadora dos homens; pois a segunda obra é a continuação da primeira, e deve como tal obedecer aos mesmos princípios e às mesmas diretivas.

Como acabamos de ver: Maria é indissoluvelmente unida a Jesus, na obra da nossa Redenção.

Ora, a influência de Jesus não pára na hora de sua morte. Sabemos que, no céu, Ele não cessa de oferecer os seus méritos, para obter-nos as graças de santificação e de salvação.

Logo, é preciso admitir a ação de Maria, perto de Jesus, no céu, como ela agia perto dele, na terra.

Se assim não fosse, o termo não corresponderia ao começo, haveria uma espécie de discordância entre as diversas partes do plano divino, haveria uma cisão em sua unidade.

A obra Redentora não é uma obra feita, uma vez para sempre, pelo Salvador, ficando ao encargo de Deus o distribuir as graças merecidas pelo sangue divino, enquanto Jesus Cristo ficaria na glória do céu, como indiferente a esta distribuição, e indiferente para as almas que resgatou uma primeira vez.

É outro erro protestante, acerca da Salvação,

A verdade é que Jesus Cristo continua a intervir perto de Deus por nós; é ele quem faz jorrar e quem esparge as ondas da graça sobre as almas resgatadas pelo seu sangue.

Meu Pai opera, disse Jesus aos judeus que o perseguiam, e eu opero também (Jo.5,17).

O Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o poder de julgar (Jo.5,22).

Tudo o que fizer o Pai, o faz igualmente o Filho (Ibd.19).

Ora, Jesus não estava só nesta primeira parte da obra: Maria estava com ele. Erat Mater Jesu ibi (Jo.2,1).

Se Ele estivesse só na segunda parte, a unidade do plano divino estaria rompida, o que não pode ser.

Logo, é necessário que a intervenção atual de Maria se una à intervenção atual de Jesus.

Eles estavam juntos no trabalho; juntos devem estar na glória...

Se o Rei do céu age ainda para nós, a Rainha devo agir junto com ele.

Uma coisa estranha seria, se o papel de Maria terminasse à porta do céu, o que se ali ela fosse de menor importância do que aqui na terra...

Ela seria uma mãe, que deixa de ser mãe!

Ela seria uma Rainha, sem cetro e sem reino!

Ela, que estava cheia de graça, na terra, não estaria cheia de glória, no céu!

Mas caem por terra todos os raciocínios do bom senso, da ciência e as revelações da fé!

A teologia nos ensina que a glória do céu é a coroação da graça, de tal modo que uma plenitude de graça, na terra, exige uma plenitude de glória no céu.

E Maria, Mãe de Deus na terra, deixaria de o ser no céu?

Neste caso ela teria sido mais na terra do que no céu, e em vez de o céu coroar a sua graça na glória, Ele lhe arrancaria da fronte o seu diadema mais glorioso!

Oh! por favor, cale-se pobre protestante! deixe de blasfemar... Uma tal suposição é simplesmente horrível, indigna de Deus e indigna de sua Justiça.

Não, não! nunca uma tal blasfêmia pode ser aceita por um homem de bom senso, por um cristão.

* * *

 

Aliás, o próprio Evangelho nos insinua claramente o contrário, mostrando-nos que Maria Sma. continua no céu o que ela já fez na terra.

Deus não a utilizou somente na Encarnação e no Calvário. É carregado nos braços de sua mãe, e como pela sua voz, que Jesus faz sentir as suas primeiras influências, santificando São João Batista.

Ela está ao lado do presépio, para receber e introduzir os primeiros adoradores.

Ela está em Caná, para obter de Jesus o primeiro milagre, que confirmou os seus primeiros discípulos.

Ela está no Cenáculo, o berço da Igreja nascente, como Rainha e Mestra dos Apóstolos.

Vemo-la em todas as fases importantes da vida de Jesus Cristo; nas quais Ele comunica as suas graças e atrai as almas a Deus.

Não é isso um sinal bastante claro dos desígnios de Deus?

A tradição Católica, apoiada sobre os fatos evangélicos, nunca hesitou, e nestes fatos ela reconhece os indícios da verdade, para afirmar publicamente a intervenção de Maria Sma. na distribuição das graças, em outros termos, ela aclama a Virgem Santa como Medianeira de todas as graças.

 

VI. Dupla mediação de Maria

Maria é pois verdadeiramente a nossa Medianeira, e isto em dois sentidos.

Num primeiro sentido, para salientar, de um modo geral, que ela está ao lado do Mediador, que é Jesus Cristo, na obra da nossa reconciliação com Deus, de nossa santificação e da nossa salvação.

Num segundo sentido, como Medianeira entre Jesus e nós, para dar-nos Jesus, e com Jesus dai-nos todas as graças da redenção; para conduzir-nos a Jesus, interceder por nós e atrair sobre nós a sua misericórdia e os seus favores.

Tal é o duplo sentido da Mediação da Virgem Santa:

Uma mediação geral, com Jesus, entre Deus e os homens.

Uma mediação particular, entre Jesus e os homens.

Para refutar os erros protestantes a este respeito, repitamos que isso não significa, de modo algum, que nós aceitamos um Mediador, ao lado do Mediador único, ou que a mediação de Jesus nos parece insuficiente, ou que atribuímos qualquer coisa a Maria, fora de Jesus.

Nada de tudo isso. Maria está ao lado de Jesus—Mediador, para constitui-lo Mediador perfeito neste sentido que Ele ocupa na obra da mediação da vida a parte que Deus lhe outorgou; como Eva estava ao lado de Adão, na mediação da morte.

Em ambos os sentidos aqui indicados o nome de Medianeira inclui para Maria Sma., a dupla cooperação à obra Redentora, acima exposta: cooperação, pela sua ação, na terra; cooperação pela sua intercessão, no céu.

Estas duas mediações são universais, como ó universal a mediação de Jesus, e se estendem a todas as graças que nos são concedidas em vista de Jesus.

Compreende-se logo esta universalidade, lembrando-se da unidade da obra Redentora, e da união indissolúvel entre Maria e Jesus no plano da redenção e salvação pelo Filho de Deus.

Quem nos deu Jesus, como autor de todas as graças, nos deu, pelo fato, todas as graças que Jesus veio merecer-nos.

Quem teve um tal papel no grande dom de Deus, não pode ficar sem influência atual na distribuição da graça, pois a graça é como a extensão e o prolongamento de Jesus até nós.

Quem, em toda parto, foi medianeira com Jesus, não pode cessar de unir a sua ação ao próprio ato pelo qual Jesus exerce a sua mediação.

De qualquer lado que se contemple a mediação de Jesus Cristo, na terra como no céu, no resgate ou no merecimento, na redenção ou na santificação, em toda parte, encontra-se a mediação de Maria, unida à mediação de Jesus Cristo.

* * *

Tal é a bela e consoladora doutrina que nos transmitem os Santos Padres e Doutores da Igreja, e o fazem com uma firmeza, uma convicção que mostram que tal foi sempre a tradição católica, e uma tradição tão universal, que mui raramente foi contestada, senão por hereges.

Numa das orações da festa da medalha milagrosa, a Igreja adota integralmente esta opinião, dizendo: Senhor, Deus onipotente, que quisestes que recebamos todos os bens pela Mãe Imaculada de vosso Filho, (3) concedei-nos, pelo auxílio de uma mãe tão poderosa, etc.

3) Festa da medalha milagrosa — 27 Nov.- Postcom.

São conhecidos as belas palavras do São Bernardo, quo resumem toda esta doutrina: Deus pôs em Maria a plenitude de todo bem; em consequência não esqueçamos que toda a nossa esperança, de graça, e de salvação, nos vêm dela; e que é como a da super-plenitude deste canal de bênção que se derrama sobre nós.(4)

4) Altius ergo intueamini, quanto devotionis affectu a nobis eam voluerit honorari, qui totius boni plenitudinem posuit in Maria: ut proinde si quid spei in nobis est, si quid gratiae, si quid saiutis, ab ea noverimus rodungare Serm. Aquaeducta n.6).

Citemos ainda este belo trecho de São Bernardino de Senna, que resume todo o mecanismo da transmissão da graça:

"Todas as graças transmitidas aos homens neste mundo, lhes chegam por uma tríplice processão: Elas vão do Pai ao Cristo, do Cristo à Virgem Santa, da Virgem Santa a nós.

De fato, desde o momento em que Maria concebeu em seu seio o Filho de Deus, ela goza de uma espécie de jurisdição ou de autoridade sobre todas as processões temporais do Espírito Santo, de modo que nenhuma criatura recebe de Deus graças, senão pela mediação de Maria.

É o que a piedade cristã exprime neste axioma clássico: "Tudo para Jesus, nada sem Maria".

 

VII. Conclusão

Grandes e sublimes verdades passaram diante de nosso Espírito.

Verdades certas, irrefutáveis, mas que entretanto não constituem dogma de fé, porque a Igreja não as definiu ainda.

Convém notar que uma verdade não é menos certa e menos provada, por não ser ainda declarada dogma de fé, pela autoridade infalível da Igreja.

A Igreja não a definiu ainda, porque não há discussão a dirimir sobre este ponto. Poucos são os inimigos, afora os protestantes, que contestam este título de Maria, como Medianeira de todas as graças.

Os dogmas desenvolvem-se subjetivamente, isto é, pelo conhecimento mais amplo e mais profundo que vamos adquirindo deles, pelo estudo, os ataques e as discussões, embora fiquem imutáveis objetivamente, isto é, tais quais são em si mesmos.

Entre as verdades mais proximamente definíveis, figuram, de certo, a Mediação universal de Maria e a sua gloriosa Assunção.

Estas verdades explicitamente transmitidas pela tradição estão implicitamente contidas no dogma da Imaculada Conceição e da maternidade divina e espiritual de Maria, donde se vão separando, à medida que são estudados, como mais profundidade pelos teólogos.

Terminemos este Capítulo, resumindo em poucas palavras, o modo pelo qual se faz a mediação da Virgem Santa.

A intervenção atual de Maria, em nosso favor, não tem por efeito produzir a graça, o que só pertence a Deus, mas sim de obtê-la e de contribuir para isto.

Tal intervenção não se exerce senão na ordem da salvação.

Quando se lhe pede e dela alcança favores temporais, a influência de Maria é sempre de conduzir os homens ao seu fim sobrenatural.

E como exercer esta influência salutar de Maria?

Principalmente, por modo de intercessão, pelas suas preces.

É pelas suas súplicas, sobretudo, que a Virgem Imaculada inclina continuadamente o coração do Filho a aplicar os frutos de seu sangue, e a misericórdia do Pai, em infundir nas almas os dons do Espírito Santo.

E estas súplicas da Mãe de Deus se apoiam sobre um duplo motivo: primeiramente, sobre os merecimentos de seu Filho e, secundariamente, sobre seus próprios merecimentos.

Podemos nos aproximar de Deus com confiança, tendo o Filho por Mediador perto do Pai, e Maria por Medianeira perto do Filho.

O Filho mostra ao Pai as suas chagas e o seu lado aberto.

A Mãe apresenta ao Filho as entranhas que o geraram, o seio que o alimentou — suplica esta que supera as súplicas dos Anjos e dos homens.

A súplica de Maria apoia-se secundariamente sobre seus próprios merecimentos. Não sobre novos merecimentos que ela adquire no céu, pois os santos no céu são incapazes de méritos, mas, sim, sobre os merecimentos adquiridos por ela, durante a sua vida terrestre, e que ao deixar este mundo, ela apresentou a Deus.

Tais méritos já receberam uma recompensa, pela sua entrada no céu, porém, das três partes de que é composto o mérito: parte meritória, satisfatória e impetratória, só a parte meritória recebeu esta recompensa, de modo que ela continua a interceder para os homens, pela parte satisfatória e impetratória de seus merecimentos.

Os caracteres distintivos desta intercessão é de ser irresistível ou onipotente, de tal modo que os Santos chamam Maria Omnipotencia suplex, a onipotência suplicante.

Em segundo lugar a mediação de Maria é universal, não conhecendo limites, nem para o tempo, nem para o espaço, nem para o número, nem para a espécie de graças.

Os seus benefícios se estendem a todos, diz a Igreja em uma de suas antífonas: Sentiant omnes tuum juvamen!

* * *

Eis, em síntese, a bela e harmoniosa doutrina da Mediação universal de Maria Sma.

Se os amigos protestantes, escutando menos o ódio de sua seita, que o bom senso de sua razão e a narração evangélica, meditassem bem esta doutrina, eles compreenderiam quanto ela se afasta da mesquinha e odienta concepção que eles tem de tal Mediação.

Compreenderiam que os católicos, longe de contrariar o texto de São Paulo, que proclama que só ha um mediador entre Deus e os homens, destacam este texto e põem-no em plena luz, admitindo o único mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, o único Redentor da humanidade.

Mas, do mesmo modo que Deus colocou ao lado deste único Redentor a Virgem Imaculada, como a auxiliar ministerial desta redenção, fazendo dela, não uma Redentora, mas uma auxiliar ou co-Redentora; assim na obra da santificação das almas Deus colocou a mesma Virgem como auxiliar, ou co-medianeira, entre Deus e os homens, e como medianeira especial entre Jesus Cristo e os homens.

Tal é a doutrina lógica, suave, racional e bíblica, que a Igreja professa, e que é como a base do culto de amor e de confiança, que os seus filhos dedicam à Virgem Santíssima.

Oh! em vez de blasfemardes a bondade de Deus, que nos deu uma intercessora tão poderosa e tão carinhosa, invocai-a, implorai-a, pobres protestantes, para que ela dissipe as trevas de vosso Espírito, e faça brilhar diante de vosso coração este amor divino que Jesus vem trazer ao mundo, mas que Ele comunica pelo intermédio de sua mãe querida.

 

CAPÍTULO XV

Uma síntese final

Embora cada Capítulo, como sendo a refutação de um erro determinado e a exposição da verdade oposta, tenha a sua conclusão própria, o conjunto destas refutações exige uma conclusão, uma breve síntese final das polêmicas, para que o leitor possa abranger, num relance, toda a doutrina aqui exposta.

Não pretendo repetir as teses neste capítulo, mas apenas assinalá-las, para que o leitor possa imediatamente encontrá-las no capítulo indicado.

Uma tese não se resume, sem perder a força e a coesão de sua argumentação.

Este capítulo terá, entretanto, a vantagem de relembrar em substância a tese já lida, e reavivar as primeiras impressões desta leitura, nas horas que não seria possível relê-las em inteiro.

 

I. O ódio protestante

É triste escrever um tal livro, para refutar erros, não somente grotescos e absurdos, mas sobretudo erros voluntários, inventados pelo ódio, pela inveja e pela mais estupenda contradição com o bom senso.

Que os protestantes, levados pela sua ilusão ignorante, ataquem a Igreja Católica, caluniem o Papa e os Padres, ridicularizem o culto, os Sacramentos e as cerimônias.. é tristemente ridículo, porém há uma explicação plausível.

Eles atacam o que ignoram!

Eles blasfemam o que não compreendem!

Eles ridicularizam o que é exterior, sem penetrar no Espírito que vivifica.

Há uma explicação para tudo isso; pois os pastores protestantes, desde Lutero até boje, acumularam tantas calúnias, escreveram tantas mentiras e falsificaram tantos fatos, que um pobre protestante sincero, para desvencilhar-se de tantos preconceitos, precisa ser portador de uma inteligência pouco comum, de uma perspicácia mui penetrante e de um amor à verdade, que supere todos os interesses, senão ele será a vítima, talvez involuntária, de seus pais e irmãos na fé.

Mas o que é triste... tristíssimo, é que tais protestantes atacam a própria Mãe de Deus!

Atacar, blasfemar, rebaixar a Mãe deste Jesus Cristo que pretendem adorar!

Isto é o cúmulo da insensatez!

Querer agradar a Jesus Cristo e conspirar contra a sua mãe puríssima!

Que contra bom senso!

Aclamar o filho e lançar no lodo a mãe!

É um mistério de perversidade!

Oh! pobres e infelizes protestantes... refleti, refleti... lede o Evangelho; mas lede inteiro, tal qual ele é, deixando-lhe o seu sentido claro, positivo, e não lhe dando uma interpretação que o deturpe e o faça dizer o que pensais vós, e não o que pensa nem disse o Espírito Santo.

Que mal vos fez a Mãe de Jesus?

Porque este ódio contra uma Criatura elevada por Deus, exaltada por Ele, aclamada por Ele, e posta por Ele diante da humanidade sofredora, para consolá-la, sustentá-la e levá-la a Deus?

Porque este ódio contra a Virgem puríssima?

Porque não atacais S. Paulo, os Apóstolos, Madalena, Marta, Lázaro, Zaqueu, Nicodemos, as santas mulheres?

Porque escolhestes Aquela que é tão intimamente unida a Jesus Cristo, aquela de quem Ele tomou o corpo e o sangue que devia imolar para a salvação do mundo?

Porque concentrar o vosso ódio sobre a cabeça aureolada de pureza, de amor e de glória desta mulher Bendita?

Que mistério tenebroso é este?

Recitais o Pai Nosso, porque está no Evangelho e rejeitais, como blasfematória, a Ave Maria que também está no Evangelho.

Porque isso?

Porque razão um seria menos digno do que o outro, desde que ambas estas preces caíram dos lábios do Espírito Santo?

Porque, após a recitação do Pai Nosso, não juntais, como nós o fazemos, esta bela saudação transmitida por São Lucas?

Ave, cheia de graças, o Senhor é convosco,

Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus (Lc.1,28.42).

Recitai esta prece e sereis católicos.

Rejeitando-a não passais de pobres hereges, pois rejeitais o Evangelho.

 

 

II. Realização de uma profecia

Deus é justo, e esta justiça estende-se a todas as criaturas e através de todos os tempos.

Há mais de 19 séculos, que se encontraram um dia, perto de Hebron, duas primas, sendo uma delas senhora idosa, já no declive da vida; e a outra uma jovem, pura, formosa, revestida de todos os encantos da terra e do céu, da natureza e da graça.

Saudaram-se afetuosamente, quando de repente, a mais idosa fica repleta do Espírito Santo e exclama: Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre.

Donde me vem a dita que a Mãe do meu Senhor venha ter comigo? (Lc.1,22)

Era Isabel, a Esposa de Zacarias, a mãe do precursor João Batista.

Diante desta saudação tão extraordinária, tão estranha, a jovem de 17 anos não se perturba, não se admira... ao contrário ela se sente digna destes louvores e, com a mesma firmeza, com a mesma convicção que a sua prima idosa, esta menina de 17 anos, que ignora ainda o que é a vida e o que é o futuro, esta menina cândida, inspirada pelo mesmo Espírito Santo, lança para o céu, e através dos séculos, esta estupenda profecia:

Eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada. (Lc.1,48).

Ouvistes, pobres e infelizes protestantes?

Todas as gerações deverão aclamar a Virgem Santíssima, pois é ela que proferiu esta inefável profecia... ou melhor: foi o Espírito Santo que a pôs sobre os seus lábios.

Maria Sma. tem que ser chamada Bem-aventurada por todas as gerações.

Como tenho provado nestes livro, desde esta hora, desde a voz de Isabel, que ecoou através do vale de Hebron, e acima das montanhas da Judeia, até aos nossos dias, um brado uníssono, imenso, penetrante, ecoa por cima deste mundo, proclamando a glória da Mãe de Deus.

Os primeiros séculos, desde os Apóstolos até Lutero, estão repletos dos hinos em honra de Maria Imaculada.

Lede os primeiros capítulos deste livro...

Escutai os brados de amor dos Santos Padres exaltando a Mulher Bendita!

Recolhei as inúmeras passagens em que os Santos de todos os séculos aclamam a Virgem Santíssima!

É a realização da profecia citada!

Mas, para que a plena luz ilumine as verdades, é preciso que haja sombras que a façam destacar, lhe deem relevo, saliência, vida.

E isto se faz pelos erros, pelas heresias.

Nos primeiros séculos, os corações pareciam iluminar a fronte da Imaculada.

Os erros nascem, como sombras, num quadro cheio de luz. A refutação a estes erros fez descobrir novas verdades, fez compreender melhor as verdades já conhecidas, e pôs em pleno relevo verdades um tanto esquecidas.

É o que aconteceu com a Virgem Santíssima.

O protestantismo levantou a sua mão sacrílega contra a Virgem Imaculada, negando a sua pureza virginal, a sua dignidade de Mãe de Deus e dos homens, a sua Mediação universal, a sua Assunção gloriosa, o seu poder perto do seu Filho.

Quiseram os pobres infelizes arrancar o diadema glorioso que Deus pusera sobre a fronte da sua Mãe, e eis que a Catolicidade, e eis que a Igreja, amorosa e ciosa da grandeza da Mãe de Deus e Mãe sua, levanta-se, em peso, para repelir os ataques, refutar as heresias e fazer resplandecer mais radiantes as prerrogativas da Virgem Santíssima.

Deste modo os infelizes protestantes se tornaram os panegiristas involuntários e indiretos do Culto da Mãe de Deus.

Quiseram rebaixar a excelsa Rainha do Céu, mas os súditos desta última explicaram a doutrina verdadeira, abrindo aos olhos de todos novos tesouros, fazendo resplandecer novos títulos.

Os protestantes também são deste modo, obrigados a proclamar bem-aventurada aquela que Deus proclamou bendita entre todas as mulheres!

Que terrível castigo para sua bárbara impiedade!

Foi neste ambiente e sob este impulso que nasceu o presente livro.

Ele é uma resposta à impiedade e à ignorância protestante.

Em meus outros livros recolhi as objeções feitas por eles, contra o culto da Mãe de Deus, e dei-lhes, à medida que se apresentaram, a resposta necessária.

Tais respostas receberam contra-respostas, mostrando cada vez mais o ódio acumulado, concentrado, contra a Virgem Santíssima.

Deus o permitiu, para decidir-me a dar-lhes uma resposta completa, doutrinal, tomando o assunto pela base e de frente, e refutando, uma por uma, todas as heresias que a ignorância e o ódio lançam contra o trono da Imaculada.

 

III. A base da Verdade

O leitor terá notado que dei lugar saliente ao grande dogma da Imaculada Conceição, provando completamente esta grande e sublime verdade, sob os diversos aspectos que se apresenta.

Depois de ter mostrado, no primeiro capítulo, que o Culto de Maria Sma. é um Culto completamente evangélico, praticado pelos apóstolos, pela primitiva Igreja e pelos cristãos dos primeiros séculos, concentro a atenção sobre a Imaculada Conceição de Maria, por ser esta verdade como o fundamento de todos os seus privilégios.

Poderá ainda haver dúvida no Espírito do leitor sincero?

Parece-me impossível.

Esta verdade provada pela teologia (cap. II), pela Sagrada Escritura (Cap. III), pelas palavras do Arcanjo (Cap. IV), pela tradição (Cap. V) forma o pedestal granítico, inabalável do grande dogma católico, exposto e discutido no Capitulo VI).

É impossível percorrer estas provas, ler estas citações tão belas e luminosas dos Santos Padres, sem sentir, e como que apalpar a verdade sempre ensinada, defendida e proclamada solenemente pela Igreja Católica.

Tal é a base de toda a polêmica a respeito da Mãe de Jesus.

Provado que Maria foi preservada do pecado original, em previsão da sua maternidade divina, provadas estão a sua pureza perpétua e todas as outras prerrogativas que adornam a sua fronte virginal.

Aliás, como se pode ver no Cap. VII, os próprios protestantes inteligentes e sinceros fazem-se os defensores desta verdade, condenando seus próprios irmãos de heresia, e tratando-os de hereges e obcecados.

Cito aqui mais uma vez este belo soneto doutrinal, escrito pelo próprio demônio, por ordem de dois Santos religiosos.

É um monumento único, sublime, do dogma da Imaculada Conceição:

Filho,

Mãe verdadeira eu sou, de um Deus que é

e d'Ele filha sou, bem que sua Mãe;

Ab aeterno nasceu, mas é meu Filho,

Bem que nasci no tempo, eu sou sua Mãe.

 

Ele é meu Criador, mas é meu Filho,

Sou criatura sua, e sua Mãe;

Prodígio foi divino, ser meu Filho,

Um Deus eterno e ser eu sua Mãe.

 

comum é quase o ser, à Mãe e ao Filho;

Porque do Filho, teve o ser a Mãe,

E da Mãe teve o ser também o Filho.

 

Ora, se o ser do Filho teve a Mãe;

Ou se dirá que foi manchado o Filho,

Ou sem labéu se há de dizer a Mãe.

 

IV. Erros e contradições

A impiedade protestante, no intuito miserável de rebaixar a Virgem Santíssima e de contradizer a Igreja Católica, foi inventando os irmãos de Jesus, baseando-se sobre a palavra irmão empregada no Evangelho, e esquecendo-se que tal palavra é um termo genérico que abrange todos e quaisquer parentes.

O Capítulo VIII refuta definitivamente esta heresia, mostrando, clara e irrefutavelmente, que Maria Sma. era Virgem antes, durante e depois do parto de seu Filho único: Jesus.

Admitida a Imaculada Conceição, tal verdade é, aliás, um corolário desta prerrogativa.

Deus teria feito um milagre inaudito em favor da sua futura Mãe, preservando-a de toda mancha do pecado, para que, Virgem de corpo e de alma, ela fosse uma digna Mãe de seu Filho; e depois ele permitiria que este Santuário vivo de pureza, fosse violado por um homem, tirando-lhe a virgindade tão cuidadosamente preservada?

Seria isso uma contradição intolerável na obra divina!

Mas os pobres protestantes, jogando com os textos da Escritura, como se joga com uma bola, tecem-lhe os sentidos e comentários nais absurdos, que até aos seus próprios olhos não têm outro mérito, senão de contradizer o ensino Católico.

O que eles querem é fazer acreditar quo tudo o que a Igreja Católica ensina está errado...

Nas outras seitas protestantes que são perto de 900 (em 1936), afora uns erros, eles aceitam uma parte verdadeira; só na Igreja Católica nada há que se aproveite: tudo, absolutamente tudo ali está errado.

Tal é a ideia protestante. Desde que a Igreja Católica diz: sim, eles bradam: não. Se a Igreja disser: branco, eles dirão: preto; e se, por impossível, a Igreja mudasse o seu ensino, o que não faz, pois a verdade é imutável, os pro- testantes mudariam imediatamente o seu e adotariam a opinião contrária à opinião Católica,

Vê-se logo que em todas estas objeções não há nenhuma sinceridade: só há ódio... e o ódio sempre foi e sempre será vício, e nunca seri virtude.

O que tenho desenvolvido nos capítulos IX e XIII, deste livro, prova admiravelmente esta asserção.

Os protestantes destacam palavras da Sagrada Escritura, como as de "Até que", "primogênito" e outras, dando-lhes uma significação que aberra de todas as leis da gramática, da lógica e da hermenêutica, mas que tem para eles o mérito de ensinar o contrário da Igreja Católica.

Lendo a refutação a estas interpretações, fica-se pasmado ao ver tanta ignorância de um lado, e tanta obcecação de outro.

 

V. A Mãe de Deus

Estamos aqui diante do cúmulo da ignorância e do absurdo.

O protestantismo admite que Maria é Mãe de Jesus — Maria de quem nasceu Jesus ( Mt.1,16) e não admite que Maria é Mãe de Deus.

Como explicar tais contradições?

É a renovação do erro de Nestório, condenado no quinto século pelo Concílio de Éfeso, no ano 431.

Pretendia esse heresiarca que em Jesus Cristo havia duas pessoas: uma divina e outra humana. A primeira, sendo Filho do Pai Eterno, a segunda, sendo Filho de Maria.

Neste caso, Maria Sma. seria Mãe de uma pessoa humana, e nada teria com a Pessoa divina em Jesus Cristo.

Ora, isto é um absurdo que amplamente refuto no Capitulo X.

Não pode haver duas pessoas em Jesus Cristo. Há uma Pessoa única, embora haja duas naturezas unidas nesta Pessoa única, divina.

Entre as criaturas, chama-se pessoa: uma substância singular, completa, livre e inteligente.

Em Deus a personalidade entende-se no mesmo sentido, porém de um modo mais excelente, como aliás tudo o que nós atribuímos a Deus é mais excelente do que quando é atribuído às criaturas.

Ora, admitindo em Jesus Cristo duas pessoas, ou duas substâncias singulares, completas, livres e inteligentes, vê-se logo que ele seria um ser dividido, e portanto um ser incompleto, pois todo ser dividido é necessariamente incompleto em sua espécie.

A pessoa divina faria uma coisa e a pessoa humana a coisa contrária, pois sendo independente uma de outra, não haveria nenhuma ligação entre as duas personalidades.

Isto é impossível. É uma contradição.. É a destruição da divindade.

Há, pois uma única pessoa em Jesus Cristo, unindo as duas naturezas, divina e humana, e conservando cada natureza as suas operações próprias.

Deste modo há em Jesus Cristo uma inteligência divina e humana, um amor divino e humano; porque tais faculdades pertencem à natureza e não à pessoa; mas tudo isso fica unido numa única pessoa, e esta pessoa em Jesus Cristo é divina.

Ora, a progenitora de um homem não é a mãe da natureza mas a mãe da pessoa de seu filho.

O homem é composto de um corpo e de uma alma.

A nossa progenitora não é mãe da nossa alma; mas sim da nossa pessoa, composta de corpo e alma.

Maria Sma, do mesmo modo, é mãe, não somente do corpo de Jesus Cristo, mas da sua pessoa.

Ora, esta pessoa é uma pessoa divina.

Logo, Maria é Mãe da pessoa divina de Jesus Cristo; em outros termos, ela é Mãe de Deus.

É simples, é lógico, é certo.

Mas o pobre protestantismo prefere renovar erros antigos, reabilitar heresias condenadas a 16 séculos antes que adotar a doutrina católica.

 

VI. A Mãe dos homens

Como corolário lógico da maternidade divina de Maria Sma. o catolicismo deduz que Maria Sma. é também Mãe dos homens.

O protestantismo, rejeitando a primeira verdade, deve rejeitar também a segunda.

Negando a maternidade divina, os pobres hereges negam a maternidade espiritual da Virgem Santa.

Deste modo eles não conservam nada mais da Mãe de Deus, nem em sua crença, nem em seu culto. É uma ruína completa... É um cristianismo truncado, falsificado, incompleto.

Maria é para eles uma criatura estranha, desconhecida, até inimiga.

Pobre cegueira, pobre ódio!

O Capitulo XI é a exposição completa desta bela e consoladora verdade, da maternidade espiritual de Maria.

Nas horas de desalento, releiam os católicos esta exposição, cheia de luz, de encanto e de doçura, e encontrarão nesta verdade, um estímulo e um reconforto na prática da santa religião.

O próprio dos pais é dar a vida.

Dar a vida é ser mãe.

Maria nos deu a vida da alma.

Logo, ela é a nossa Mãe.

Há, de fato, duas vidas em nós: uma vida material e uma vida espiritual, porque o homem é um composto de corpo e alma, e ambos este componentes tem uma vida própria.

A vida do corpo é uma vida natural que recebe da alma.

A vida da alma é uma vida sobrenatural que recebe de Deus.

Chama-se a vida do corpo vida humana.

Chama-se a vida da alma vida divina.

Cada uma destas vidas têm uma origem diferente.

A vida humana provém da união do corpo e da alma,

A vida divina provém da união da alma com Deus.

Sabemos donde nos vem a vida da corpo: de nossos pais.

A vida de nossa alma vem de Deus; por isso, Ele é nosso Pai, porém Ele nos vem pela Sma. Virgem Maria; por isso, ela é nossa Mãe.

Deus é a fonte.

Maria é o canal.

Ambos, Jesus e Maria, cooperam na vida da nossa alma.

Logo, se Deus é nosso Pai, Maria Sma. é mossa Mãe!

Cinco razões principais confirmam a doutrina da Maternidade espiritual de Maria, razões expostas e comentadas no mesmo capitulo XI que se pode sintetizar neste raciocínio:

O Cristo é a nossa vida, como diz S. Paulo (Fp. 1,21)

Ora, Maria é a Mãe desta vida.

Logo, ela é também a nossa Mãe.

Eis porque o Evangelho diz que Maria deu à luz o seu Filho primogênito (Mt.1,25).

Este primogênito é único na ordem natural; na ordem espiritual Ele é o primeiro entre muitos irmãos. Ut sit ipse primogenitus in multis fratribus, como diz o Apóstolo. (Rm.8,29)

 

VII. As bodas de Caná

É uma das cenas mais encantadoras do Evangelho, e que põe em pleno relevo a mediação universal da Virgem Santíssima.

É à razão porque os protestantes falsificaram o texto que exprime claramente a missão da Mãe de Jesus.

É o que está exposto no Capítulo XIV. mostrando, pelos textos paralelos, o sentido verdadeiro deste passo.

É uma simples festa de núpcias de um parente de Maria Sma. ou de São José.

Maria estava ali presente.

Haviam sido convidados também Jesus e seus discípulos.

No meio da festa, falta o vinho.

Maria, com este olhar de mãe e de dona de casa, percebe o embaraço dos serventes da mesa e sem que estes lhe exponham o seu embaraço, ela se dirige a Jesus, e lhe murmura aos ouvidos: eles não têm mais vinho.

Nada mais.

Jesus ouviu e compreendeu; é o bastante.

Virando levemente a cabeça para o lado de sua Mãe estremosa, ele responde sorrindo suavemente:

Deixe estar, Senhora, cuidarei disso, embora não tenha chegado ainda a minha hora.

Maria retribui o sorriso de seu Filho, e dirigindo-se diretamente para os serviçais lhes diz, transmitindo visivelmente uma recomendação de seu Filho: Fazei tudo o que ele vos disser.

Em seguida, Jesus levanta-se, manda encher as urnas de ablução, com agua... e, a pedido da sua Mãe, muda a água em vinho, fazendo deste mudo o primeiro de seus milagres.

Manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nEle (Jo.2,11)

Esta cena não é simplesmente um fato; é uma lei.

A lei, promulgada por Jesus, que todas as suas graças hão de passar pelas mãos da sua Mãe Santíssima.

Ele, o Cristo, é o princípio e a fonte de todas as graças; Maria é o seu canal transmissor.

É a conclusão que Santo Agostinho tira deste fato.

Deus, tendo-nos dado Jesus Cristo por Maria, diz ele, esta ordem não muda mais, e Maria tendo colaborado para a nossa salvação na Encarnação, que é o princípio universal da graça, deve contribuir em todas as outras operações, que são dependentes desta primeira.

Para provar esta dedução teológica, temos três fatos evangélicos, sem réplica.

Todas as graças dadas aos homens se referem à esta tríplice manifestação de Deus: à Encarnação, à Visitação e ao milagre de Caná.

Constantemente Jesus Cristo vem ao mundo, por Maria;

Constantemente Maria nos traz seu Jesus, pela Visitação;

Constantemente Deus dà suas graças, pela Intercessão de Maria.

É uma lei geral, confirmada por estes três fatos evangélicos; ou melhor, é a conclusão destes três fatos,

A cena de Caná não é pois uma simples festa de núpcias, é a imagem do grande festim ao qual Jesus Cristo nos convida, a que ele mesmo preside, mas onde encontramos também a sua Mãe Santíssima, para apresentar-nos a Ele, e, se preciso fosse, pedir-lhe um milagre em nosso favor.

A cena de Caná é pois a manifestação de Jesus por Maria para que o mundo creia nEle, como por este fato os discípulos creram em Jesus.

 

VIII. Morte e Assunção de Maria

É o assunto do XIII capítulo.

É outro ataque do protestantismo.

Não negam, de certo, a morte da Mãe da Jesus, mus atribuem-lhe uma morte natural, com a qualquer outra criatura vivente.

Quanto à Assunção ao Céu, em corpo e alma, eles a negam redondamente.

Ficou provado neste capitulo, porque e como Maria Sma. morreu.

Tendo sido preservada do pecado original, ela não estava sujeita à lei geral da morte, como sendo esta lei o castigo do pecado, mas estava sujeita à morte pela sua natureza humana que era mortal.

Por um privilégio especial, Deus isentou da morte a Virgem Santa, como no paraíso terrenal, por privilégio especial, isentara da morte os nossos primeiros pais.

A rebelião de Adão e Eva lhes fez perder este privilégio e ficaram eles, em castigo da sua desobediência, condenados à morte.

Deus restituiu este privilégio à sua Mãe Santíssima; ela, porém, para assemelhar-se mais ao seu divino Filho, não quis fruir deste privilégio e preferiu passar pela porta da morte, para entrar na glória.

Maria morreu, como todos nós devemos morrer: noamor de Deus.

Ela morreu, como morrem os mártires, por amor.

E ela morreu como convinha que morresse a Mãe de Deus: de amor.

Uma tal morte exigia a Assunção.

O amor é eterno, é indestrutível, como diz o apóstolo.

E Maria Sma. era toda amor.

Ela não podia ficar sujeita à putrefação do túmulo.

Seis belos argumentos provam esta grande verdade.

São belos demais para resumi-los; é preciso relê-los todos no capitulo XII deste livro.

Maria devia, o mais possível, tornar-se semelhante a seu filho.

Jesus ressuscitou no terceiro dia para subir ao céu e ocupar o seu trono ao lado de Pai Eterno.

Maria Sma. também devia ressuscitar no terceiro dia, e subir ao céu, para ocupar o lugar de honra que lhe competia, como Mãe de Deus, co-Redentora dos homens, Rainha do céu e Mãe dos homens.

Jesus devia coroar na glória aquela que já coroara na terra, e devia conservá-la perto de si no céu, como a conservara perto de si aqui na terra.

A glória da Virgem Mãe, no céu, devia corresponder a estas três coisas incomensuráveis:

À dignidade de Mãe de Deus;

Às graças recebidas durante a sua vida mortal;

À excelência do seus méritos.

Três abismos insondáveis para nós... envolvendo a impenetrável grandeza da Virgem Imaculada e exigindo a sua ressurreição e a sua assunção ao céu.

 

IX. A Medianeira das graças

É o último capítulo expositivo deste trabalho, destruindo a grande objeção protestante contra a mediação universal de Maria, na distribuição das graças, e sentando esta verdade sobre a base indestrutível do Evangelho, da lógica e do bom senso.

Sé há um Mediador entre Deus e os homens, diz S. Paulo, e este mediador é Jesus Cristo (Tim.2,5).

A Igreja Católica ensina e defende esta verdade, e nunca procurou colocar outro Mediador entre Deus e os homens.

Convém, pois, notar que, do mesmo modo que há um só Redentor, embora haja ao lado deste Redentor a sua Mão Santíssima, unida a Ele, sofrendo com Ele, e resgatando o mundo com Ele, do mesmo modo há um só Mediador, embora haja no lado dEle, a sua Mãe Santíssima, ajudando o neste ofício da distribuição das graças, como o ajudou com sua requisição.

Há um duplo modo de ser Mediador:

1. Como agente principal, necessário.

2. Como encarregado de preparar os caminhos.

O primeiro Mndiador é principal.

O segundo é secundário.

O primeiro é necessário.

O segundo é útil.

Maria Sma. é a auxiliar encarregada deste ofício por Jesus Cristo, ficando em segundo plano, e agindo em tudo de acordo com o seu divino Filho.

A sua mediação é instrumental, ministerial, e não prejudica em nada a mediacão essencial de Jesus Cristo. de quem ela depende, como o encarregado de um negócio depende em tudo do dono deste negocio.

Esta mediação secundária de Maria é dupla:

1. geral, com Jesus, entre Dous e os homens.

2. particular, entre Jesus e os homens.

Jesus Cristo é o Mediador único, porque só ele, pela sua natureza divina e humana, está no meio, entre Deus e os homens, podendo deste modo servir de laço da reconciliação e da união entre ambos.

Maria é simples criatura, porém elevada à dignidade de Mãe de Deus; e, pela sua maternidade divina, ela está unida a seu Filho, para a realização da redenção do mundo.

Sendo certo que Maria teve parte ativa, ao lado de Jesus, na obra Redentora, pelo fato mesmo, ela deve ter parte na obra da nossa salvação, e em todas as graças que nos são dadas em vista do Redentor, pois tudo isso é uma única e mesma obra Redentora.

Jesus e Maria estavam juntos no trabalho; juntos devem estar na glória.

Podemos pois, e devemos tirar esta bela conclusão de São Bernardina de Sena, que resume tudo:

Todas as graças transmitidas aos homens neste mundo, lhes chegam por uma tríplice processão: Elas vão do Pai ao Cristo, do Cristo à Virgem Santa, da Virgem Santa a nós.

 

Conclusão

Terminando estas páginas de defesa dos privilégios da Virgem Santíssima, sinto a necessidade de recolher-me, de depôr um instante a espada dois gumes da polêmica, para dirigir à carinhosa Mãe de Jesus e nossa Mãe uma prece fervorosa pelos pobres e infelizes protestantes, que fecham o coração ao amor de sua querida Mãe celeste, para deixar penetrar nele o ódio da serpente antiga.

Deste modo, mau grado seu, eles realizam mais uma profecia que diz respeito à Virgem Imaculada e aos seus defratores.

Dirigindo-se à serpente maldita que acabava de perder os nossos primeiros pais, Deus lhe disse:

Porei inimizades entra ti e a mulher, entre a tua posteridade e a posteridade dela (Gn.3,15).

A mulher de que se trata ali é visivelmente a mulher Bendita.

A posteridade desta mulher são aqueles que a honram e invocam, que a proclamam bem-aventurada, conformo a sua própria profecia e ao exemplo de Sta. Isabel.

A serpente é o demônio, o anjo das trevas, o pai do erro e da mentira.

A posteridade desta serpente são aqueles que se revoltam contra esta mulher Bendita, continuando, deste modo, através dos séculos, a eterna separação entre Deus e o demônio, entro Maria e a serpente.

Triste profecia, que vemos realizada no desprezo que os infelizes protestantes votam à Mãe de Jesus.

Ó Mãe querida! Mãe de misericórdia, iluminai os pobres e infelizes transviados, e que sobre eles também se estenda a vossa mão materna, para alcançar-lhes a graça da conversão.

Nestas páginas combati os seus erros, unicamente com o intuito de mostrar-lhes a luz e o amor que ignoram, como também fazer firmar e estender o amor que os católicos vos consagram.

Possam estas páginas serem portadoras de luz para os primeiros e de amor para todos.

É a única aspiração do autor.

P. Júlio Maria