Tenhamos compaixão das pobres almas!

Purgatório espiritualidade

Mons. Ascânio Brandão nos presenteou com este excelente tesouro sobre as almas do Purgatório. Os que já foram precisam de nós!

TENHAMOS COMPAIXÃO DAS POBRES ALMAS!

Mons. Ascânio Brandão

 

30 MEDITAÇÕES E EXEMPLOS

Sobre

O PURGATÓRIO E AS ALMAS

1948

CASA DA U.P.C.

Pouso Alegre

NIHIL OBSTAT

P. Anastácio Vasquez C.M.F.

São Paulo, 7 de Setembro de 1948

IMPRIMATUR

Mons. José Maria Monteiro

Vigário Geral

São Paulo, 12 de Setembro de 1948

 

AOS LEITORES

Um historiador francês publicou trabalho curioso e interessante sobre as velhas e tocantes tradições religiosas da França. Numa obra intitulada “ Les Rouleaux des morts!, M. Leopold Deliale lembra um velho costume da piedade católica medieval:

“Ouve outrora na Idade Média, piedoso costume entre os Monges. Era o rolo dos mortos. Que significa isto? Não havia então como hoje as facilidades da via férrea, do avião, do telégrafo e do telefone. Dificílimas e longas as comunicações. O zelo pelos mortos inventou o rolo. Era um grande pergaminho escrito à mão onde em cada mosteiro se escreviam os nomes dos monges falecidos. E um piedoso irmão leigo chamado o “rotuliger”, partia a pé em caminhadas longas a rezar o De profundis e a meditar na morte. Ao chegar à porta de um convento da Ordem, batia e mostrava ao Abade o rolo: - “Rezai pelos mortos e escrevei aqui o nome dos que passaram desta para a vida eterna, para que rezemos todos por eles.

Tende compaixão das pobres almas!”

E ali se inscreviam no pergaminho os nomes dos falecidos monges, mais recentes.

E o rotuliger seguia a viagem após um breve descanso. E assim se foi estabelecendo em toda Europa tão piedoso e santo costume.”

Havia de ser impressionante ouvir-se o rotuliger clamando à porta dos mosteiros e pelas estradas: Tende compaixão dos fiéis defuntos!

Lembrai-vos dos mortos!

Rezai pelos mortos!

Pois, meus leitores queridos, com este livro quero ser o rotuliger dos fiéis defuntos. Quero bradar à porta de todas as paróquias, de todos os conventos, colégios e comunidades, quero bradar à porta de todas as famílias católicas: Tende compaixão das pobres almas! Tende compaixão das almas! Rezai pelos fiéis defuntos! Quero seja este livrinho o rolo dos mortos e o seu autor o “rotuliger das almas.”

Notei, sempre edificado, a devoção da nossa gente pelas santas almas do purgatório. Há com ela muita superstição, é verdade, e o espiritismo tem explorado o culto dos mortos de uma forma dolorosa, aproveitando mesmo a inclinação da nossa gente e o sentimentalismo do brasileiro pelos mortos. Creio, e disto estou convencido pela experiência, que a verdadeira devoção às santas almas do purgatório, bem compreendida e bem praticada, será o melhor remédio a este mal, o melhor combate a esta praga espírita entre nós. Talvez seja mesmo a ignorância deste dogma tão racional, no dizer de José de Maistre, a causa da propaganda espírita tão avassaladora entre nós.

Por todos os títulos a devoção às santas almas do purgatório é necessária e oportuna. Vamos, pois, a esta obra de caridade sem igual. E, permitam-me que como o rotuliger das pobres almas, vá bradando sempre por aí afora com meu livrinho: Tenhamos compaixão das pobres almas! Rezai pelos fiéis defuntos! E, meus leitores, um pedido final: em vossos sufrágios não vos esqueçais de minha alma, se um dia vos chegar a notícia de minha morte.

Mons. Ascânio Brandão

 

DECLARAÇÃO

Nesta obra talvez mais do que em outras, se faz mister aquela declaração ordenada pelo Papa Urbano VIII, de santa memória. Os fatos extraordinários aqui narrados merecem uma fé humana e não importam em nenhuma declaração oficial da Igreja os títulos de santo e bem-aventurado porventura aqui encontrados e atribuídos aos servos de Deus ou pessoas virtuosas. Fiz o possível para que todos os exemplos fossem tirados de fontes seguras e bem documentadas.

Na doutrina, procurei evitar questões mais sutis e curiosas, que edificantes e de proveito para os fiéis. As opiniões dos santos doutores e teólogos seguros, foram as sobre as quais me firmei para estimular os fiéis na devoção às santas almas.

Entretanto, como na doutrina do purgatório, a Igreja tem pouca coisa definida em matéria de fé, tudo o mais fica aos doutores, aos teólogos e ao testemunho muitas vezes invocado das revelações particulares bem provadas e muitas delas sujeitas a rigoroso processo canônico para averiguação da verdade. Ainda assim procurei os autores mais abalizados e seguros, evitei narrações lendárias e duvidosas, e procurei as mais garantidas, edificantes e impressionantes.

Todavia, se alguma coisa aqui se encontrar que possa estar em desacordo com a boa e sã doutrina ou com qualquer determinação da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, desde já humildemente quero ter a glória de me submeter à minha Mãe a Santa Igreja, da qual sou filho obediente e em cuja fé quero viver e morrer.

O autor

 

1o de Novembro

O MÊS DAS ALMAS

Novembro é o mês consagrado pela nossa devoção ao sufrágio das almas do purgatório. Ainda estamos no Mês do Rosário, porque S. S. Leão XIII, quando estendeu a toda Igreja o Mês do Rosário, quis que a rainha das devoções a Maria fosse compreendida na devoção dos fiéis como a devoção que une as três Igrejas.

Vai o Mês do Rosário até 2 de Novembro, para que o tesouro da rainha das devoções marianas possa beneficiar a Igreja padecente. Novembro é dedicado ao culto dos mortos, à devoção às almas do purgatório. De primeiro a trinta deste mês, vamos relembrar nossos deveres de justiça e de caridade para com nossos defuntos, vamos sufragar-lhes as pobres almas que estão sofrendo no purgatório.

Como é bela e utilíssima esta devoção!

Nos dois primeiros dias, unidos à Mãe Santíssima do Rosário, comecemos devota e fervorosamente o Mês das almas. Mês da saudade e mês do sufrágio. A Igreja nos dá cada ano alguns meses destinados a incentivar algumas devoções: Março, o mês do querido patriarca São José; Maio, o belo mês de Maria. Cantamos o louvor de Nossa Senhora e estimulamos nosso amor e devoção à Mãe de Deus e nossa Mãe.

Junho traz-nos a piedade do Coração Santíssimo de Jesus. É o mês do fervor, do amor dAquele Coração que tanto amou os homens, mês de reparação. Outubro, o belo mês do Rosário pelo qual a Igreja quer incentivar nos fiéis zelo e amor pela rainha das devoções a Maria. Finalmente, aí vem Novembro, o mês das Almas.

Porque em Novembro? Outubro veio a ser o mês do Rosário porque nele está a festa da Virgem do Rosário. Em Novembro temos a festa da Comunhão dos Santos – e o dia dos mortos. Que mês seria mais próprio para o mês dos mortos, o mês das almas do purgatório?

Vamos, pois, incentivar nossa devoção, direi melhor, nossa compaixão pelas almas sofredoras. Neste mês meditemos, rezemos, soframos, façamos tudo que nos seja possível para que o purgatório receba mais sufrágios e para que as lições deste dogma terrível e consolador a um tempo, nos aproveitem bem.

Tenhamos compaixão das pobres almas! Se soubéssemos o que elas padecem! Se tivermos uma fé mais viva, sentiremos a necessidade de fazermos tudo ao nosso alcance para que este mês seja rico de boas obras, rico de preces fervorosas e sobretudo de Santas Missas e indulgências em favor do purgatório.

Neste mês podemos lucrar ricas indulgências...

... Uma indulgência de três anos uma vez cada dia, se fizermos qualquer exercício em sufrágio das almas; uma indulgência plenária para os que fizerem todo o Mês das Almas, contanto que confessem e comunguem e rezem pela intenção do Santo Padre o Papa num dia do mês. Aos que assistirem os exercícios, indulgência de sete anos cada dia do mês. E indulgência plenária na forma do costume. (P.P.O.549)

No dia 02 de Novembro há grande indulgência. Uma indulgência plenária cada vez a quem visitar as igrejas rezando seis Pai Nossos e Ave Marias nas intenções do Sumo Pontífice.

Vamos, pois, façamos tudo pelas almas neste mês!

O dogma da Comunhão dos Santos

Rezamos no Credo: Creio na Comunhão dos Santos! Quanta gente não pergunta, curiosa, porque o ignora: “Que vem a ser Comunhão dos Santos?” Antes de começarmos a meditar nestes dias de Novembro o dogma do purgatório, é mister, no dia de Todos os Santos, no dia em que a Igreja vive o dogma da Comunhão dos Santos, lembrarmos o que ele é e as riquezas espirituais que nos trás. É o dogma da solidariedade dos fiéis. Santos, são os cristãos na graça de Deus. Os primeiros cristãos eram assim chamados. Santos, são os justos no céu, os que se salvaram e estão na posse de Deus. Santos, são os justos que padecem no purgatório. Não são verdadeiramente tantas aquelas almas confirmadas na graça e à espera da eterna visão do céu? Pois comunhão ou comunicação é a união dos fieis da terra, do céu e do purgatório. Formam eles as três Igrejas – a Igreja militante, somos nós os que combatemos neste mundo; a Igreja triunfante, os fiéis já no céu no triunfo eterno da glória; e a Igreja padecente, os fiéis que se purificam nas chamas do purgatório. Todos são membros de Cristo. Todos formam o Corpo Místico de Cristo, nossa Cabeça. Estamos todos unidos em Jesus Cristo como os membros unidos à cabeça.

Que sublime doutrina!

Cristo Nosso Senhor é glorificado no céu pelos membros triunfantes; sofre no purgatório nos seus membros padecentes; luta conosco neste mundo com os membros militantes. Pois com esta doutrina admirável do Corpo Místico, podemos nos auxiliar uns aos outros nesta sublime solidariedade em Cristo e por Cristo.

As almas do purgatório já não podem mais merecer, dependem de nós os que ainda temos à nossa disposição os tesouros da Redenção e os méritos de Cristo.

Podemos ajudá-las, podemos socorrê-las e dependem de nós. Por sua vez os Santos do céu juntos de Deus, na posse da eterna felicidade podem nos valer nesta vida, podem interceder por nós. Então recorremos à Igreja triunfante, pedindo socorro, e ajudamos por nossa vez à Igreja padecente. Eis aí o que é o dogma da Comunhão dos Santos. Podem os Santos dos céu ajudar as almas do purgatório? Há relações entre a Igreja triunfante e a Igreja padecente? Cremos que sim. Santo Tomás de Aquino o afirma.

Muitos autores o ensinam. Os santos não podem merecer no céu como nós aqui na terra. Portanto, satisfazer pelas almas não podem, mas pedir e interceder por elas muitos teólogos o afirmam com muito fundamento. E demais, há uma oração da Igreja que nos autoriza esta crença. Ei-la: “ Ó Deus, que perdoais aos pecadores e que desejais a salvação dos homens, imploramos a vossa clemência por intercessão da Bem-aventurada Maria sempre Virgem e de todos os Santos, em favor de nossos irmãos, parentes e benfeitores que saíram deste mundo a fim de que alcancem a bem-aventurança eterna”.

Outra oração, “Fidelium”, repete a mesma súplica. Os primeiros cristãos sepultavam os mortos junto do túmulo dos primeiros Santos para lhes implorar a intercessão. Podemos pois crer que os santos, não como nós, mas intercedendo e pedindo, podem ajudar o purgatório.

Como os Santos ajudam as almas?

Já vimos que a sorte das almas está em nossas mãos, porque só nós podemos merecer e ganhar por elas. É vontade de Deus que elas dependam de nós. “Deus, escreve o Pe. Faber, nos deu tal poder sobre a sorte dos mortos, que esta sorte parece depender mais da terra que do céu”. Somos nós os salvadores e auxiliadores das almas do purgatório. A Igreja definiu que nossas orações podem valer aos mortos mas não há uma definição sobre a oração dos Santos neste sentido. Por que? Naturalmente, não houve necessidade de qualquer definição.

Os protestantes negaram o valor da intercessão dos Santos em nosso favor, mas nada disseram a respeito da intercessão dos Santos em favor das almas, porque negavam o purgatório. Ora, a Igreja implora no Ritual a intercessão dos Santos pelos mortos: “Subvem-te... Santos do céu, vinde em seu auxílio, Anjos do céu, vinde, recebei a sua alma... Como, pois, os Santos ajudam os mortos?

1o Pedem que as satisfações dos vivos sejam aceitas perante Deus.

2o Pedem a Deus que os vivos sejam levados a ajudar os mortos e satisfazer por eles, que a devoção pelas almas sofredoras se incentive cada vez mais.

3o Podem pedir a Nosso Senhor que a libertação das almas se faça mais depressa por uma intensidades das penas que abrevie este tempo mais longo de sofrimento.

4o Podem rogar a Nosso Senhor que pelos méritos e satisfações que tiveram eles quando estavam neste mundo, possam ser utilizados estes méritos pelas almas e poderão também oferecer os méritos de Cristo, de Maria e de outros Santos.

Enfim, dizem seguros teólogos, há muitos meios dos Santos poderem ajudar as santas almas do purgatório. Esta crença é muito antiga na Igreja. Encontramo-la nos monumentos, as devoções populares de séculos, e é já tradicional na devoção de todo mundo católico, recorrer à intercessão dos Santos em favor das almas do purgatório.

No dia de Todos os Santos a Igreja nos convida a meditar na grandeza e no poder da santidade. Mostra-nos os modelos e pede-nos que os imitemos. Glorifica os eleitos na beleza da sua Liturgia, cantando o triunfo dos seus filhos no céu.

Depois, ao cair da tarde, já se ouvem dobrar os sinos, já nas Vésperas tudo se muda. Após as Vésperas festivas de Todos os Santos, vem o luto e o Ofício dos defuntos. Sucedem-se os Misereres e os De Profundis. É a vez da Igreja padecente. Neste dois dias, 1o e 2o de Novembro, vivemos o dogma da Comunhão dos Santos. As três Igrejas unidas, orando, e numa admirável comunicação de graças e de méritos e de sufrágios.

Este diz, dizia o Ven. Olier, é talvez o maior dia da Liturgia da Igreja para os fiéis. É o dia do Cristo Total, do Cristo unido a nós, do Corpo Místico de Cristo, cabeça das três Igrejas. Como podemos utilizar a intercessão dos Santos em favor das almas?

Certamente, não há dúvida alguma, eles na glória podem interceder por nós e nos protegerem. Pois utilizemos esta intercessão em favor das almas. Que eles nos ajudem a ajudar as almas. Que nos inspirem muita compaixão e devoção pelas almas, que nos façam anjos de caridade das benditas almas sofredoras. Eis como os Santos podem ajudar as almas.

 

Exemplo

A Obra Expiatória de Montligeon publicou com aprovação da autoridade eclesiástica, o seguinte fato: No mês de Setembro de 1870, uma religiosa do Mosteiro das Irmãs Redentoristas de Malines, na Bélgica, sentiu repentinamente uma profunda tristeza que não a deixava dia e noite. A pobre soror Maria Serafina do Sagrado Coração tornou-se um enigma para si própria e à comunidade. Pouco depois, chega a notícia da morte do pai da boa Irmã, nos campos de combate. Desde este dia, a religiosa começou a ouvir gemidos angustiosos e uma voz que lhe diz sempre:

- Minha filha querida! Tem piedade de mim! Tem piedade de mim!

No dia 4 de Outubro novos tormentos para a Irmã e uma dor de cabeça insuportável. No dia 14 à noite, ao deitar-se, viu ela entre a cama e a parede da cela o pai cercado de chamas e imerso numa tristeza profunda. Não pôde reter um grito de dor e de espanto. No dia 15 à mesma hora, ao recitar a Salve Rainha, viu de novo o pai entre chamas. A esta vista, perguntou a Irmã ao pai se havia ele cometido alguma injustiça nos seus negócios.

- Não, responde ele, não cometi injustiça alguma. Sofro pelas minhas impaciências contínuas e outras faltas que não posso te dizer.

No dia 27, nova aparição. Desta vez não estava cercado de chamas. Queixou-se de que não era aliviado porque não rezaram bastante por ele.

- Meu pai, não sabes que nós religiosas não podemos rezar o dia todo, temos os trabalhos da Regra?

- Eu não peço isto, diz ele, quero que apliquem por mim as intenções, as indulgências. Se não me ajudares, eu te hei de atormentar. Deus o permitiu!

Oh! minha filha, lembra-te que te ofereceste a Nosso Senhor como vítima. Eis a consequência. Olha, olha, minha filha, esta cisterna cheia de fogo em que estou mergulhado! Somos aqui centenas. Oh! Se soubessem o que é o purgatório, haviam de sofrer tudo, tudo para evitar e para aliviar as almas que lá estão cativas. Deves ser uma religiosa muito santa, minha filha, e observar bem a Santa Regra, ainda nos pontos mais insignificantes. O purgatório das religiosas, oh! É uma coisa terrível, filha!

Soror Maria Serafina viu, realmente, uma cisterna em chamas donde saiam nuvens negras de fumo. E o pai desapareceu como que abrasado, sufocado horrorosamente, sedento, a abrir a boca mostrando a língua ressequida:

- Tenho sede, minha filha, tenho sede!

No dia seguinte a mesma aparição dolorosa:

- Minha filha, há muito tempo que eu não te vejo!

- Meu pai, ontem mesmo...

- Oh! Parece-me uma eternidade... se eu ficar no purgatório três meses, será uma eternidade... Estava condenado a diversos anos, mas devo a Nossa Senhora, que intercedeu por mim, ficar reduzida a pena a alguns meses apenas.

Esta graça de poder vir pedir orações, o bom homem alcançou pelas suas boas obras, pois era extremamente caridoso e devoto de Maria. Comungava em todas as festas da Virgem e ajudou muito na fundação de uma casa de caridade das Irmãzinhas dos pobres da Diocese.

Soror Maria Serafina fez diversas perguntas ao pai:

- As almas do purgatório conhecem os que rezam por elas e podem rezar por nós?

- Sim, minha filha!

- Estas almas sofrem ao saberem que Deus é ofendido no meio de suas famílias e no mundo?

- Sim.

A Irmã, orientada pelo seu confessor e pela Superiora, continuou a interrogar o pai:

- É verdade, meu pai, que todos os tormentos da terra e dos mártires estão muito abaixo do sofrimento do purgatório?

- Sim, minha filha, é bem verdade tudo isso...

Perguntou se todas as pessoas que pertencem à Confraria do Carmo são libertadas no primeiro sábado depois da morte do purgatório.

- Sim, respondeu ele, mas é preciso ser fiel às obrigações da Confraria.

É verdade que há almas que devem ficar no purgatório até cinquenta anos?

- Sim. Algumas estão condenadas a expiar os seus pecados até o fim do mundo. São almas bem culpadas e estão abandonadas. Há três coisas que Deus pune e que atrai a maldição sobre os homens: a violação do dia do domingo pelo trabalho, o vício impuro que se tornou muito comum, e as blasfêmias.

Oh! minha filha, as blasfêmias são horríveis e provocam a ira de Deus.

Desde este dia até à noite de Natal, sempre aparecia a Soror Maria Serafina a alma atormentada do seu bom pai, pela qual ela e a comunidade oravam e faziam penitências. Na primeira missa do Natal, a boa Irmã viu seu pai à hora da elevação, brilhante como o sol, de uma beleza incomparável.

- Acabei meu tempo de expiação, filha, venho te agradecer e às tuas Irmãs as orações e sufrágios. Rezarei por todas no céu.

E ao entrar na cela, de madrugada, viu a Irmã Serafina mais uma vez a alma do pai resplandecente de luz e de beleza, dizendo:

- Pedirei para tua alma, filha, perfeita conformidade com a vontade de Deus e a graça de entrar no céu sem passar pelo purgatório.

E desapareceu num oceano de luz e de beleza.

Estes fatos se deram de Outubro a Dezembro de 1870 e passaram pelo crivo de um severo e rigoroso exame das autoridades eclesiásticas antes de publicados e divulgados amplamente pela Obra Expiatória de Nossa Senhora de Montiglion, na França.

 

2 de Novembro

O DIA DOS MORTOS

Finados

É o dia dos fiéis defuntos em toda Igreja. Uma lembrança dos que já passaram e dormem o sono da paz. Qui dormiunt in somno pacis.

Toda a Liturgia recorda o doma do purgatório e pede-nos orações pelos nossos mortos. A Igreja se cobre de luto e os sacerdotes podem, neste dia, celebrar três vezes o Santo Sacrifício. As multidões afluem aos cemitérios. É a lembrança de nossos mortos despertada. Avivam-se as saudades. Finados! Dia dos mortos!

Lembramo-nos deles apenas com algumas flores e umas lágrimas que com o tempo se vão estancando, ou procuramos sufragar-lhes as pobres almas que talvez ainda estejam sofrendo no purgatório? Este dia nos foi dado pela Igreja, não para as pompas e manifestações de um sentimentalismo estério, mas para sufrágio dos mortos. Com se esquecem disto muitos cristãos! Multidões que enchem os cemitérios, sorrindo e até brincando muitas vezes, sem orações, sem um pensamento sobrenatural dos mortos! Santifiquemos este dia. Seja, sim, o dia da nossa saudade, mas principalmente seja o do nosso sufrágio.

A Igreja, nossa Mãe, neste dia abre-nos os tesouros das suas indulgências em favor dos mortos. Permite a celebração das três Santas Missas desde a Constituição Apostólica de 15 de Agosto de 1915, de Bento XV. Duas Missas pertencem; uma aos fiéis defuntos em geral e outra nas intenções do Sumo Pontífice. Concede uma grande indulgência, semelhante à da Porciúncula, em favor dos defuntos. Aos que visitarem uma igreja ou oratório público ou semipúblico, indulgencia plenária cada vez aos que entrarem na igreja e rezarem seis Pai Nossos e seis Ave Marias nas intenções do Sumo Pontífice, contanto que tenham se confessado e recebido a Santa Comunhão. (P.P.O. 554.)

Que tesouro de indulgência em favor das pobres almas! Mais ainda, todas as Santas Missas celebradas no Dia de Finados pelos mortos, e durante a oitava gozam do altar privilegiado. A visita ao cemitério também neste dia tem uma indulgência plenária. Porque nos abre acima a Igreja estes tesouros? Para nos estimular a devoção aos mortos e o zelo pelo sufrágio das almas.

Tudo no Ofício Divino deste dia nos fala da miséria humana, pelas lamentações dolorosas de Jó, e repetem gemidos que parecem vir das profundezas do abismo:

Miseremini mei! Misereminni mei! Saliem vos amiel mel qula manus Domini teligit me! Tende piedade de mim, tende piedade de mim, pelo menos vós que sois meus amigos, porque a mão de Deus me feriu. Sim, a mão da Justiça de Deus feriu as pobres almas para santificá-las, purificá-las e torná-las dignas do céu.

Com a Igreja, nossa Mãe vestida de luto, vamos chorar nossos mortos, e, rezando por eles, reafirmar nossa fé na imortalidade de nossa alma e na ressurreição da carne. Digamos de coração: Requiem seternam dona eis Domine, ei lux perpetua lucent eis. Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno, e brilhe para elas a luz perpetua!

 

Origem do dia dos mortos

A oração pelos mortos é tão antiga como a Igreja, como está já provado, tão antiga como o Antigo Testamento, pois quem não se recorda da oração dos sacrifícios ordenados por Judas Macabeus e a expressão: é útil e salutar orar pelos mortos? Sempre na Igreja se fizeram preces e foi oferecido o Augustíssimo Sacrifício dos Altares pelo alívio dos mortos. Todavia, não existiu sempre um dia especialmente dedicado aos sufrágios e à lembrança piedosa dos fiéis defuntos. A comemoração dos fiéis defuntos de 2 de Novembro vem do tempo de Santo Odilon, célebre abade de Cluny de 994 a 1049. Antes deste grande Santo, já muitos mosteiros tinham um dia especialmente consagrado ao sufrágio dos monges falecidos, segundo se depreende dos martirológios e necrológios. Eram comemorações reservadas apenas ao Mosteiro, em caráter particular. A iniciativa de Santo Odilon consistiu em estender a todos os fiéis defuntos os benefícios e sufrágios destas comemorações particulares e reservadas só aos monges de determinados mosteiros.

Segundo o monge Joisaid na obra “De vita el virtutibus sanctl Odilonis abbatis”,

houve um fato extraordinário que determinou esta comemoração geral. Um peregrino de Rodez, que conhecia muito bem as virtudes e os trabalhos de Santo Odilon, na volta de uma peregrinação a Jerusalém, naufragou e foi dar numa ilha deserta. Lá teve umas visões misteriosas de grandes incêndios, e ouvia gritos e gemidos de pobres almas do purgatório que diziam: “Somos aliviadas pelas orações e pela caridade do servo de Deus Odilon e pelos monges de Gluny”. O peregrino logo que se viu salvo, procurou o Mosteiro de Cluny e contou o que ouvira. Donde a origem da comemoração dos mortos, pois Santo Odilon daí por diante trabalhou para estendê-la a toda a Igreja. No século XI já era conhecida e praticada em toda Igreja do Ocidente. Com o tempo foi se tornando mais solene, até que nos últimos anos obteve os ricos tesouros de indulgencias e missas de que já falamos.

Na vida de Santo Odilon, tirada das Acta Sanctorum ordinis Sanctl Benediciti, se encontra o decreto da Instituição da Comemoração dos Mortos. Ei-lo: “Pelo nosso beato Pai Dom Odilon e consentimento e súplica de todos os padres de Cluny, foi decretado.” “Como nas igrejas de Deus que se erguem em todo o orbe terrestre se celebra no dia das Kalendas de Novembro a festa de Todos os Santos, assim entre nós se fará, segundo o costume das festas, comemoração de todos os fiéis defuntos que viveram desde o começo do mundo até o fim, de tal maneira; no mesmo dia acima dito, depois do Capítulo darão esmola de pão e vinho a todos os pobres que aparecerem como é costume fazer na ceia do Senhor. Neste mesmo dia, depois da assembleia das Vésperas, soarão todos os sinos e se cantarão as Vésperas pelos defuntos. No dia seguinte, depois de Matinas, tocarão de novo todos os sinos e se fará o ofício pelos defuntos, etc.” E desde então começou, até ser hoje o que vemos, a solenidade da Comemoração dos fiéis defuntos.

 

Resoluções

Façamos o propósito de guardar bem as lições deste dia, gravadas em nossa alma.

A lembrança dos mortos há de ser embalsamada pelo perfume da oração e a caridade do sufrágio. Seja o Dia de Finados o dia da nossa grande dedicação para com os mortos. Ouvir a Santa Missa, receber a Santa Comunhão e visitar o cemitério, se possível. Podemos carinhosamente adornar de flores os túmulos queridos. Todavia, que estas flores simbolizem a nossa oração e venham depois ou juntas com nosso sufrágios. Flores e lágrimas sentimentos estéreis, nada aproveitam aos mortos, já o dissemos e repetimos. Não se deixe o essencial pelo acessório. O útil pelo supérfluo. Vamos ao cemitério sem vaidades e com espírito de fé. Lá procedamos como verdadeiros cristãos, com todo respeito. Meditemos seriamente em nosso destino eterno. Digamos como São Camilo de lenis: “Ó, se estes que aqui estão nos túmulos pudessem voltar, como haviam de ser santos e trabalharem pela sua salvação! Estes já foram e eu também irei um dia! Mais tarde me visitarão também num cemitério!”

Estou preparado? A morte virá quando eu menos pensar. Meu Deus! Tende piedade daqueles que talvez estejam sofrendo no purgatório por minha causa!

Enfim, quanta reflexão grave e decisiva não pode nos vir no cemitério!

São Silvestre, abade, se converteu e se santificou à vistas do cadáver em corrupção, cadáver de um grande amigo que viu ele num túmulo aberto, em estado lamentável de corrupção. A oração do Santo no Breviário, lembra esta passagem quando assim reza: “Ó clementíssimo Deus, que vos dignastes chamar à solidão o santo abade Silvestre, quando ele meditava piedosamente sobre a vaidade deste mundo, em um túmulo aberto, assim como o ornastes com os méritos de uma vida ilustre, humildemente vos suplicamos que imitando o seu exemplo, desprezemos os bens terrenos a fim de gozarmos eternamente a vossa companhia”.

É o que precisamos fazer no dia dos mortos: contemplar os túmulos e procurar a solidão de uma meditação grave. Pensarmos em nossa vida futura. Não é mister que se abram os túmulos e presenciemos, como São Silvestre, o espetáculo horrível da corrupção a que havemos de chegar um dia. Sobre os túmulos fechados há muito que meditar, há muita lição que aprender num cemitério!

Tomemos a resolução, pois, repito, de visitarmos os mortos para aprendermos a viver. Façamos do dia de finados o dia da nossa grande e generosa caridade para com os fiéis defuntos.

 

Exemplo

O livreiro de Colônia

Guilherme Feysasen foi um célebre livreiro de Colônia, do qual se contam duas graças extraordinárias alcançadas pela devoção às santas almas do purgatório. Ele havia narrado estas graças numa carta escrita no ano de 1649 ao Revmo. Pe. Tiago de Monfort, da Companhia de Jesus. Eis a carta: “Meu Padre, eu vos escrevo esta para vos contar a dupla cura de minha mulher e de meu filho. Durante os dias feriados em que fechei minha livraria e tipografia, fiquei recolhido em casa e tomei um livro bom e piedoso, para leitura. Eram os originais de uma obra que ia imprimir sobre as almas do purgatório. Estava ocupado nesta leitura, quando me vieram dizer que meu filho estava com os sintomas de uma doença muito grave. A doença progrediu rapidamente e a criança estava em perigo sério de vida. Os médicos não deram mais esperanças. Já se pensava mesmo nos funerais. Nesta grande aflição e vendo baldados todos os recurso humanos, resolvo fazer um pedido ao Senhor pelas almas do purgatório e fiz uma promessa: distribuiria gratuitamente cem exemplares do livro que tratava do purgatório e recomendava a devoção às santas almas. Uma grande esperança encheu meu coração. Entrei logo no quarto do filho e o encontrei muito melhor. No dia seguinte, contra toda expectativa, o menino estava completamente curado e restabelecido. Cumpri meu voto. Fiz logo propaganda da obra.

Passaram-se três semanas e uma doença grave veio atingir minha mulher. Tremia ela por todo corpo e se atirava ao chão, em convulsões, até ficar sem sentidos. Chegou a perder o uso da palavra. Empregara-se todos os meios possíveis para salvá-la, mas tudo inutilmente. O confessor que a assistia só tinha palavras de consolo. Quanto a mim, não perdi a esperança. Tinha grande confiança nas benditas almas do purgatório. Voltei à igreja e prometi distribuir, desta vez duzentos exemplares do livro a fim de conquistar muitas almas para a devoção às santas almas. Mal saía da Igreja quando os criados me vieram dar a notícia feliz de que minha mulher estava bem melhor. E assim era.

Encontrei minha mulher mais bem disposta, e poucos dias depois estava perfeitamente curada. Fui fiel em dar os livros prometidos e sempre fui muito grato às almas do purgatório.”. (Hautin, Puteus deunctorum – Lib. I – C. V. Art. 3.)

 

3 de Novembro

DEPOIS DA MORTE...

Com a morte tudo se acaba?

Sim, é verdade, com a morte tudo se acaba. Lá se vão as riquezas, as honras, o luxo, as glórias terrenas e até nosso pobre corpo tão miserável se transforma num monturo asqueroso e horrível. Vamos ao pó donde viemos. Tu és pó e em pó te hás de tornar. Seremos quanto ao corpo, nada, pó, um punhado de lodo. Todavia, temos uma alma imortal, criada à imagem e semelhança de Deus, e esta não se acaba. É espiritual. Separa-se do corpo que ela vivificou, mas não morre. A morte não é mais do que a separação da alma do corpo. Então nem tudo se acaba na morte. Fica o principal, a alma.

Fica tudo – uma alma remida pelo Sangue de Deus.

Não somos um bruto que nasce, cresce e morre e desaparece num monturo para sempre.

Um amigo de Sócrates, o célebre filósofo grego condenado à morte, perguntou-lhe antes que o veneno da cicuta arrebatasse a preciosa vida:

- Tem algum desejo para que o cumpramos? Porventura alguma disposição sobre o enterro?

- Que querem - Meu amigo, pensam então em mo sepultar: Podem enterrar meu corpo, mas a mim não poderão sepultar.

Resposta de um pagão consciente da sua imortalidade.

E nós, cristãos, podemos com muito mais razão dizer: - sepultam nosso cadáver, nosso pobre e miserável corpo. Ficamos nós, porém, vivos e imortais. Não morreremos. Não morre nossa alma. A imortalidade de nossa alma é uma verdade tão clara, que nunca houve povo tão bárbaro que nela deixasse de crer. Repugna e revolta ao nosso ser todo, a ideia estúpida do materialismo apontando-nos a sepultura e um punhado de pó como a única e última finalidade de nossa existência.

Com a morte tudo se acaba?

Sim, quanto ao corpo, até a ressurreição da carne no dia do Juízo.

E quanto à alma, então sim é que tudo começa.

Começa a eternidade...

A vida passa depressa. Somos crianças neste mundo, sempre iludidos pelas bagatelas e loucuras do pecado. Andamos à caça de borboletas de ilusões.

Depois... depois... virá a hora da despedida de tudo quanto é terreno. E havemos de partir para a casa da nossa eternidade.

Diz a escritura: Irá o homem para a casa da sua eternidade.

Ora, morrer é, pois, ir para a casa. Deus é Pai. Iremos pois então para a casa de nosso Pai. Haverá coisa mais bela e mais consoladora? Como é bela a esperança cristã!

E como é horrível o materialismo a considerar o túmulo um punhado de lodo, o último e fatal destino de um homem!

E depois?

Depois, quando nossa alma se separar do corpo, o que constitui a morte, todos nós compareceremos ante o Tribunal Divino e seremos julgados. Omnes stabimus ante tribunal Domini nostri Jesu Christ! Que dia aquele e hora tremenda a da sentença! Estaremos em face de duas eternidades: Céu ou Inferno! Post hoe judicium... depois da morte o Juízo. Daremos contas severas a Deus de tudo.

Nossa vida inteira se passou na presença do Senhor que tudo sabe e penetra até os nossos mais secretos pensamentos. “Cada dia, escreveu Bossuet, cada instante a Justiça de Deus registrou nossas ações. Cada momento de nossa existência, cada respiração, cada batida de nosso pulso, se assim posso me exprimir, cada manifestação de nosso pensamento tem consequências eternas. E toda esta história sem igual nos será apresentada um dia”.

Sim, toda a nossa vida, e até as nossas mais secretas intenções irão ao Tribunal de Deus, no dia e na hora em que nossa alma se separar deste corpo de morte. Quem é o Juiz? Deus Santo, a Santidade em essência, Deus que tudo sabe e tudo vê, Deus que num instante nos apresenta toda a nossa vida, com seus pecados e misérias, bem como as boas obras que fizemos ou deixamos de fazer. Daremos conta também do abuso da Graça e dos pecados de omissão. Meu Deus! Meu Deus! Que tremendo Juízo nos está reservado! Que responsabilidade a do cristão em face da morte! Será a morte apenas um estúpido aniquilamento? Será uma podridão de vermes numa sepultura, e na mais além disto? Ó não, mil vezes não!

A morte é a porta da eternidade, e ela nos lança, despojados de tudo, sozinhos, com o peso de nossos pecados ou de nossas boas obras, na face do Senhor, do Juiz eterno dos vivos e dos mortos para sermos julgados. Já meditamos seriamente nisto? Já pesamos a tremenda responsabilidade da vida? Entretanto, como se procede tão levianamente em face da morte! Que insensatos são os homens quando nem querem pensar na morte, e procuram se iludir para melhor viverem no pecado!

Daremos contas a Deus de nossa vida. Exame rigoroso de tudo... até “de uma palavra ociosa”, diz Nosso Senhor no Evangelho. E depois? Virá a sentença. Duas eternidades: céu e inferno! Acreditam? Tanto melhor! Não acreditam? - Pois não deixará de existir o inferno, nem o céu deixará de ser a mais consoladora das realidades por que alguns materialistas ou cristãos degenerados não querem crer.

Iremos para a casa da nossa eternidade! Ibit homo ad domum aeternitatis suae.

Iremos, sim, mais cedo ou mais tarde. Estamos preparados? Preparados para o Juízo? Então seremos salvos pela Divina Misericórdia se a morte não nos encontrou no pecado e na inimizade de Deus. Somos porém bem puros para comparecermos diante de Deus e entrarmos na vida eterna? Ai! Quanta miséria e fragilidade! E fizemos tão pouca penitência, neste mundo, nos nossos pecados!

Resta-nos o purgatório. Para lá iremos quase todos, iremos nos purificar, antes da recompensa eterna. Poderíamos dizer em geral: depois do Juízo... o Purgatório!

 

No purgatório

Quando levamos nossos mortos queridos à sepultura, costumamos dizer:

descansaram! ... Sim, descansaram da fadigas e lutas desta vida que é um combate no dizer expressivo de Jó: mollela est vita hominiu super terram – a vida do homem neste mundo é um combate. Porém, descansaram já no seio de Deus?

Estão no eterno repouso do céu? Ai! É tão grande a fragilidade humana, que bem poucos, raríssimos, são os que deixam esta vida e entram logo no céu. Os mortos entram, sim, na paz do Senhor, mas na paz da Justiça, geralmente na paz da expiação do puramente. O puramente é lugar da paz. Lá habita a doce paz dos eleitos, dos que resignados e cheios de amor e de dor cumprem a sentença e se purificam à espera do céu. Já se chamou ao purgatório, e com razão, o vestíbulo do paraíso. É o pórtico da eternidade bem-aventurada.

Sim, nossos mortos descansaram, mas sofrem, e sofrem muito mais do que tudo quanto padeceram nesta vida. O fogo das provações neste mundo, queima a palha. O fogo das purgatório acrisola o ouro. É terrível! Em face da morte deveríamos pensar na expiação das pobres almas que foram prestar contas a Deus e, talvez sofram no purgatório. Não digamos comodamente: estão no céu!

Estão no céu! Com isto padecem almas no purgatório. Iremos meditar o que é e o que padecem as almas do purgatório. A Igreja pelas lições impressionantes da sua Liturgia quer que associemos ao pensamento da morte o da eternidade. E, diz o Prefácio da Missa dos defuntos, se a condição da nossa morte nos entristece, console-nos a promessa da imortalidade futura.

E depois, quantas vezes gemendo sobre nós, clama: Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno! Dai-lhes o descanso eterno! Implora misericórdia para nossa pobre alma, lembra o Juízo tremendo de Deus, e quer nos aliviar nas chamas expiadoras do purgatório. Nunca meditemos na morte sem meditarmos no puramente. É este o sentido da Liturgia nos funerais.

Estas preces tocantes e belas, estes ritos impressionantes e cheios de majestade, lembra-nos a nossa dignidade de cristãos, a dignidade de nosso corpo, sacrário de uma alma imortal e templo do Espírito Santo, destinado a ressuscitar um dia e comparecer no Tribunal do Juízo. Lembramo-nos a triste condição de uma pobre alma ao comparecer diante de Deus, e implora misericórdia ao Juiz dos vivos e dos mortos. Sim, não podemos, como cristãos e filhos da Igreja, separar o pensamento da morte da eternidade. E como sabemos qual é a Justiça de Deus, não deixaremos de considerar que após a morte aí vem o purgatório para quase todos nós e que lá na expiação, há muitas almas queridas pelas quais somos obrigados a orar por dever de Justiça e de caridade. Eis pois, repito, o sentido da meditação da morte e da Liturgia dos mortos. Não é um pensamento de morte, não estão vendo? É ao invés um pensamento de vida. Vita mutatur non lonitur, diz o Prefácio dos Defuntos. A vida não foi tirada, nem desapareceu, mudou-se apenas. De terrena passou a ser eterna. Eis como o cristão pensa na morte!

 

Exemplo

As almas do purgatório na hora da morte dos que as socorrem É certo, diz um autor, a ingratidão não pode existir no Purgatório. Aquelas benditas almas há de proteger e socorrer os que as aliviam nesta vida com seus sufrágios. O célebre Cardeal Baronio conta que uma pessoa devota das santas almas foi terrivelmente tentada na hora da morte. Estava desolada e quase em estado de desespero, quando uma multidão de pessoas veio em seu auxílio. Logo ficou livre de toda tentação e entrou em doce paz. Perguntou curiosa:

- Que multidão é esta que entrou aqui e na mesma hora senti tanto alívio e fui socorrida pelo céu?

- Somos as almas que tirastes do purgatório, responde uma doce voz, e viemos buscar vossa alma para juntos entrarmos no céu.

Ao ouvir estas palavras, a agonizante feliz sorriu e expirou.

São Felipe Neri era também devotíssimo das almas e cheio de caridade, nunca deixou de socorrê-las em toda sua vida. Muitas vezes lhe apareceram para lhe testemunhar uma gratidão profunda. Depois da morte do Santo, um dos seus confrades o viu na glória do céu, cercado de uma multidão de bem-aventurados no esplendor da glória eterna.

- Que corte é esta que vos cerca? Pergunta o Padre.

- São as almas que livrei do purgatório e que salvei. Vieram me acompanhar na glória.

Um dia Santa Brígida, numa visão que teve do purgatório, ouviu a voz de um Anjo que descia do céu para consolar as almas e repetia:

- Bendito seja aquele que ainda na terra enquanto vivo, ajuda as almas do purgatório com suas orações e boas obras! A justiça de Deus exige que necessariamente as almas sejam purificadas pelo fogo e as obras boas dos amigos das almas as podem livrar do sofrimento.

Dos abismos a Santa ouviu também esta súplica: “Ó Cristo Jesus, nosso juiz justíssimo, em nome da vossa misericórdia infinita não olheis as nossas faltas são inumeráveis, mas os méritos do vosso Preciosíssimo Sangue na Paixão!

Senhor, fazei que os eclesiásticos, religiosos e prelados, com um sentimento de caridade que vós lhe dareis, venham nos socorrer em nossa triste situação por suas orações, esmolas e indulgencias, que eles nos tirem de nossa triste situação.”

Outras vozes respondiam agradecidas: Graças, mil graças, Senhor, a todos os que nos aliviam em nossas desgraças. Senhor, que o vosso poder pague o cêntuplo aos nosso benfeitores que nos levaram a vossa eterna e divina luz.

Era a voz da gratidão do purgatório.

Na morte e depois da morte seremos recompensados pelo que tivermos feito em sufrágio das benditas almas do purgatório.

 

4 de Novembro

O PURGATÓRIO

A justiça e a misericórdia

Existe o purgatório, isto é um lugar de expiação onde se purificam as almas para a visão beatífica.

Quem é digno de subir à Montanha Santa? Quis ascendit in moniem Domini?

Quanta santidade e pureza de vida exige o Senhor dos que há de admitir à sua presença, à presença daquele Deus três vezes santo, ante o qual os serafins cobrem as faces com suas asas e os céus repetem: Sanctus, Sanctus, Sanctus – Santo, Santo é o Senhor Deus dos Exércitos!

A pobre criatura humana tão miserável nem sempre, ao deixar a terra, é bastante pura e santa e merece a presença do Senhor, a visão beatífica. E também como há de ser condenada às chamas eternas a alma que, embora não tivesse pago a dívida dos enormes pecados na penitência desta vida, não é todavia merecedora do castigo eterno? Há de entrar no céu? Não. Lá só se encontram os santos e os puros de coração e que pureza angélica requer a divina Justiça para o céu!

Há de ser condenada ao inferno? Oh! Não. A misericórdia divina jamais o permitiria. Faltas veniais, imperfeições, falta de penitência dos pecados graves, tudo isto, é bem verdade, exige castigo e sem a penitência não se há de entrar no céu. Porém, a Justiça e a Misericórdia divina se uniram – Justitia et pax osculatae sunt. - E inventaram uma obra prima desta mesma justiça e desta misericórdia infinitas do Senhor.

O pecado será castigado, a dívida exigida pela justiça será paga até o último ceitil, mas a infinita misericórdia há de salvar a pobre alma culpada, há de lhe abrir um dia as portas do céu.

Existe o purgatório!

Não é consoladora e racional a doutrina da Igreja neste dogma?

 

A Sagrada Escritura

A oração pelos mortos e a existência de um lugar de expiação, claramente se encontram afirmadas nos livros santos. Recordemos o texto do livro segundo os Macabeus (12,43-36) e que serve de epístola na missa do aniversário dos defuntos:

“Naqueles dias, o varão forte chamado Judas, havendo feito um peditório, recolheu a quantia de doze mil dracmas, que enviou para Jerusalém, para ser oferecido um sacrifício pelos pecados dos mortos; pois ele possuía bons e religiosos sentimentos acerca da ressurreição (e, com efeito, se ele não esperasse que aqueles que haviam sucumbido ressuscitassem um dia, teria pensado que era vão e supérfluo orar pelos mortos). Assim, ele acreditava que uma abundante misericórdia estava reservada para aqueles que morressem piedosamente; pois, na verdade, é um santo e salutar pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados.”

Que se conclui do texto sagrado? Há um lugar de expiação e podemos orar pelos mortos, pois é santo e salutar este pensamento.

E o evangelho? Algum texto deste livro de todos o mais sagrado, prova a existência do purgatório? Sim, segundo os mais autorizados comentadores e Santos Padres, este ponto da nossa fé não deixou de ser afirmado por Nosso Senhor. (“Aquele que blasfemar contra o Espírito Santo, diz Jesus, não será perdoado nem neste mundo nem no outro”.)

Logo, há pecados que ao perdoados no outro mundo, isto é, são expiados no purgatório.

“Não hesites em fazer as pazes com teu adversário, diz Jesus, enquanto estiveres em caminho com ele, para que não vá te entregar ao oficial da Justiça e sejas lançado no cárcere. Em verdade te digo, daí não sairás enquanto não houveres pago o último ceitil.”

Estas palavras nos indicam a existência na vida futura de um lugar onde se pagam as dívidas morais, isto, é o purgatório.

O Apóstolo dos gentios diz que aqueles que misturaram nas obras de Deus as preocupações do amor próprio, serão salvos, mas passando pelo fogo.

Notai bem: serão salvos. Portanto, não serão condenados ao inferno, mas passarão pelo fogo, isto é, hão de sofrer e se purificar. - Eis o purgatório.

 

Os Santos Padres e os Concílios

Desde Origenes e Tertuliano, encontramos nos Santos padres a prova de que a crença do purgatório sempre existiu na Igreja, desde os tempos primitivos. As inscrições das catacumbas demonstram que oravam os primeiros cristãos pelos mortos. Tertuliano exorta uma viúva cristã a conservar pelo falecido esposo a mesma ternura, rezando por ele.

Perguntaram a São João Crisóstomo o que era preciso fazer pelos defuntos.

Respondeu ele: “ É preciso ajudá-los com ardentes súplicas e especialmente com a prece litúrgica por excelência, o Santo Sacrifício da Missa. Santo Ambrósio diz o mesmo, escrevendo a Faustino: “Chorai menos e rezai mais. Derramais lágrimas, isto é permitido, mas não deixeis de recomendar ao Senhor a irmã querida que vos deixou”.

Diversos Padres da Igreja afirmam claramente o que a Escritura e a tradição demonstram: a existência do purgatório.

Em Cartago, São Cipriano, no século terceiro, fala do sufrágio dos mortos que ele recebera da tradição dos predecessores.

Santo Agostinho louva a Parchius porque em vez de rosas, lírios e violetas sobre os túmulos, derrama o perfume da esmola sobre as cinzas dos mortos queridos. E diz mais claramente, num sermão aos seus diocesanos de Hipona: “Não há dúvida que as orações da Igreja e o sacrifício salutar e as esmolas dos fiéis ajudam os defuntos a serem tratados mais docemente do que mereciam os seus pecados.

O que aprendemos de nossos pais, diz o Santo Doutor, e o que a Igreja Católica observa, é fazer memória no sacrifício dos que morreram na Comunhão do Corpo e do Sangue de Cristo, e rezar e oferecer por eles o Sacrifício. Pede orações no santo altar pela alma de Mônica, sua mãe.

Recomendemos a Deus, diz São Gregório Nazianzeno, as almas dos fiéis que chegaram antes de nós ao lugar do repouso.

São Cirilo escreve: “Não é por lágrimas que se socorre um defunto, mas pelas orações e as esmolas. Não deixeis de assistir os mortos, rezando por eles.”

E muitos outros Padres da Igreja afirmaram claramente a existência do purgatório e eficácia dos nossos sufrágios. Agora, vejamos a autoridade dos Concílios.

Inúmeras assembleias provinciais e ecumênicas afirmaram o dogma do purgatório e recomendaram os sufrágios e orações pelas almas. Assim os Concílios provinciais de Cartago – ano 312 – Canon 29 – o de Orleans em 533 – Canon 14 – o de Praga e os Concílios ecumênicos de Latrão, Florença e sobretudo o Concílio de Trento não definiu a natureza apenas do purgatório, mas afirmou os pontos essenciais do dogma da seguinte forma: Como a Igreja católica de conformidade com a Sagrada Escritura e a antiga tradição dos Padres ensinou nos Concílios anteriores e no presente sínodo universal que existe um lugar de expiação, e que as almas ali encerradas podem ser aliviadas pelos sufrágios dos fiéis e principalmente pelo Sacrifício do Altar, o Santo Concílio ordena aos bispos que tomem cuidado para que uma pura doutrina no que respeita ao purgatório, conforme a tradição dos Santos Padres e dos Concílios, seja acreditada e sustentada por todos os que pertencem à Igreja e seja ensinada e pregada em toda parte. As questões difíceis e árduas neste ponto que não poderiam servir para a edificação e nem favorecer a piedade, devem ser evitadas nas exortações ao povo. É mister também evitar a exposição de opiniões incertas e com aparência de erro. E definindo, conclui: se alguém disser que a graça da Justificação, a culpa e a pena eternas são de tal modo perdoadas ao penitente, que não resta pena temporal a sofrer neste mundo e no outro no purgatório antes de entrar no reino do céu, seja anátema.

E outro Canon: “Se alguém disser que o Santo Sacrifício da Missa não deve ser oferecido pelos vivos e os mortos, pelos pecados e penas, as satisfações e outras necessidades, seja anátema”.

Eis aí toda a doutrina da Igreja sobre o purgatório. Que se conclui então? Há só dois pontos, perfeita e claramente definidos, e que somos obrigados a crer: 1) – Existe um lugar de purificação temporária para as almas justificadas que saem desta vida sem completa penitência dos seus pecados. 2) – Os sufrágios dos fiéis e especialmente o Santo Sacrifício da Missa são úteis às almas.

Eis aí, em síntese, a consoladora doutrina da Igreja sobre o dogma do purgatório.

 

Exemplo

Santa Perpétua e o purgatório

Já nos primeiros séculos, segundo o testemunho de Tertuliano e dos Santos Padres e os monumentos, os cristão sufragavam os mortos com orações, e pelo Santo Sacrifício da Missa celebrado sobre as sepulturas. Nas inscrições, nos epitáfios se encontram nas catacumbas belas preces pelos mortos. No século IV em 302, Santa Perpétua nos conta uma visão do purgatório. Diz ela: “Estávamos em oração na prisão, depois da sentença que nos condenava a sermos expostas às feras e de repente chamei por Denócrato. Era um meu irmão segundo a carne. Morrera com um câncer na face. Alembrança da sua triste sorte me afligia. Fiquei admirada de me ter vindo à lembrança este irmão e me pus a rezar por ele com todo fervor, gemendo diante de Deus. Na noite seguinte, tive uma visão na qual vi Denócrato sair de um lugar tenebroso no qual se acham muitas pessoas. Estava abatido e pálido, com a úlcera que o levou à sepultura. Tinha uma grande sede. Junto de mim estava uma bacia com água, mas ele em vão tentava beber e não conseguia. Conheci que meu irmão estava sofrendo e era preciso rezar por ele. Pedi por ele dia e noite com muitas lágrimas, para que fosse libertado. Alguns dias depois tive outra visão, na qual Denócrato me apareceu todo brando, brilhante e belo, e se inclinou e bebeu à vontade a água que antes não pode tirar. Conheci por isto que estava livre do suplício.”

Eis um belo trecho que vem provar a antiguidade da crença do purgatório.

Santo Agostinho reconhece a autenticidade das Atas de Santa Perpétua e nota que o irmãozinho da Santa deveria ter cometido alguma falta depois do batismo.

 

5 de Novembro

O PURGATÓRIO, A RAZÃO E O CORAÇÃO

Razões do purgatório

Qual a razão de ser do purgatório? É o pecado. É o obstáculo que impede a alma de entrar no céu sem estar purificada e digna da visão beatífica. O pecado mortal leva ao inferno. Separa para sempre a alma de Deus. Entretanto, veio o perdão pela infinita misericórdia e o pecador arrependido muda de vida e não mais volta aos seus desvarios. Todavia, não fez a devida penitência, não reparou o seu crime neste mundo por uma penitência. Fica-lhe ainda uma dívida a pagar à Divina Justiça. O pobre pecador culpado de muitas faltas veniais passa desta para outra vida, vai prestar contas a Deus. Aquele Deus de todo santidade, o Santo por excelência, a Justiça mesma, não quer condenar a quem já perdoou, não há de perder quem, embora manchado de leves culpas, de muitas imperfeições, não é todavia inimigo de Deus. Que há de fazer? Levá-lo para o céu, onde nada pode entrar manchado? Impossível! Seria ter uma noção errada da santidade e da infinita pureza de Deus, admitir este absurdo. Condenar às penas eternas quem, embora tivesse pecado, não chegou à culpa mortal e não separou do Senhor porque não perdeu o estado de graça? Então para onde irá a alma assim manchada e não de todo santa e perfeita para o céu? Eis a razão a nos dizer: há de existir uma purificação além desta vida entre as duas eternidades, um purgatório que nos livre do inferno e que seja o vestíbulo do paraíso, uma expiação necessária para as almas. Pode-se ir para o purgatório por três motivos: primeira, pelos pecados veniais não remidos ou perdoados neste mundo; segundo, pelas inclinações viciosas deixadas em nossa alma pelo hábito do pecado; terceiro, pela pena temporal devida a todo pecado mortal ou venial cometido depois do batismo e não expiado ou expiado insuficientemente nesta vida.

Depois da morte não há mais reparação nem penitência nem mérito. Havemos de pagar a dívida de nossos pecados até o último ceitil, como diz o evangelho.

Ora, é necessário o purgatório. É um dogma muito conforme à razão e bom senso.

A existência do purgatório, dizia o grande Conde De Maistre, se apoia na natureza de Deus e na natureza do homem. Digo - na natureza de Deus. Deus é Santidade, Justiça e Caridade. Como Santo, Deus não pode admitir união entre a sua natureza infinita e nossas manchas. Como Deus, é bom, não pode deixar perecer para sempre a obra das suas mãos que lhe implora o perdão. Daí a necessidade de um lugar de expiação. A razão do purgatório também se baseia na natureza do homem. Está na natureza humana procurar se purificar para ter um alívio, porque a falta coloca o homem em desarmonia com seu fim último. Ora a alma não pode se purificar sem sofrimento, sem penas. O purgatório é esta expiação, esta purificação que a alma procura. Para fazer cessar este desacordo entre ela e Deus e torná-la apta para gozar da felicidade de Deus sem as manchas de suas faltas.

Eis aí como é racional e que harmonia no dogma do purgatório!

 

Razões de sentimento

Vemos tantos entes queridos que deixaram esta vida, é verdade, em boas disposições, mas como era culpados de certas faltas e não haviam feito uma penitência devida, receamos as vezes pela sua salvação. Todavia nos diz o coração que não podiam se perder. Eram bons, tinham qualidades apreciáveis, foram talvez caridosos e fizeram algum bem nesta vida. Admitir que estejam no céu depois de tantas faltas e defeitos e ausência de penitência, não o podemos. Dizer que estejam condenados, é muito duro, e, apesar de tudo, como poderiam ter se perdido algumas tão caridosas e boas e que fizeram algum bem neste mundo? A ideia do purgatório se impõe necessariamente à nossa razão antes de se impor à nossa fé.

Escreve o Pe. Faber: "O purgatório explica os enigmas deste mundo. Dá solução a uma multidão de dificuldades. Em face deste sistema, que poderíamos chamar o oitavo e terrível Sacramento do fogo que atinge as almas, às quais os sete sacramentos não deram uma pureza perfeita. O purgatório é uma invenção de Deus para multiplicar os frutos da Paixão de nosso Salvador e que Ele estabeleceu prevendo a grande multidão de homens que deveriam morrer no amor de Deus, mas num amor imperfeito. Não é uma continuação além-tumulo das misericórdias prodigalizadas no leito de morte? Isto nos esclarece tanto e nos faz supor que muitos católicos se salvam, principalmente os que viveram neste mundo na pobreza, no sofrimento e nas provações.

O dogma do purgatório também encontra fundamentos e raízes no coração humano, escreveu Mons. Bougaud. É um intermediário entre a Justiça e a Misericórdia, como o divino auxiliar do amor. Tirai o purgatório, e a justiça seria terrível. Seria inexorável. Felizmente, esta ali o purgatório. O amor infinito o criou.

O purgatório não serve apenas para temperar e satisfazer a justiça. Serve também para dilatar a misericórdia. Serve para explicar a misericórdia de Deus que se contenta, na hora da morte, com um pouco de arrependimento do pecador.

Não é pois consolador pensar na existência do purgatório, pelo qual se poderão salvar tantas almas? A impiedade e a heresia, negando o dogma da expiação além-túmulo, se põe contra a razão. O purgatório, diz ainda o célebre Mons. Tiemer Toth, é a melhor resposta aos erros da reencarnação. Há um sofrimento purificador depois desta vida. O cristianismo ensinou isto muito antes que as filosofias nebulosas do Oriente semeassem na alma homem moderno o erro das reencarnação, que não tem a seu favor argumento de espécie alguma. Também nós pregamos que há purificação além-túmulo! Esta purificação se faz na justiça de Deus e com o fim de salvar uma alma por toda eternidade e torná-la digna da Pureza Infinita, que é Deus. O purgatório é um combate aos erros do espiritismo, poque nos manda orar e sufragar os mortos sem se preocupar em conversar com eles, na certeza de que estão nas Mãos da Divina Justiça e já não podem se comunicar com os vivos. Que dogma racional e de quantos erros e superstições nos livra!

 

Nossos mortos

Havemos de chorar nossos mortos e a religião não nos pode proibir as lágrimas tão justas, quando sentimos nosso coração ferido pelo golpe duro da saudade.

Todavia, havemos de chorar cristãmente nossos defuntos queridos. É mister lembrar-se deles mais com orações e sufrágios do que com lágrimas estéreis. O pensamento do purgatório é um consolo. Sabemos que podemos ainda auxiliar, valer e socorrer nossos entes queridos. É bem possível que padeçam no purgatório.

A religião de Nosso Senhor Jesus Cristo não proíbe que choremos os nosso mortos queridos. Podemos, pois, render a estes o tributo de nossas lágrimas e de nossas saudades. Com esta pobre natureza, como ficarmos insensíveis ante a morte de um ente estremecido? Como nos custa ver arrebatados pela morte os entes com quem convivemos, nosso pai, nossa mãe, nosso filho, nosso irmão,

nosso amigo!... A religião, se bem que nos ensine a ser fortes na dor e a meditar na Paixão de Jesus Cristo, não nos veda aquelas lágrimas e saudades. Ela não tem o estoicismo pagão, estúpido e antinatural. Pois Jesus não chorou na sepultura de Lázaro? Não choraram, na Paixão, Maria e Madalena e as Santas Mulheres? A religião nos permite chorar do mesmo modo os nossos mortos. Quer apenas que o façamos, não como os pagãos, desesperados e desiludidos, mas como quem tem esperança na vida eterna e crê na imortalidade. Choremos a separação dolorosa, mas com a doce esperança de que, um dia, numa pátria melhor, onde não haverá nem luto, nem dor ou sofrimento de qualquer espécie, nem separação, tornaremos a ver todos aqueles que amamos aqui na terra. Como essa esperança consola! O cristão não deve dizer com desespero, ante o cadáver gelado de um ente querido: - "Nunca mais te verei! Adeus para sempre!" Não! Embora em pranto, suas palavras devem ser estas:

- "Até ao céu! Lá nos tornaremos a ver e seremos para sempre felizes!"

O dogma do purgatório, tão em harmonia com nosso coração, nos diz que podemos ainda ajudar nossos mortos queridos para podermos dizer-lhes: até o céu!

 

Exemplo

A bem-aventurada Ana Taigi e o purgatório

Deus lhe revelou muita vezes a sorte das almas do purgatório. ela pedia continuamente pelas pobres almas num misterioso sol que sempre lhe aparecia, foi uma grande mística do século XIX.

Em 30 de Maio de 1920, S.S. Bento XV declarava Bem-aventurada a humilde e pobre mãe de família, que durante tanto tempo chamou a admiração de Roma e do mundo com tantos prodígios sobrenaturais. A Beata Ana Taigi, romana de nascimento, via todos os acontecimentos futuros e a sorte dos mortos.

Um homem, conhecido de Ana, morreu, e ela o viu nas chamas do purgatório, salvo do inferno pela Divina Misericórdia, porque socorreu um pobre que o importunava muito pedindo esmola. Viu um conde cuja vida se passou em delícias e divertimentos, mas que na hora da morte teve um grande arrependimento e se salvou, mas deveria sofrer no purgatório tormentos incríveis tanto tempo quanto passou neste mundo sem se preocupar com a penitência e com a salvação eterna.

Viu homens de grande virtude sofrendo porque se deixaram levar pela vaidade e amor próprio, muito apegados aos elogios e à amizade dos grandes da terra.

Um dia Nosso Senhor lhe disse: levanta-te e reza, meu vigário na terra está na hora de vir me prestar contas. Ana sufragou a alma do Papa e depois o viu como um rubi ainda não de todo brilhante, pois lhe faltava se purificar mais.

Faleceu em Roma o Cardeal Dória, que deixou grande fortuna, e naturalmente celebraram-se por sua alma centenas de Missas. Foi revelado à Beata Ana Taigi que as Missas celebradas por alma do Cardeal eram aproveitadas para as almas dos pobrezinhos abandonados e que não tinham quem mandasse celebrar por eles.

Via-se assim a Divina Justiça que não olha a riqueza nem as possibilidades dos ricos em arranjar sufrágios, com descuido às vezes neste mundo da verdadeira penitência.

Viu Ana no purgatório um sacerdote muito estimado por suas virtudes e sobretudo pelas brilhantes pregações que fazia e o tornavam admirado de todos.

Sofria muito este pobre padre. Foi revelado à Beata que expiava a falta de procurar com muito empenho a fama de bom pregador e um pouco de vaidade ao pregar a palavra de Deus, sobretudo nas complacências com os elogios.

Viu dois religiosos muito santos no purgatório, em sofrimentos duros. Um deles expiava o seu apego ao próprio juízo e pouca submissão ao modo de ver de outros, e outro a dissipação, a falta de recolhimento e piedade no exercício do ministério sacerdotal.

enfim, a Beata Ana trouxe com a sua bela e impressionante mensagem do sobrenatural no século XIX, muitas luzes sobre o purgatório e impressionantes lições da Justiça de Deus, e também não há dúvida, da Infinita Misericórdia que salva tantas almas pelas chamas expiadoras do purgatório.

6 de Novembro

O SOFRIMENTO DO PURGATÓRIO

Sofrimento terrível

Exclamava Jó, o profeta, e com ele repetem as santas almas do purgatório:

Miseremini mel! Saltem vos amici mei, quia manus Domini tegitit me! - Tende compaixão de mim! Tende compaixão de mim! ao menos vós que sois meus amigos, porque a mão de Deus me feriu!

Sim, a Justiça de Deus fere as benditas almas para as purificar e santificar e torná-las dignas do esplendor da glória celeste e da visão de Deus. E que sofrimentos incríveis padecem elas! Que fogo devorador! Fogo que acrisola o ouro e prepara os eleitos para a visão divina, a glória eterna!

Sofrer é a condição das almas do purgatório. Pertencem elas à Igreja padecente.

Desde que o pecado entrou no mundo, só pela cruz Jesus nos salvou, e só pelo fogo do sofrimento chegamos ao céu. O purgatório foi chamado o oitavo sacramento do fogo. Sacramento da misericórdia na outra vida.

As almas do purgatório, diz o P. Faber, estão num estado de sofrimento que a nada se pode comparar e nem se pode fazer uma ideia.

Segundo Santo Tomás e Santo Agostinho, quanto ao sofrimento, as penas do purgatório são análogas às do inferno.

Santa Catarina de Genova, após uma visão do purgatório, exclama: Que coisa terrível é o purgatório! Confesso que nada posso dizer e nem conceber que se aproxime sequer da realidade. Vejo que as pessoas que lá padecem as almas são tão dolorosas como as penas do inferno.

O purgatório tem penas, diz a autoridade de Santo Tomás de Aquino, penas que ultrapassam a todos os sofrimentos deste mundo.

É o mais horroroso de todos os martírios.

E como não hão de clamar as benditas almas das profundezas do abismo das chamas expiadoras: Miseremini mei! Miseremini mei! - Tende compaixão de mim!

Segundo os teólogos e autores abalizados, as almas do purgatório sofrem tanto que não há na linguagem humana o que possa traduzir os tormentos terríveis que padecem. Santa Catarina de Genova, chamada a teóloga do purgatório, a quem Nosso Senhor revelou o sofrimento da expiação dos justos, diz ser impossível traduzir na linguagem humana e o nosso entendimento não pode conceber tal sofrimento. É preciso uma graça e uma iluminação especial de Deus para compreender estas coisas, dizia a Santa.

"É pior que todos os martírios", disse o Padre Faber.

"As penas do purgatório são passageiras, não são eternas, diz São Gregório Magno, mas creio que são mais terríveis e insuportáveis que todos os males desta vida".

Domingos Soto escreveu: "Se o homem tivesse de suportar os tormentos do purgatório, a dor o mataria num instante. A alma imortal por sua natureza torna-se mais forte pela separação do corpo orgânico e por isto tem capacidade para tanto sofrimento".

Há dois sofrimentos, duas penas principais no purgatório: a pena do dano ou separação de Deus, e a pena do sentido, tormento do fogo.

 

A pena do dano

Que é a pena do dano que padecem as almas do purgatório?

É a que sofrem por se verem privadas da visão de Deus no céu. A visão intuitiva que consiste na felicidade de ver a Deus como é, segundo a palavra de São Paulo:

videbimus eum sicuti est. Não ver a Deus, cuja beleza soberana e cuja bondade elas compreendem agora de modo tão claro e sentem ser Ele o Soberano bem, único desejável e a suprema Beleza, única que pode encantar uma alma!

Pois separada do Soberano Bem, a alma sente um horrível martírio mais insuportável do que todos os tormentos que possa padecer e até do fogo do purgatório em que se acha.

Santo Tomás de Aquino tratando da pena do dano, diz ser mais insuportável, maior e mais terrível que a pena do sentido. Não ver a Deus, não possuir este Deus, único encanto da pobre alma que já não tem mais nada que a possa seduzir ou enganar, e deixá-la esquecida da Suprema Felicidade! Aqui neste mundo a tibieza, o apego à terra e nossa fraqueza, fazem com que muitas vezes nos esqueçamos de Deus e vivamos sem sentir e nem imaginar sequer o que seja estar separado de Deus. Há quem não possa sequer imaginar o que possa haver de sofrimento nesta ausência de Deus que é a pena do dano. Porém, ai! quando a alma separada deste corpo mortal sentir a necessidade de voar para Deus, de possuir a Deus, atraída pelo Bem Infinito, sedenta da posse de Deus e da Eternidade, então há de sentir, há de perceber quanto é doloroso e horrível estar um minuto que seja separada do Bem Soberano, separada de Deus! É a horrível pena do dano.

"Sentir um ímpeto de ir para Deus sem o poder satisfazer, isto, diz Santa Catarina de Genova, é o maior sofrimento que se possa imaginar, é propriamente o purgatório. Este estado é um estado de morte, uma angústia inenarrável".

A liturgia da Igreja chama-o com razão de morte: Libera eas a morte...

Sabeis o que é o suplício de quem está sufocado e não pode respirar? Que horror!

A alma está como sufocada, não pode respirar o que é a vida e razão de ser, Deus, o Infinito, o Eterno, o Paraíso! A pobre alma no purgatório se precipita no tormento e no fogo, quer se purificar, suspira pelo Bem Eterno, sofre e sofre, mas deseja mais sofrimento para que chegue logo a hora de contemplar o seu Deus, a Eterna Beleza que o atormenta naquelas chamas da expiação!

Tem-se visto neste mundo, escreveu Mons. Bougaud, afeições tão profundas, almas que se amavam e não puderam suportar a separação e morreram de dor.

Que não será no purgatório? Podemos dizer que se Deus por um milagre da sua Onipotência não sustentasse as almas do purgatório, elas ficariam aniquiladas de dor longe daquele Deus que amam apaixonadamente. Se compreendêssemos melhor como é horrível a separação de Deus! Se como os Santos experimentássemos as provações da vida mística, o tormento de se sentir ausente de Deus, saberíamos avaliar o que é e o que faz sofrer esta terrível pena do dano!

 

O fogo do purgatório

Além do sofrimento da pena do dano ou da privação da vista de Deus, da posse da visão beatífica, a Igreja nada definiu sobre a natureza das outras penas do purgatório. O Concílio de Florença diz que as almas são privadas temporariamente da visão beatífica e são purificadas de toda mancha por penas expiadoras e purificadoras. Dentre estas penas está a dos sentidos, e comumente concordam quase todos os autores, se trata da pena do fogo. Há fogo no purgatório e um fogo terrível criado pela Justiça Divina para purificação dos justos, para acrisolar o ouro das almas. Os teólogos em geral e em sentença comum, afirmam que se trata de um fogo verdadeiro e não metafórico. Fogo que queima mil vezes mais que o fogo da terra, que comparado a ele não é mais do que o de uma pintura para a realidade. Os Santos Padres e os Teólogos escolásticos admitem o fogo real. como pode um fogo material atormentar a alma que é espiritual? É um mistério. Todavia, não temos um outro mistério que é o da alma espiritual agir sobre o corpo material: Por que a Justiça de Deus não poderia fazer com que o fogo material agisse sobre a alma espiritual? Diz claramente Santo Tomás de Aquino: "No purgatório há dois sofrimentos: a pena do dano, que consiste no retardamento da visão de Deus, e a pena dos sentidos, castigo proveniente de um fogo material".

A questão do fogo do purgatório foi muito discutida no século IV. Santo Agostinho conclui pela existência do fogo material. No século XIII Santo Tomás segue a opinião de Santo Agostinho. A pena do fogo! Como é terrível! Não é menor em intensidade do que o fogo do inferno. Este fogo, diz São Gregório Magno, instrumento da Divina Justiça, faz sofrer mais tormentos e muito mais cruéis do que tudo quanto sofreram os mártires nos suplícios inimagináveis.

As maiores dores são as que afetam a alma, comenta São Tomás. Toda a sensibilidade do corpo vem da alma. O quer não será uma dor que vem ferir diretamente a alma? Pois o fogo material, fogo misterioso, dotado de um poder extraordinário, pela Justiça Divina, atinge diretamente a alma e a fere dolorosamente. Que fogo, meu Deus! Que castigo tremendo! Como sofrem as pobres almas nesta fornalha abrasadora! Tantas revelações particulares nos mostram o fogo do purgatório, fogo real, fogo terrível. Verdadeiro fogo.

Porque discutir quando a unanimidade quase dos Doutores e Santos Padres e tantos teólogos seguros nos falam com uma eloquência tão impressionante da realidade do fogo do purgatório? São Boaventura escreve: " O fogo do purgatório é um fogo material que atormenta a alma dos justos que não fizeram penitência neste mundo. Fogo! Esta palavra faz tremer. Já exclamava Isaías: quem dentre vós poderá habitar em meio de um fogo devorador? Façamos penitência agora, aliviemos o fogo de nosso purgatório. É terrível o fogo que nos espera!

 

Exemplo

Uma aparição

Não podemos saber neste mundo com certeza e nem é necessário saber como é e o que é o fogo do purgatório. O que sabemos é que a Sagrada Escritura muitas vezes nos fala do fogo para nos dar a entender que seremos castigados e peixaremos nossas faltas nos rigores da Divina Justiça para nos purificarmos e sermos dignos de entrar no céu. Se o fogo desta vida criado por Deus para nos servir já é terrível, que não será o fogo da Divina Justiça?

O fato seguinte é narrado pelo piedoso Monsenhor De Segur.

Em 1870, diz o piedoso prelado, eu vi e toquei em Foligno, perto de Assis, na Itália, uma destas terríveis provas de fogo pelas quais as almas do purgatório, por permissão de Deus, às vezes atestam que o fogo do purgatório é um fogo real. Em 1859 morreu de uma apoplexia fulminante a a boa Irmã Teresa Gesia, que durante longos anos foi mestra de Noviças. doze dias depois, em 16 de Novembro, uma Irmã, chamada Ana Felícia, subia à rouparia quando ouviu um angustioso e triste gemido: - Jesus! Maria! Que é isto? exclamou assutada a Irmã. Não havia acabado de falar, quando ouviu uma queixa: Ai! Meu Deus! Meu Deus! Quanto sofro! Irmã Ana reconheceu logo a voz da defunta Irmã Teresa. Um cheiro sufocante de fumaça encheu toda a rouparia e percebeu-se o vulto da Irmã Teresa que se dirigia para a porta e tocava na mesma com a mão direita, dizendo: Aqui fica a prova da misericórdia de Deus. E na madeira da porta ficou carbonizada e impressa a mão da defunta, que desapareceu. Irmã Ana pôs-se a gritar numa grande excitação nervosa. A comunidade correu para a acudir e sentia-se um cheiro sufocante de fumaça. A Irmã conta o que se passa e reconhecem todas, mão pequenina gravada no portal, a mão da Irmã Teresa, que se distinguia muito pela sua pequenez e delicadeza. As Irmãs, comovidas vão ao coro e oram pela defunta. Passam a noite em oração e penitências em sufrágio da saudosa mestra de noviças. No dia seguinte oferecem a Santa Comunhão por aquela alma. Mais um dia se passa e Irmã Ana Felícia ouve e vê depois Irmã Teresa radiante de glória toda bela, que lhe diz com doce voz: - Vou para a glória! Sede fortes e corajosas na luta, fortes em carregar a cruz!" E desapareceu numa luz brilhantíssima.

Este fato portentoso é narrado por Monsenhor De Segur, que visitou o Convento das Terceiras Regulares Franciscanas daquela cidade, foi submetido a um rigoroso processo ordenado pelo bispo de Foligno em 23 de Novembro de 1859.

 

7 de Novembro

DURAÇÃO DO PURGATÓRIO

Quanto tempo?

Quanto tempo deve ficar uma alma no purgatório? é uma pergunta impossível de responder. Não temos e não podemos ter nenhum argumento ou definição da Igreja e da teologia que nos possa garantir uma resposta certa a esta pergunta.

É um mistério e depende muito do modo de encararmos a questão. Bem sabemos que na eternidade não há mais tempo. Tempus jam non erit amplius. Como julgar o tempo em relação à eternidade? E demais, o sofrimento faz maior e mais difícil de passar o tempo entre nós. Quantas vezes um minuto nos custa mais a passar que longas horas? Pois o sofrimento horrível e intenso das pobres almas faz com que os minutos lhes sejam anos e até séculos. Aqui, havemos de fazer como todos os autores que tratam do purgatório: recorrer às revelações particulares. Elas nos esclarecem, e algumas vem provadas e até sujeitas a processos canônicos rigorosos, como as dos Santos canonizados, nos dão uma garantia de que não se tratavam de ilusões ou fantasias mórbida. Quanto à duração do purgatório, de uma coisa podemos ter certeza, diz-nos Santo Agostinho: e que as penas expiatórias não irão além do último Juízo no fim do mundo.

No século XVI, um sábio teólogo dominicano, Domingos Solo, afirmou erradamente que pena do purgatório não poderia durar mais de dez anos. É uma opinião sem fundamento e geralmente rejeitada. A Igreja supõe muitas vezes que as penas do purgatório sejam longas, quando permite fundações de Missas e sufrágios por longos anos, e celebra aniversários de vinte, trinta, cinquenta e mais anos. Permite fundações perpétuas de Missas. Ninguém sabe, diz Cesário, quanto tempo, quantos anos deverá ficar no purgatório uma alma. É para nós, diz São Roberto Belarmino, coisa muito incerta. Poderíamos considerar duas espécies de duração do purgatório - uma positiva e que corresponde à medida do tempo tal como o contamos neste mundo, e outra fictícia ou imaginária, a que pensam as almas pelo sofrimento que as faz perder toda noção do tempo. Daí o vemos em revelações particulares pobres almas que estavam apenas algumas horas no purgatório, queixarem-se de anos e até séculos de abandono naquelas chamas.

Eis alguns exemplos de duração positiva segundo revelações particulares: Conta-se na vida de Santo Tomás de Aquino que o mestre seu sucessor na cátedra de teologia de Paris, depois de morto apareceu e disse que havia ficado quinze dias no purgatório para expiar a negligência em executar o testamento de um Bispo.

São Vicente Ferrer assegura que há almas que ficaram no purgatório um ano inteiro por um pecado venial. Segundo o testemunho de São Francisco de Pampeluna, a maioria das almas do purgatório lá sofrem de trinta a quarenta anos. E muitos outros exemplos poderia citar de autores muito graves. Muitos Santos viram almas destinadas a sofrer no purgatório até o fim do mundo.

Algumas revelações particulares, observa o Padre Faber, nos levam a crer que a duração do purgatório vai aumentando sempre mais à medida que a humanidade avança no tempo. Há tanta falta de penitência hoje, tanto luxo e mundanismo!

 

Longo e breve purgatório

Segundo as revelações particulares, há almas destinadas a um longo sofrimento nas chamas do purgatório e outras passam brevemente pela expiação. Citemos exemplos:

Santa Verônica Juliani fala de uma Irmã de seu convento que havia se oposto à reforma do mosteiro e deveria ficar no purgatório tantos anos quantos passou neste mundo. A Santa Margarida de Coriona, a grande penitente franciscana, disse Nosso Senhor: "Alegra-te, minha filha, tua mãe está livre do purgatório, onde ficou ela dez anos". Como a santa rezasse por três defuntos que ela julgava estivessem salvos, revelou Jesus: "Estão salvos por tuas orações e se livraram do inferno, mas ficarão vinte anos nas chamas do purgatório".

Santa Lutgarda fez penitências por Simão Abade, cistercense muito austero e duro demais para com seus súditos. Deveria ficar no purgatório quarenta anos. À Madre Francisca da Mãe de Deus - (1615-1671) - Nosso Senhor mostrou um dia quatro padres que estavam há mais de cinquenta anos no purgatório porque não administraram bem e com respeito e piedade os Sacramentos.

Santa Lutgarda viu no purgatório um dos Papas mais piedosos e ilustres da Igreja, Inocêncio III. Este Papa apareceu à Santa dizendo que por algumas faltas no governo da Igreja, deveria permanecer no purgatório até o fim do mundo. São Roberto Belarmino examinou com muito cuidado as circunstâncias e a autenticidade desta visão, e fala dela nas suas obras. Todavia, se há longas expiações, outras pela misericórdia divina são muito breves. Talvez tenha sido mais intensas. Santa Teresa, na sua Vida ou autobiografia, fala-nos numa Carmelita fervorosa que só passou dois dias no purgatório. Uma outra, muito paciente na doença, ficou apenas quatro horas na expiação. Um Irmão coadjutor da Companhia de Jesus morreu à noite e ficou no purgatório apenas até à Missa do dia seguinte.

Santa Margarida Maria Alacoque, a vidente do Sagrado Coração de Jesus, viu o seu diretor espiritual, o Beato Padre La Colombiere, passar algumas horas nas chamas expiatórias por ligeiras faltas. E se trata de um Santo!

O Santo cura d'Ars, segundo Mons. Trochu nos diz, teve muitas vezes intuições admiráveis do tempo que muitas almas deveriam ficar no purgatório.

Perguntaram ao Santo se uma doente se havia de curar. Quem perguntou ignorava que a enferma tivesse morrido. O Santo, que sabia por inspiração do céu, respondeu logo: "Ela já recebeu a recompensa".

As almas simples e humildes, e sobretudo as que muito sofreram neste mundo com paciência e se conformaram perfeitamente com a vontade de Deus, podem ter um purgatório muitíssimo abreviado, às vezes de horas. É o que nos dizem inúmeras revelações particulares. Até Santos passaram ligeiramente pelo purgatório. Tal se conta de São Severino, Arcebispo de Colônia. Era um grande servo de Deus, admirável pelas suas virtudes e até pelos milagres que fez. Depois da morte, apareceu a um Cônego da sua catedral para lhe pedir orações. Estava no purgatório por instantes, por ter rezado com alguma precipitação.

 

Conclusões

Que havemos de concluir, quando meditamos na duração do purgatório?

Primeiramente, procuramos ter mais zelo pela causa das almas sofredoras que tanto padecem pelo nosso esquecimento. Somos muito fáceis em canonizar logo os mortos e comodamente já não rezamos mais por eles sob a desculpa de que "já estão no céu". Ai! Não sabemos o que é a Justiça de Deus e até os mais santos tem contas severas a dar ao Senhor depois desta vida.

São Francisco de Sales tinha muito medo destas canonizações rápidas dos admiradores. Estas boas almas, dizia ele, com seus elogios, imaginando que depois da minha morte fui logo direto para o céu me farão sofrer no purgatório.

Eis o que me aproveitará a boa reputação de santo...

Santa Tereza escreve no Prefácio do Livro das Fundações: "Pelo amor de Deus, eu peço a cada pessoa que ler meu livro, uma Ave Maria, a fim de que me ajude a sair do purgatório e apresse a hora em que hei de gozar a vista de Nosso Senhor Jesus Cristo". Assim falaram Santos hoje canonizados e cuja morte por tantos prodígios nos deixaram a certeza de que foram diretamente para o céu.

Porque termos presunção de terem ido diretamente para o céu nossos entes queridos, embora virtuosos, e deixarmos de orar por eles? O piedoso e admirável fundador das conferências de São Vicente de Paulo, Frederico Ozanam, deixou no seu testamento estas linhas: "Não vos deixeis levar por aqueles que vos disserem: ele está no céu! Rezai sempre por aquele que mito vos ama, mas que muito pecou.

Com o auxílio de vossas orações eu deixarei a terra com menos temor."

Santo Agostinho pede orações pela alma de Mônica, sua mãe, e de Patrício, seu pai a todos os leitores das suas confissões. O ilustrado e piedoso Padre Perreyve deixa esta recomendação: "Peço aos meus amigos que rezem por mim muito tempo depois da minha morte. Que eles não digam como se costuma dizer muitas vezes e com muita pressa: está no céu! Que rezem muito por mim, sim, eu lhes peço encarecidamente".

Não canonizemos tão depressa os nossos mortos e mesmo aqueles que vimos ter a morte dos justos; rezemos muito por eles. Nunca nos descuidemos do sufrágio dos mortos, porque já fizemos muito durante algum tempo, já mandamos celebrar umas poucas Missas e rezamos umas tantas orações e os julgamos já no paraíso com isto. Ignoramos o rigor da Justiça de Deus. E demais, se nossas Santas Missas mandadas celebrar, nossas orações e penitências não servirem mais para as almas pelas quais rezamos, não irão ajudar tantas almas sofredoras?

Outra conclusão que havemos de tirar de nossas reflexões sobre a duração das penas do purgatório é a de cuidarmos mais da nossa perfeição e não sermos tão presunçosos julgando-nos capazes de entrar logo no céu. Cuidado com esta presunção, que nos pode acarretar um longo e doloroso purgatório!

 

Exemplo

Minutos que parecem séculos

São tão dolorosas as penas do purgatório, que lá os minutos parecem séculos. Há nas revelações particulares tantos fatos impressionantes que comprovam isto.

E demais, que é a eternidade? Já não existe o tempo. Os minutos além desta vida são séculos para os que padecem naquelas chamas expiatórias.

Conta Santo Antonino que um enfermo, vítima de dores atrozes, pedia sempre a morte. Julgava os seus sofrimentos terríveis e acima de toda força humana. Um Anjo lhe apareceu e disse: Deus me mandou para te dizer que podes escolher um ano de dores na terra, ou um só dia no purgatório. O enfermo escolheu um dia no purgatório. Foi para o purgatório. O anjo o foi consolar e ouviu este gemido de dor: “- Anjo ingrato, dissestes que ficaria no purgatório um só dia e sinto que estou já aqui há longos vinte anos pelo menos... Meu Deus, como sofro!”

O anjo responde: - Como te enganas! Teu corpo está ainda na terra sem ter baixado à sepultura. A misericórdia de Deus te concede ainda voltar para um ano de doença na terra. Queres?

- Mil vezes, sofrimentos maiores ainda na minha doença.

Ressuscitou e durante um ano sofreu horrorosamente, mas com uma paciência heroica até a morte.

Este fato foi contado por Santo Antonino de Florença, o prodigioso taumaturgo.

Deu-se também um impressionante fato com São Paulo da Cruz. O Santo estava em oração na cela, quando sentiu que lhe batiam com muita força na porta. Não quis atender, pensando ser o diabo que às vezes lhe perturbava a oração: - Em nome de Deus retira-te, Satanás! Grita São Paulo, mas o batido continua: - Que queres de mim? Pergunta.

- Quanto sofro! Quanto sofro, Meu Deus! Sou a alma daquele padre falecido.

Há tanto tempo estou num oceano de fogo, há quanto tempo!... Parecem mil anos!

São Paulo da Cruz o conheceu logo e respondeu admirado:”- O que me diz?!...

Meu padre, faz um quarto de horas apenas que faleceu e já me fala em mil anos!

O pobre sacerdote do purgatório pediu sufrágios e orações, e desapareceu. São Paulo da Cruz, comovido e banhado em lágrimas tomou a disciplina e se bateu, até banhar-se em sangue. No dia seguinte, logo pela manhã, celebrou pelo defunto e viu-o entrar triunfante no céu, na hora da Comunhão.

 

8 de Novembro

AS ALEGRIAS E CONSOLAÇÕES DO PURGATÓRIO

Tormento e felicidade

Então há no purgatório alegrias e consolações? É possível que em meio de tanta dor, de tão horríveis suplícios como os da pena do dano e do fogo, haja ainda um raio de luz, uma alegria, uma consolação para as pobres almas?

Sim, porque o purgatório é a pátria da justiça rigorosa, mas o é também da infinita misericórdia de Deus. Já não é uma grande misericórdia Deus nos reservar um lugar de expiação além-tumulo? Purificar-nos misericordiosamente para nos tornarmos dignos de sua eterna presença? Ó, sim, o purgatório é uma misericórdia de Nosso Senhor. E como todas as obras da divina misericórdia, há de ter a unção e a doçura da Eterna Bondade. Quanto nos apavora a Justiça divina naquelaschamas expiadoras e que terror para nossa alma saber o que nos espera depois desta vida! Todavia, console-nos a ideia de que há no purgatório consolações que excedem a todas que possamos ter nesta vida. É um tormento e uma felicidade sem par. Um mistério que nos será desvendado mais tarde. Alguns autores insistem muito no sofrimento do purgatório e nada falam das alegrias e consolações. É mister guardar um justo equilíbrio.

Nem transformar o purgatório num verdadeiro inferno, nem fazer dele o paraíso.

É um lugar de expiação e de tormentos horríveis, não há dúvida, mas há nele a doce esperança da salvação, esperança acompanhada da certeza absoluta de um dia chegar à posse de Deus na Bem-aventurança. E isto não é uma felicidade sem par? Quando São Francisco de Assis soube que era um predestinado e viu garantida por revelação do céu a sua glória, teve uma alegria tão grande, que nenhuma linguagem humana o poderia traduzir. Que não será a alegria das pobres almas na certeza de serem predestinadas?

São Francisco de Sales, cuja doutrina é um bálsamo suavizante das almas, fala das alegrias e consolações do purgatório. Escreve o melifluo Doutor: “A maioria dos que temem o purgatório é muito mais por interesse e amor de se mesmos do que pelo interesse de Deus. E daí vem que falam ordinariamente só das penas daquele lugar e nunca falam da felicidade e da paz que desfrutam as almas que lá estão. É verdade que os tormentos são extremos, e as maiores e mais terríveis dores desta vida não se podem comparar a eles, mas também as satisfações interiores são tais e tantas, que nenhuma prosperidade nem alegria da terra existe que a elas se possam igualar. Se é uma espécie de inferno quanto à dor, é um paraíso quanto à doçura que a caridade difunde no coração. Caridade mais forte do que a morte e mais poderosa do que o inferno. Feliz estado mais desejável que temível, pois suas chamas são chamas de amor e de caridade. Terríveis penas, sim, pois elas retardam a hora da visão de Deus, e de amar a Deus e louvá-lo e glorificá-lo por toda eternidade”.

Eis aí o tormento e a alegria das almas do purgatório.

 

São Francisco de Sales e o purgatório

Continuemos a doutrina consoladora do grande Doutor da Igreja sobre as alegrias do purgatório. Não quer ele que se insista apenas no tormento daquele lugar de expiação, mas que se procure dar às almas uma ideia também consoladora do purgatório.

Do que lemos nas obras do Santo podemos coligir dez pontos principais:

1o – As almas do purgatório estão numa contínua união com Deus e perfeitamente submissas à vontade de Deus. Não podem deixar esta união divina e nunca podem contradizer a divina vontade, como nós neste mundo.

2o – Elas se purificam com muito amor e com toda boa vontade, porque sabem que é isto da vontade de Deus. Sofrer para fazer a vontade de Deus é uma alegria para elas.

3o – elas querem ficar na maneira que Deus quer e quanto tempo Ele quiser.

4o – São impecáveis e não podem experimentar nem o mais leve movimento de impaciência nem cometer uma imperfeição sequer.

5o – Amam a Deus mais do que a si próprias, e mais do que todas as coisas, e com um amor muito puro e desinteressado.

6o – São consoladas pelos Anjos.

7o – Estão seguras da sua salvação e com uma segurança que não pode ser confundida.

8o – As amarguras que experimentam são muito grandes, mas numa paz profunda e perfeita.

9o – Se pelo que padecem estão como numa espécie de inferno, quando a dor, é um paraíso de doçura quanto a caridade mais forte do que a morte.

10o – Feliz estado, mais desejável que temível, pois estas chamas do purgatório são chamas do Amor!”

Quem pode entender e penetrar este mistério de dor e de alegria, que é o purgatório? Os Santos nos poderiam dar uma ideia do que sofrem e do que gozam as almas do purgatório, quando Deus os faz experimentar aqui neste mundo tanto martírio nas provações daquelas noites de nos fala São João da Cruz, nas quais o Senhor prova, aniquila os seus eleitos na terra, e ao mesmo tempo os enche de uma paz inalterável e de consolações inefáveis em meio de trevas e e de angústias. Mistério profundo, só os que experimentaram este doloroso e feliz estado de alma neste mundo podem dizer algo do que se passa no purgatório!

Que alegria não experimenta o pobre náufrago quando depois de se debater entre ondas se vê de repente salvo e livre de todo perigo! É a felicidade, a alegria das santas almas quando, após esta vida e depois de haverem passado o tremendo Juízo, veem que estão salvas da condenação eterna, embora tenham de padecer muito naquelas chamas, naquele martírio, por mais prolongado que seja.

Estão salvas! Ó! Como cantam elas um hino de ação de graças à infinita misericórdia!

As consolações do purgatório Recorramos ainda ao testemunho da teóloga do purgatório, como foi chamada Santa Catarina de Genova. A doutrina desta Santa, ou melhor, as suas revelações no Tratado do purgatório, escreveu o Cardeal Parraud, são de uma psicologia sobrenatural tão alta e tão forte, que unem as mais altas considerações da filosofia e da teologia, aos pensamentos mais próprios para fortificar e consolar os que choram os seus entes queridos. Eu não creio, escreve a Santa, que depois da soberana felicidade que gozam na glória os Santos, haja uma felicidade igual à que gozam as almas do purgatório. O é notável é que esta felicidade vai crescendo cada vez mais à medida que desaparecem as manchas do pecado. E faz esta comparação: “Quando um corpo está escondido ao sol porque um outro corpo intercepta a luz solar, não pode receber a luz e permanece nas trevas.

Todavia, se este corpo que impede a passagem dos raios solares for se consumindo e desaparecendo, o sol logo há de banhar de luz todo o corpo que estava antes nas trevas. Este corpo que impede a luz do sol é a mancha do pecado, o restoque fica a pagar à divina Justiça na outra vida e que impede a alma de receber a luz da glória, a Luz divina. As chamas do purgatório vão destruindo este corpo que impede a luz até que desapareça e brilhe a Luz eterna. Assim a alegria das almas vai crescendo à medida que as manchas que ficam vão desaparecendo. E elas se sentem muito felizes em sofrer para se purificarem.

Estas almas tem uma perfeita resignação à vontade de Deus. As almas do purgatório jamais haviam de querer a presença de Deus, quando ainda não purificadas. Elas prefeririam sofrer dez purgatórios a se apresentarem manchadas diante do Senhor. Eis porque se purificam e sofrem com alegria.

O padre Baber diz com razão: “Se o sofrimento suportado com doçura e resignação é um espetáculo tão venerável na terra, que não há de ser naquela região da Igreja o purgatório? Ó, que pureza se encontra neste culto, na Liturgia do sofrimento santificado! Ó mundo! Lugar de tanto barulho, de tédio e de pecado, quem não desejaria escapar de tuas perigosas afadigas e de tua perigosa e triste peregrinação para voar alegremente para a mais humilde região, tão pura tão santa e tão garantida, onde reinam o sofrimento e o amor sem macha, o purgatório?”

Apesar disto, não deixemos de temer o purgatório e procuremos evitá-lo por uma boa penitência e por toda espécie de boas obras. Os sofrimentos deixam de ser terríveis!

O Beato Henrique Sozo, abrasado no amor de Deus, começou a não temer o purgatório e a não dar importância aos seus sofrimentos e penas. Nosso Senhor lhe apareceu e admoestou, dizendo que isto lhe desagradava porque era não temer nem dar importância aos juízos de Deus! Devemos não nos desesperar nem aterrorizarmos nossa alma com o purgatório, mas devemos de imaginar que se há muitas consolações, é terrível também este purgatório.

 

Exemplo

Santa Gertrudes e as santas almas

Santa Gertrudes foi favorecida por Nosso Senhor com inúmeras aparições e êxtases, e tocava de perto o sobrenatural. Tinha as Santa uma grade estima por uma religiosa muito santa e que edificava pelas suas virtudes.

Morreu esta e a Santa a recomendava a Nosso Senhor com muito empenho. Fora arrebatada em êxtase e vira diante do trono de Deus a alma da Irmã querida vestida de trajes reais, belamente adornada, mas tinha os olhos baixos, como que envergonhada. Gertrudes ficou admirada e lhe disse:

- Como? Minha filha, não se lança nos braços do divino Esposo? Porque fica assim?

- Ó, minha mãe, eu não sou digna ainda do abraço do cordeiro sem mancha. É preciso muita pureza, ser pura como um raio de sol para se unir a Deus. Tenho ainda manchas terrestres de algumas imperfeições.

Santa Gertrudes teve outra visão semelhante. Uma Irmã muito virtuosa lhe apareceu depois de morta. Estava de joelhos diante de Deus como imersa numa grande tristeza. Gertrudes pediu a Nosso Senhor que usasse misericórdia para com ela. Respondeu Nosso Senhor que se não viessem sufrágios ela teria de pagar toda a dívida à Justiça divina.

Esta alma disse a Gertrudes: “- A devoção que tive ao Santíssimo Sacramento me fez colher frutos especiais da divina Hóstia. Eis porque eu entrarei mais depressa e logo no céu.”

Santa Teresa conta na sua Vida ou autobiografia, ter visto saírem do purgatório almas muito virtuosas que ela conheceu neste mundo e que julgava estarem no céu e no entanto haviam sofrido nas chamas expiadoras. No capítulo XXXVIII a Santa narra vários casos, entre eles o do Provincial dos Carmelitas, homem muito virtuoso. Na ocasião da sua morte, disse a Santa, fiquei muito perturbada e temi pela sua salvação, porque foi prelado vinte anos, o que sempre me inspirava temor por me parecer muito perigoso ter encargo de almas. Com grande aflição entrei no oratório. Dei-lhe todo bem que tinha feito em minha vida, que bem pouco seria, e disse ao Senhor que suprisse com seus méritos o que faltava àquela alma para sair do purgatório. Estando a pedir a Nosso Senhor do melhor modo que podia, pareceu-me vê-lo sair das profundezas da terra a meu lado direito, e o vi subir ao céu com grande alegria. Posto que fosse velho, apareceu-me como tendo apenas trinta anos e até menos, e o rosto resplandecente. Foi rápida esta visão, mas me deixou extremamente consolada.

 

9 de Novembro

OS ESQUECIDOS

Como são esquecidos os mortos!

Santo Agostinho se queixava de que os mortos são muito esquecidos. Realmente.

Vai-se logo a memória dos defuntos com os últimos dobres do sino e as derradeiras flores lançadas sobre a sepultura.

Quando morremos, partimos para aquela região que a Escritura chama terra oblivlonis – a terra do esquecimento. Não tenhamos muita vaidade nem ilusões.

Seremos esquecidos!

Quem se lembrará de nós alguns anos após a nossa morte? Talvez uma lembrança vaga, uma evocação de saudade muito apagada. E como somos orgulhosos hoje!

Tanto nos fere a mágoa um esquecimento mesmo involuntário! Felizes os que se desiludem e se desapegam das amizades e vanglórias da terra antes que chegue a Mestra e Doutora da vida – Morte!

Como se compadecem todos dos enfermos! Que carinho e solicitude e mil sacrifícios em torno do leito de um pobre doente que geme! Porém, veio a morte.

Pranto, homenagens sentidas, flores, túmulos, necrológios, e... esquecimento.

Hoje afastam a ideia da morte como se fossemos todos imortais. É mister esquecer os defuntos, deixá-los no túmulo, evitar esta preocupação doentia da morte e da eternidade.

Morreu... Acabou-se! Vamos rir, vamos dançar e cantar. Deixemos que a vida corra alegre e feliz. Não pensemos mais na morte e muito menos em mortos. Não é assim que fala e age o mundo louco e materialista de hoje?

Ai! como são esquecidos os mortos! O materialismo estúpido não compreende nem a beleza, nem a consolação, e o culto da memória dos mortos como o tem a Igreja Católica. Para nós, eles não morreram, mudou-se-lhes a condição da vida: Vita mutatur, non tollitur!

Na sepultura não se acaba para sempre o homem. Cremos no que dizemos cada dia o Credo: - Eu creio na ressurreição da carne e creio na vida eterna.

A piedade para com os mortos é um ato de fé na vida eterna, uma doce certeza de que nosso mortos queridos não estão perdidos para sempre ao nosso amor.

Havemos de os encontrar um dia no seio de Deus! Como é doce, consolador e belo crer na imortalidade e esperar a vida eterna!

Pois se cremos na vida eterna, cremos no purgatório. E se cremos no purgatório, oremos pelos nossos mortos.

Requiem aeternam dona eis Domine! - Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno!

Não sabemos então que é nosso próprio interesse orar pelos mortos?

Um dia também iremos para a eternidade e nas chamas do purgatório acharemos tudo quanto tivermos feito na terra pelos mortos. Vamos, pois neste mês dos defuntos: Missas, Rosários, esmolas, penitência, orações fervorosas pelos nossos mortos queridos!

Como são esquecidos os mortos! Exclamava Santo Agostinho! E no entanto, acrescenta São Francisco de Sales, em vida eles nos amavam tanto e (quem sabe?)

estão no purgatório por nossa causa...

Nos funerais, lágrimas, soluços e flores. Depois, um túmulo e o esquecimento… como são esquecidos os mortos!

Tende compaixão de mim!

Tende compaixão de mim!

Miseremini mei! Miseremini mei!

Tal é o gemido do purgatório, o gemido das pobres almas esquecidas.

A Igreja, Mãe carinhosa, nunca se esquece dos seus filhos, mesmo depois que partiram para as regiões da morte e da eternidade. Todos os dias, no altar, ela suplica: - Memento!

Lembrai-vos, Senhor dos vossos servos e servas que nos precederam com o sinal da fé e agora descansam em paz. A estes e a todos os mais que repousam em Cristo, nós vos pedimos, Senhor, concedei lugar de refrigério, luz e paz.

Que tocante lembrança da Santa Igreja, nossa Mãe! E em todas as Missas que se celebram em todo o universo!

 

Porque são esquecidas

Sufraguemos nossos mortos. Não os deixemos esquecidos sob qualquer pretexto comodista e de gente sem fé.

O purgatório é terrível e para algumas almas é bem longo. Devemos ter compaixão e carinho por nossos entes queridos que a morte arrebatou.

Ao céu chegam as almas só depois de longas e dolorosas purificações. Não digamos de cada um que morre: - Está no céu!

Temos o costume de logo canonizar nossos mortos, dizendo: - Estão no céu! E nem mais rezamos por eles, deixando-os esquecidos no purgatório. É uma ingratidão bem comum. No céu entram as pobres almas só depois de longas e dolorosas purificações. E quem sai desta vida tão santo ou perfeito que não mereça o purgatório? Nunca deixemos de orar e muito e por longo tempo pelas almas de nossos mortos queridos.

Há pobres almas destinadas a um longo sofrimento nas chamas expiadoras. Só Deus sabe o que elas padecem, enquanto seus parentes nem rezam, nem mandam oferecer por elas a santa Missa, e repetem tranquilos: - Está no céu!

Disto teve receio Frederico Ozanam, o piedoso apóstolo das Conferências Vicentinas. Lemos no seu testamento: - “Não vos deixeis levar por aqueles que disserem: “Ele está no céu!” Rezai sempre por aquele que muito vos ama, mas que também pecou muito. Ajudado pelas vossas orações, deixarei a terra com menos receio”.

Não nos iludamos com o purgatório. Seus sofrimentos são muito grandes e é mister uma grande compaixão, uma grande misericórdia para com os mortos. Ai!

Esquecer os mortos sem sufrágios é doloroso, é de consequências tristes! Oremos pelas benditas almas.

Vamos em socorro dos nossos pobres irmãos da Igreja padecente.

Vamos, levantai-vos, dizia São Bernardo, voai em socorro das almas dos defuntos, implorar a clemência divina pelas vossas lágrimas e gemidos, intercedei por eles com as vossas preces, satisfazei por elas com o santo sacrifício da Missa, resgatai-as por vossas esmolas aos pobres, por vossas boas obras, abri-lhes as portas do paraíso.

Combatamos estas duas causas do esquecimento dos mortos: - a presunção que diz: - Estão no céu, e comodamente não nos interessamos em sufragá-los mais, e falta de uma fé bem viva no que seja o tormento do purgatório.

Deveres sagrados e esquecidos

Sim, bem sagrados e graves são nossos deveres para com os mortos. Temos obrigação de justiça e de caridade em sufragar os defuntos. Não bastam lágrimas, flores, coroas, homenagens póstumas. Tudo isto é mais consolo para os vivos que alívio para os mortos, dizia Santo Agostinho.

Devemos, pois socorrer os defuntos:

1o – Em razão do parentesco e do sangue.

2o – Por gratidão, aos benfeitores nossos.

3o – Por justiça.

4o – Por caridade.

Próximos mais próximos de nós, dizia São Francisco de Sales, naturalmente são nossos pais. Não nos esqueçamos da alma de um pai querido, de uma saudosa mãe. Foram tão carinhosos e se sacrificaram por nós! Não estarão talvez no purgatório? Nosso amor filial os canonizou logo depois da morte e os colocou no céu! Ah! E talvez gemam e sofram no purgatório. Estão salvos, é verdade, no seio de Deus, entre as santas almas, porém... são terríveis os sofrimentos do purgatório.

Santa Mônica teve o cuidado de recomendar a Santo Agostinho: - Meu filho, não me esqueças no santo altar!

A Igreja tem uma oração especial nas missas de defuntos pelo pai e mãe do sacerdote e que cada fiel pode repetir:

“Ó Deus, que nos ordenastes que honrássemos o nosso pai e nossa mãe, tende piedade, pela vossa clemência, das almas de meu pai e de minha mãe, e perdoai-lhes os seus pecados. Permiti também que eu possa um dia tornar a encontrá-los.”

Que tocante oração!

Depois a gratidão.

Há de ser penoso e horrendo o esquecimento dos nossos nas chamas do purgatório!

Não sejamos ingratos. Oremos por todos quantos nos fizeram algum benefícios na terra. A gratidão não pode morrer à beira da sepultura de nosso benfeitor. Vai além, corre em auxílio das almas do purgatório!

E, finalmente, deveres de justiça e de caridade. De justiça porque somos obrigados a orar por aqueles aos quais estamos ligados por laços de parentesco e de gratidão. E... caridade. !Não há, diz São Francisco de Sales, maior ato de caridade que orar pelos mortos. É um resumo de todas as obras de caridade”.

Lembremo-nos das pobres almas sofredoras do purgatório. Não temos criaturas que tanto amamos na terra e que hoje nos ferem o coração por uma saudade amarga?

Ah! não bastam as lágrimas e as flores da sepultura. Isto é mais consolo para os vivos. O que aproveita aos mortos é o sufrágio. Santifiquemos nossa saudade pela caridade. Lembremo-nos que talvez gemam no purgatório os que tanto amamos!

Por eles mandemos celebrar o santo sacrifício da Missa, façamos algum ato de caridade aos pobres, uma Comunhão, um Rosário de Maria!

 

Exemplo

O Santo Cura d’Ars e o purgatório

O Santo Cura d’Ars, São João Batista Vianney, era um devoto fervoroso das santas almas do purgatório... Pedira a Deus a graça de sofrer muito. Os sofrimentos do dia, oferecia-os pela conversão dos pecadores, e os da noite, pelas almas do purgatório.

E como sofreu! Que noites terríveis de agonias e aflições e tentações espantosas do diabo não passara o Santo durante os longos anos da paróquia de Ars!

A um padre que lhe perguntara a opinião sobre o poder das almas do purgatório em nosso favor, respondeu:

- “Se soubéssemos como é grande o poder das boas almas do purgatório sobre o Coração de Jesus e se soubéssemos também quantas graças poderíamos obter por intercessão delas, é certo, não seriam tão esquecidas.”

Nos seus catecismos célebres o Santo narrava tocantes e belos exemplos sobre a eficácia e o poder da devoção às santas almas do purgatório. Nosso Senhor lhe concedeu extraordinárias graças para conhecer muitas vezes os mistérios do purgatório.

No processo de Canonização atestaram os que o conheceram:

- A devoção às almas do purgatório foi uma das suas mais fervorosas. Se havia duas missas a celebrar, uma pelos doentes, outra pelas almas, preferia a das almas.

Muitas vezes lhe pediam orações por uma ou outra alma e o santo respondia:

- Sim, rezarei por ela. Está no purgatório por um tempo indeterminado...

Ou então: - Ela já foi para o céu! Não tem necessidade mais de sufrágio.

Diz o ilustrado Mons. Trochu, autor de “Les intiuitions du Curé d’ARs, que “o purgatório é um lugar onde o Cura d’Ars sabia o que se passava. Conhecia ele a sorte dos defuntos, teve intuições muito grandes do que se passa além túmulo”.

Uma senhora foi se confessar ao Santo, em Ars. Depois da confissão, disse-lhe ele:

- “Minha filha, agradeça à prima que a trouxe ao confessionário, porque sem isto a senhora estaria no inferno”. E depois de lhe indicar as causas do perigo da condenação, lhe disse muito grave: e depois, minha filha, que ingratidão! Há dez anos que seu pobre pai está sofrendo no purgatório e não mandaram dizer uma só Missa para o libertar!”

Uma senhora piedosa tinha um esposo indiferente em religião, mas não obstante homem bom e honesto. Um dia, vítima de um colapso cardíaco, veio a falecer sem nenhum sinal de arrependimento. A pobre esposa, desolada, não tinha consolo.

Julgava perdida a alma do esposo. Assim ficou num horrível martírio e sem consolo durante meses. Foi até Ars. O Santo, ao vê-la, foi logo dizendo:

- “Minha senhora, já se esqueceu dos ramalhetes de flores que ofereciam à Santíssima Virgem?” A pobre senhora lembrou-se de que realmente ela e o esposo durante muito tempo sempre ofereciam a uma imagem da Virgem uns ramalhetes de flores.

- Minha filha, Deus teve piedade daquele que honrava tanto a sua Mãe. No momento da morte seu marido teve um grande arrependimento. Sua alma está no purgatório. Com orações e boas obras poderá libertá-lo.

Foi um alívio para o coração da pobre viúva, que melhorou de saúde e adquiriu a paz da alma.

 

10 de Novembro

O QUE LEVA AO PURGATÓRIO

Tibieza e pecado venial

A grande porta aberta para os tormentos do purgatório quando pela misericórdia não se precipitam muitas almas no pecado grave e no inferno, é a tibieza e o seu sintoma certo o pecado venial. Meditemos um pouco o mal da tibieza para vermos como é arriscado viver assim, sem procurar uma vida fervorosa, arriscando a própria salvação e preparando um horrível purgatório depois da morte. Vejamos o que é a tibieza:

A tibieza define-a Santo Afonso pelo que a caracteriza: o pecado venial.

A tibieza, diz o Santo doutor, é o hábito do pecado venial plenamente voluntário.

“A tibieza é o hábito não combatido do pecado venial, ainda que seja um só. É um hábito fundado num cálculo implícito: - Esta falta não ofenderá a Nosso Senhor gravemente, não me há de condenar. Pois vou cometê-la.

É um hábito dificílimo de se desenraizar da alma. É um habito muito espalhado, sobretudo entre as pessoas que fazem profissão de piedade e entre as almas consagradas a Deus.

É uma doença espiritual e das mais graves e perigosas. É o verme roedor da piedade. Micróbio terrível! Mina o organismo espiritual, sem que o enfermo o perceba. Enfraquece a pobre alma. Amortece as energias da vontade. Inspira horror ao esforço. Afrouxa a vida cristã. Espécie de langor ou torpor, diz Tanquerey, que não é ainda a morte, mas que a ela conduz sem se dar por isso.

Enfraquecendo gradualmente as nossas forças morais. Pode-se compará-la a estas doenças que definham, como a tísica, e consomem pouco a pouco algum dos órgãos vitais. É uma sonolência, um sistema de acomodações na vida espiritual.

 

O pecado venial

Há muitos sinais de tibieza, mas o que a caracteriza é o pecado venial deliberado e habitual. Vejamos a malícia do pecado venial, que é tão castigado no purgatório e que é causa de tantos suplícios das pobres almas:

A rainha Maria Teresa, de França, esposa de Luiz XIV, chorava uma falta venial. A delicada consciência da princesa a deixava inconsolável.

- Como? - Disseram-lhe, tanta lágrima por uma falta leve, um pecado venial?!

- Sim, pode ser venial, ma ‘e mortal para o meu coração!

Tudo quanto ofende a Nosso Senhor nunca é leve ou coisa de somenos importância para uma alma fervorosa. E o pecado venial é um ofensa a Deus. Há nele três circunstâncias agravantes:

1a ) Uma injúria à Majestade Divina.

2a ) Revolta contra a Autoridade de Deus.

3a ) Ingratidão à Bondade Eterna.

Quem comete facilmente o pecado venial, dificilmente escapará dos pecados mortais, afirmam experimentados mestres da vida espiritual.

“Por um justo castigo de Deus, diz Santo Isidoro, os que fazem pouco caso dos pecados veniais, das faltas leves, vem a cair um dia nos maiores pecados.”

Santo Agostinho tem uma frase que deve merecer de nós sérias reflexões. O pecado mortal, é, segundo ele, uma montanha que esmaga, que mata, e os pecados veniais, grãos de areia. Acontece, porém, que o desprezo das faltas leves faz com que a alma venha a perecer como estes infelizes, que morrem sufocados sob um montão de areia. É verdade que só o pecado mortal dá morte à alma, e os pecados veniais, por mais numerosos que sejam, não nos podem tirar a graça santificante. Mas, diz São Gregório, o hábito dos pecados veniais tira aos nossos olhos a malícia do pecado grave, e em breve não receamos passar das faltas mais leves aos maiores pecados.

Consequência e castigos da tibieza

A tibieza prepara a impenitência final. - Será possível? Dirá alguém. Sim, a experiência o tem provado mil vezes. Tibieza é o abuso da graça, e o abuso da graça teve quase sempre, como consequência última, a impenitência final.

Deus non Irridetur! - Com Deus não se brinca!

Conheceis a palavra de São Paulo?

A terra que bebe muitas vezes a águas da chuva e que só produz cardos e espinhos, está reprovada e próxima da maldição. Será entregue ao fogo e reduzida a cinzas (Hb 6,7). Deus nos chama, bate, bate mil vezes à porta do coração. É desprezado.

Ai! um dia o candelabro da graça com todas as suas luzes será transportado para outro lugar: Eu mudarei teu candelabro (Ap. 2,5). E ai! Meu Deus! Pobre alma! O abismo da impenitência final a espera. E ela sorri, presunçosa, dorme tranquila na inconsciência, na cegueira do seu lamentável estado!

Quando pela misericórdia divina uma pobre alma não chega pela tibieza ao abismo do pecado grave e à condenação, prepara para si um terrível purgatório.

Um pecado venial é punido severamente nas chamas expiadoras. E quanto mais luzes e graças recebeu neste mundo uma alma, tanto há de pagar até ao último ceitil. As revelações particulares nos mostram almas padecendo no purgatório até séculos por um pecado venial!

Não abusemos da graça. Não digamos: é um pecado venial, não tem importância... Se soubéssemos e meditássemos melhor o que é o purgatório, não seríamos tão levianos e insensatos para viver na tibieza e cometer o pecado com tanta facilidade!

 

Exemplo

O noviço capuchinho revela o sofrimento do purgatório Os Anais dos Capuchinhos, Tomo III, e Rossingnoli nas suas Maravilhas das Almas do Purgatório, 56 o , contam este fato impressionante:

Num convento capuchinho, em 1618, um noviço muito fervoroso caiu enfermo e em poucos dias expirou. O Padre Guardião estava ausente e não pode lhe dar a última absolvição o que o penalizou muito e por isto multiplicou as orações e sufrágios pela alma do seu filho espiritual. Rezava pelo noviço depois de Matinas, no coro, quando a alma deste lhe aparece cercada de chamas: “- Ai! Meu Padre, não pude receber absolvição e havia cometido uma falta leve e por ela sofro horrorosamente no purgatório. Venho pedir a vossa bênção e uma penitência e ficarei livre.

- Meu filho, responde o Padre Guardião tremendo, eu te abençoo quanto posso e por penitência ficarás no purgatório até a hora da Prima somente.

Faltavam duas horas para que os frades recitassem o Ofício. O Padre Guardião sentiu arrepiarem-se os cabelos, e trêmulo e pálido, compreendeu neste momento o que é o sofrimento do purgatório, onde cada minuto parece um século. Tocou logo o sino, reuniu a comunidade e mandou que se rezasse o Ofício imediatamente pela alma do noviço falecido, contando a terrível aparição. Fez a todos um sermão sobre o purgatório e a eternidade, repetindo as palavras de Santo Anselmo: Depois da morte a menor das penas que nos esperam é maior do que tudo que se possa padecer neste mundo. As menores faltas são punidas severamente.

 

11 de Novembro

O PURGATÓRIO E AS ALMAS CONSAGRADAS A DEUS

Maior responsabilidade

Sim, todos os que se consagraram ao serviço de Nosso Senhor assumiram tremendas responsabilidades com a consagração ou os votos que fizeram.

Receberam mais luzes e graças do que os simples fiéis. Foram privilegiados pela vocação, que os colocou num plano superior. Muitas graças e privilégios, sim, porém muitas e tremendas responsabilidades. Hão de dar contas mais severas a Nosso Senhor.

Que zelo não devem ter para conservarem a pureza de consciência e evitarem todo pecado, ainda o mais leve!

Santa Francisca Romana, cujas visões do purgatório são bem conhecidas, dizia ter visto no fundo do abismo as almas consagradas a Deus, e que padeciam no purgatório e abaixo, muito abaixo dos leigos. As penas, dizia ela, eram proporcionadas à dignidade e à posição que ocupavam na Igreja.

As visões de Santa Francisca são confirmadas por muitas outras idênticas de outros santos e almas eleitas, que sempre atestam o rigor com que a divina Justiça pune no purgatório as faltas e imperfeições dos seus eleitos.

Que isto cause impressão nas almas consagradas e se lembrem que sofrimento estão preparando para depois da morte quando levam vida de tibieza e não se esforçam por corrigir defeitos que talvez julguem sem importância! Tremam os Superiores! Tremam os Prelados! Que escusa podem achar diante do Senhor o grande Juiz dos vivos e dos mortos quem recebeu com a teologia e com a ciência sagrada tantas luzes sobre a vida espiritual e viveu inundado num oceano de graças e de misericórdia? E as almas que se foram entregues aos pastores e das quais hão de prestar contas ao Senhor? Compreende-se porque os Santos fugiam das prelaturas e dignidades, porque tremiam diante de uma mitra ou de um báculo pastoral.

É preciso ser muito fiel à vocação e cumprir a missão confiada com muita perfeição. A Madre Francisca do Santíssimo Sacramento, uma santa religiosa carmelita de Pampoluna, teve 220 aparições de almas do purgatório. Entre estas almas viu dois Papas, Cardeais, Arcebispos, e Bispos, Cônegos e Padres e muitos religiosos e religiosas. Nestas revelações, os dignatários eclesiásticos lamentavam dolorosa e terrivelmente terem desejado e procurado dignidades na Igreja. E muitos sofriam por negligências no serviço de Deus. - Ó Francisca, gemia uma alma sacerdotal, um Bispo! Um Bispo! Meu Deus! Antes eu nunca o tivesse sido...

Que responsabilidade! Outra se lamentava: “Os homens pensam que basta ser padre. É um estado que exige uma grande pureza de vida! Francisca, eu apenas me salvei! (Le Purgatoire – Louvet.)

Devemos rezar com muito fervor e oferecer mais sufrágios pelas almas consagradas a Deus. Elas darão contas mais severas a Nosso Senhor e terão um purgatório mais longo e doloroso. Não canonizemos muito depressa sacerdotes e religiosos logo após a morte. O purgatório das almas consagradas a Deus é terrível, dizia uma vidente. Por que? Porque tiveram mais facilidade e muitos meios para evitar e abreviar o seu purgatório, e não os souberam aproveitar.

Quem mais recebeu...

Quem de Deus recebeu mais graças, há de dar contas das graças com mais rigor.

Os ignorantes, os simples, os que não receberam tantos favores e privilégios do céu, naturalmente terão que dar a Deus menos contas dos seus pecados e serão julgados com menos severidade. Que não será o juízo de um sacerdote, de uma religiosa, almas estas cercadas de luzes e enriquecidas de uma multidão de graças?! Eis porque mais terrível há de ser o purgatório dos sacerdotes e das almas consagradas a Deus, bem como das pessoas que possuem mais conhecimento e receberam mais graças de Nosso Senhor nesta vida. Não nos lembramos da parábola dos talentos? Santa Francisca Romana teve muitas visões admiráveis, e Nosso Senhor a fez descer em espírito ao purgatório.

Viu ela sacerdotes e religiosas muito abaixo dos leigos, em sofrimentos horríveis e padecendo muito mais do que leigos que haviam cometido faltas bem graves e alcançaram o perdão na hora da morte. Foi revelado à Santa que padeciam mais porque neste mundo receberam muito mais graças, ocupava um lugar muito alto no sacerdócio e a consagração ao serviço de Deus.

- minha filha, dizia uma alma do purgatório a uma religiosa, segundo conta Mons. Louve, minha filha, sê bem santa, porque o purgatório dos sacerdotes e das religiosas é terrível!

No primeiro dia do ano, Santa Margarida Maria rezava por três pessoas recentemente falecidas. Duas religiosas e um secular. Nosso Senhor lhe apresentou as três almas, dizendo-lhe: Qual das três queres salvar primeiro, filha?

- Senhor, escolhei Vós mesmo, segundo o que for para vossa maior glória.

Então Nosso Senhor escolheu a pessoa secular, dizendo que as religiosas tiveram nesta vida muito mais graças e meios para expiar os pecados pela observância da Regra, e que o secular não havia recebido tantos privilégios e favores...

Os ignorantes, os pobrezinhos, os humildes cheios de boa vontade e que não receberam de Deus tantas graças e meios de se santificar como as almas consagradas a Deus, terão naturalmente muita escusa no Tribunal divino e bem aliviado lhes será o purgatório pela Divina misericórdia.

Os religiosos meditem como em diversas aparições particulares Nosso Senhor revela quanto pune na outra vida a falta de observância da Santa Regra e como esta Santa Regra facilita a expiação da pena temporal neste mundo e abrevia, senão livra a alma consagrada do purgatório.

A observância regular é um meio poderoso de santificação, uma grande penitência que enche a alma de méritos. Por um pouco de sacrifício de quantas penas não se livram na outra vida os religiosos fiéis à Santa Regra. E como devem tremer as almas consagradas ao pensarem nas contas mais rigorosas que hão de dar a Deus pelo número tão grande de graças escolhidas que receberam e às quais talvez não tenham correspondido.

 

Até os Santos...

Para entrar no céu é mister uma pureza angélica, uma alma bem purificada e sem a menor mancha de imperfeição. Eis porque até santos, homens de grande virtude passaram pela chamas expiadoras do purgatório, segundo diversas revelações particulares. O Venerável Pe. Cláudio de La Colombiére, diretor espiritual de Santa Margarida Maria e um homem de extraordinária virtude, chamado por Nosso Senhor amigo e fiel servo, segundo foi revelado à Santa sua dirigida, passou pelo purgatório. Morreu ele em Paray le Monial aos 15 de Fevereiro de 1682, às cinco horas da manhã. Uma jovem veio trazer a notícia à Santa: rezai por ele e mandai rezar por sua alma! Pouco depois do enterro, recebeu a Santa outro recado misterioso: deixai de rezar por ele, porque agora ele é quem rezará por vós.

Algum tempo depois, a Superiora do Mosteiro notou que Margarida não rezava nem pedia mais orações pelo seu Diretor espiritual e perguntou-lhe a causa.

- Minha Madre, o Pe. La Colombiére não está mais em condições de receber nossos sufrágios. Agora é ele quem reza e pede por nós. Está no céu. Graças à misericórdia do Sagrado Coração de Jesus, ocupa um belo lugar no céu. Apenas para expiar algumas pequenas negligências no exercício do amor divino, passou ele pelo purgatório e esteve privado da Visão Divina até o momento de ser sepultado.

Eis um grande servo de Deus privado do céu por algumas longas horas de um dia.

Santa Lutgarda viu o grande e virtuoso Papa que foi Inocêncio III, nas chamas do purgatório.

- Quem és? Pergunta a Santa a uma aparição que sofria muito.

- Sou o Papa Inocêncio III.

- Meu Deus! Um Papa tão santo no purgatório?!...

- Sim, expio minhas faltas. Pela misericórdia de Maria fui salvo, mas ainda me falta uma longa expiação. Tenha pena de mim! Tenha pena de mim!

São Roberto Belarmino, no seu livro De Gemitu Columbae – Livro III, cap. IX – refere-se a esta aparição, concluindo: Qual será o prelado, o homem de responsabilidade que não trema diante disto? Quem não há de escrutar bem seu coração e procurar evitar as menores faltas?

Até os Santos passaram e passam pelo purgatório. Como é necessário ser angélico e muito santo para entrar no céu!

Viram-se homens de uma grande virtude, santos, que passaram no purgatório, segundo testemunho de revelações particulares, como as de Santa Brígida, Santa Teresa, Santa Margarida Maria e outras.

Quanta delicadeza de consciência não é preciso a um sacerdote para oferecer cada dia o Santo Sacrifício da Missa, desempenhar a missão divina do seu ministério. Que purgatório terrível o do sacerdote tíbio! Que purgatório terrível também o das religiosas e religiosos que tão facilmente transgridem a Regra!

 

Exemplo

O purgatório e a Ordem Seráfica

A prática do sufrágio às almas é uma tradição da Ordem Seráfica! Á grande penitente Santa Margarida de Cortona disse Nosso Senhor numa revelação:

Recomenda da minha parte aos meus irmãos menores que lembrem muito das almas do purgatório, porque o seu número é incalculável, e quase ninguém reza por elas. Dize-lhes também da minha parte que não se imiscuam nas coisas do mundo e levem uma vida de pobreza e de recolhimento para que não sejam severamente castigados na outra vida.

Que lições para a nossa alma! E para consolo nosso, meditemos este exemplo que nos trás a Auréola Seráfica:

Uma crônica manuscrita do século XIII narra isto: “Um nosso irmão da Província da Saxônia voltava para o convento após uma pregação, quando lhe anunciaram que haviam falecido dois religiosos: o Padre Guardião e o Padre Vigário. Eis o que sucedeu. Na seguinte noite o padre estava em oração, quando vê entrarem na cela os dois defuntos cheios de esplendores e de uma beleza incomparável.

Trêmulo de emoção, pergunta-lhes:

- Como vos achais?

-Salvos pela misericórdia de Deus, respondem os bem-aventurados – e gozamos da visão beatífica.

-Não passastes pelo fogo do purgatório?

- Não, porque fizemos nosso purgatório no fogo da pobreza de Deus a aceitou em expiação. Fiquem todos sabendo que nenhum de nossos irmãos irá para o purgatório se observar fielmente a Regra de São Francisco e a santa pobreza, porque o crisol da pobreza purifica tudo.

Unde noveris quod nullus, servans Regulam Beati Francisci et sanciam paupertaiem ejus, purgatorii penas sustinei quia poer caimnum pauperiatis ominia puraganior.

O Terceiro Franciscano aí no século, trazendo oculto sob as vestes do mundo o hábito do Pai Seráfico, fiel à Regra, não tem uma garantia segura do céu?

A santa Regra das Ordens e Congregações religiosas e das Ordens Terceiras, é sempre uma garantia de salvação, e ou livra ou alivia muito o purgatório a sua observância.

 

12 de Novembro

A SANTA MISSA E O PURGATÓRIO

O maior dos sufrágios

Incontestavelmente, não há maior nem mais poderoso e eficaz sufrágio que possamos oferecer a Deus pelos defuntos que a Santa Missa. A Igreja não definiu muita coisa sobre o purgatório, mas o essencial das suas definições está nestes dois princípios, duas vezes verdades de fé que somos obrigados a crer se quisermos pertencer ao grêmio da Igreja de Nosso Senhor, porque, do contrário, o anátema pesará sobre os descrentes:

O Concílio de Trento define a existência do purgatório, como já vimos, e uma segunda definição: Se alguém disser que o Santo Sacrifício da Missa não deve ser oferecido pelos vivos e os mortos, pelos pecados, penas e satisfações, seja anátema. Eis aí o sufrágio por excelência, o verdadeiro sufrágio que podemos oferecer a Deus pelos nosso mortos, na certeza de que é sempre eficaz e poderoso. No Sacrifício do Altar se oferece a grande Vítima e o Sacrifício é o próprio Cristo Senhor Nosso. É o mesmo sacrifício do Calvário. Tem o mesmo mérito da Cruz. Donde se conclui que as almas do purgatório recebem da Santa Missa o mesmo tesouro do Sangue Preciosíssimo de Nosso Senhor derramado na cruz e pela nossa salvação. Pode haver maior sufrágio que a Missa?

Distinguem-se quatro frutos principais do Santo Sacrifício: Um fruto geral, aplicado a todos os fiéis vivos e defuntos não separados da Comunhão da Igreja; um fruto especial, aplicado aos que assistem atualmente a Santa Missa; um fruto especialíssimo aos que mandam celebrar a Santa Missa; e um fruto ministerial, que pertence ao celebrante e é inalienável.

Ora, quem não pode aproveitar pois este grande tesouro da Igreja, oferecido cada manhã em nossos altares, não há obra mais meritória e própria para alimentar a verdadeira piedade que a assistência à Santa Missa. “Não há maior socorro às almas do purgatório, diz D. Gueranger, o ilustrado e piedoso beneditino do L’ane Liturgique. Quando o padre celebra, diz a Imitação de Cristo, honra a Deus, alegra os Anjos, edifica a Igreja, ajuda a os vivos, procura o descanso para os mortos e se torna participante de todos os bens.”

A Santa Missa é a riqueza do purgatório, a esperança da santas almas sofredoras.

Não podemos oferecer nada melhor e nada mais eficaz para aliviá-las que o Santo Sacrifício. A Missa é o sol da Igreja, diz São Francisco de Sales. É o sol que dissipa as trevas do purgatório. Podemos talvez duvidar às vezes da eficácia e do poder de nossas orações feitas com tantas distrações e em condições tão precárias; mas, do poder e da eficácia do Santo Sacrifício, no qual se oferece o Sangue de Jesus Cristo pelas almas, que dúvida nos pode ficar do valor desta Obra?

Não podemos fazer nada maior nem melhor do que oferecer o Santo Sacrifício pelas almas.

 

O tesouro das almas

Sim, a Santa Missa é o tesouro das pobres almas. Nenhum meio é mais poderoso e eficaz para libertá-las, já o vimos. São Leonardo de Porto Maurício, que foi um grande apóstolo e devoto do Santo Sacrifício, dizia: “Quereis uma prova de que a Missa trás alívio às pobres almas? Ouvi um dos mais sábios Doutores da Igreja, São Jerônimo: “Durante a celebração de uma Missa por uma alma sofredora, esta alma pode ser preservada de todo ou em parte da pena do fogo. Em cada Missa que se celebra, diversas almas são livres do purgatório. Refleti ainda nisto: a vossa caridade por estas almas será de muita vantagem para vós. Ó Missa bendita, é útil a um tempo para os vivos e os mortos! No tempo e na eternidade!” Permiti que vos dirija uma súplica, acrescenta São Leonardo, e quero vos pedir de joelhos: tomai a firme resolução de ouvir ou de fazer celebrar todas as Missas que vossas ocupações e vossos recursos vos permitirem, não só pelos defuntos mas também por vossas almas. Dois motivos devem vos decidir: o primeiro motivo, alcançar uma boa morte... Ó, como será doce e tranquila a morte de quem empregou sua vida em ouvir o maior número de Missas que pôde! O segundo motivo é alcançar para vós mesmos o imenso favor de roubar o céu até sem passar pelo purgatório, ou abreviar muito o tempo de permanência naquelas chamas expiadoras.”

Ao Beato João d’Avilla, ao chegar aos últimos instantes da vida, perguntaram o que mais desejaria depois da morte: - Missas! Missas! Missas!

Santa Mônica estava às portas da eternidade. No leito de morte, disse ao filho querido, Agostinho, que lhe custara tantas lágrimas e que a havia enchido de tanta consolações nos últimos dias:

- Meu filho, logo não tereis mãe: Quando eu não estiver mais neste mundo, rezai pela minha alma, não vos esqueçais daquela que tanto vos amou. No sacrifício do Cordeiro sem mancha, recomendai minha alma a Deus.

O Santo Doutor jamais se esqueceu da recomendação materna. Chorou muito quando morreu Santa Mônica, mas suas lágrimas foram sempre acompanhadas de muitas preces fervorosas e sufrágios. “Deus de misericórdia, dizia ele, perdoai à minha mãe e não entreis em juízo com ela. Lembrai-vos de que antes de deixar este vale de lágrimas, não pediu para os seus restos mortais funerais pomposos, mas somente que vossos ministros se lembrassem dela no Altar do Divino Sacrifício”.

O Bem-aventurado Henrique Suzo fez um contrato com um dos amigos muito íntimos: “o que morresse primeiro, teria um certo número de Missas que o outro sobrevivente se obrigaria a mandar celebrar o mais depressa possível.” O amigo do Bem-aventurado partiu primeiro para outra vida. Algum tempo depois, apareceu a Henrique Suzo, gemendo de dor a se queixar: - Ai! Já te esquecestes da promessa.

- Não, meu amigo, responde o Bem-aventurado, eu não cesso de rezar pela tua alma desde que morreste...

- Ó, mas isto não me basta, não, não basta, geme o defunto; falta-me, para apagar as chamas que me abrasam, falta-me o Sangue de Jesus Cristo! O Sangue de Jesus Cristo!”

O Bem-aventurado compreendeu logo que faltavam as Missas. No dia seguinte ao da aparição, foi logo à Igreja pedir muitas Missas pelo amigo defunto. Obteve diversas nesta intenção. O amigo lhe aparece já glorificado e agradece-lhe feliz: Meu queiro amigo, mil vezes agradecido! Graças ao Sangue de Jesus Cristo Salvador, estou livre das chamas expiadoras. Subo ao céu e lá nunca te esquecerei!

 

Missas Gregorianas

Que são Missas Gregorianas? Antes de responder, vejamos a sua origem.

Num mosteiro de São Gregório, um monge chamado Justo, contrariando o voto de pobreza a que são obrigados os religiosos, se apoderou de três moedas de ouro. Quando estava para morrer, arrependido, confessou a um seu Irmão a falta.

Realmente, se encontraram as três moedas entre os guardados do defunto monge.

Chegou isto ao conhecimento de São Gregório. O Santo, que zelava tanto a disciplina e tinha horror à violação do voto de pobreza, proibiu qualquer visita aoenfermo. Este, sentindo-se abandonado, queixou-se. É o castigo da tua falta contra a pobreza, disseram-lhe.

Morreu o Irmão Justo pouco depois e São Gregório não permitiu que fosse sepultado entre os seus Irmãos. Mandou lançá-lo numa sepultura, fora do convento, e as três moedas de ouro foram enterradas com ele, enquanto a Comunidade repetia as palavras de São Pedro a Simão de Samaria: Pereça contigo o teu dinheiro!

Isto produziu uma impressão profunda entre os monges, que dali por diante se despojaram de tudo e viveram na mais estrita pobreza.

Trinta dias depois, São Gregório, entretanto, compadecido da alma do pobre monge, mandou celebrar vários dias a Santa Missa por sua alma. Apareceu a alma de Justo no fim de trinta dias e disse: “Até agora estava muito mal e sofria muito, mas agora estou muito bem, fui admitido na companhia dos Santos”. E desapareceu.

O Irmão narrou aos Superiores e contaram justamente trinta dias desde a primeira Missa celebrada. Daí a origem de se mandar celebrar as Missas chamadas Gregorianas, em trinta dias seguidos. Segundo a crença piedosa, ela libertam as almas por quem é oferecida.

Eis a origem das Missas Gregorianas. A fé que tem o povo cristão na eficácia destas Santas Missas Gregorianas é piedosa e racional e aprovada pela Igreja, diz a Sagrada Congregação da Indulgências – Decreto – 11 de Março de 1884.

As condições são as seguintes: as trinta Missas devem ser celebradas em trinta dias contínuos e sem interrupção. Se por acaso nestes dias caírem os três últimos dias da Semana Santa, a interrupção não altera. Podem ser celebradas depois em seguida. Assim decidiu o Papa Bento. Devem ser aplicadas as trinta Missas por uma só e a mesma alma e não por diversas. À alma cuja libertação do purgatório se deseja. Todavia, não é necessário que as Missas sejam celebradas pelo mesmo sacerdote, numa mesma Igreja e altar.

Também não é necessário que sejam Missas de Réquiem, de paramento preto, etc., mesmo nos dias em que as rubricas o permitam. Seria louvável e se recomenda muito que o façam mas não há obrigação. O essencial é que sejam celebradas trinta Missas por um defunto em trinta dias consecutivos.

Eis o que são, e as condições das Missas Gregorianas.

Por que deixar este tesouro, quando nos é possível mandar aplicá-lo no resgate de almas de entes queridos nossos?

 

Exemplo

São Nicolau de Tolentino, Advogado das almas do purgatório

São Nicolau de Tolentino é um dos Santos mais prodigiosos da Igreja. A vida deste grande taumaturgo é um tecido de milagres e prodígios que raramente se encontram em outros santos da Igreja. O Papa Eugênio IV disse: “Não houve Santo desde o tempo dos Apóstolos que superasse a São Nicolau de Tolentino em número e grandeza de milagres”. Dentre as obras de caridade do grande Santo, a principal era o socorro às Santas almas do purgatório. Fez-se o Protetor do purgatório e Advogado das almas. É célebre o seguinte prodígio. Em um sábado, o Santo se encontrava na ermida de Valvamanente, junto da cidade de Pézaro, onde havia sido enviado para pregar uma missão. Havia orado muito e feito muita penitência, maltratando o corpo inocente com duras disciplinas. Resolveu tomar uma hora de repouso sobre um leito duro. Mal havia começado a dormir, quando foi despertado por gemidos lancinantes e doridos como nunca ouvira iguais. Uma voz gemia:

- Irmão meu, Nicolau, homem de Deus, olha-me por favor, não me conheces?

- Diz-me quem és, diz o Santo, eu quero ajudar-te. Que posso fazer para te aliviar?

E uma sombra pálida se movia no ar:

- Ah! Nicolau, eis aqui o teu caríssimo Irmão Frei Peregrino de Osino. Há muito tempo que estou atormentado nas chamas do purgatório onde me encontro pela misericórdia de Deus, devido aos teus grandes méritos, embora os meus pecados me tenham valido a condenação eterna. Se celebrares amanhã por mim o Santo Sacrifício da Missa, amanhã mesmo eu me livrarei.

Cheio de amargura, o coração de Nicolau pareceu estalar de dor. Viu que obediência não lhe permitiria celebrar aquela Missa: - Meu irmão, Jesus Cristo, por seu Preciosíssimo Sangue te seja propício, mas não posso te atender, pois sou obrigado pela obediência a celebrar esta semana toda nas intenções da Comunidade.

- O Venerável Padre, então queira me acompanhar, já que meus tormentos não te comovem para Santa Missa. Verás os sofrimentos das multidões de pobres almas que imploram teu sufrágio.

Em poucos instantes o Santo se viu levado ao alto de uma montanha banhada de luz e cheia de beleza, mas aos pés deste monte, num imenso vale, um espetáculo triste encheu de horror ao Santo. Multidões de almas se retorciam de dor num braseiro imenso e gemiam de cortar o coração. Ao perceberem o Santo no alto da montanha, bradavam suplicantes, estendendo os braços e pedindo misericórdia e socorro. “ - Padre Nicolau, diz Frei Peregrino, tem piedade destas pobres almas que imploram teu socorro. Se celebrares a Santa Missa por nós, quase todas seremos libertadas de nossos dolorosos e horríveis tormentos”.

Nicolau não pode se conter. Como Moisés, passou a noite com os braços estendidos em cruz, implorando misericórdia. Depois, foi ter com o Superior e contou a visão. Obteve licença para celebrar a Santa Missa durante sete dias em seguida pelas almas do purgatório.

Frei Peregrino durante a Missa do Santo apareceu-lhe resplandecente de glória cercado de uma multidão de almas libertadas do purgatório que subiam ao céu.

Desde então veio a São Nicolau o título de Protetor das almas do purgatório. Daí também a origem do piedoso costume de mandar celebrar sete Missas em sete dias consecutivos pelas almas dos defuntos queridos, pais, parentes, amigos, etc.

S. S. Bento XV concedeu em 15 de Maio de 1920 o privilégio de as Missas celebradas nas igrejas dos Padres Agostinianos durante estes dias, em sufrágio de algum defunto, sejam celebradas como as de altar privilegiado.

Invoquemos a São Nicolau de Tolentino na nossa devoção às santas almas do purgatório. É um rico protetor dos devotos das santas almas.

 

13 de Novembro

A SANTA COMUNHÃO PELOS MORTOS

Depois da Santa Missa...

Sim depois da Santa Missa, não há sufrágio melhor e mais poderoso para socorrer as pobres almas que a Santa Comunhão. Escreveu São Boaventura: “que a caridade te leve a comungar, porque nada há tão eficaz para proporcionar descanso aos que padecem no purgatório”.

É verdade que a Eucaristia como alimento espiritual é destinada aos vivos. É o cibus viatorum – alimento dos viajores, no expressivo e belo dizer da Liturgia. Tem por fim sustentar a alma na peregrinação terrena, fortificá-la na luta contra os inimigos. Como pode ser um auxílio e sufragar os mortos? Discutiram os teólogos esta questão, mas todos estão de acordo que muito mérito e muitas obras boas faz quem recebe o Corpo de Cristo, e esta união íntima da alma com seu Deus a torna mais agradável e mais poderosa para interceder pelos mortos, e torna a Comunhão um dos mais poderosos e úteis sufrágios depois da Santa Missa. Dizia Tobias: “Põe o teu pão e o teu vinho sobre a sepultura do justo”. Como se aplica bem esta passagem da Escritura à Comunhão pelos mortos! É o pão de Vida eterna e o Vinho transubstanciado no Sangue de Jesus Cristo que vamos colocar em nosso coração para implorarmos a misericórdia pelos nossos queridos e saudosos mortos! A lembrança dos mortos unida à Santa Eucaristia é tão bela e consoladora! Não é só pelo Sacrifício do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo que se pode aliviar as almas do purgatório. A Sagrada Eucaristia como sacramento pode ser de grande alívio para os defuntos, principalmente quando os fiéis vivos se unem para aplicar o fruto de uma Comunhão geral. É uma prática autorizada pela Igreja. A Comunhão dignamente recebida é muito proveitosa para os fiéis defuntos. Quantos atos bons não se praticam numa só Comunhão! Preparação habitual pelo estado de graça que muitas vezes custa tanto ao cristão conservá-lo, preparação próxima pelos atos de fé, esperança e de amor, enfim, os sacrifícios que tornam meritória para os defuntos como sufrágio, a Comunhão. E demais, aquela união íntima da alma com seu Criador e Redentor nos momentos depois da Comunhão, não fazem de quem comunga um mediador entre Deus e as pobres almas, para pedir, com fervor, o alívio dos mortos?

Diz Santo Ambrósio que “a Eucaristia é um sacramento de descanso e paz para os defuntos e ao mesmo tempo um banquete”. Logo, a Comunhão pode aliviar os mortos, na opinião do Santo Doutor. São João Crisóstomo chama a Comunhão auxílio dos defuntos. E São Cirilo, o maior auxílio dos defuntos – maximum defunclorum juvamen.

Se soubéssemos quantas graças de santidade podemos atrair para nossas almas com a Santa Comunhão, com a participação do Corpo e do Sangue de Cristo, quanto consolo e alívio podemos dar aos que sofrem no purgatório, sentiríamos um desejo ardente de comungar muitas vezes pelos nossos mortos e aplicar em sufrágio das pobres almas sofredoras todos os méritos que podemos adquirir com as nossas comunhões fervorosas. Procuremos fazer boas Comunhões, lembrando-nos de quanto melhor as fizermos, tanto mais aliviaremos os mortos.

 

A Comunhão mensal pelas almas do purgatório

Sejamos práticos. Precisamos socorrer os mortos e santificar nossa alma.

A Sagrada Eucaristia é nosso tesouro da terra e é nossa, nosso alimento o Sacramento dos viajores, dos que peregrinamos por esta vida em demanda da eternidade. Para nosso proveito espiritual, e,em sufrágio das pobres almas, vamos comungar com mais frequência. A Comunhão mensal pelas almas não seria um incentivo poderoso para a nossa vida espiritual e um grande alívio para os mortos?

É célebre a sentença do Papa Alexandre VI: “si quis pro animabus in purgatorio detentis, annimo lilis proficiendi, orationem fecerit, obligat eas ad antidota isve gratitudinem” - Todo o que reza, e muito mais ainda quem comunga pelas almas detidas do purgatório, com o desejo de aliviá-las as obriga à gratidão e remuneração.

A prática da Comunhão mensal pelos fiéis defuntos é muito antiga. Em algumas regiões é muito concorrida e produz frutos maravilhosos. Começou este piedoso costume em Roma, no pontificado do Papa Paulo V, que se mostrou muito favorável a ela e ele mesmo a pôs em prática, na Cidade Eterna, com frutos surpreendentes. Era incrível como os fiéis afluíam às igrejas cada mês para sufragar seus mortos queridos pela Santa Comunhão. Os sucessores de Paulo V continuaram a devoção que se desenvolveu tanto a ponto de só em Roma se verem num dia trinta mil Comunhões pelas almas. A prática passou de Roma para outras cidades da Itália, depois para a França e muitos países europeus.

Ora, entre nós onde o povo é tão devoto das almas do purgatório, por que não se há de generalizar o dia da Comunhão mensal pelas almas? Cada Comunidade religiosa, cada paróquia deveria ter o seu dia mensal das almas. O dia da Comunhão pelas almas. De preferência deveria se escolher uma segunda-feira, quando possível. Nas paróquias talvez um dos domingos, para favorecer o povo.

Ó, quem nos dera tivéssemos cada mês, um dia dos mortos, um dia para as santas almas! Missa, Comunhão geral, sufrágios e orações pelos mortos! Entretanto, se esta prática não se faz coletivamente, que nos impede fazê-la em particular, e estimular outros a fazerem o mesmo?

Sejamos apóstolos da Comunhão mensal pelos defuntos. Vamos à Mesa Santa levar algum refrigério ao purgatório, pelas nossas orações e sacrifícios em união com Jesus Hóstia. Dizer com Jesus no coração: Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno e brilhe para elas a perpétua luz!

Oferecer o Sangue Preciosíssimo de Jesus ao Eterno Pai, para o alívio das santas almas!

Não podemos fazer tudo isto numa Comunhão? Há pessoas piedosas e compassivas que oferecem cada segunda-feira uma Comunhão pelas almas. É a Comunhão semanal pelos fiéis defuntos. Tanto melhor. De vez em quando novenas de Comunhões pelas almas. Como fazem bem a nós e às pobres almas, estas práticas tão edificantes e de tão grande valor! Façamos muitas Comunhões por nossos mortos. Propaguemos o uso da Comunhão mensal pelas almas!

 

Alguns exemplos

Temos tocantes exemplos para nosso estímulo na prática da Comunhão pelos mortos. Santa Madalena de Pazzi perdera um irmão, e ela o vira no sofrimento do purgatório, em meio de grandes tormentos. Pôs se a rezar e sofrer por ele.

Um dia, diz esta pobre alma sofredora à irmã: “Minha irmã, eu padeço e necessito de cento e sete Comunhões para me livrar do purgatório”. Santa Madalena de Pazzi com todo fervor começou logo a série de Santas Comunhões pela libertação daquela alma querida e o conseguiu. Costumava a Santa exclamar em êxtase: “Ó Sangue precioso de Jesus Cristo! Piedade, Senhor! Misericórdia! Livrai as almas da prisão de fogo!” E oferecia o Sangue de Jesus pelas almas e comungava muitas vezes por elas.

O Venerável Luís de Blois, conta que um piedoso servo de Deus foi visitado por uma alma do purgatório que lhe fez conhecer os tormentos horríveis que padecia.

Estava sofrendo muito por ter recebido a Santa Comunhão sem a preparação devida. “Meu amigo, diz a pobre alma num gemido, eu te rogo que façais por minha alma uma Comunhão bem fervorosa”. O amigo piedoso assim o fez e sem demora. Esta boa Comunhão obteve o que havia pedido a pobre alma, que se viu livre do suplício. Apareceu cheia de gratidão a feliz alma salva. “Graças, mil graças, meu querido amigo. Vou contemplar a face de meu Deus para sempre!”

Não podemos duvidar da eficácia da Santa Comunhão para alívio dos mortos. Na vida de uma serva de Deus, Maria Luíza de Jesus se conta que num dia da Festa do Corpo de Deus, na hora da Santa Comunhão, Nosso Senhor lhe apareceu e disse:

“Eis o meu corpo que eu entreguei à morte para remissão do gênero humano e que permanece na Sacramento do Altar”. Jesus, diz a vidente, me fez recitar nove vezes: “Louvado e agradecido seja a cada momento o Santíssimo e Diviníssimo Sacramento, e depois me disse: “Toma todas as indulgências e vai ao purgatório aliviar as almas que lá estão prisioneiras.”

No momento da Santa Comunhão, Nosso Senhor diz à sua serva que tome uma chave simbólica, metade ouro e ferro, traduzindo pelo ouro a misericórdia e pelo ferro a Justiça, e vá libertar as prisoneiras do purgatório.

Que tocante e belo simbolismo! Na hora de nossa Comunhão pelos fiéis defuntos, por nossas orações fervorosas e pelos méritos deste ato tão sublime como que recebemos das mãos de Nosso Senhor a chave de ouro da Misericórdia e de ferro da Justiça, para podermos com ela pagarmos a dívida das pobres almas e abrir as portas do purgatório.

Não só a Comunhão mas nossas adorações e visitas ao Santíssimo podem aliviar muito as pobres almas. Quantas indulgencias não tem a devoção eucarística!

Vamos aproveitá-las pelos defuntos.

 

Exemplo

Santa Teresa e a alma de D. Bernardino

Na vida de Santa Teresa lemos um acontecimento que nos mostra como Nossa Senhora recompensa seus devotos.

Um jovem fidalgo, de nome Bernardino de Mendoza, muito devoto de Nossa Senhora do Carmo, desejava dar a Nossa Senhora uma prova de seu amor. Por isso ofereceu a Teresa uma casa que possuía perto da cidade de Valadolid para que ela instalasse ali um convento de Nossa Senhora do Carmo. A Santa no começo não se sentia muito disposta a aceitar donativo para não abrir convento fora da cidade.

Mas como a oferta era feita de muito boa vontade e em louvor de Nossa Senhora, não queria privar do merecimento o jovem fidalgo a quem a Virgem Santíssima de certo ajudaria a converter-se para uma vida cristã e virtuosa. Levado por esta esperança, aceitou a doação da casa.

Cerca de dois meses depois, o fidalgo caiu gravemente enfermo. Perdeu a fala e não pôde confessar-se, mas deu sinais de arrependimento dos seus pecados, pouco depois faleceu. Teresa estava em outra cidade distante dali. Mas Nosso Senhor apareceu-lhe e disse: “Minha filha, a salvação deste homem correu grande risco, mas tive dele compaixão e aceitei-o com misericórdia à vista da sua devoção à minha Mãe e da homenagem que lhe prestou dando a casa para ser fundada um convento em seu louvor. Mas ele só sairá do purgatório no dia em que for celebrada a primeira Missa neste novo convento.

Desde então Teresa tinha continuamente diante dos olhos os sofrimentos desta alma e ardia em desejos de instalar o novo convento. Mas apesar de sua boa vontade, apareciam muitas dificuldades que retardavam os trabalhos da adaptação da casa e o começo da construção da nova Igreja. Um dia, quando ela estava no convento de São José de Medina, Nosso Senhor lhe disse: Apressa-te pois esta alma sofre muito. A Santa fez novos esforços e empregou toda energia para vencer os empecilhos e apressar as obras. Enfim, pôde ser lançada a primeira pedra da nova igreja e Teresa alcançou a permissão de ser celebrada no lugar uma Missa campal.

Entretanto, não julgou que a alma do fidalgo já ficasse livre do purgatório por esta Missa, pois as palavras de Nosso Senhor tinham sido muito claras. Urgiu, pois, por todos os meios a execução rápida da construção e afinal viu-a concluída.

Durante a primeira Missa, à hora da Comunhão o sacerdote aproximou-se de Teresa e das outras Irmãs para dar-lhes a Sagrada Hóstia. No momento em que Teresa recebeu Nosso Senhor, ela viu a seu lado o falecido fidalgo com o rosto todo resplandecente; cheio de alegria e de mãos postas, ele lhe agradeceu o que tinha feito para livrá-lo do purgatório. Depois ela viu-o elevar-se ao céu.

Contando este fato em um de seus livros, Santa Teresa acrescenta: “Ó que grande importância tem toda homenagem que se presta à Mãe de Deus! Quem poderia descrever quanto ela agrada a Deus e quão grande é a misericórdia de Nosso Senhor!”

 

14 de Novembro

A ORAÇÃO PELOS MORTOS

Saudades e oração

Não julguemos que lembrar nossos mortos é ter apenas deles uma saudade que aos poucos vai decrescendo em intensidade, à medida que passam os anos.

Chorar nossos mortos e perpetuar-lhes a lembrança no mármore, na tela, no livro é permitido, sim. Porém, não fiquemos só nisto. Juntemos à saudade a oração.

Não basta chorar, precisamos orar. E nunca se precisa tanto de oração como depois da morte. No purgatório as pobres almas estão como o paralítico da piscina que dizia a Jesus: - Hominem non habeo! Senhor, eu não tenho um homem que me lance na piscina para ser curado.

Dependem aquelas almas santas de nossos sufrágios, de nossa orações e sacrifícios. Deus as entregou à nossa caridade. Sempre é eficaz a nossa oração pelas almas.

“É infinitamente mais útil e eficaz a oração pela libertação dos defuntos que padecem no purgatório, que a oração pelos pecadores da terra, cuja perversidade e más disposições paralisam os esforços para os salvar. As santas almas não põem obstáculo algum à eficácia das orações que por elas fazemos.” Tal é a opinião do piedoso oratoriano P. Faber.

Juntemos à nossa imensa saudade dos mortos nossos queridos, a oração e sempre a oração.

Escreveu o P. Sertillanges: “A lembrança dos mortos sem a oração, é uma lembrança fria, um triste pensamento. É uma exploração do nada. Porém com a oração, é um vento que sopra em direção a Deus, é uma ascensão nas asas da esperança”. (Le probléme de la priére. Revue de Jeunes – Nov. 1915.)

Oremos pelas almas benditas que padecem no purgatório! Demos-lhe a esmola de nossas preces fervorosas e da riqueza das indulgencias do tesouro da Igreja.

Dizia São Francisco de Sales: “Vós que chorais inconsoláveis a perda de vossos entes queridos, eu não vos proíbo de chorar, não! Chorai, mas procurai adoçar vossas lágrimas com o suave bálsamo da oração que muito mais do que todas as demonstrações exteriores de pesar, pode concorrer para aliviar as almas que a morte vos arrebatou”.

Esta é também a linguagem da Igreja, nossa Mãe. Não proíbe nossas lágrimas. É tão humano chorar! Todavia não fiquemos tão só num pranto estéril e desesperado. Oremos! Juntemos ao pranto nossas orações. Saudade e oração.

Choremos nossos mortos como cristãos verdadeiros.

 

Meio fácil

Sim, é o mais fácil dos meios de socorrer os mortos, a oração. Alguns podem achar difícil o jejum, ou a mortificação, podem se queixar da pobreza que não lhes permite dar esmolas, mas quem pode se excusar e desculpar-se de não poder orar?

A mais curta oração feita com as devidas disposições é um alívio para os fiéis defuntos. Quem não pode bradar: dai-lhes, Senhor, o descanso eterno!

Fez Nosso Senhor tantas promessas à oração! “Pedi e recebereis, batei e se vos há de abrir. É preciso sempre orar”. A oração de Marta e Maria leva Jesus a ressuscitar Lázaro. Nossas preces pelos defuntos há de tirar as pobres almas daquele estado de morte em que se encontram.

As lágrimas, as flores, os mausoléus pomposos nada aproveitam aos mortos. É melhor rezar por eles. “Poupai vossas lágrimas, dizia São João Crisóstomo, pelos defuntos e dai-lhes mais orações”. “Escreve Santo Ambrósio numa das suas cartas a Faustinus, que acabava de perder a irmã: “é preciso assisti-la com orações mais do que chorá-la, e convém recomendar a sua alma muito a Deus na oração. Chora menos e reza mais”.

Repitamos também esta recomendação a tantos que choram seus mortos sem se lembrarem de uma prece, de uma Santa Missa, de uma obra de caridade para sufragar-lhes as pobres almas. Quantas orações tão belas e eficazes e poderosos para o sufrágio dos nossos mortos! O Pai Nosso, a Ave Maria, o De Profundis, o Ofício dos mortos. A igreja, nossa Mãe, nos dá exemplo de oração pelos defuntos.

Termina muitas vezes as suas perces litúrgicas como as Horas canônicas pela súplica tocante: “!Fidelium animas per misericordiam Dei requiescat in pace”. E as almas dos fiéis pela misericórdia de Deus descansem em paz! Desde os tempos primitivos, e já nas catacumbas, a prece pelos defuntos era conhecida e praticada na Igreja. Encontram-se nas pedras inscrições como estas: Vitório, que Deus refrigere o teu espírito! Antônia, doce alma, que Deus te dê o refrigério! Que Cristo te ponha em paz! Que tua alma repouse em Deus! Sempre as súplicas a Deus pedindo refrigério, luz e paz para os mortos. É muito agradável a Deus a oração pelos mortos.

Um dia, Santa Gertrudes rezava com fervor pelos defuntos, quando Nosso Senhor lhe fez ouvir estas palavras: “Eu sinto um prazer todo especial pela oração que me fazem pelos fiéis defuntos, principalmente quando vejo que à compaixão natural se junta a boa vontade de a tornar mais meritória. A oração dos fiéis desce a todo instante sobre as almas do purgatório como um orvalho refrigerante e benéfico, como um bálsamo salutar que adoça e acalma suas dores e ainda as livra das suas prisões mais ou menos rapidamente, conforme o fervor da devoção com que é feita”. Noutra ocasião, disse Nosso Senhor a sua serva querida: “Muitíssimo grata me é a oração pelas almas do purgatório, porque por ela tenho ocasião de libertá-las das suas penas e introduzi-las na glória eterna”.

Eis aí um meio tão poderoso de ajudar as pobres almas, e tão fácil, tão ao nosso alcance! Oremos e muito pelas pobres almas!

Oremos pelos fiéis defuntos!

Sim, já que a oração é tão poderosa para socorrer os mortos, aliviar as penas das pobres almas, vamos em socorro do purgatório! A oração da alma fervorosa, diz São Bernardo, sobe até o céu e de lá não desce sem ser ouvida. Se pede amor de Deus, vem dele cheia; se pede humildade, esta logo a vem adornar; se pede a libertação das almas do purgatório, tem igualmente todo poder para alcançá-la”.

São João Damasceno escreve: “Não vos poderia narrar tantos testemunhos encontrados na vida dos santos pelos quais se provam claramente as vantagens da oração que se fazem pelos defuntos! Não é em vão que se reza pelos mortos!”

Todas as orações são úteis para as almas, mas algumas mais do que outras. Por exemplo, as orações canônicas do Breviário ou Divino Ofício são muito mais valiosas e eficazes. Que valor não terá uma prece oficial da Igreja pelos mortos!

Depois aproveitemos o tesouro da Via Sacra, acompanhando os mistérios dolorosos da Paixão do Salvador e oferecendo o Preciosíssimo Sangue para refrigério do purgatório. Que dizer do Rosário? Que tesouro da Igreja padecente!

Apliquemos todas as indulgências do Rosário pelas almas. Uma jovem libertada do purgatório pelo rosário de São Domingos, apareceu a este servo da Virgem e lhe disse: “ Em nome das almas do purgatório eu vos conjuro, pregai por toda parte e fazei conhecer a toda gente a devoção do Rosário. Que os fiéis apliquem às pobres almas as indulgências e os outros favores espirituais desta devoção tão santa. A Santíssima Virgem e os Anjos e Santos se alegram como o Rosário, e as almas libertadas por ele rezam no céu pelos seus libertadores”.

Façamos novenas e orações em comum pelos mortos, principalmente logo depois que deixaram eles este mundo. Há o piedoso costume de se fazer uma novena pelo falecido, começando logo no dia seguinte ao da morte ou do enterro.

Durante nove dias se reúne a família em torno de um altarzinho para implorar a misericórdia do Senhor pelo defunto. Multipliquemos fervorosas preces pelos nossos mortos queridos e pelas almas mais abandonadas. “Minha filha, dizia certa vez Nosso Senhor a Santa Lutgarda, não posso resistir às tuas súplicas. A alma pela qual pedes logo estará livre dos seus sofrimentos”. Ó, não será esta a resposta que nos dará Nosso Senhor também, se orarmos com todo fervor de nossa alma, com toda caridade pelos defuntos?

Um santo bispo, conta Rossingnolli em suas Maravilhas do purgatório, um santo bispo teve um sonho. Viu uma criança que com um anzol de ouro e uma linha de prata retirava uma mulher de um profundo poço. Acordou, abriu a janela e viu no cemitério, que estava no fundo da casa e vizinho, um menino tal como o que viu em sonho, ajoelhado junto a um túmulo, em oração.

- Que faz aí, menino? Pergunta-lhe o bispo.

- Eu rezo um Pai Nosso e um De Profundis pela alma de minha mãe, que aqui está sepultada.

Entendeu logo o santo prelado que a oração singela do pequenino era o anzol de ouro e o Pai Nosso e o De Profundis o fio misterioso que vira em sonho. Tal é a nossa oração pelos mortos.

 

Exemplo

Santa Margarida de Cortona e as almas do purgatório

A grande pecadora que foi Margarida de Cortona e que convertida veio a ser a Madalena dos últimos tempos, pela admirável penitência e a grande santidade a que chegou, era uma grande devota das santas almas do purgatório. Desde que se converteu dedicou-se, cheia de caridade, a socorrer as almas sofredoras. Nosso Senhor lhe permitiu ver muitas vezes a triste condição destas almas para lhe excitar a compaixão e interceder por elas. Dois negociantes foram assassinados, e por misericórdia de Maria Santíssima, da qual era fervorosos devotos, alcançaram uma contrição perfeita na hora derradeira e se salvaram. Apareceram à Santa e lhe disseram:

- “Escapamos da eterna condenação pela especial proteção de Maria Santíssima, mas teremos que padecer um horrível purgatório para expiar nossas injustiça e mentiras e pecados. Ó Serva de Deus, nós vos pedimos que mandeis avisar nossos amigos e parentes que façam restituições de nossos maus negócios e deem muitas esmolas aos pobres em paga de nossas injustiças. Ajudai-nos, Margarida, com vosso sufrágios.”

A Santa se empenhou muito com orações e penitências em socorrer estas pobres almas. E assim fazia sempre que Nosso Senhor lhe revelava a necessidade e as aflições de algumas almas do purgatório. Quando faleceu o pai da Santa penitente, ofereceu ela por aquela alma querida muitas orações e toda sorte de sufrágios, penitências e santas Comunhões.

Deus Nosso Senhor lhe fez conhecer que as suas orações aliviaram as almas do seu pai e da mãe, e tiveram muitos abreviados dias de purgatório.

Também ao saber da morte de uma criada, Gilla, que durante muito tempo ficou com ela, Margarida não cessou de recomendar esta alma da pobrezinha a Nosso Senhor. Foi-lhe revelado que a criada ficaria no purgatório apenas até a festa da Purificação de Nossa Senhora e logo seria levada ao céu pelos Anjos.

Na hora da morte, Santa Margarida de Cortona viu uma multidão de almas com esplendor da glória do céu que vinham ao encontro da sua benfeitora, cheias de gratidão. Era a recompensa da sua dedicação e devoção às almas do purgatório.

 

15 de Novembro

PENITÊNCIA PELOS MORTOS

Um meio de socorrer as almas

Somos obrigados a fazer penitência se quisermos salvar nossa alma. Só ha dois caminhos para entrar no céu: o da inocência e o da penitência. Nosso Senhor adverte: “Se não fizerdes penitência, todos vós igualmente perecereis”. Ora, a penitência, além de nos ser necessária, é muito meritória, e a podemos aplicar em sufrágio das pobres almas do purgatório. Tiraremos duplo proveito: nossa santificação e o alívio das almas sofredoras.

O sofrimento junto com a prece tem uma eficácia extraordinária para alcançar de Deus todas as graças. Outrora, vemos na Escritura, quando os Profetas e o povo de Deus desejavam obter do céu misericórdia ou graças entregavam-se aos jejuns, cilícios e austeridades. Nossa penitência aqui é muito meritória. Soframos pelos mortos!

“Aliviemos as almas do purgatório, diz São João Crisóstomo, aliviemo-las por tudo o que nos penaliza, porque Deus tem cuidado em aplicar aos mortos os méritos dos vivos”. Escreve Bertioux: “O sofrimento é a grande satisfação que o Senhor pede aos devedores da Justiça. Logo, soframos pelos nossos mortos, a fim de que eles sofram menos. Oh! Se tivéssemos uma fé mais viva, uma caridade mais ardente, que mortificações nos imporíamos a nós mesmos para libertar nossos parentes e amigos do purgatório, eles que tanto nos amaram, que sofreram talvez por nós e estão agora sofrendo de uma maneira tão horrível! Já que não somos capazes de tamanhas penitências como os santos, tenhamos generosidade para alguns pequenos sacrifícios. O sacrifício de um prazer, de uma afeição perigosa, de uma leitura má, de uma vaidade, etc. “Escolhei a melhor vítima, aconselha o P. Felix, S.J., escolhei-a, sobretudo, no fundo de vosso coração”. “Por aqueles que amais, sacrificai o que tendes de mais caro. Sacrificai-vos a vós mesmos, e que o preço do sacrifício pessoal se torne o resgate do sofrimento”. “Ah! Vejo, acrescenta o Padre Berlioux, vejo essas almas felizes elevarem-se para o céu, nas asas de nossos sacrifícios, de nossas austeridades e sofrimentos!”

Que objeto de consolação e de esperança! Ó, meu Deus! Ó, Jesus Crucificado, fazei-nos compreender o valor do sofrimento!

 

Aceitação da cruz pelas almas

A ideia da penitência dos Santos e das grandes austeridades nos assustam, mas não podemos oferecer a Nosso Senhor a cruz de cada dia pelos nossos mortos?

Quem não tem a sua cruz?

O sofrimento é fecundo e vai frutificar além das fronteiras da vida, vai aliviar as chamas do purgatório. Nada na vida faz tanto bem e repercute tanto nas almas!

Pois devemos crer que também na outra vida o sofrimento salva e resgata a dívida das pobres almas da Igreja padecente. Ouvi esta página de uma grande alma: “O sofrimento, escreve a admirável Elizabeth Leseur, o sofrimento atua de um modo impetuoso em nós, primeiro, por uma espécie de renovamento íntimo, em outros também, talvez muito longe e sem que saibamos neste mundo o trabalho que fazemos por eles. O sofrimento é um ato. Cristo fez mais na cruz pela humanidade do que falando e trabalhando na Galileia ou em Jerusalém. O sofrimento faz a vida: ele transforma tudo o que toca e tudo o que atinge”.

“O sofrimento é um ato”. Que fórmula impressionante! Convém guardá-la. Trabalha quem sofre bem. Pode salvar almas como o apóstolo da palavra, como o sacerdote missionário mais ativo e ardente. A grande missionária dos últimos tempos, o Anjo do Carmelo de Lisieux, pôde dizer e experimentou o valor do sofrimento pela salvação das almas. “Pelo sofrimento e a perseguição, disse ela, muito mais que por brilhantes pregações, Deus quer firmar o Seu Reino nas almas.

Nossos sacrifícios, nossos esforços e os mais obscuros de nossos atos não estão perdidos, é minha opinião absoluta: todos tem repercussão longínqua e profunda.”

Sim, o sofrimento tem uma repercussão tão longínqua e profunda que vai até o purgatório, vai aliviar os tormentos das pobres almas, vai ajudá-las a pagar a dívida que contraíram com a Justiça Divina, vai abri-lhes as portas do céu! Há em família tantas cruzes cotidianas, doenças, aborrecimentos, revezes, tantas coisa que nos vai crucificando todo dia! Por que não aproveitar tudo isto pelas almas? Ó, meu Deus, digamos na hora da dor, seja tudo por vosso amor e para o alívio das pobres almas! Se não temos coragem para grandes penitências, pelo menos aceitemos a de cada dia pelo purgatório.

 

Vítimas pelas almas

Há muitas almas generosas que chegam ao heroísmo de se oferecerem como vítimas pelas almas do purgatório. É um ato heroico e um meio extraordinário que não podemos aconselhar a todos, mas que só algumas almas generosas com aprovação do confessor e em circunstâncias especiais o poderiam fazer.

Pertencemos a família cristã, somos membros de Cristo, somos um com Cristo e em Cristo. Ele é a cabeça e somos os membros. Ora, em uma família um irmão não pode se oferecer para pagar a dívida de outro irmão? É o que faz a alma vítima que se oferece para sofrer pelas almas do purgatório.

Temos tocantes exemplos desta oferta generosa entre os Santos. Quando Santa Catarina de Sena perdeu o pai, que era um homem de uma piedade edificante, pediu a Nosso Senhor que o levasse logo, sem, demora, para o céu e que ela se oferecia para sofrer tudo quanto tivesse ele de padecer no purgatório. “Envia-me, Senhor, os sofrimentos que deveria padecer meu pai; eu os suportarei por ele!”

Este ato generoso e heroico obteve o céu para Giacomo – conta Joecgense: Todos soluçavam na morte do velho e uma alegria imensa invadia a alma da Santa. Ela mesma colocou no caixão o corpo do pai e, inclinada sobre aquela face pálida, murmurava: “Ó, se eu pudesse estar agora onde estás!”

Um sofrimento horrível invadiu a alma da Santa Catarina de Sena. Era uma dor terrível, acompanhada de uma doce paz. Compreendeu ela que seria a dor das almas do purgatório.

Outro exemplo de vítima pelas almas nos deu esta Santinha ainda há pouco canonizada, Santa Gema Galgani. Ofereceu-se pela conversão dos pecadores e pelas almas do purgatório. Um dia, diz ela, sofri durante duas horas em favor de uma alma do purgatório. Tinha a cabeça dolorida, que o menor movimento me era insuportável. Era terrível! Gema soube que uma religiosa Passionista do Mosteiro de Cornelo estava para morrer. Ela pediu a Nosso Senhor por aquela alma, a fim de entrasse logo no céu. O senhor ouviu-a. A Irmã faleceu e pouco depois apareceu a Gema, dizendo estar sofrendo muito no purgatório. A Santa não teve sossego. Fez toda sorte de penitência e clamava: Jesus, salvai-a! Jesus, mandai logo para o céu nossa Irmã!

Durante dezesseis dias consecutivos os sofrimentos de Gema foram incríveis.

Finalmente, chegou a hora da libertação. A Irmãzinha aparece a Gema, livre do purgatório: Sou feliz, vou para meu Jesus para sempre! Agradeceu e partiu para o céu.

Contam-se inúmeros fatos de penitências extraordinárias dos Santos pela libertação das almas do purgatório. São Nicolau de Tolentino, o Anjo do purgatório, jejuava e tomava sangrentas disciplinas pelo purgatório. Santa Margarida Maria fazia o mesmo com uma grande generosidade e heroísmo. Que disciplinas sangrentas e que sofrimentos pelas almas!

Se não podemos imitar o heroísmo dos Santos, saibamos pelo menos oferecer algum sacrifício pelas pobre almas, pelos nossos defuntos queridos.

 

Exemplo

O Padre Mateus Leconte, O.P., e o purgatório

Em 1887, Frei Mateus Leconte, homem de grande talento e de uma virtude admirável. Foi um missionário que converteu muita gente em pregações pelas principais cidades da Europa. Quis, depois de uma vida apostólica cheia de méritos, recolher-se na Cidade Santa e fundar lá um convento da sua Ordem no lugar onde foi martirizado o protomártir Santo Estevão. Caiu gravemente enfermo e foi transportado para um hospital, onde esteve sob os cuidados de uma santa religiosa que fora sua dirigida espiritual longos anos, outrora. O piedoso Frei Mateus se assustava com as contas que havia de dar a Deus no tribunal do Juízo.

- Meu padre, consolava-o a enfermeira, fizestes tanto bem com vossa pregação e salvastes tantas almas! Que podes temer?

- Ó, minha filha, respondia o bom padre, não basta fazer boas obras, é mister fazê-las bem feitas e com muita pureza de intenção! Quando eu morrer, reze muito e muito por mim...

- Rezarei padre, sim, meu padre, e se um dia não precisar mais, venha me avisar.

- Minha filha, responde sorrindo o Padre Mateus da simplicidade da Irmã, não é assim tão fácil voltar a este mundo. Em todo caso, prometo ajudá-la quando estiver no céu pela misericórdia de Deus. Ajude-me muito a entrar no céu, socorrendo-me no purgatório.

Poucos dias depois falecia santamente o bom padre. Durante uma semana mais ou menos a religiosa orou muito pela alma do Padre Mateus. Depois, ou por ocupações, ou porque pensasse que o Padre tão santo não precisasse mais deorações e sufrágios, deixou de orar por ele.

Um dia a boa religiosa estava na cela, em trabalho, quando sentiu de repente um forte cheiro de fumaça e alguma coisa que se queimava e muita fumaça insuportável. Em meio do fumo ouviu um gemido angustioso e terrível, que a gelou toda de horror.

- Minha filha! Minha filha! Reze muito por mim, reze muito por mim!

E tudo desapareceu num instante. Quinze dias depois, o mesmo fenômeno se repete, mas já não com tanta intensidade. A religiosa, neste espaço de tempo, rezou e sofreu muito pela alma que lhe pedira orações. Desta vez, a voz misteriosa lhe disse: muito agradecido, muinha filha, as tuas orações me aliviaram muito, foram um refrigerante orvalho nas chamas do purgatório que estou padecendo.

Eu te peço uma caridade: a de dizer ao Prior do Convento que fundei, mande celebrar uma novena de Missas pela minha alma.

A religiosa, sem hesitar foi transmitir o recado ao Superior. Este recebeu-a com certa desconfiança, julgando se tratasse de uma visionária. Em todo caso, pensou ele, uma novena de Missas pela alma do Padre Mateus não lhe fará mal. E sem demora mandou celebrar as Santas Missas.

No último dia da novena, depois de celebrada a última Santa Missa, o Padre Guardião e os religiosos, após as últimas orações da noite, se retiraram para suas celas. Um Irmão Leigo, homem muito equilibrado e de um temperamento positivo, nada sujeito a ilusões, sentiu que lhe batiam à porta da cela.

- Entre! Gritou logo.

Qual não foi o seu espanto ao ver entrar o Padre Mateus, todo resplandecente e belo, cheio de alegria. O defunto se adiantou para o Irmão e tal como o fazia em vida, sorriu e perguntou como iam as coisas do convento.

- Tudo vai bem, Padre Mateus, só as saudades de V. Revma., e a falta que nos faz...

- Coragem, diz o defunto, eu agora parto para o céu e lá vos serei mais útil do que neste mundo.

E estendeu a mão, apertando a mão do leigo com tanta força, que este sentiu por muitos dias este aperto. E Frei Mateus desapareceu num raio de luz.

O Irmão, comovido, quis acordar o Superior e a Comunidade àquela hora. O Superior ouviu-o e conferindo as datas e as circunstâncias, e atendendo ao espírito equilibrado do Irmão Leigo, viu que se tratava de uma verdadeira aparição. Louvou a misericórdia de Deus por ter mandado sufragar a alma do santo sacerdote, segundo o pedido da Irmã. - (II purgatorio – I nostri morti – Luigi Falletti, S.M)

 

16 de Novembro

AS INDULGÊNCIAS

Que são as indulgências?

Entende-se por indulgência a remissão ou perdão das penas temporais devidas a Deus pelos pecados já perdoados em quanto à culpa, remissão concedida pela Igreja pela autoridade eclesiástica fora do Sacramento da Penitência.

As penas eternas são perdoadas ao pecador que faz penitência, mas nem sempre as penas temporais. Há necessidade de fazer penitência e sofrer um pouco em reparação dos pecados cometidos. Daí a pena temporal pelos pecados. Ora, a Igreja que recebeu o poder de perdoar a pena eterna, muito mais o tem para remir da pena temporal. “Tudo o que ligares na terra, será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra, será desligado no céu”, disse Jesus a Pedro. Na Igreja primitiva os fiéis recebiam grandes penitências pelos seus pecados acusados.

Havia penitências públicas bem duras e longas. Jejuns a pão e água por vários dias na semana e por alguns anos. Em crimes mais graves como o homicídio, por exemplo, o penitente fazia doze e mais anos de penitências públicas, algumas das quais bem humilhantes. Nas faltas mais leves, o jejum de quarenta dias (uma quarentena). Depois, com o tempo, atendendo à fraqueza humana e aos tempos, a Igreja permitiu que as penitências públicas fossem substituídas por esmolas, cruzadas, peregrinações e outras obras que serviam para expiação dos pecados.

As penas canônicas foram substituídas pelas indulgências concedidas aos que fizessem algumas boas obras ou atos de piedade. Quando eram perdoadas todas as penitências, era a indulgência plenária, e quando uma parte, a indulgência parcial. Assim, quando se diz uma indulgencia plenária quer dizer que o fiel lucra um perdão de todas as penitências que deveria fazer pelos seus pecados e os castigos que deveriam merecer suas faltas com penas temporais. Uma indulgência de cem dias de penitências por seus pecados e com uma oração recitada piedosamente ou outra boa obra pode satisfazer esta dívida que tem para com Deus.

A indulgência é uma espécie de absolvição das penas temporais, é uma anistia do Soberano Juiz de nossas almas. Não se poderia dizer propriamente que a indulgência é a remissão das penas canônicas, mas uma remissão verdadeira da pena com que Deus castiga o pecado. Não dispensa a penitência e nem a confissão humilde de nossos pecados.

Há muita noção errada sobre as indulgências. Assim, muita gente pensa que ganhar indulgências por exemplo de trezentos dias é perdoar trezentos dias de purgatório, ou uma indulgência plenária importa numa remissão total das chamas expiadoras. Também não significa que ao ganhar duzentos ou quinhentos dias de indulgências pelas almas do purgatório lhes aliviamos outros tantos dias de sofrimento. Esta medida do tempo da expiação é o segredo de Deus e depende muito do fervor e das disposições de quem lucra as indulgências.

A Igreja, pelos méritos superabundantes de Jesus Cristo e os méritos de Maria e dos Santos, e pelo tesouro das boas obras dos justos, aplica para o bem dos fiéis neste mundo e para alívio das almas do purgatório as indulgências.

 

Vantagens das indulgências

Todo pecado trás como consequência duas coisas: a culpa e a pena. Pela verdadeira contrição e pelo sacramento da Penitência, ficam perdoadas as culpas e a pena eterna. Deus nos perdoa e nos livra da condenação eterna. Todavia, fica-nos o dever da penitência e da reparação do mal que cometemos. Fica uma dívida que devemos pagar à Justiça de Deus, neste mundo ou no purgatório, se a dor destes pecados não foi tão grande que tudo tivesse remido. Pelas indulgências podemos diminuir e até pagar toda esta pena temporal. Tiramos do tesouro da Igreja formado pelo Sangue de Cristo, os méritos, e de Maria e dos Justos, o que precisamos para o pagamento de nossas enormes dívidas. É o que demonstram os teólogos.

A Igreja, todavia, nunca ensinou que as indulgências nos dispensassem de fazer penitência e levar a cruz da mortificação. Com umas poucas orações e boas obras, quantas graças não podemos obter para nós e para os fiéis defuntos?

Três coisas são necessárias para se ganharem indulgências: o estado de graça – em estado de pecado grave não se lucram indulgências. A intenção é de lucrar as mesmas. Para isto basta a intenção virtual e podemos já fazer pela manhã a intenção de lucrarmos todas as indulgências anexas às orações e boas obras que praticarmos naquele dia. E, finalmente, é mister praticar as obras prescritas, por exemplo, rezar tais e tais orações, visitas às igrejas, etc. Ora, já pelas suas condições vemos que as indulgências são de grande vantagem para quem as deseja lucrar, pois obriga-o a levar uma vida de estado de graça e procurar se aperfeiçoar sempre para poder lucrá-las com mais segurança. O estímulo das indulgências leva os fiéis a muitas obras meritórias. Para lucrar a indulgência plenária é mister a confissão e a Santa Comunhão e orar nas intenções do Soberano Pontífice, além das orações ou obras prescritas para lucrá-las. Não é um estímulo para a prática dos Sacramentos, e para que tenhamos sempre a consciência limpa? Não perdamos o tesouro das indulgências que é riquíssimo na Santa Igreja. A condição da confissão e comunhão para lucrar a indulgência plenária se satisfaz com a confissão semanal ou de quinze em quinze dias, excetuadas as indulgências do Jubileu do Ano Santo, que exigem uma confissão e comunhão especiais para lucrá-las.

O zelo pelas indulgências leva o cristão a ter sempre seu coração livre do pecado e fazer penitência, porque bem sabe, que quanto mais pura for nossa alma diante de Deus, tanto mais méritos pode obter e salvar muitas almas do purgatório.

E demais, quantas penitências não deveríamos fazer por tantos e tantos grandes pecados que cometemos em nossa vida! Aproveitemos o tesouro das indulgências que irão descontando nossas enormes dívidas, e além do mais, socorrendo tantas pobres almas sofredoras no purgatório. Seremos muito bem recompensados por este grande ato de caridade. Quantas vantagens, pois, nas indulgências! E como se perdem e se desprezam tamanhos tesouros!

 

Indulgências pelos fiéis defuntos

Podemos lucrar indulgências pelos nossos mortos? - Diz Santo Tomás de Aquino com a sua autoridade de Doutor da Igreja: “Não há razão alguma para que a Igreja, que pode transferir os méritos dos vivos, não possa também transferi-los aos mortos, pois Santo Agostinho ensina que as almas dos que morreram na amizade de Deus não são separadas da Igreja”.

Muito antes de Santo Tomás o Concílio de Arraz ensinou esta doutrina: “É preciso não acreditar que a penitência aproveita só aos vivos e não aos defuntos”. Muitos doutores da Igreja, como São Gregório Magno nos seus Diálogos, e outros mais antigos, ensinam esta consoladora doutrina que vem dos primeiros séculos da Igreja.

As indulgências podem, pois, servir aos vivos e aos mortos. Em linguagem teológica podem ser aplicadas aos vivos e aos defuntos. Santa Madalena de Pazzis aproveitava quantas indulgências podia lucrar pelos defuntos. Deus a recompensou com uma miraculosa visão. Uma das suas irmãs, muito virtuosa, acabava de falecer e fora condenada ao purgatório. Santa Madalena se pôs a rezar e ganhar indulgências pela defunta. Havia quinze horas que a morta havia comparecido diante de Deus, quando apareceu à Santa e lhe disse, toda bela e resplandecente: Adeus, ó minha irmã querida!

“Ó alma feliz, exclama Santa Madalena, como é grande a vossa glória! Como foi curto vosso purgatório! Vossos restos mortais ainda não foram sepultados e já entrastes na eterna pátria!”

Nosso Senhor revelou à grande Santa que esta alma deveria ter um longo purgatório, mas se livrou em tão pouco tempo pelas indulgências que ela havia lucrado pela defunta.

Conta-se na Vida de Santa Teresa, a Matriarca do Carmelo, um fato consolador.

Uma Carmelita de uma vida muito simples e que em nada se distinguia das outras, veio a falecer, e a Santa a viu subir ao céu com grande glória pouco tempo depois da morte, de sorte que teria tido talvez um brevíssimo purgatório. E como Teresa revelasse grande surpresa com isto, Nosso Senhor lhe disse que aquela religiosa sempre teve grande respeito pelas indulgências da Santa Igreja e durante toda vida sempre se esforçou por ganhar o maior número que lhe foi possível. E isto fez com que tivesse pago a maior parte das suas dívidas para com a Divina Justiça.

Aliviemos sofrimentos de nossos mortos queridos, procurando ganhar por eles muitas e numerosa indulgências. Grande parte deste tesouro é aplicável às almas.

Deus aceita sempre esta satisfação dos vivos pelos mortos, diz o grande teólogo Suarez. Talvez haja para nós dificuldades e obstáculos para lucrarmos indulgências, porém Deus sempre as aceita pelas almas do purgatório.

O Santo Rosário, a Via Sacra, que riqueza de indulgências para os mortos nos oferecem estas duas práticas piedosas! Recitemos jaculatórias indulgenciadas. É tão fácil repeti-las em toda parte e a toda hora! Duplo proveito: nossa união com Deus e alívio das pobres almas. Vamos, pois, cheios de generosidade aproveitar o tesouro das indulgências em favor do purgatório!

 

Exemplo

O que vale um Requiem

Autores antigos como Dorlandus, na Crônica Cartusiana, e Teófilo Regnaud, em heter Spirituale – Pars II, Sect. II – narram este fato que por aí às vezes tem sofrido variantes acrescentadas pelo povo:

Um rico senhor, de uma fortuna bem considerável, deixou uma herança para o filho, único herdeiro. Este, muito piedoso, lembrou-se logo da alma do pai e quis sufragá-la generosamente. Logo após o enterro do pai, vai a um mosteiro e oferece uma grande soma ao Prior, rogando muitas orações pelo morto querido.

No mesmo instante, os monges se reuniram e o Prior lhes disse: “Meus irmãos, acaba de falecer e foi hoje sepultado um grande benfeitor deste convento.

Oremos por sua alma”. Imediatamente os monges entoaram um “Requiescat inpace”. E o Superior responde: Amém. Logo depois se retiram todos do coro.

O moço, filho do benfeitor, admirou-se de tão pouca oração, após ter oferecido tão grande soma. “Tão pouco, diz ele ao Prior, por tão generosa oferta?” O Prior, inspirado por Deus, quis dar uma lição ao jovem e mostrar-lhe o valor da oração.

Mandou que os religiosos escrevessem todos num papel estas palavras que disseram: Requiescat in pace! E depois lho trouxessem. Mandou chamar ao jovem e pôs os papéis num prato de balança, e noutro a soma de dinheiro em moedas pesadas, oferecidas pelo benfeitor. Ó prodígio! No mesmo instante o prato da balança pendeu para o lado do papel, com admiração geral. Diante disto, reconheceram todos o quanto vale um Requiscat in pace pelos defuntos. O moço se retirou contente e convencido de que não se podem comparar os bens materiais com os espirituais.

A bem-aventurada Maria de Quito foi arrebatada em êxtase e viu uma mesa cheia de pedrarias e joias e moedas de ouro. Uma voz lhe dizia: Estas são as riquezas oferecidas a todos. Cada um pode delas se servir como queira. Era uma figura das riquezas espirituais das indulgências que todos podemos juntar e aproveitá-las para nossa alma e principalmente em favor das pobres almas do purgatório.

 

17 de Novembro

A ESMOLA

O sufrágio da esmola

Um socorro aos mortos dos mais valiosos é a esmola. Não é mister lembrar aqui o valor da caridade. É auxílio ao pobre na terra, alívio aos mortos nas chamas expiadoras do purgatório. Há tanta miséria a socorrer no mundo! Por que não fazermos do dinheiro, que perde tanta gente, um meio de salvação para nossa alma, e alívio do pobre e alívio do Purgatório? Não é conselho de Nosso Senhor que aproveitemos e façamos da riqueza meio de salvação empregando-a nas boas obras como só pecadores a empregam para o mal?

Socorramos o pobre em sufrágio das almas do purgatório.

Contam piedosos autores esta parábola tão expressiva: Um homem tinha três amigos. Dois lhe eram muito queridos. O terceiro nem por isso. Um dia foi acusado e levado ao tribunal da Justiça. Chamam os amigos para o defender.

O primeiro escusou-se. Tinha negócios e família, era impossível!

O segundo foi até a porta do Tribunal e o deixou.

O terceiro o acompanha sempre fiel, defende-o com ardor, dá testemunho de sua inocência e salva o acusado do castigo.

Assim, o homem tem neste mundo três amigos: o dinheiro, os parentes e as boas obras. O dinheiro o abandona na morte, quando há de comparecer no Tribunal da Justiça de Deus. Os parentes o levam a beira da sepultura e o deixam: e o esquecem depois. O terceiro amigo – as boas obras, a caridade praticada, as obras de misericórdia, tudo quanto o homem fez de bom neste mundo, só isto o acompanha e o defende no Tribunal da Justiça de Deus.

Pois bem. Neste mundo toda sorte de boas obras sejam os nosso amigos. Tudo o mais falha. Diz São João que as obras do homem o há de seguir depois da morte:

Opera enim illorum squntum illos.

Socorramos o pobre em sufrágio dos mortos. Praticaremos dupla obra de caridade. E tenhamos a certeza de Aquele Deus de Misericórdia não deixará que se perca nossa pobre alma no Tribunal do Dia do Juízo.

Eis porque rezar pelos mortos, socorrer as almas do purgatório na prática da caridade pela esmola, é das maiores riquezas do cristão neste mundo.

A esmola, disse o Anjo a Tobias, salva o homem da morte, apaga os pecados e faz achar a graça diante de Deus. O Livro Eclesiástico ensina que “assim como a água extingue o fogo mais ardente, assim a esmola apaga o pecado”.

Sim, e a esmola apaga também o fogo do purgatório.

Daí a esmola ao pobre em sufrágio das benditas almas. As lágrimas que vossas esmolas enxugarem, o alívio que tiverdes dado aos que padecem fome, sede e frio, serão alívio no purgatório para as almas sofredoras, talvez almas de vossos entes queridos. É uma dupla caridade socorrer os pobres por amor das santas almas.

 

A esmola que salva

São João Crisóstomo faz este belo e poético elogio da esmola: “A esmola, diz ele, é uma celeste indústria e a mais hábil de todas. Protege os que a exercem. É amiga de Deus e está ao lado do Senhor e alcança facilmente a graça aos que ela ama. Quebra os ferros, dissipa as trevas, extingue o fogo... diante dela se abrem com toda segurança as portas do reino do céu. Como se aplicam bem as palavras do eloquente e Santo Doutor à esmola dada em sufrágio para alívio e libertação das almas do purgatório! Nossa esmola ao pobre vai quebrar as cadeias de ferro e fogo que retém no purgatório as pobres almas, dissipa-lhes as trevas horríveis da ausência e da separação do Bem Infinito que tanto as faz sofrer naquele cárcere medonho. E diante da esmola, quantas vezes não se abrem com segurança as portas do reino do céu às pobres cativas! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia, diz Nosso Senhor no evangelho.

Sim, sejamos agora misericordiosos para com os infelizes, os desgraçados, os pobres, e alcançaremos misericórdia para nós e para as almas do purgatório. Diz o Livro de Tobias: “A esmola livra de todo pecado e da morte, e não deixará a alma descer nas trevas”. Sim, a esmola nos livrará da morte eterna, e, se nesta vida tivermos aplicado nossos recursos em socorrer os pobrezinhos, livraremos nossa alma da eterna morte, das trevas do inferno, e livraremos as almas das trevas do purgatório.

Pelas almas sofredoras tenhamos compaixão dos pobres.

Um dia, em Saint Lazare, São Vicente de Paulo ia dar a bênção à mesa frugal da comunidade dos seus padres, quando de repente sentiu-se profundamente comovido e as lágrimas lhe corriam pelas faces. Soluçava. O seu pensamento sentia-se agora transportado para a Lorreine, onde o povo tinha fome como nas províncias devastadas pela guerra. Ah! Dizia o Santo, lá há muita fome, muita fome...

“Ó, se nós soubéssemos meditar e ter compaixão daquelas pobres almas que tem fome de Deus! E Jesus, que na pessoa do pobre tem fome e sede, como nos diz no Evangelho, não sentirá também a fome das benditas almas? Tive fome e me deste de comer, estive doente e me visitastes. Jesus nos fala assim nas almas do purgatório.”

“A esmola, escreveu o ilustrado henri Bremond, é, no pensamento da Igreja, um dos elementos essenciais do culto dos mortos. Obra de caridade e de sacrifício eucarístico, o ágape primitivo reunia estes dois elementos. Muito antes de ter sido abolido, o ágape era uma espécie de reunião de beneficência para socorrer os pobres, visando obter por esta obra o alívio e a libertação das almas do purgatório. Os Santos Padres falam sempre nisto. Na Idade Média, esta ideia de socorrer os pobres para alívio das almas do purgatório teve uma influência decisiva na organização das obras de caridade.”

 

Dupla caridade

Podemos dizer: dar esmola em sufrágio e para alívio e libertação das almas do purgatório é dar duas vezes, é dupla esmola. Socorre os vivos e os mortos. Os amigos das santas almas não deixam esquecido este meio poderoso e meritório de praticar a caridade.

São Pedro Damião conta que, numa festa da Assunção de Maria, um homem de Deus teve uma visão. Viu na Igreja a Santíssima Virgem num trono, cercada de Anjos e de Santos. Diante dela aparece uma pobre mulher em andrajos, em estado de grande miséria, mas trazendo sobre os ombros uma capa de seda e pedrarias ricas. Ajoelhou-se a pobrezinha diante da Virgem e entre lágrimas lhe disse: “Ó Mãe de misericórdia, eu vos suplico, tende piedade de João Patrizzi que acaba de morrer e sofre no purgatório. Sabe, ó Mãe de misericórdia,que eu sou aquela mendiga que um dia pedia esmola na porta da vossa basílica e tiritava de frio.

João, a quem pedi uma esmola, privou-se da sua capa para me cobrir”. Ao ouvir isto, a Virgem Santíssima sorriu, cheia de bondade, e disse: “O homem pelo qual pedes misericórdia estava condenado a sofrer muito tempo na expiação, mas já que ele praticou este ato de caridade, e além disto sempre teve muita devoção para comigo, adornou meus altares, eu quero usar de bondade para com ele”. E Patrizzi foi logo libertado do purgatório.

Assim fará para conosco a Mãe de Deus, se juntarmos a sua devoção bem fervorosa à caridade para com os infelizes. É muito grande o mérito da esmola. São João Crisóstomo aconselhava, numa exortação, uma maneira de aliviar o sofrimento da saudade dos mortos, de um filho querido que a morte arrebatou, de um ente, enfim, que vimos partir para a eternidade, deixando-nos saudosos.

Diz o Santo doutor: “Perdeste um filho querido e não sabeis o que fazer para testemunhar a vossa dor. Quereis ser útil ainda ao vosso filho? Nada mais simples.

Assisti a um coerdeiro pobre. Tomai um pobre para socorrer. Dai aos pobres o que desejaríeis dar ao morto querido que chorais. Não tereis perdido o herdeiro do céu e arranjareis um coerdeiro na terra, que é o pobre. Em vez de uns miseráveis bens temporais que havíeis de deixar para um filho, lhe dareis a herança da posse de Deus no céu nos bens eternos. Eis como podeis socorrer vossos entes queridos muito mais do que se estivessem neste mundo”.

Ordena a admirável e santa Regra de São Bento que quando morra um monge, durante trinta dias se ofereçam por sua alma o Santo Sacrifício e a ração de alimento que lhe pertencia seja dada aos pobres.

Que bela tradição! Sejamos caridosos para com os pobres da terra e apliquemos o mérito desta caridade para o alívio e libertação das santas almas sofredoras do purgatório. Pratiquemos a dupla caridade.

 

Exemplo

Esmola pelas almas

Cristóvão Sandoval, ainda menino, era devotíssimo das santas almas do purgatório. Procurava socorrê-las de todos os modos. Privava-se até do necessário para sufragar as pobres almas sofredoras. Quando estudava na Universidade de Louvain, aconteceu que as cartas da Espanha demoravam a chegar com recursos e o pobre estudante ficou reduzido a uma extrema miséria sem ter do que se sustentar. Sempre que lhe pediam alguma esmola em nome das almas do purgatório, nunca a negava. Doía-lhe o coração ver pobres rogando: uma esmola por amor das santas almas do purgatório! Assim amargurado entrou numa igreja pensando: não posso socorrer as almas do purgatório com minhas esmolas, mas posso rezar por elas. Quero ajudá-las com minhas orações. Acabou de rezar e ao sair da igreja um moço muito educado e de ar nobre o veio cumprimentar, dizendo estar de volta da Espanha, e lhe entregava uma grande soma de dinheiro, porque quando voltasse à Espanha, seu pai lhe havia de pagar. Convidou-o para um almoço. Sandoval aceitou o generoso convite, pois até aquela hora nada havia comido. Depois, o moço desapareceu. Nunca mais Sandoval chegou a saber quem era aquele moço. Fez várias pesquisas, mas tudo em vão. Um dia, contou o fato ao Papa Clemente VIII. O Santo Padre lhe disse: Meu filho, é preciso publicar muito este fato para mostrar como Deus recompensa os que dão esmolas em nome das almas do purgatório e sufraga os mortos com atos de caridade.

Uma mulher em Nápoles, conta rosingnoli (91 a Maravilha), chegou a uma extrema miséria, porque o marido fora preso por muitas dívidas. Os filhos passavam fome.

Recorreu a um grande rico da cidade e pediu-lhe uma esmola. Recebeu uma moeda de prata. Entrou numa igreja e pôs-se a considerar a triste situação em que se encontrava. Recorreu às santas almas do purgatório, procurando sufragá-las com fervorosas preces. Depois, tomou a moeda de prata, importância exata de uma espórtula de Missa, e mandou celebrar uma santa Missa pelas almas. Sai da igreja muito consolada e cheia de confiança. Encontra na rua logo um velho muito pálido que lhe quer falar.

- Coragem, minha senhora, diz-lhe o desconhecido, peço o favor de me levar esta carta a Fulano, tal rua, número tal. É um dos homens mais conhecidos e ricos do lugar.

A senhora executou logo o pedido. O jovem destinatário tomou a carta, abriu-a e empalideceu: - a letra de meu pai... e meu pai já morto!

Indagou muito e veio a concluir que aquela pobre viúva havia salvo do purgatório a alma do seu pai querido. A carta dizia assim: “Meu filho, teu pai acaba de ser libertado do purgatório graças a uma santa Missa mandada celebrar por esta senhora, portadora desta. Está ela numa extrema miséria e eu a recomendo à tua gratidão”.

Grande foi a comoção do jovem. Após acalmar-se disse à pobre: “Minha senhora, acaba de fazer uma grande obra de caridade e lhe devo uma eterna gratidão: libertou meu pai do purgatório com uma Missa, esta manhã... Doravante eu me encarrego de protegê-la. E assim o fez. - (Carfora – Fortura hominis. Lib. I – rossignoli, 91 a Maravilha)

 

18 de Novembro

O ATO HEROICO

Que é “ato heroico”?

“É o ato que consiste em oferecer à Divina Majestade, em proveito das almas do purgatório, todas as obras satisfatórias que fizermos durante a vida e todos os sufrágios que forem aplicados pela nossa alma depois da morte.”

Tal é a definição autêntica deste ato aprovado oficialmente pela Igreja e indulgenciado. Chama-se heroico, porque realmente exige uma abnegação de todos os tesouros que possamos lucrar com nossas boas obras e contém uma renúncia de todos os sufrágios que ofereceram por nossa alma depois da nossa morte, em favor das almas do purgatório. Este ato há de ser feito, para ser válido,

em perpétuo. É irrevogável na intenção de quem o faz. Não obriga sob pena de pecado. Se alguém, a quem faltou generosidade ou teve receio de se privar de sufrágios depois da morte, quis de novo adquirir para si as suas obras satisfatórias, renunciou ao voto heroico, não comete pecado nem mortal nem venial.

Pelo ato heroico não renunciamos o mérito de nossas boas obras, isto é, o que nos dá nesta vida um acréscimo da graça e a glória no paraíso. Este merecimento é nosso e não o podemos perder nem dá-lo aos outros. O ato heroico é uma obra muito meritória, e este mérito de uma obra tão bela e heroica não o podemos perder. Só o mérito do ato heroico quanto não vale para nossa alma! Este mérito não o perdemos. Depois desta obra satisfatória, tudo o mais que fizermos será das almas do purgatório. Desde que fazemos o ato heroico, todas as indulgências que lucrarmos são das almas. Tudo que de bom possamos fazer e ter mérito e lucrar alguma coisa, será do purgatório, direito e propriedade das almas. É uma renúncia total. Só a indulgência plenária da hora da morte não pode ser oferecida para as almas e será nossa, porque não é aplicável aos defuntos.

O ato heroico não impede de rezar nas próprias intenções e pelos mortos.

Quando fazemos um ato de penitência e de oração, por exemplo, recitando um terço de joelhos, há neste ato, para falar uma linguagem teológica, três frutos diferentes: um fruto meritório que não o podemos perder, é o mérito pessoal de quem o pratica – o valor satisfatório do ato que é a penitência, o sacrifício feito, e este é para as almas é do ato heroico – e finalmente, uma força impetratória que é da oração como oração. A oração é uma força e Deus prometeu ouvi-la. O ato heroico não nos impede utilizar a força impetratória da oração.

Quem faz o ato heroico é como um religioso que fez o voto de pobreza: tudo o que ganha não lhe pertence. A diferença é que o voto de pobreza obriga em consciência e o ato não. O abandono que a alma generosa faz em favor da almas do purgatório é feito, em geral, por todas e nunca em favor de uma ou outra alma.

O ato heroico não impede que se ore por esta ou aquela alma em particular e se ofereça a Nosso Senhor muito sufrágio pelos nossos mortos queridos.

Não pode tudo isto ser feito na oferenda geral que fizermos a Deus?

 

Origem do ato heroico

O ato heroico em si, não é uma devoção nova na Igreja, como pretendem alguns.

Em séculos passados, muitos homens de grande santidade e grandes almas generosas ofereceram a Deus seus tesouros de obras satisfatórias em favor das pobres almas do purgatório. Santa Gertrudes, Santa Catarina de Sena, Santa

Liduina e muitos outros santos tiveram esta generosidade. Santa Teresa fez este ato em favor de um mestre espiritual, o Provincial dos Carmelitas, falecido, e ela libertou-o do purgatório com suas orações. Todavia, consideramos como fundador e apóstolo do ato heroico o Pe. Gaspar Olinden, clérigo regular dos Teatinos. Este sacerdote piedoso tinha uma devoção muito grande pelo Purgatório e sua grande preocupação e todo seu zelo ardente o empregava em favor das pobres almas.

Lembrou-se deste ato heroico, desta oferenda generosa a Deus em favor do purgatório e apresentou-o ao Santo Padre Bento XIII, que não só o aprovou mas o enriqueceu de indulgências e privilégios. Depois, todos os Pontífices confirmaram a aprovação e estimularam e abençoaram tão belo ato. Bento XIII, não contente de aprovar o ato heroico, ainda fez publicamente, e de púlpito, a entrega de todos os seus bens espirituais pelos mortos, como se pode ver nos sessenta sermões que pregou sobre este assunto.

Naquela época viram-se Ordens inteiras recomendarem o ato heroico O superior Geral da Companhia de Jesus mandou recomendá-lo a todos os seus súditos. O Pe. Ribadanera piedoso hagiógrafo propagou muito o ato heroico e o Pe. Nierenberg. O pe. de Montroy, no leito de morte, não só deu às almas o mérito de todas as obras satisfatórias feitas em vida, mas a sua caridade se estendeu além.

Fez um testamento sublime, diz o Pe. Faber “que não sei de outro igual”: cedeu sem exceção para as almas do purgatório todos os méritos, orações, Missas, indulgências que a Companhia de Jesus costuma aplicar aos seus membros defuntos, todos os sufrágios que seus amigos pudessem oferecer por ele e tudo enfim, pelas almas.

Há muitos exemplos admiráveis de atos heroicos pelo purgatório.

Finalmente, nos últimos tempos Nosso Senhor suscitou uma grande alma devotíssima do purgatório e fundadora de uma Congregação religiosa especialmente destinada a sufragar as santas almas e entregue toda a serviço do purgatório num ato heroico de caridade. Foi a Madre Maria da Providência. Desde pequenina, esta serva de Deus sentia grande compaixão pelas almas sofredoras.

Um dia a encontraram muito pensativa e grave em meio dos brinquedos da criançada. - Que está pensando? - Sabem no que penso? Disse Eugênia (tal era o seu nome no século), eu penso numa prisão de fato de onde não se pode sair e da qual com uma palavra se podem tirar os prisioneiros.

As companheiras a olharam surpreendidas. “Esta prisão de fogo é o purgatório e com uma palavra, com a oração, podemos libertar as almas”.

Mais tarde foi a fundadora de uma Congregação, única na Igreja, cujos membros se oferecem a Deus pelas almas e vivem o voto heroico.

Eis como se desenvolveu, nos últimos tempos, a bela prática do ato heroico.

 

Vantagens do ato heroico

Um ato tão generoso e que nos despoja de tantas riquezas e nos deixa até sem sufrágios depois da morte, poderá ter vantagens, lucrar muito, porventura, quem o fez? Sim, mil vezes sim! É um engano pensar que se perde muito com o ato heroico. Ao invés, lucra-se mil vezes mais. Deus se deixa vencer em generosidade?

Não há gratidão nas almas por tão grande socorro?

O ato heroico é um ato cheio de mérito, é um ato perfeito que nos faz esquecer de nós mesmos para cuidar de nossos irmãos e da glória de Deus. Quem faz o ato heroico aumenta por este ato seu grau de graça neste mundo e o grau de glória no outro. E o ato de caridade que pratica, não há de atrair a misericórdia daquele Senhor que prometeu cem por um e o reino do céu ao menor bem que se faz neste mundo por amor de Deus? “A caridade cobre a multidão dos pecados”, diz a Escritura, e este gesto de caridade heroica não há de obter perdão e descontar muitos pecados de quem o faz? E a indulgência plenária que se ganha com o ato heroico? E a indulgência plenária da hora da morte que nos pertence e não podemos aplicá-la para ninguém? E nosso Senhor se deixará vencer em generosidade? Não tenha receio de sair prejudicado quem faz o ato heroico em favor das almas do purgatório. Este heroísmo de caridade será recompensado com superabundância de graças neste mundo e de glória no outro. Não nos preocupemos porque não podemos dispor de nossos tesouros em favor de nossos mortos queridos como bem entendemos. Nosso Senhor cuidará deles muito mais, e nossa caridade lhes há de ser um refrigério tão grande no purgatório e talvez concorra para libertá-los do purgatório muito mais depressa do que se estivessem dependendo de nossos pobres sufrágios muitas vezes até esquecidos.

E para terminar, vejamos as condições e as indulgências do ato heroico:

Para fazer o ato heroico é mister consultar o diretor espiritual ou um prudente confessor, procurar conhecer bem o que vai fazer e saber a responsabilidade que assume. Não se deve fazê-lo levianamente e num momento de fervor irrefletido.

É muito sério e é preciso lembrar que é heroico! Não é prescrita nenhuma fórmula especial. Poder-se-ia usar uma como esta: “Para vossa glória, ó meu Deus, e para imitar o melhor possível o Coração generoso de Jesus, meu Redentor, a fim de mostrar também minha dedicação para com a Santíssima Virgem Maria, minha Mãe e Mãe das almas do purgatório, entrego em suas mãos todas as minhas obras satisfatórias assim como o fruto de todas as que, porventura, se venham a fazer por minha intenção depois da morte, a fim de que Ela faça a aplicação às almas do purgatório segundo a sua sabedoria e como melhor lhe aprouver”. Quem faz o ato heroico pode lucrar as seguintes indulgências, aplicáveis aos defuntos: uma indulgência plenária cada vez que se aproxima da Comunhão nas condições do costume; visita à igreja e oração pelo Papa. Outra indulgência plenária cada segunda-feira, ou ouvir a Missa pelos mortos. Os sacerdotes que fizerem o ato heroico gozam do altar privilegiado pessoal em todos os dias do ano. (P.P.O. 547.)

 

Exemplo

Um voto heroico

Uma donzela chamada Gertrudes, acostumara-se desde os mais tenros anos, a oferecer por intenção da almas do purgatório todas as suas boas obras. Era tão bem aceita esta devota prática no purgatório e no céu, que muitas vezes, o Salvador se comprazia em designar-lhe as almas mais necessitadas. Estas, libertadas pela sua piedosa caridade, se lhe mostravam gloriosas, para lhe

agradecerem e prometiam-lhe não esquecê-la no paraíso. Passava a vida neste santo exercício e, cheia de confiança, via em paz aproximar-se a morte, quando o infernal inimigo, que de tudo sabe fazer ocasião para tentar os homens, começou a representar-lhe que ela se havia despojado de tudo e de todo mérito satisfatório de cada boa obra e ia cair no purgatório para nele expiar em longas penas todas as suas culpas.

Este tormento de espírito a lançara em tal desolação, que seu Esposo celeste dignou-se de vir consolá-la. “Por que, disse ele, ó Gertrudes, estás tão triste e pensativa? Tu que outrora gozavas da mais perfeita serenidade?” Ah! Senhor, respondeu ela, em que deplorável situação me encontro! Vede, a morte se aproxima, achando-me eu privada da satisfação das minhas boas obras, que apliquei pelos defuntos; com que poderei pagar a dívida que contraí para com a divina Justiça? Replicou-lhe com ternura o Senhor: “Não temas, ó querida minha, porque ao contrário, aumentastes pela tua caridade a soma de teus merecimentos, e não só tens bastantes para expiares as tuas leves culpas, mas adquiristes altíssimo grau de glória na bem-aventurança eterna. É assim que minha clemência reconhecerá com uma generosa recompensa, que cedo virás receber no paraíso a tua dedicação pelos defuntos”.

Desapareceu a estas palavras, e a alma de Gertrudes foi incendiada de um novo fervor e de um ardente desejo de socorrer as almas dos defuntos.

Enchamo-nos também de zelo e caridade para com essas almas, que rico galardão está prometido nos céus aos nosso esforços. (Dyon, Cart. de nonvias. Apud P. Mart. De Rox de statu animarum, cap. 20.)

 

19 de Novembro

VIA SACRA E O ROSÁRIO

Para alívio das almas do purgatório, temos uma fonte de indulgências e de riquezas espirituais – é a Via Sacra. Esta meditação da Paixão e morte do nosso divino Redentor, nos lembra o Sangue Preciosíssimo derramado pela salvação das almas, e nos faz pedir pelo Sangue de Cristo a libertação do purgatório. Quanto alívio não trás às almas sofredoras uma piedosa Via Sacra! É uma devoção

santificadora para nós e um sufrágio precioso para as pobres almas. Dizia São Boaventura: “Se quereis crescer de virtude em virtude, atrair para vossa alma graça sobre graça, entregai-vos muitas vezes ao exercício da Via Sacra”. A Paixão de Jesus Cristo é remédio para nossa alma pecadora, e este Sangue precioso cairá sobre as almas como doce refrigério.

Na Vida da V. Maria d’Antigna se conta que esta serva de Deus tinha o piedoso costume de fazer todos os dias a Via Sacra pelos defuntos. Depois, com outras ocupações e devoções, se descuidou desta. Um dia, uma religiosa do mosteiro, falecida há pouco tempo, lhe apareceu e lhe disse, gemendo: “Minha Irmã, porque não faz as estações da Via Sacra por mim e pelas almas como antes?” Neste momento apareceu-lhe Nosso Senhor: “Filha, disse-lhe o Salvador, estou muito triste com tua negligência. É preciso que saibas que a Via Sacra é muito proveitosa para os defuntos, e eis porque permiti que esta alma viesse reclamá-la em seu nome em nome das outras almas padecentes. É um sufrágio muito importante. É preciso tornar este tesouro mais conhecido em favor das almas”.

Desde esse dia, a serva de Deus se dedicou a este exercício e o propagou com muito zelo. Pelo menos às sextas-feiras, se possível, façamos uma Via Sacra pelos mortos. Como a Via Sacra, o Rosário é um tesouro dos mortos também.

Um dia, São Domingos pregava sobre a eficácia do Rosário em favor das almas sofredoras. Era nas planicies do Languedoc. Um homem incrédulo zombou do Santo. Naquela noite teve uma misteriosa visão. Via as almas se precipitarem nos abismos do purgatório e Maria Santíssima, com uma cadeia de ouro as tirava do abismo e as punha em terra firme. Era uma imagem do Rosário, cadeia de ouro pela qual Nossa Senhora arranca do purgatório as pobres almas sofredoras.

Quantos prodígios faz o Rosário em favor dos seus devotos na vida, na morte e depois da morte no purgatório! Além do mais, o Rosário é um tesouro de muitas indulgências que podemos aplicar em sufrágio das pobres almas. Vamos rezá-lo sempre, nas horas vagas, pelas estradas, em toda parte, não percamos o tempo.

Aproveitemos para rezar muitos rosários pelas pobres almas. Temos tantos parentes e amigos e tanas almas queridas no purgatório! Vamos aliviá-las com nosso rosário bendito!

 

O De Profundis

Que é o De Profundis? É o Salmo dos mortos, a oração que outrora nos lábios do Profeta Davi chegou até nós e parece vir das profundezas do abismo do purgatório a implorar nossa compaixão para com as pobres almas. É um dos sete Salmos penitenciais. O padre ajoelha-se diante do cadáver e reza o De Profundis.

Depois, ao vir buscar o cadáver para a sepultura, de novo reza o Salmo dos mortos. No cemitério e a caminho da sepultura, soem o De Profundis. O fiéis, depois do Pai Nosso e da Ave Maria, rezam o De Profundis... das profundezas... Não parece um gemido saído do purgatório? O sentido deste salmo é este: o seu esquema pode ser o seguinte: O salmista, imerso na profundeza dos pecados, invoca a Deus (vs. 1 a 2). Como somos pecadores, só a confiança e um desejo ardente, o pecador aguarda este perdão (5 e 6). O povo de Israel também alimenta esta mesma esperança de perdão e de redenção copiosa (6 a 8).

Ora, estes gemidos, estas aspirações de redenção e de perdão copioso, este clamor doloroso colocamos em nossos lábios e suplicamos pelas almas que sofrem no abismo do purgatório. Não é verdadeiramente próprio e significativo para uma súplica dos defuntos o De Profundis? Eis agora o texto do Salmo na tradução do Novo Saltério:

“Das profundezas clamo a Vós, Senhor, Ouvi, Senhor, a minha voz!

Atendam os vosso ouvidos,

O brado da minha súplica,

Se conservardes, Senhor, a memória das ofensas,

Quem, Senhor, poderá subsistir?

Mas em Vós está o perdão dos pecados,

Para que sejais servido com reverência.

No Senhor ponho a minha esperança,

Espera minha alma na sua palavra,

Aguarda minha alma o Senhor, mais do que os

vigias da noite a aurora,

Sim, mais do que os vigias da noite a aurora

aguarde Israel o Senhor,

Porque no Senhor a misericórdia,

Nele a redenção abundante.

E ele resgatará Israel

De todas as suas iniquidades.”

Eis o salmo na nova tradução. Muita gente nossa o recita já de cor e em outras palavras. Não importa. O essencial é que o recitem com piedade e fervor e se lembrem que é o Salmo dos defuntos, muito alívio pode trazer às benditas almas do purgatório.

 

Práticas devotas

Há muitos meios de sufragar os mortos. Escolhamos a segunda feira consagrada pela tradicional piedade do povo a devoção do purgatório. Há o piedoso costume de se fazer tudo quanto possível na segunda-feira pelas almas. Dar esmolas aos pobres, visitar os doentes, praticar algumas mortificações, etc. Felizes se pudermos comungar, assistir a Santa Missa nesse dia, enfim, fazermos por juntar muitos tesouros de sufrágios pelas almas. Temos o Domingo, dia do Senhor, a terça, consagrada aos Santos Anjos, a quarta a São José, a quinta ao Santíssimo Sacramento, a sexta ao Coração de Jesus e à Paixão, o sábado a Nossa Senhora.

Seja a segunda-feira dos fiéis defuntos. Dia do nosso sufrágio, da nossa caridade para com as almas que padecem nas chamas expiadoras. Em algumas paróquias e comunidades religiosas há piedosos exercícios neste dia. Porque não havemos de concorrer para que sejam eles frequentados ou estabelecidos onde não se fazem?

Muitas pessoas entre nós tem um costume que às vezes toma um cunho supersticioso: o de acender velas em portas de cemitérios e em cruzes da estrada ou pelos campos pelas almas do purgatório. Não poderia ser reprovado se não tivesse às vezes um cunho muito supersticioso. Velas acesas sem oração pouco adiantam para os mortos. A vela é para lembrar Cristo, Luz do mundo e sendo de cera, e benta, é um sacramental.

Por que não acender então velas bentas? E rezar mais ao invés de queimar tanta vela, sem um sufrágio, sem uma prece pelos mortos?

Nosso povo tem uma grande devoção pela vela acesa. Não a reprovamos, mas desejaríamos que houvesse mais compreensão da necessidade da oração pelos mortos. A vela simboliza a Luz que os defuntos esperam no céu. Diz tantas vezes a Liturgia: Que a luz perpétua resplandeça para eles. Talvez por esta súplica, repetida muitas vezes, este pedido de luz, é que o povo tomando num sentido muito material o belo simbolismo da vela, gosta de acendê-la em profusão. Não deixa de ser edificante e impressionante a multidão de velas acesas nas sepulturas de nossos mortos. Disse e repito: longe de mim reprovar tão piedosa prática, mas desejaria vê-la mais compreendida no seu simbolismo e preferiria ver acesas velas bentas nas sepulturas e nos cemitérios.

Nosso povo tem muitas tradições de devoção às almas. Havia pelos nossos sertões os grupos de suplicantes de orações pelas almas, que muitas vezes degeneraram em abusos. Estão abolindo um costume piedoso e tocante. Quando morre alguém numa família, durante nove dias, a contar do dia da morte, todas as noites se reúnem os parentes e amigos do morto para a recitação do Terço ou da Novena das Almas em sufrágio do morto. Porque não conservar esta bela tradição?

Enfim, já vimos e meditamos durante este mês quanto é necessária e útil a devoção às santas almas do purgatório. Façamos tudo por elas, pobrezinhas, que só tudo esperam de nós. Sejamos dedicados apóstolos do purgatório!

 

Exemplo

Proteção das santas almas

Mons. Louvei, na sua obra “Le purgatoire d’apres les revelations des”, narra um fato prodigioso da proteção das almas aos que a elas socorrem com sufrágios.

Um padre italiano, Luiz Monaci, religioso dos Clérigos Menores, era um fervoroso devoto das almas. Em toda parte e em todas as ocasiões procurava meios de ajudar as benditas almas sofredoras. Em uma noite teve de viajar e atravessar sozinho uma planície deserta e perigosa, porque, infestada de bandidos e salteadores, haviam já tirado a vida a muita gente para roubar. Pelo caminho, o bom padre não perdia tempo: ia recitando piedosamente o rosário de Maria pelas almas do purgatório. Ao avistar de longe o pobre sacerdote sozinho e desprovido de armas, um grupo de bandidos se preparou para o assaltar e puseram-se de emboscada. Qual não foi o espanto de todos quando ouviram o soar de trombetas e um grupo de soldados que marchava armado aos lados do padre. Aterrorizados, esconderam-se os bandidos; pensaram em soldados que os vinham prender. Viam entretanto o padre muito tranquilo a caminhar, recitando o rosário. Entrou este numa hospedaria próxima. Enquanto o padre ceava, dois bandidos curiosos se aproximaram o perguntaram curiosos: - Que padre é este que anda acompanhado pelas estradas de soldados que o protegem?

- Aqui não chegou soldado algum e este padre nunca andou assim em viagem...

Os bandidos, curiosos, procuraram entrar em palestra com o sacerdote e perguntaram-lhe do batalhão que o escoltava.

- Meus filhos, eu ando sozinho pelos caminhos. Só tenho um companheiro, o meu rosário, que recito sempre pelas santas almas do purgatório para que elas me protejam.

- Pois bem, meu padre, confessa um bandido, estas almas vos salvaram. Somos bandidos e estávamos na estrada prontos para vos despojar e matar. E só não o fizemos porque um batalhão vos seguia pela estrada, e, aterrorizados, fugimos e viemos aqui curiosos saber do que se trata. Cremos que as almas das quais sois tão devoto vos salvaram da morte.

Os bandidos, tocados pela graça, ali mesmo de joelhos pediram perdão dos pecados e confessaram-se humildemente.

O Pe. Rossigoon e outros autores contam inúmeros casos de proteção das santas almas em favor dos seus benfeitores.

Na verdade, mesmo nas coisas temporais os devotos caridosos que nunca se esquecem de socorrer as benditas almas do purgatório, podem contar com uma proteção segura da divina Providência em todas as circunstâncias difíceis, porque Deus sempre recompensa esta grande caridade.

 

20 de Novembro

AS ALMAS ABANDONADAS

Os esquecidos...

Como já dissemos, os mortos são muito esquecidos. Os vivos os choram pouco tempo e depois os abandonam para sempre ao esquecimento das sepulturas, e o que é mais doloroso, ao abandono e esquecimento no purgatório. Há no purgatório as almas que chamamos as mais abandonadas. Devem ser inumeráveis.

Por elas nem uma Santa Missa, nem uma oração, nem um sufrágio sequer dos que elas amaram tanto neste mundo, e, quem sabe, encheram de benefícios e talvez estejam aproveitando o que deixaram aqui em herança e patrimônios. Que dura ingratidão! Como sofrem estas pobres almas! O esquecimento dói muito neste mundo. Que diremos no outro, no purgatório! Então, aquelas pobres almas parecem gemer, como o profeta Jó: Mesaemini mei saliem vos amiel meli, quia mauns Domini tetigit me! Tende compaixão de mim, tende compaixão de mim, pelo menos vós, meus amigos, porque a mão de Deus me feriu!

Que gemido angustioso! Sim, a mão da Justiça de Deus fere as pobres almas para santificá-las e purificá-las, e elas só dependem de nós. E quando se veem abandonadas dos seus, clamam: pelo menos vós, meus filhos, meus parentes, meus amigos, meus beneficiados, vós que me amastes na terra!...

Em vão clamam tantas vezes! Não são ouvidas, porque seus amigos e parentes, preocupados com os prazeres, as honras, o dinheiro, as vaidades, nem querem pensar nos mortos, e nem se lembram num nato de fé, que podem seus parentes e seres muito caros estarem nas chamas expiatórias, a sofrer!

Daí o abandono das pobres almas. Há outras pobrezinhas que neste mundo nem deixaram amigos ou parentes. Não tem mesmo quem reze por elas. Pobres criaturas que deixaram esta vida ignoradas. Quem se lembrará delas?

É verdade que nos desígnios misericordiosos de Deus, muitos sufrágios dos ricos Nosso Senhor aplica aos pobrezinhos, segundo dizia a Beata Ana Taigi, que numa revelação viu a alma de um cardeal sem receber no purgatório sufrágios de muitas Missas, porque Nosso Senhor as aplicava pelas almas dos pobrezinhos que morreram e ficaram abandonados. Todavia, não deixa de haver no purgatório almas abandonadas.

Em Fátima, Nossa Senhora pedia orações pelas almas abandonadas. Os pastorinhos rezavam: Meu jesus, perdoai-nos livrai-nos do fogo do inferno, livrai as almas do purgatório, especialmente as mais abandonadas.

É, sem dúvida, uma grande obra de caridade. Quantas graças não podemos alcançar por este ato de caridade tão agradável a Nosso Senhor!

Vamos, pois, tenhamos caridade, tenhamos piedade das pobres almas sofredoras.

Deus não permitirá que sofra muito no purgatório quem neste mundo socorreu os mortos. Portanto, é de nosso interesse sufragar os mortos. A devoção às almas é muito necessária! Milhões de fiéis devem sofrer no purgatório! Se ao invés de flores e túmulos pomposos e gastos inúteis, orassem e fizessem boas obras e oferecessem muito a Santa Missa pelos seus mortos, não haveria tantas pobres almas abandonadas!

Se ao invés de andarem à procura de centros de espiritismo para uma absurda comunicação com os mortos, tantos se lembrassem de que se iludem ou falam com o demônio iludidos e deixam seus parentes e amigos em maiores penas, ai, as pobres almas do purgatório não seriam almas abandonadas...

 

Porque ficam abandonadas?

Já o dissemos: por indiferença dos vivos e falta de uma fé mais viva no dogma do purgatório. Depois, temos o costume de canonizar muito depressa os nosso defuntos. Morreu? Só nos lembramos das virtudes e do bem feito pelo falecido. É uma caridade, não há dúvida. Parce sepultis! Perdoemos aos mortos e veneremos a sua memória. Dos mortos, ou falar bem ou calar-se. Não recordemos suas misérias e pecados. Pobrezinhos, já deram contas a Nosso Senhor e estão entregues à Divina Justiça. Repito, é muito edificante nunca censurar os mortos e ter deles boa memória. Todavia, saibamos que Justiça , a Santidade de Deus, costuma ver defeitos até nos Anjos, e, para entrar no céu, é mister uma grande santidade. Dizemos: era um santo, era uma santa, e... os vamos deixando sofrer no purgatório! Disto é que tinha medo São Francisco de Sales, quando recomendava muito que orassem por sua alma depois da morte.

Frederico Ozanam recomendava, também, que não o deixassem no purgatório, esquecido, sob o pretexto de que era um santo e tinha ido direto para o céu! Eis um dos motivos também do abandono de algumas almas. Cuidado, pois; não canonizemos tão depressa nossos mortos, ainda que nesta vida tenham dado provas de grande virtude. Desconhecemos os rigores da Divina Justiça!

Depois, há o contrário: o julgarmos que a pobre alma, tendo deixado este mundo sem sinais de arrependimento e talvez em lamentáveis condições de pecado e de escândalo e talvez tenha se condenado e esteja no inferno. A Igreja nunca permitiu que se dissesse que alguém está certamente no inferno. É verdade que muitos se condenam, mas não podemos afirmar sem temeridade que alguém esteja condenado. Ignoramos os segredos da divina Misericórdia e o que se passa com uma alma na hora derradeira entre o último suspiro e a eternidade.

Não abandonemos uma só alma, por mais que pareça ter sido condenada. A Igreja proíbe, é verdade, os sufrágios públicos pelos suicidas, pelos hereges, pelos pecadores públicos escandalosos, mas permite os sufrágios em particular e não reprova que se reze por estes infelizes, em particular. Ninguém conhece os segredos da Justiça e da Misericórdia Divinas! Eis porque ficam muitas almas

abandonadas. Rezemos por elas. Talvez estejam no purgatório, e que purgatório horroroso não ha de ser o dos que escaparam da eterna condenação por um milagre da Divina Misericórdia!

Oremos pelas almas dos infelizes que deixaram esta vida talvez em péssimas condições, sem Sacramentos, em mortes repentinas. Só Deus sabe o destino destes infelizes! Pelo menos em particular, em segredo, entre nós e Deus, podemos sufragar a estas pobres almas. Daí a necessidade da devoção às almas mais abandonadas. . Ó, que para a nossa caridade, para a nossa fé, não haja almas abandonadas! Lembremo-nos de todas, socorramos esta classe das pobrezinhas que padecem no purgatório!

 

Os Santos e as almas abandonadas

Muitos Santos tiveram esta devoção. Santa Catarina de Genova, Santa Catarina de Sena, Santo Afonso de Ligório, São Francisco de Sales e principalmente o grande apóstolo da caridade, São Vicente de Paulo. Este grande coração, cuja vida se passou a ajudar os abandonados e infelizes da terra, por este mesmo instinto divino de caridade se voltava para as almas abandonadas e sofredoras do purgatório. Era a sua grande devoção socorrer as almas mais abandonadas.

Uma piedosa serva de Deus, Irmã Maria Denise da Visitação, e que no século se chamava Mme. Martignat, pertencente a família da nobreza, ao invés de encomendar a Nosso Senhor a alma dos pobrezinhos, recomendava a alma dos ricos e dos grandes da terra. Estranharam isto e ela dava as razões: “São às vezes as almas mais abandonadas e as que tem mais necessidade de sufrágios. Passaram uma vida folgada, não fizeram muita penitência e sabe Deus que terrível purgatório não lhes está reservado, se conseguiram se salvar pela Divina Misericórdia”. E tinha razão. Além do mais, depois da pompas fúnebres nas quais entra muita vaidade da família, às vezes segue-se um esquecimento e abandono completo do pobre morto. Oremos muito pelas almas abandonadas, porque elas não deixarão de pedir por nós quando libertadas por nosso sufrágios. Para a Igreja nunca seremos almas abandonadas, é verdade.

A Igreja, nossa Mãe, só ela nunca esquece e cada dia sem cessar, em milhares de altares em toda terra, lembra, ante a Hóstia divina, os mortos. - Memento!

Memento! Lembrai-vos, Senhor, daqueles que nos precederam com o sinal da fé e agora descansam no sono da paz. Nós Vos suplicamos, Senhor, dignai-vos concedê-la a este e a todos que descansam em Jesus Cristo Nosso Senhor.

Que tocante oração! Só para a Igreja os mortos não são esquecidos.

Tanta lágrima; tantas flores, tantos suspiros em alguns dia e meses. Depois... o frio e duro esquecimento. Dura lei! É verdade, não havemos de chorar a vida toda os nossos mortos, e a esperança cristã nos diz, no Prefácio da Missa, dos defuntos que a vida para eles não se acaba, muda-se – Vita mutantur, no tollitur. Eles, os nosso mortos, vivem no seio de Deus. E a maioria deles expia nas chamas do purgatório. É uma verdade terrível e consoladora. E por isto nosso esquecimento é grave e cruel.

Que para nós não haja almas abandonadas! Estejam todas em nossa lembrança e em nosso sufrágios. Depois da morte veremos quanto nos foi proveitosa esta bela devoção e este ato generoso de caridade.

Imitemos os Santos, que acudiam generosamente as almas abandonadas.

 

Exemplo

Uma alma abandonada e salva por Maria

Conta Santo Afonso nas suas “Glórias de Maria”, este exemplo que é a um tempo uma glorificação da misericórdia da Mãe de Deus e uma prova do abandono em que pode ficar uma alma no purgatório.

Lê-se na vida de soror Catarina de Santo Agostinho, que havia no lugar em que morava esta serva de Deus uma mulher chamada Maria. A infeliz levara uma vida de pecados durante a mocidade. E já envelhecida, de tal forma se obstinara na sua perversidade, que fora expulsa pelos habitantes da cidade e obrigada a viver numa gruta abandonada. Aí morreu, finalmente, sem os sacramentos e sem assistência de ninguém. Sepultaram-na no campo, como um bruto qualquer. Soro Catarina costumava recomendar a Deus com grande devoção as almas de todos os falecidos. Mas, ao saber da terrível morte da pobre velha, não cuidou de rezar por ela, pensando, como todos os outros, que já estivesse condenada. Eis que, passados quatro anos, em certo dia se lhe apresentou diante uma alma do purgatório, que lhe dizia: Soror Catarina, que triste sorte é a minha! Tu encomendas a Deus as almas de todos os que morrem e só da minha alma não tens tido compaixão? - Mas quem és tu? Disse a serva de Deus. - Eu sou, respondeu ela, aquela pobre Maria, que morreu na gruta. - E como te salvaste?

Replicou soror Catarina. - Sim, eu me salvei por misericórdia da Virgem Maria. - E como? - Quando eu me vi próxima à morte, vendo-me juntamente tão cheia de pecados e desamparada de todos, me voltei para a Mãe de Deus e lhe disse:

Senhora, vós sois o refúgio dos desamparados. Aqui estou neste estado, abandonada por todos. Vós sois a minha única esperança, só vós me podeis valer; tende piedade de mim. Então a SS. Virgem obteve-me a graça de eu poder fazer um ato de contrição; depois morri e fui salva. Além disso, esta minha Rainha alcançou-me a graça de ser abreviada minha pena por sofrimentos mais intensos, porém menos demorados. Só necessito de algumas Missas para me livrar mais depressa do purgatório. Rogo-te que as faça celebrar. Em troca, prometo-te pedir sempre a Deus e à SS. Virgem por ti.

Soror Catarina logo fez celebrar as missas. Depois de poucos dias, lhe tornou a aparecer aquela alma mais resplandecente do que o sol e lhe disse: Agora vou para o paraíso, cantar as misericórdias do Senhor e rogar por ti.

 

21 de Novembro

MARIA SANTÍSSIMA, MÃE E CONSOLADORA DO PURGATÓRIO

Maria pode socorrer as almas

“Um dia, escreve Santa Brígida nas suas Revelações, disse-me a Virgem Santíssima: - “Eu sou a Rainha do céu, eu sou a Mãe de misericórdia, e o caminho por onde voltam os pecadores a Deus. Não há pena do purgatório que não se alivie e que por mim não se torne menor do que se o fora sem mim.” Outra vez a Santa ouviu Jesus dizer à sua Mãe: “Tu és minha mãe, és a Rainha do céu, és a Mãe de misericórdia, é o consolo dos que estão no purgatório e a esperança dos pecadores na terra”. A providência maternal de Nossa Senhora se estende sobre seus filhos na terra e no purgatório. Ela nos socorre e ajuda até depois da morte nas chamas expiadoras. É uma verdade de fé que as almas do purgatório podem ser não só aliviadas em seus padecimentos, mas até libertadas das chamas

expiadoras pelas orações, satisfações e boas obras, e pelo Santo Sacrifício da Missa, enfim, pelos sufrágios dos vivos. Todavia, a Igreja nada definiu sobre osocorro que possam os Santos do céu dar às almas padecentes. Não houve necessidade de uma definição, porque o que os hereges contestaram desde Lutero principalmente, foi o sufrágio dos vivos e até a existência do purgatório.

Quem entretanto pode negar que a Igreja triunfante possa auxiliar a Igreja padecente?

Segundo Santo Tomás de Aquino, duas coisas concorrem para que o sufrágio dos vivos aproveitem aos mortos: a caridade que une a todos, e a intenção que tem eles de socorrer os mortos. Quanto ao primeiro, nenhum meio existe maior de um vínculo de caridade que o Santo Sacrifício da Missa, o Sacramento que é o vínculo dos fiéis da Igreja. Quanto à outra, a oração, tem a vantagem de levar nossa intenção diretamente a Deus quando se invoca a Divina Misericórdia.

Ora, quem pode negar que só Santos do céu já purificados, possuam a caridade em estado de perfeição na glória e a intenção reta de ajudar às benditas almas sofredoras? Quem melhor do que eles conhece o sofrimento daquelas almas? Não há dúvida, os Santos na glória podem e socorrem as almas do purgatório. Quanto mais a Rainha dos Santos!

Contestaram alguns com subtilidades teológicas que Maria nada poderia fazer pelas almas entregues à Justiça Divina no purgatório. Alguns autores, diz o piedoso P. Faber, pretendem que a Santíssima Virgem não pode ajudar as almas do purgatório senão de uma maneira indireta, porque não está mais em estado de satisfazer por elas. Não gosto de ouvir isto. Não gosto que falem de uma coisa que nossa terna Mãe não possa fazer.”

Pois se Maria tem todo poder no céu e na terra, se é Mãe dos remidos, Mãe de Deus, não há de poder socorrer como e quando queira os seus filhos da Igreja padecente?

Sim, não há teólogo seguro que o conteste, e a tradição de tantos séculos confirma esta consoladora verdade: Maria socorre seus fiéis servos depois da morte. Estende até o purgatório seu manto protetor de Mãe e Refúgio dos pecadores.

 

Como socorre Maria as almas sofredoras?

Há muitas maneiras do poder misericordioso de Maria socorrer às benditas almas padecentes. O primeiro meio e mais frequente, diz o Pe. Terrien, S. J. é o pensamento e vontade que inspira aos fiéis ainda vivos neste mundo, de orar, sofrer e trabalhar pela libertação das pobres almas. Quantos devotos de Nossa Senhora não sentem de repente uma inspiração, um desejo de sufragarem os seus mortos queridos ou o desejo de trabalharem pelo sufrágio do purgatório! É a Mãe bendita quem inspira estes bons desejos e resoluções. Não tem Ela nas mãos os corações de seus filhos? Um dia um santo Irmão coadjutor da Companhia de Jesus orava fervorosamente diante de uma imagem da Virgem Imaculada. Enquanto rezava, veio-lhe um certo escrúpulo do pouco zelo que tinha em orar e sufragar as almas do purgatório. Uma voz misteriosa lhe disse, então: - “Meu filho, meu filho, lembra-te dos defuntos! - Sim, minha Mãe, o farei doravante, respondeu o piedoso Irmão. E desde aquele dia se entregou às boas obras e sacrifícios e orações pelas almas.

Quantas vezes Nossa Senhora em tantas revelações particulares pediu orações pelos mortos! Ainda em Fátima recomenda aos Pastorinhos a jaculatória: Meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, aliviai as almas do purgatório, especialmente as mais abandonadas!” Maria, pois, ajuda os fiéis do purgatório inspirando sufrágios aos seus filhos da terra e depois, oferecendo por estas almas cativas, não as satisfações atuais, pois no céu não há sofrimento nem expiação, mas o que Ela padeceu e mereceu neste mundo. Haverá maior tesouro depois dos méritos de Cristo que os méritos de Maria?

Maria Santíssima, pois, por estes dois meios pode e realmente socorre as almas. A Igreja, na sua liturgia, confirma esta piedosa crença e esta verdade consoladora quando assim ora na Missa dos Defuntos: “Ó Deus que perdoais aos pecadores e desejais a salvação dos homens, imploramos a vossa clemência por intercessão da Bem-aventurada Maria sempre Virgem e de todos os Santos em favor de nossos irmãos, parentes e benfeitores que saíram deste mundo, a afim de que alcancem a bem-aventurança eterna”.

Por terem as almas maior precisão de socorro, escreve Santo Afonso de ligório, empenha-se a Mãe de Misericórdia com zelo ainda mais intenso em auxiliá-las.

Elas muito padecem e nada podem fazer por si mesmas. Diz São Bernardino que Maria desce ao cárcere do purgatório onde tem certo domínio e pode aliviar e libertar estas esposas de Jesus Cristo. Trás alívio às almas. Aplica-lhes o Santo esta palavra do Eclesiástico: Caminho por sobre as ondas do mar. Compara as ondas às penas do purgatório, porque são transitórias, e por isso diferentes das do inferno, que nunca passam. Chama-as ondas do mar porque são penas muito amargas. Os devotos da Virgem, aflitos com estas penas, são por Ela visitados e socorridos frequentemente. Eis pois como socorre Maria as almas do purgatório.

 

Nossa Senhora do Carmo, Mãe do purgatório

As aparições da Virgem Misericordiosa a São Simão Stocker e ao Papa João XXII são muito conhecidas e hoje a piedade de toda Igreja tem na devoção à Virgem do Carmo um motivo para chamar a Nossa Senhora Mãe e Rainha do purgatório. Diz a Mãe de Deus a Simão: “Recebe, meu querido filho, este escapulário de tua ordem como sinal distintivo da minha confraria e prova de privilégio que obtive para ti e para os filhos do Carmo. Aquele que morrer revestido do escapulário será preservado das penas do outro mundo. É um sinal de salvação, uma defesa nos perigos, o penhor de paz e proteção especial até o fim dos séculos”. Promete a Virgem a proteção aos seus fiéis devotos do escapulário. Esta promessa foi confirmada setenta anos depois, após uma revelação feita por Maria ao Papa João XXII. Declarou este Papa numa Bula, que estando em oração Maria lhe apareceu e disse: João, Vigário de meu Filho, és devedor da alta dignidade a que chegaste a mim, que pedi por ti. Eu te livrei dos laços dos teus adversários; espero de ti uma confirmação da Ordem do Carmo, que me foi sempre especialmente dedicada. Se entre os religiosos ou confrades, quando morrerem, se acharem alguns cujos pecados tiverem merecido o purgatório, eu descerei como terna Mãe no meio deles, no purgatório, no sábado que seguir a sua morte. Livrarei aqueles que eu lá encontrar e os levarei à Montanha Santa, à feliz morada da vida eterna.”

É Maria revelando-se Mãe carinhosa das almas do purgatório.

A arte cristã sempre representa a Virgem do Carmo estendendo o seu escapulário sobre o purgatório onde as almas em meio das chamas expiadoras levantam os braços e olhos suplicantes implorando a misericórdia da boa Mãe e procurando no escapulário um meio de saírem das chamas.

Como isto é significativo e simbólico! Não é esta a Missão das Virgem Santíssima, Consolo e alívio e libertação do purgatório e o que encontram com segurança os devotos verdadeiros de Maria Santíssima? Podemos crer no grande privilégio dos Carmelitas. A Sagrada Congregação das Indulgências em 1 o de Dezembro de 1886 decidiu: “Seja permitido aos Padres Carmelitas pregarem ao povo que se pode crer piedosamente na assistência que esperam os Irmãos e confrades da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo, a saber: que esta Senhora ajudará com suas orações contínuas e sufrágios e méritos e com uma proteção especial depois da sua morte (principalmente ao sábado, dia que lhe está consagrado pela Igreja), aos irmãos e confrades falecidos na caridade, com a condição de que tenham levado durante a vida o escapulário, guardado a castidade de seu estado, rezado o Ofício Parvo, ou se não puderam rezá-lo, que hajam observado os jejuns da Igreja e abstido de carne nas quartas e sábados”.

Este decreto foi publicado em Roma em 15 e Fevereiro de 1615 pelo Santo Ofício.

Ora, não é a Igreja confirmando a consoladora doutrina da assistência e proteção de Maria sobre o purgatório? Invoquemos sempre a Mãe querida das pobres almas do purgatório. Sejamos devotos das Virgem do Carmo e do Santo Escapulário.

 

Exemplo

Maria liberta as santas almas nas suas festas

Diz o Venerável Dionísio Cartuziano que cada ano, nas grandes festas, a Mãe de Deus desce ao purgatório e liberta muitas almas do sofrimento, levando-as para a glória, sobretudo nas festas da Páscoa, do Natal e da Assunção. São Pedro Damião conta a propósito um caso que diz ter ouvido de um sacerdote fidedigno. Vou traduzi-lo do latim tal como o deixou escrito São Pedro Damião:

“Uma mulher em Roma entrou no dia da Assunção na basílica erigida em honra da Santíssima Virgem no Capitólio. Grande foi a surpresa ao ver ali uma das suas vizinhas, que um ano antes havia morrido. Não podendo chegar-se a ela pela multidão que enchia o templo, foi esperá-la ao sair da igreja numa as ruas estreitas da cidade, por onde havia de passar.

- Não és Marozia, minha vizinha, lhe perguntou, que morreu há cerca de um ano?

- Sim, sou eu mesma.

- E como estás aqui?

E Marozia confessou que havia sofrido muito no purgatório por umas faltas da meninice e acrescentou: “Hoje porém a Rainha do mundo rogou por mim e tirou a mim e a muitas outras almas do lugar da expiação e é tão grande o número das almas libertadas, que sobrepuja aos habitantes de Roma. Eis porque visitamos, em ação de graças, os lugares consagrados à nossa gloriosa Rainha”.

E como prova da verdade da aparição, anunciou que a sua amiga dentro de um ano morreria também. O que de fato aconteceu”.

Santa Francisca Romana, favorecida com tantas visões, contemplou também, num dia da Assunção, o triunfo de Maria e uma multidão de almas libertadas do purgatório pela intercessão da Mãe de Misericórdia. - (S. Petr. Damian. Opusc. XXXIV – Disput. De raiis apparition, et miraculis. C.3. P. L. CXLV - 586-587.)

 

22 de Novembro

OS PECADORES OU AS ALMAS?

A questão Levanta-se a questão célebre – o que será mais útil e necessário: rezar pela conversão dos pecadores ou pela libertação das almas do purgatório?

A dizer a verdade, penso que não há escolha entre as duas obras. Ambas são necessárias e não é possível que quem ame a Nosso Senhor possa ficar indiferente à sorte de tantos miseráveis pecadores arriscados a se perderem eternamente. Que zelo não precisamos ter pela salvação das almas remidas pelo Sangue de Cristo! “Os pecadores estão arriscados a se perderem, e no caminho da eterna condenação, dizem, e as almas estão já na segurança do céu. Sobe este aspecto parece mais necessária realmente a oração pelos pecadores. Todavia, sabemos que a glória de Deus exige a libertação das pobres almas, almas queridas, cuja sorte depende de nós somente. Que será delas sem nós? O pecador abusa da graça, está no tempo de poder lucrar méritos e graças e não aproveita, põe obstáculo aos nossos esforços, não aproveita muita vez o que fazemos por ele. Pela opinião de vários autores piedosos e teólogos, e entre outros o rei dos teólogos, Santo Tomás de Aquino com a sua autoridade de maior Doutor da Igreja, afirma que Deus acolhe com mais fervor a oração que Lhe fazemos pelos mortos do que a que Lhe dirigimos pelos vivos.

Eis a razão porque às vezes não alcançamos graças por nenhum outro meio senão pelo sufrágio das benditas almas do purgatório. Deus que tanto deseja a posse no céu das almas queridas, abençoa mil vezes tudo quanto fazemos por elas. Santo Agostinho, outro Doutor da Igreja, diz: “Nada há mais agradável ao Senhor que o alívio dos fiéis defuntos”. E o grande orador sacro Bourdloue o prova com sérios argumentos: “Não há um apostolado mais belo, mais meritório. E mais belo e mais meritório ainda que a conversão dos pecadores, dos infiéis e dos pagãos”.

Trabalhar pelas almas do purgatório é ter a doce certeza de que não trabalhamos em vão, porque nada se perde de nossos sufrágios. Os pecadores resistem à graça. As santas almas aproveitam todos os nossos sufrágios. No purgatório, diz o P. Faber, não se conhece a ingratidão.

Tudo será retribuído magnificamente um dia aos benfeitores.

O mais prático, então será trabalharmos com grande zelo pela conversão dos pecadores, fazermos um bom apostolado, um generoso sacrifício para levar almas a Nosso Senhor e oferecermos todos os méritos desta obra divina, desta obra de caridade espiritual pelas almas do purgatório.

Está solucionada a questão, sem inúteis e sutis discussões. - O mais perfeito e o melhor, é trabalhar pela conversão dos pecadores em sufrágio das almas do purgatório. E em nossas orações fazermos a mesma coisa. Unir nosso grito de compaixão pelas almas sofredoras, ao grito de compaixão pelos pecadores.

 

Uma discussão célebre

São Luiz Bertrão, dominicano, celebrava frequentemente a Santa Missa pela conversão dos pecadores, e raramente o fazia pelas almas do purgatório.

Um dos Irmãos da Ordem lhe perguntou porque assim procedia.

- Ora, meu irmão, as almas do purgatório têm já garantida a salvação eterna e os pecadores, coitados, estão expostos à eterna condenação do inferno.

- Sim, é verdade, responde o Irmão, mas, há outra consideração a fazer e bem séria. Suponhamos que dois pobres vos pedem esmola. Um, é estropiado e paralítico, absolutamente incapaz de se mover por si, não pode ganhar a vida, é-lhe impossível trabalhar. O outro, ao invés, é moço, forte, está na miséria e implora a vossa caridade. A quem dareis de preferência a vossa esmola?

- Ao que não pode trabalhar... responde o santo.

- Pois bem, meu caro padre, as almas do purgatório estão neste caso... Nada podem fazer por si. Para elas acabou o tempo da penitência e do mérito, da oração e da boas obras. Dependem de nós, da nossa caridade. O pecador, neste mundo, pode trabalhar para sua salvação, tem os meios e a graça à sua disposição.

Não vos parece, meu padre, que as almas do purgatório sejam mais necessitadas que os pecadores, das nossas orações?

São Luiz Bertrão meditou seriamente nas razões do Irmão e dali em diante orava pelos pecadores, sim, mas veio mais em auxílio das pobres almas do purgatório.

Realmente, neste mundo o pecador pode trabalhar pela sua salvação e abusa da graça. É um pobre que necessita de esmola, sim, mas porque não trabalha. As almas são os pobres sem ninguém por elas. Não podem mais lutar nem merecer como nós. Para elas passou o tempo de lucrar. Estão entregues à Divina Justiça.

Todavia, creio que nesta matéria só Deus pode julgar.

A razão de Santo Tomás de Aquino é bem séria: os sufrágios pelos mortos são mais agradáveis a Deus que os que fazemos pelos vivos, porque aqueles se acham em mais premente necessidade e não podem se valer a si mesmos.

Os Santos que tiveram contato com o purgatório em revelações particulares, puderam nos dizer o quanto sentiram a necessidade de orar e sofrer e sufragar por todas as maneiras as pobres almas sofredoras. Não cometamos o erro de abandonar a oração pelas almas, sob o pretexto de que os pecadores tem mais necessidade e estão arriscados à condenação eterna.

 

Razões para socorrer as almas do purgatório

Estas razões são múltiplas e já recordamos aqui em outros lugares. Sugerimos algumas outras. A primeira, o amor de Deus. Se amamos a Deus não havemos de querer vê-lo glorificado a amado cada vez mais pelos seus eleitos? Onde se encontra a perfeição do Amor? No céu. Uma alma salva dá tanta glória a Deus e vai para o seio do Amor eterno! Tudo que fazemos pelo nosso próximo glorifica a Deus.

Nosso Senhor mostrou o valor das obras de caridade quando disse que seria feito a Ele mesmo o que fizermos ao próximo. Que maior obra de caridade que socorrer as pobres almas, como já vimos na opinião de São Francisco de Sales? Ora, o que mais glorifica a Deus é a alma na posse da eterna glória. Não é pois uma necessidade para quem ama a Deus desejar ver mais amado no céu por algumas almas salvas do purgatório? Se há muita alegria no céu quando se converte um pecador, há maior alegria ainda quando um Justo entra na Glória. Eis mais uma razão para trabalharmos pelas almas do purgatório – a glorificação dos eleitos.

E depois a gratidão. Temos o dever de justiça e de gratidão para com os mortos.

Havemos de socorrê-los porque muitos deles são nossos pais, parentes, amigos, súditos, e talvez muitos estejam sofrendo no purgatório por nossa causa, por nosso mau exemplo, por algum escândalo que lhes demos. Só Deus sabe quanta repercussão têm nossas faltas! Não é um dever orar pelos mortos? Cuidemos da conversão dos pecadores, mas não nos esqueçamos deste dever de justiça e de caridade. Dever muito mais grave do que estamos pensando.

Não hesitemos – vamos dar nossas preferências ao sufrágio pelas santas almas, embora nunca deixemos de orar, trabalhar e sofrer pelos pobres pecadores. E demais, a devoção às almas é muito proveitosa e santificadora e concorre para nosso proveito espiritual, nos santifica e nos torna mais aptos para rogar e trabalhar pelos pecadores.

Tivéssemos sempre o purgatório diante dos olhos e não viveríamos assim, na tibieza, no orgulho, na sensualidade, numa vida espiritual tão relaxada!

Realmente, quem pensa, quem medita seriamente na Justiça Divina dos tormentos da expiação além-túmulo, vê, à luz das chamas do purgatório, como é horrendo o pecado, e como é preciso ser puro, santo e trabalhar nesta vida para obter o mérito das boas obras e se preparar para a eternidade!

 

Exemplo

Salvo pelas almas do purgatório

Nos arredores de Roma vivia um moço cuja vida de escândalos e de pecados era bem conhecida de todos. Todavia, o infeliz, apesar de tão pecador, conservava a fé e não deixava a devoção de sufragar quanto podia as almas do purgatório.

Mandava celebrar Missas por elas, rezava e dava esmolas aos pobres nesta intenção. Era a única prática de piedade em meio de tantos pecados.

Naturalmente, este moço com seu temperamento arrebatado e valentão, tinha grande número de inimigos, e andavam estes planejando matá-lo em um momento oportuno. Sabiam os inimigos que havia de passar ele pela estrada de Trivoli e preparam-lhe uma emboscada. Ao se aproximar da estrada, numa encruzilhada perigosa, a cavalo, deu com um pobre moço enforcado numa árvore.

Era um criminoso condenado à morte, cujo cadáver ainda pendia para escarmento dos bandidos. O jovem tinha costume de nunca deixar de rezar pela alma de quantos via mortos. Parou, desceu do cavalo, ajoelhou-se diante do cadáver e rezou por aquela alma. Uma voz misteriosa se ouviu: desce e corre, porque te perseguem! Assustado, desceu, correndo pela estrada. Os inimigos descarregaram as armas e como viram o cadáver do enforcado caído, julgaram ser o jovem, e fugiram às pressas.

Uma voz se fez ouvir, então, ao jovem: meu amigo, aquela descarga deveria te matar e lançar tua alma pecadora no inferno. A misericórdia de Deus te salvou pela caridade que praticas para com as almas do purgatório. Elas te socorreram. Muda de vida enquanto é tempo.

O moço, todo contrito e sinceramente arrependido da sua má vida, resolveu deixar o mundo; entrou numa ordem austera, fez penitência e levou vida santa até o fim dos seus dias. - (Citado por Rossingnoli, 5 a maravilha – e J. B. Manni, Sacra Trig. Disc. 12.)

 

23 de Novembro

AS ALMAS DO PURGATÓRIO NOS AJUDAM

O mérito do sufrágio

Que os sufrágios que prestamos às pobres almas sofredoras do purgatório seja uma obra muito meritória e receberá certamente grande recompensa de Deus, nenhum teólogo o contesta. É uma obra de caridade, e Nosso Senhor, que promete recompensa até a um copo de água dado em seu nome, como não há de ser propício a quem socorre as mais miseráveis e infelizes e desprotegidas criaturas: as pobres almas, que nada podem fazer por si para se livrarem dos tormentos a que estão submetidas pela Divina Justiça e dependem da nossa caridade! É certo que as almas libertadas das chamas da expiação, no céu, intercedem por seus benfeitores, porque estão cheias da Divina Caridade e podem, como os Santos, nos valer neste mundo. Portanto, o mérito que adquirimos com a caridade do sufrágio será bem recompensado porque a ingratidão nunca entrou no céu e as santas almas salvas por nós serão nossas advogadas e tudo farão por nós junto de Deus.

São Francisco de Sales vê no socorro que prestamos às almas, todas as obras de caridade. “Não é visitar os enfermos, diz o Santo Doutor, obter por nossas orações o alívio das pobres almas que sofrem no purgatório? Não é dar de beber aos que tem sede tão grande da visão de Deus, dar o orvalho da nossa oração às que estão entre as chamas? Não é dar de comer aos que tem fome, ajudá-las pelos meios que a fé nos oferece? Não é verdadeiramente libertar os prisioneiros? Não é vestir

os nus e lhes dar uma veste de luz e de glória? Não é dar hospitalidade, dar entrada na Celeste Jerusalém e fazer as almas amigas de Deus e dos Santos, fazendo-as moradoras eternas da Eterna Sião?

Ora, se Nosso Senhor declara que no dia de Juízo há de dar o céu e uma grande recompensa às obras de caridade, não ha de recompensar generosamente estas obras de caridade para com as benditas almas?

Tem muito mérito o sufrágio, o socorro às benditas almas.

Diz também o piedoso oratoriano Pe. Faber, como que comentando São Francisco de Sales: “A principal devoção da Igreja consiste nas obras de misericórdia, e vede como elas se encontram todas reunidas na devoção para com os mortos! Ela sacia a fome das almas dando-lhes Jesus, o Pão dos Anjos. Para estancar a sede inextinguível que as devora, apresenta-lhes o Precioso Sangue de jesus. Dá, aos que estavam nus, a veste da glória. Visita os doentes, consola-os e dá-lhes remédios. Livra os cativos de cadeias mais terríveis que a morte e os põe em liberdade celeste e eterna. Acolhe os peregrinos e lhes dá a hospitalidade do céu.

Sepulta os mortos no seio de Jesus para que aí gozem o eterno descanso”.

Ó, quando vier o dia de Juízo, felizes os que tiverem socorrido as pobres almas!

Quanto mérito nesta obra de caridade – o sufrágio dos mortos!

Podem as almas interceder por nós?

Já não contestamos que possam as almas nos ajudar quando no céu, e que Deus pelos méritos do sufrágio e da grande obra de caridade que praticamos socorrendo o purgatório nos conceda muitas graças e tudo podemos alcançar só com o mérito de tão boa obra. Todavia, vamos mais além e podemos afirmar: as almas podem nos ajudar mesmo no purgatório. Alguns teólogos o negam. Todavia a quase maioria deles e muitos dos mais autorizados, afirmam que as almas mesmo no purgatório, no estado de sofrimento, podem interceder por nós. A Igreja, apesar do silêncio sobre a questão, permite no entanto a oração dos fiéis às almas e deixa esta devoção se desenvolver cada vez mais. Grandes Santos e até Doutores da Igreja tiveram esta devoção e a conselharam muitos autores seguros.

Nas catacumbas se encontram inscrições como estas: que tua alma repouse em paz! Reza por tua irmã. É uma oração pelo defunto e uma prece ao defunto.

Diz o grande teólogo Suarez que em geral as almas do purgatório podem orar pela Igreja militante, e isto é conforme a ideia que devemos ter da Bondade de Deus. As almas do purgatório são santas e devem rezar como os Santos rezam. E, como os Santos, são atendidas na medida da glória que deram a Deus quando estavam neste mundo. O sofrimento em que elas estão, longe de diminuir, aumenta o valor e a eficácia das suas orações. Dizia um piedoso autor: “aqui na família da terra, os pedidos e as súplicas de um membro doente e que padece mais, não são atendidas com mais carinho e simpatia? Não são as almas os membros doloridos da Igreja?”

Dizem alguns que as almas do purgatório não podem nos valer porque não podem conhecer nossa necessidades. Ainda que assim fosse, responde Suarez, as almas pedindo pela Igreja militante nos fazem participantes das sua oração em nosso favor. E não poderiam ter conhecimento de nossas necessidades pelo ministério dos Anjos? Diz Santo Tomás: “As almas dos mortos podem se interessar pelos vivos ainda que ignorem o seu estado, assim como os vivos podem se interessar pelas almas ainda que as ignorem. Podem as almas do purgatório conhecer as necessidades dos vivos pelas almas que partem deste mundo, ou pelos Anjos.

Portanto, não podem as almas se interessarem pela nossa sorte neste mundo e rezarem por nós? É sentença comum dos teólogos, diz São Roberto Belarmino que as almas podem rezar pelos vivos. Dizem também que o sofrimento das pobres almas é tão intenso e profundo, que elas não podem pensar em nós nem nos valer.

O sofrimento das santas almas não as torna egoístas e não lhes tira o sentido, o conhecimento da extrema necessidade em que nos encontramos muitas vezes e dos perigos a que estamos expostos nesta vida. As almas do purgatório estão numa ordem sobrenatural superior. Podem, pois, interceder por nós. É doutrina de muitos Santos Doutores e teólogos seguros.

 

As almas do purgatório nos socorrem

As almas do purgatório podem nos ajudar e o mérito da caridade de nossos sufrágios tudo pode nos alcançar da Divina Misericórdia em nosso favor. Pois estas benditas almas nos ajudam realmente e a experiência tem provado há tantos séculos quanto é eficaz invocar a proteção do purgatório.

Sim, as almas do purgatório por si não podem merecer na outra vida, mas podem fazer valer em nosso favor, os méritos que adquiriram neste mundo. Por isto Santo Afonso, São Roberto Belarmino, doutores da Igreja, ensinaram que podemos invocar a proteção das almas do purgatório para obterem de Deus favores de que necessitamos. Dizia Santa Teresa: “Tudo quanto peço a Deus pela intercessão das almas do purgatório me é concedido”. Demos sufrágios às almas e Deus por esta caridade nos ajudará pelas orações e os méritos destas santas almas libertadas das chamas expiadoras.

Santa Catarina de Bolonha escrevia: “Quando quero obter com segurança uma graça, recorro às almas padecentes e a graça que suplico sempre me é concedida”.

Daí as expressões do Santo Cura D’Ars, que sempre repito: “Se soubéssemos quão grande é o poder das santas almas do purgatório e quantas graças podemosalcançar por sua intercessão, não seriam elas tão esquecidas”.

Vamos, pois, tenhamos caridade, tenhamos piedade das pobres almas sofredoras.

Deus não permitirá que sofra muito no purgatório quem neste mundo socorreu os mortos. Portanto, é de nosso interesse, sufragar os mortos. A experiência o prova mil vezes quanto a devoção às almas é útil e vantajosa aos vivos. “O que nós lhes dermos em sufrágios, diz Santo Ambrósio, se muda em graças para nós, e os havemos de achar depois da morte”.

Nas revelações de Santa Brígida lê-se que a Santa viu um Anjo que descendo ao purgatório para consolar as almas dizia: Bendito seja aquele que ainda na terra, enquanto vivo, ajuda as almas do purgatório com orações e boas obras!

E ao mesmo tempo, das profundezas do abismo das chamas do purgatório, se ouvia um coro de vozes suplicantes: Ó Jesus Cristo, justo Juiz, em nome de vossa misericórdia infinita, não olheis nossas faltas inumeráveis, mas aos méritos de vossa preciosa Paixão. Ponde, Senhor, no coração dos eclesiásticos um sentimento de verdadeira caridade, a fim de que por suas orações, suas mortificações e esmolas e as indulgências que nos aplicarem nos socorram em nossa triste situação.

Outras vozes respondiam: Graças, mil graças aos que nos aliviam em nossas desgraças. Ó Senhor, que o vosso poder infinito dê o cêntuplo aos nossos benfeitores que os levam à morada da vossa eterna luz.

As santas almas repetem sempre esta súplica em favor dos seus benfeitores.

Diz a Sagrada Escritura: Benefac justo et invenies retribuionem magnam. Fazei o bem ao justo e tereis grande recompensa. As almas do purgatório são santas almas de justos, cheios de méritos e de virtudes. Quanta santidade naquelas chamas expiadoras! Pois bem. Tudo o que fizermos por elas terá grande recompensa. É a palavra de Deus que no-lo garante!

 

Exemplo

A criada devota as almas do purgatório

Diversos autores, entre eles Berlioux, no seu “Mês das Almas”, Mons. Louvet, no seu “Le Purgatoire”, narram este fato, que este último autor diz ter se dado em Paris e no ano de 1817.

Uma piedosa e humilde criada tinha o costume de todos os meses tirar do seu pobre ordenado uma espórtula para uma missa pelas almas do purgatório. Fazia todo sacrifício, mas não deixava de mandar celebrar cada mês a Missa da sua devoção. Ia assistir ao Santo Sacrifício com muito fervor e pedia pela alma que mais necessidade tivesse de uma Missa para entrar no céu.

Deus a provou com uma doença que a fez sofrer muito e ainda perder o emprego.

No dia em que saiu do hospital, só tinha consigo a importância necessária para a espórtula de uma Missa. Pôs toda confiança em Deus e andou à procura de um emprego. Em vão. Não o achava em parte alguma. Passou pela igreja de Santo Eustáquio e entrou. Lembrou-se logo de naquele mês não pôde mandar celebrar a Santa Missa pelas almas. Tirou da bolsa o dinheiro e pensou consigo: Se agora mando celebrar a Missa, que me restará hoje para comer? Que será de mim? Que importa! Deus há de ter pena de mim. E demais, as pobres almas sofrem mais do que eu.

Foi à sacristia e perguntou se era possível celebrar ainda uma Missa. Felizmente, lá estava um sacerdote sem intenção de Missa para aquele dia. Deu-lhe a espórtula, pediu a Missa pelas almas, assistiu-a com todo fervor e se retirou da igreja absolutamente sem vintém e sem saber para onde ir.

Estava assim pensando na sua pobre vida quando um moço alto, muito pálido, se aproximou dela e disse:

- A senhora anda a procura de um emprego?

- Sim, meu senhor, e necessito muito uma colocação hoje mesmo...

- Pois então vá à casa de Madame X, rua tal, número tal, e creio que ela vos receberá, porque vai precisar de uma empregada hoje.

A pobre criada tão satisfeita ficou, que nem agradeceu ao moço. Quando voltou para trás, nem o viu mais. Foi à procura do endereço e ao chegar à casa indicada deu de encontro com uma mulher que descia as escadas furiosa e a gritar contra alguém.

- É aqui que mora Madame X? Pergunta-lhe.

- Sei lá! Desta casa não quero ver nem a sombra. Bata a porta. Não quero saber desta mulher. Adeus!”

A criada bateu timidamente a campainha e esperou. Apareceu-lhe uma senhora de certa idade e aspecto muito bondoso.

- Minha senhora, diz a criada, eu acabo de saber esta manhã que a senhora estava precisando de uma empregada e, como estou sem colocação, aqui venho me apresentar, e me disseram que a senhora é muito bondosa e me havia de acolher muito bem...

- Minha filha, diz a velha, isto é extraordinário! Pois esta manhã eu não disse isto a ninguém e faz apenas meia hora que eu expulsei de minha casa esta empregada insolente que me perdeu o respeito.

Só eu sei que tenho necessidade de uma empregada. Quem te disse isto?

- Encontrei um moço na rua e ele me deu o nome da senhora, rua e número da casa e aqui cheguei.

A velha não podia compreender quem pudesse ser o tal moço que havia indicado a casa. Neste ínterim, a empregada levanta os olhos e vê na parede um retrato.

- É aquele moço, minha senhora, ele mesmo...

A pobre empalideceu.

- É meu filho, e meu filho morto!

A criada contou-lhe toda a sua devoção às santas almas, a Missa que havia mandado celebrar. A velha tomou a pobrezinha num longo abraço e banhada em lágrimas lhe disse: Minha filha, este moço é meu filho já morto. Deveria estar no purgatório. Faleceu há dois anos. Tua Santa Missa a aliviou e libertou. Vamos, daqui por diante, orar juntas e não serás minha criada, não, serás minha filha”.

- Tomou a pobre criada abandonada e adotou-a como membro da família.

Eis como Nosso Senhor recompensa os corações generosos para com as santas almas.

 

24 de Novembro

LITURGIA DOS FUNERAIS

Ofícios fúnebres

Funerais vem da palavra “funus”, que por sua vez deriva de “funalia”. Tocha, porque outrora se faziam os enterros à noite, e eram acompanhados com tochasacesa ou archotes. O cristianismo purificou esta cerimônia pagã, santificando-a com as luzes empregadas nos ofícios fúnebres, mas as luzes agora simbolizavam, diz São João Crisóstomo, alegria e esperança na ressurreição da carne.

Nos primeiros dias do cristianismo, na época das perseguições, a cerimônia do sepultamento dos mártires era festiva e tinha uma nota de alegria e de triunfo.

Era a festa da entrada do céu e da glorificação dos que sofreram e morreram por Cristo. “Os mártires, dizia São Cipriano, passavam da prisão para a imortalidade.

De carcer ad immortalitatem transibant. Assim, o dia da morte era celebrado como dia de festa. Adornava-se festivamente o vestíbulo da casa mortuária com guirlandas e coroas, escreve São Gregório Nanzianzeno, e o interior era decorado com verduras, flores e tapeçarias e fachos de luz. Tal eram os funerais dos primeiros cristãos. Os de hoje são bem diferentes. Já não tem mais a nota festiva.

São tristes, são lúgubres. Por que? Os mártires eram heróis que triunfavam e tinham garantida a salvação, eram santos.

Os primeiros cristãos eram de um fervor admirável. Morriam mártires da fé, ou deixavam esta vida após muita penitência e uma vida muito santa. Havia razão para que a morte deles fosse um triunfo, assim como hoje a Igreja celebra os funerais das criancinhas que morrem com a inocência batismal. Depois, infelizmente, se introduziram relaxamentos e fraquezas nos costumes, e a Igreja temia a sorte dos seus filhos mortos sem uma penitência suficiente, e sem aquele fervor e santidade dos seus filhos primeiros da era gloriosa e santa dos mártires.

Eis porque desde Origenes, a quem Santo Agostinho atribui a ordem no Ofício dos mortos, se introduziu o espírito de satisfação à Divina Justiça pelos mortos, e esta pompa fúnebre que chorar sobre os mortos implorando para eles a divina clemência.

O espírito festivo foi conservado apenas nos funerais das crianças. Nos funerais dos adultos a Igreja quer nos lembrar o dogma do purgatório, quer implorar nossas súplicas pelos que padecem no lugar da expiação. Abreviar ou aliviar este sofrimento, eis o objeto dos ritos fúnebres e de todas as suas preces.

Os antigos, disse São Gregório de Nisse, embalsamavam os corpos para os sepultar. O cristianismo faz coisa melhor: “embalsama a sua memória e os envolve no perfume das orações e das comemorações”.

A oração pelos mortos é muito antiga na Igreja. São Cipriano de Jerusalém, Santo Agostinho e ainda Tertuliano, asseguram que no seu tempo se faziam preces pelos mortos na convicção de que a oração dos vivos aliviava os mortos.

A Igreja, nossa Mãe, nos acompanha carinhosa e cheia de ternura até a sepultura, e nos segue além-tumulo com suas orações e com o sufrágio dos funerais.

 

O sentido dos funerais

Três ideias principais claramente percebemos em todos os ofícios fúnebres da Liturgia da Igreja. A primeira, lembra aos vivos as angústias e os tormentos nosquais a maior parte dos que faleceram expiam suas faltas no purgatório; segunda, excitar em favor dos mortos a compaixão e a caridade dos vivos; terceira, afirmar a ideia consoladora da ressurreição da carne.

Tais ão as ideias dominantes de todos os ofícios fúnebres.

Lembra as angústias e tormentos do purgatório quando implora, por exemplo, nesta prece: “Senhor, não entreis em juízo com o vosso servo sem que estejais disposto a conceder-lhe a remissão de todos os seus pecados, pois nenhum homem se encontrá justo diante de Vós. Nós Vos suplicamos, Senhor, que a sentença do vosso Juízo, não esmague aquele por quem pede esta oração feita com fé verdadeiramente cristã, mas que com o socorro da vossa graça ele, que durante a sua vida foi marcado com o sinal da Santíssima Trindade, consiga evitar a sentença do Vosso Juízo”.

Que oração impressionante e bela!

Depois, recorda o juízo tremendo em que se moverão o céu e a terra. É o libera me, Domine! Há na oração final uma expressão que nos mostra o sofrimento do purgatório. Dá-nos a ideia de que o defunto está como que sufocado e aflito, sem poder respirar o ar do céu, à espera da libertação: “Livrai, Senhor, a alma do vosso servo ou serva, de todo o vínculo dos seus delitos, a fim de que na gloriosa ressurreição, tornando a viver na sua carne, possa respirar entre os vossos Santos e escolhidos”.

E muitas vezes repete a Igreja: Requiescat in pace! Descanse em paz!

Senhor, não entreis em juízo com vosso servo! Que súplica esta impressionante e comovedora! Chegando ao cemitério, prossegue o sacerdote: Senhor, nós vos suplicamos, dignai-vos usar misericórdia para com vosso servo defunto. Que ele não tenha de sofrer as penas dos seus pecados, pois ele desejou cumprir a vossa vontade, e que assim como neste mundo o uniu a sociedade dos fiéis, assim também, lá no céu a vossa misericórdia o associe aos coros dos Anjos.

Sempre a ideia caridosa de implorar misericórdia pelos mortos que padecem no purgatório! O Ofício dos defuntos é um gemido de dor sobre a miséria da pobre criatura humana, lembrando as lamentações de Jó, tão impressionantes, naquele realismo que abala a nossa alma e parece um gemido saído dos abismos do purgatório. Que antífonas tocantes e piedosas! Aqui é um brado de misericórdia pelos que sofrem na expiação, ali um ato de fé na ressurreição da carne, acolá uma lembrança da miséria humana. Enfim, no Ofício dos mortos, nos funerais dos cristãos, filho da Santa Igreja, encontraremos, como disse acima, as três notas impressionantes e de uma eloquência sem igual: a lembrança dos tormentos do purgatório, grito de súplica pelos fiéis defuntos que gemem na expiação, recordando o Juízo tremendo de Deus e a miséria do homem, e a esperança na ressurreição da carne. Procuremos ler em vernáculo o Ritual dos defuntos.

Meditemos aquelas orações e antífonas, emfim toda as impressionantes lições desta Liturgia.

 

As lições dos funerais

São muito belas e impressionantes as lições que nos dá a Igreja com os funerais de seus filhos. Já vimos como recorda o sofrimento do purgatório, a necessidade de orar pelos mortos e o dogma da ressurreição da carne. Há porém outras lições nestes funerais, que sempre assistimos talvez indiferentes porque não os meditamos, ou ignoramos. O cadáver é guardado com todo respeito e veneração.

Não é o nosso corpo, como diz São Paulo, o templo do Espírito Santo? Não recebeu ele as unções do Batismo e água regeneradora? Não foi Sacrário vivo da Santa Eucaristia? Não foi o instrumento da Graça, santificado pelos Sacramentos?

A Igreja nos lembra o que é nosso corpo e quer que o respeitemos. Proíbe a incineração dos cadáveres e não admite que se profanem os corpos de seus filhos.

Leva este cadáver ao templo, cerca-o de luzes, incensa-o, trata-o como coisasagrada. Depois o acompanha ao túmulo com orações, benze a sepultura, dizendo:

“Ó Deus, de cuja misericórdia dá repouso às almas dos fiéis, dignai-vos benzer esta sepultura e enviar o vosso Anjo da guarda para a guardar. Dignai-vos livrar dos laços dos seus pecados as almas daqueles cujos corpos estão aqui sepultados, a fim de que gozem incessantemente e eternamente a felicidade junto com vossos Santos”.

Que respeito pelo nosso corpo!

Respeitemos nosso corpo, que um dia há de ser objeto de tanta veneração nos funerais. Não profanemos pelo pecado, sobretudo pela impureza, este templo sagrado do Espírito Santo. O Apóstolo São Paulo recomenda tanto este respeito pelo nosso corpo!

Lembremo-nos do Juízo de Deus, tremendo e rigoroso, como nos lembra a Igreja implorando misericórdia e gemendo por nós quando nossa pobre alma comparece diante do Tribunal Divino! Que conta daremos a Deus? Ouvi o Des irae, este hino que veio da Idade Média e nos recorda o tremendo Juízo de Deus e nossa responsabilidades! A Liturgia da Missa dos defuntos o trás sempre, para associar a ideia do sufrágio dos mortos e a do juízo, e assim excitar nossa compaixão pelos mortos e despertar nossa alma para uma vida melhor com a lembrança dos Novíssimos.

Estes pensamentos devem ser os nossos, quando acompanhamos nossos mortos à sepultura, quando assistimos aos ofícios fúnebres. É muito triste vermos a indiferença e a displicência com que se assistem aos funerais hoje! Quanta profanação! Conversas nos enterros, onde se discutem política e interesse de negócios, sorrisos e desrespeito. Preocupação de pompas fúnebres e descuido da oração e das exéquias. Para que tantas flores e tantos túmulos pomposos? Ó, se aprendêssemos na escola admirável da Liturgia da Igreja estas sublimes e impressionantes lições!

Seria utilíssimo que nos retiros espirituais que fazemos, ao meditarmos na morte, recordássemos a Liturgia dos funerais. Como se presta à meditação e nos ensina tanta coisa para reforma de nossa vida! Todos os Novíssimos aí são lembrados: a Morte, o Juízo - tantas vezes com o “Libera me e o Dies Irae – o Inferno e o Paraíso, para o qual nos manda – In paradiso deucant te angeli... Que lições!

 

Exemplo

Caridade recompensada

Deus nos concede muitas graças na sua misericórdia quando somos generosos para com Ele. Muito alcança em favor das pobres almas do purgatório quem oferece por elas sacrifícios e orações, porém, um ato heroico de virtude pode ser um alívio poderoso no purgatório. Contam diversos autores fidedignos e entre eles Santo Antonino de Florença, este exemplo edificante:

Uma senhora viúva tinha um filho único, estudante, e a quem amava ternamente e no qual depositava todas as suas esperanças. Um dia, o moço, em companhia de outros colegas se divertia, quando um estranho se pôs entre os rapazes e começa a lhes perturbar os folguedos com provocações e inconveniências. O filho da viúva o repreendeu severamente. O homem, indignado, puxou de um punhal e o enterrou no coração do pobre moço, deixando-o estendido na rua, banhado em sangue. O assassino foge, assustado, e ainda com o punhal em sangue entra na primeira casa que encontra para fugir à perseguição da justiça. Qual não foi o seu espanto ao saber que entrara justamente na casa da mãe de sua vítima!

A viúva piedosa e cheia de carinho, compadecida do assassino o refugia e esconde-o da polícia que o procura. Vem a saber, dentro de poucos instantes, que protegia o assassino do seu próprio filho! Sentiu um movimento de dor e de revolta. Era boa cristã. Soube se conter heroicamente. ?Foi rezar. Ofereceu a Nosso Senhor o sacrifício enorme de perdoar ao criminoso e foi procurá-lo, dizendo-lhe: “Infeliz, mataste meu filho querido, único filho, todo meu coração!

Era a luz e a alegria de minha velhice, meu único apoio. Poderia te entregar à justiça e me vingar. Não o farei. Prefiro a caridade do perdão por alma de meu filho saudoso. Vou te ocultar e depois te facilitarei a fuga e te livrarei da justiça.

O pobre assassino caiu de joelhos, banhado em lágrimas, e quis se entregar à polícia. A viúva não o permitiu. Fê-lo escapar da condenação. Era um ato heroico, admirável!

Alguns dias depois a pobre mãe rezava por alma do filho saudoso, quando este lhe aparece todo belo e esplendoroso. “ Minha mãe, minha mãe, diz a bela visão, eu deveria permanecer no purgatório muito tempo. Vosso ato de caridade para com meu assassino e vossas esmolas e orações me abreviaram a pena e subo já para o céu. Adeus, minha querida mãe! Até o céu!”

Que consolação par a pobre viúva! Sentiu ela a doce recompensa do seu ato heroico.

Perdoemos nossos inimigos por amor e em sufrágio das almas do purgatório.

 

25 de Novembro

A MISSA DOS DEFUNTOS

As cerimônias

O simbolismo tocante e belo das cerimônias da Missa dos defuntos não pode ser ignorado de quantos querem assistir com proveito ao melhor e o maior dos sufrágios que se pode oferecer pelos mortos – o Santo Sacrifício dos nossos Altares.

Esta missa é celebrada com o paramento de cor preta, simbolizando o luto. Não tem o Glória. É semelhante a Missas do tempo da Paixão. Mostra a dignidade do cristão assemelhado a Jesus Cristo na Paixão. Não tem o Salmo Judica, me, porque nele se diz: quer tristis est anima mea et quare conturbas me? Porque perguntar à alma porque está triste quando já foi julgada?

O sinal da cruz que o sacerdote faz sobre si na outras Missas, aqui é feito sobre o Missal, para dizer que tudo é agora par os mortos, os frutos e méritos da cruz.

Nem o padre nem o diácono beijam o Missam, simbolizando que as almas não receberam o ósculo da paz de Deus no céu.

Escreveu o piedoso Mons. Olier: “Não se beija o Missal no fim do Evangelho primeiro,m porque as almas do purgatório morreram em sinal da fé – in signo fidei – não tem necessidade de uma profissão de fé no Evangelho pelo mesmo motivo a Missa dos defuntos não tem Credo, que é a manifestação pública da nossa fé.

No ofertório não há benção da água que é posta no cálice com o vinho, porque a água simboliza os fiéis, e a Igreja não tem jurisdição sobre os fiéis defuntos na outra vida, pois estão em Graça com Deus. No Agnus Dei não há paz, a cerimônia do Pax tecum. As almas já estão na paz de Deus e livres dos perigos do pecado que tira a verdadeira paz. Elas sofrem muito, mas em doce paz. No Agnus Dei não se diz miserere nobis, mas “dai-lhes o descanso”. Imploramos o eterno descanso para as pobres almas sofredoras e em tormentos do purgatório. Elas não precisam de paz, mas de um descanso eterno no seio de Deus. Não há bênção no fim da Missa porque as almas não ouviram ainda de Nosso /senhor: “Vinde, benditas de meu Pai, receber a recompensa...”

Ao invés do Ite, Missa est - “acabou-se a Missa”, a ordem de dispersar os fiéis e anunciar o fim da Missa, diz o sacerdote: Requiescant in pace – Descansem em paz. É um convite ao povo, também, para que reze pelos fiéis defuntos e para dizer que todo aquele Augusto Sacrifício foi oferecido para descanso dos pobres irmãos do purgatório. Eis as cerimônias especiais e variantes das Missas dos defuntos. O introito é uma súplica pelo descanso das almas. “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno e que lhes resplandeça a luz perpétua”. No gradual, a mesma súplica. No Trato: Livrai, Senhor, as almas dos fiéis defuntos das cadeias dos seus pecados. E que o socorro da vossa graça consiga evitar o Juízo da Vingança e gozem a bem-aventurança da luz eterna. Na Communio é ainda o pedido do eterno descanso: Que a luz eterna lhes resplandeça com os vossos Santos por todos os séculos, ó Senhor, pois sois tão bom! E Pede de novo: dai-lhes o descanso e a luz perpétua, pois sois tão bom, Senhor.

Que belas súplicas pelas pobres almas!

 

O Dies Irae

O Dies Irae é uma Sequência da Missa dos defuntos, atribuída ao franciscano Celano, que a teria escrito no ano de 1260. É uma descrição impressionante do Juízo final. Uma meditação das mais vivas daquele dia tremendo em que todo o Universo há de prestar conta ao juiz dos vivos e dos mortos. Reza-se o Dies Irae nas Missas de Réquiem. Comentá-lo seria prolixo e exigiria um volume. Vamos meditá-la traduzida, embora não sem a beleza e a expressão do latim e da forma poética. Servirá muito para nossa meditação. Ei-la:

“Dia de ira aquele em que o Universo será reduzido acinzas, segundo as predições de Davi a Sybila. - Qual não será o terror dos homens quando o Soberano Juiz vier prescrutar todas as suas ações com rigor! - O som estridente da trombeta acordará os mortos nas profundezas das sepulturas, reunindo-os todos diante do trono do Senhor. A morte e a natureza ficarão estupefatas quando a criatura comparecer para se julgada pelo Juiz – Um Livro aparecerá onde está escrito tudo sobre o que há de versar o julgamento. - Quando o Juiz se assentar no Tribunal, tudo o que estiver oculto ficará descoberto e nenhum crime ficará impune. Infeliz de mim! Que poderia dizer então? Que protetor procurarei quando somente o Juiz estará tranquilo?! - Ó Rei, cuja Majestade é tremenda, mas que salvais gratuitamente os escolhidos, salvai-me, ó Fonte de piedade! - recordai-vos, ó piíssimo Jesus, de que viestes ao mundo por minha causa; não me condeneis nesse dia. - Ó Vós, que vos fatigastes em minha procura e que para me resgatardes morrestes numa cruz, não queirais que fiquem infrutíferos tantos esforços! Ó justo Juiz, que castigais com justiça, concedei-me o perdão das minhas faltas antes do dia do julgamento. - Eu choro como réu, as minhas culpas envergonham-me. Ó Deus, que as minhas súplicas me alcancem o perdão! Ó Vós, que absolvestes a Maria e ouvistes o ladrão, concedei-me também a esperança!

Bem sei que as minhas preces não são dignas, mas vós, que sois bom, não consintais que eu arda no fogo eterno. Colocai-me entre os cordeiros, à vossa direita, e separai-me dos pecadores. Livrai-me da confusão e do suplício dos malditos condenados, e introduzi-me junto dos benditos de Vosso Pai. Suplicante, prostrado ante vós e com o coração esmagado, como reduzido a cinzas, eu Vos imploro, ó Senhor, que tenhais piedade de mim no momento da morte. Dia de lágrimas aquele em que o homem pecador renasça das suas cinzas para ser julgado! Tende pois piedade dele, ó meu Deus! Ó piíssimo Jesus! Ó Senhor, concedei-lhe o repouso eterno!”

Não é verdadeiramente impressionante, bela esta Sequência da Missa dos defuntos?

O dies Irae é um grito de temor e de esperança. Fala-nos do tremendo Juízo e aponta-nos a doce esperança na Misericórdia do Salvador. Termina: Ple Jesus dona ela réquiem. - Piedosíssimo Jesus, dai-lhes o descanso eterno!

Lembra o Juízo para nosso temor e para que andemos vigilantes e preparados, e recorda-nos a Divina Misericórdia, par que nunca desesperemos. Implora misericórdia e descanso para os que já passaram pelo tremendo julgamento e sofrem no purgatório.

 

Prefácio da Missa dos defuntos

Outra joia da Liturgia é o prefácio dos defuntos. Uma lição, uma lembrança de nossa imortalidade e ressurreição futura. Não é muito antigo. Vamos meditá-lo:

“Verdadeiramente é digno e justo, racional e salutar que sempre e em todos os lugares vos demos graças, Senhor, Santo Pai Onipotente, Eterno ?Deus, por meio de Nosso ?Senhor Jesus Cristo, em quem nos concedestes a esperança da feliz ressurreição; de sorte que, conquanto a condição certa da nossa morte nos entristeça, fiquemos consolados com a esperança da imortalidade futura. Pois para vossos fiéis, Senhor, a vida muda-se, não se acaba, e desfeita esta morada terrena, adquire-se a habitação eterna nos céus. E por isso, com os Anjos e Arcanjos, com os Tronos e as Dominações, e com a Milícia Celeste, cantamos o hino da vossa glória, dizendo sem cessar: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos Exércitos. O céu e a terra estão cheios da vossa glória. Hosana no alto dos céus.”

Eis o belo Prefácio dos defuntos. Fala-nos da esperança da ressurreição futura. Estamos tristes neste mundo porque nossa condição de pobres mortais, sujeitos a deixar esta vida pela morte.

Todavia temos a promessa da imortalidade. Não morreremos de todo. A morte par o cristão é vida. Nas catacumbas escreviam nas lages sepulcrais às vezes uma palavra só: - vixit! Viveu! É a ideia do Prefácio. A vida do cristão é a mesma. Aqui a vida na graça, e depois a vida na glória. Muda-se apenas a condição da mesma vida. Vita mutatur, no tomitur, diz o Prefácio – a vida se muda mas não se acaba.

 

Que lição confortadora!

Diz o Apóstolo que não temos neste mundo morada permanente. Non habemus hic manentem civitatem. - Não pertencemos a este mundo. A Igreja nos chama viajores caminhantes. Vamos para a casa de nossa eternidade. É o que nos recorda o Prefácio dos defuntos. Desfaz-se nossa morada terrena, pobre e miserável, e adquirimos uma eterna morada no céu!

A Liturgia dos mortos é pois uma contínua lembrança aos vivos da morte e do Juízo, um despertar da nossa fé na imortalidade da alma e na vida futura, um brado para que estejamos vigilantes, porque na hora que menos pensarmos, virá o Filho do Homem. É principalmente, um incentivo para que não nos esqueçamos de nossos mortos queridos.

Procuremos assistir a Santa Missa dos defuntos com muita devoção e acompanhá-la no Missal ou no folheto litúrgico. Ela é verdadeiramente impressionante e nos leva a uma meditação muito séria da morte e do Juízo.

Ainda ha pouco o Santo Padre pio XII, na oportuno Encíclica Mediator Dei, condenava o erro dos que desejariam sprimir as Miassas dos defuntos de nossa Liturgia e condenam o paramento de cor preta, sob pretextos sutis de que prejudicam o chamado Movimentos restaurador da Liturgia. A Igreja, que vela pelo esplendor da solenidades litúrgicas, nem sempre permite a Missa dos defuntos em grandes festas, mas como é generosa e permite com frequência estas Missas para ensinamento dos fiéis e alívio das pobres almas!

 

Exemplo

Santa Isabel, Rainha de Portugal e sua filha Constância

A grande Santa da caridade tinha uma filha que muito amava, chamada Constância. Esta princesa havia se casado há pouco tempo com o rei de Castela, quando um morte repentina veio arrebatá-la à afeição dos seus. A rainha, ao ter a infausta notícia, juntamente com o rei se pôs a caminho de Santarém, quando um eremita se aproxima do cortejo real e quer falar à rainha. Os fidalgos disseram logo: é um importuno, um doido. Não lhe demos importância! Santa Isabel percebeu tudo e mandou chamar o pobre monge, perguntando-lhe o que desejava.

- Senhora, a vossa filha Constância me apareceu diversas vezes e foi condenada a um longo e rigoroso purgatório, mas será libertada no prazo de um ano se se celebrarem durante um ano todo, todos os dias, uma Santa Missa por ela.

Os do cortejo real puseram-se a rir do monge: é um doido, diziam. É um intrigante e quer arranjar alguma coisa, repetiam outros. A rainha, entretanto, levou o caso muito a sério. Pediu ao esposo que mandasse celebrar as Santas Missas. Dizia:

Afinal, o que poderia sair perdendo com isto? Não é bom mandar celebrar Missas pelos nossos mortos? Quanto não há de lucrar com isto a nossa filha, ainda que não fosse real a aparição do pobre monge?

No dia seguinte encarregou a um sacerdote de celebrar durante o ano todo por alma da filha. Exatamente quando completou um ano, Constância apareceu à sua santa mãe vestida de branco, toda luminosa e de uma beleza incomparável. - Hoje, minha querida mãe, graças às vossas orações e às Santas Missas que mandastes celebrar, estou livre dos meus tormentos e subo para o céu.

A Santa toda radiante de felicidade foi procurar o Pe. Mendez, sacerdote encarregado da celebração das Santas Missas, e este já vinha ao encontro da rainha para lhe dizer que, na véspera, havia celebrado a última das 365 Missas encomendadas por alma de Constância.

 

26 de Novembro

O CEMITÉRIO

O cemitério é simplesmente

O cemitério é simplesmente o lugar do repouso dos mortos. A palavra cemitério vem do latim: caemeterium, que literalmente significa dormitório, como a palavra grega donde se origina. Dormitório! Lugar de descanso. Lá estão aqueles sobre os quais reza a Igreja, dizendo: Requiem aeternam dona els, Domine! - Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno. Os corpos dos fiéis cristãos dormem, à espera da ressurreição. A Igreja chama o cemitério o lugar onde dormem os fiéis. O ritual Romano fala na bênção “do lugar onde dormem os fiéis”... Que expressões!

Na linguagem cristã, o cemitério chama-se também campo santo. E há lugares onde o denominam também campo de Deus. Os povos pagãos tinham do cemitério uma ideia ou supersticiosa ou muito grosseira e materialista. Os romanos o denominavam putreoll – lugar onde se apodrece. Os pagãos modernos tem horror do cemitério e pensam mesmo em aboli-lo, substituindo-o pelos macabros fornos crematórios. Entretanto, é um lugar sagrado, uma lição perene para os vivos, é a recordação do nosso nada, da nossa miséria, mas também da nossa imortalidade e da ressurreição da carne. É um lugar sagrado. Tem este caráter sagrado, por mais que o laicismo tente reduzi-lo a um simples depósito de cadáveres destinados ao apodrecimento. Nosso corpo é sagrado, é o templo do Espírito Santo. Ainda depois de separado da alma, há de merecer todo respeito, porque um dia ressuscitará.

A Liturgia tem uma bênção solene para os cemitérios, reservada aos Bispos. Nele se planta uma cruz bem grande. É a lembrança de nossa Redenção. O cemitério é a terra da cruz. Tudo ali nos fala da cruz de jesus Cristo. Em cada sepultura, o símbolo da Redenção. Como é triste verem-se, ainda hoje, túmulos pagãos donde baniram a cruz, substituída por uma coluna partida ou qualquer outro símbolo de dor e desespero. O cristianismo santificou a sepultura. Os primeiros cristãos eram sepultados nas catacumbas, com honras e piedosas preces. Como são belas as inscrições que nos deixaram! Todas falam da imortalidade e do céu. Às vezes uma só palavra dizia tudo Vixit! Viveu!

A Igreja, que consagra os cemitérios, abençoa as sepulturas cristãs e pede ao Senhor mande um Anjo guardar cada uma delas. Eis a bela oração da bênção do túmulo: “Ó deus, cuja misericórdia dá o repouso às almas dos fiéis, dignai-vos abençoar esta sepultura e enviar o vosso Anjo para a guardar. Dignai-vos também livrar dos laços dos seus pecados as almas daqueles cujos corpos estão aqui sepultados, a fim de que gozem continuamente e eternamente a felicidade junto com os vossos Santos”...

Que laços são estes dos pecados? Naturalmente os laços que prendem as pobres almas na expiação, nas chamas do purgatório. Eis como a Igreja santifica o cemitério e nossa sepultura, e deseja que aprendamos ali o que somos: pó! E… uma alma imortal destinada à felicidade eterna no seio de Deus.

 

Lições do cemitério

O cemitério é uma escola, não há dúvida. Fala-nos da morte. Lembra nosso Novíssimos. Dizia Santo Agostinho: “Sit mors pro dclore, que seja vossa mestra a morte! Palavras profundas e tão singelas! Sim, a morte é uma grande mestra. E onde ensina melhor? Onde está sua escola? No cemitério. Quantas lições ela não nos dá! Ó, se os vivos soubessem aproveitar as lições da Doutora Morte!

Vamos a cemitério com sentimentos cristãos e muito aprenderemos lá.

Um cemitério cristão, escreve o erudito Mons. Gaume, prega quatro dogmas:

- A nobreza e a santidade do corpo do homem,

- a grande lei da fraternidade universal e eterna,

- a imortalidade da alma,

- a ressurreição da carne.

Prega a nobreza do corpo humano, cercando-o de respeito e veneração, mesmo quando ele se transforma num montão de ruínas, numa podridão, num punhado de cinzas. Respeita estas cinzas e as quer depositadas num lugar sagrado.

Uma voz parece se ouvir no cemitério como a do Senhor a Moisés: “locus enim in quo sias, terra sancta est”. É sagrado o ugar onde estás, esta terra que pisas.

Lá dormem os cristãos. Como é doloroso ver-se desrespeitado e profanado o lugar dos mortos com tantas leviandades e até com o escândalo e o pecado. No cemitério conservemo-nos respeitosos com num templo. Oremos e meditemos ali. É lugar sagrado. O cemitério fala-nos que somos todos irmãos. Todos nivelados numa tumba! A diferença dos mausoléus e das sepulturas rasas não tira ao cemitério a ideia do nivelamento, do nada que somos, e da podridão de uma sepultura. Que lição para os orgulhosos! E como devemos nos amar em Cristo, nós que seremos nivelados após a morte até a ressurreição da carne! Debaixo de uma sepultura, todos iguais! Ali não há pobres nem ricos, nem grandes ou pequenos.

Já o dissemos, o cemitério cristão prega-nos a imortalidade de nossa alma. Ali não se acaba tudo. Ali começa tudo. É a porta da eternidade, o pórtico da outra vida.

Então, pensamos na imortalidade de nossa alma. Olhar par um cemitério com a indiferença deste grosseiro materialismo que hoje aí impera, é muito triste e horrível porque desespera. Cada sepultura é uma porta do céu par o verdadeiro cristão. Uma sementeira onde descansa um corpo que depois de apodrecido como a semente na terra, surgirá ressuscitado para unir-se à alma na eternidade, quando vier a ressurreição da carne. Ressuscitarei um dia! Que doce esperança do cristão!

Escreveu D. Cabról: “A alma voltará um dia para animar este corpo que foi seu companheiro na terra e que ela o fez trabalhar no serviço de Deus. Tomará de novo sua forma mortal, mas uma forma embelezada, enobrecida, elevada até oapogeu da glória. A alma santificada elevará este corpo a um grau de glória e o fará entrar no céu e lhe comunicará os dons da imortalidade e da glória”.

Tudo isto aprende e medita o cristão num cemitério quando o visita com fé e vive o espírito da Igreja que santifica e abençoa o Campo Santo.

 

Visitas ao cemitério

Quanto mais os cristãos tíbios e os pagãos modernos tem horror e fogem dos cemitérios, tanto mais nós, os que cremos na imortalidade de nossa alma e esperamos a ressurreição da carne, devemos visitar e amar o campo santo.

Visitemos os cemitérios. Serão nossos mestres, e neles nos lembraremos das pobres almas do purgatório.

São Camilo de Lellis e muitos outros santos vinham o piedoso costume de visitar os mortos e meditar sobre as sepulturas. Quantas vezes só Santo dos enfermos não se aprofundava numa meditação ante as sepulturas, dizendo a si mesmo: medita na sorte destes que já estão na eternidade. Ò, se muitos destes mortos pudessem voltar à terra, como fariam penitência e haviam de trabalhar par sua salvação! Agora sabem eles o que é um Deus e uma eternidade, e o que valem as vaidades do mundo!”

Aconselha-se a visita aos cemitérios para meditação nossa e para o proveito dos fiéis defuntos. Convém recolher-se um pouco ao passar diante de um campo santo. Rezar, refletir um instante! Não sejamos indiferentes e frios como os que não tem fé e não esperam a ressurreição da carne.

A Santa Igreja, para nos estimular, concede-nos várias e ricas indulgências pela visita ao cemitério. Durante o oitavário dos mortos, isto é , de 2 a 9 de Novembro, os fiéis que visitarem o cemitério e rezarem pelos defuntos, podem lucrar as seguintes indulgências: “uma indulgência plenária cada dia aplicada só aos defuntos. E a todos que visitam o cemitério e oram pelas almas, uma indulgência de sete anos aplicável só aos defuntos – P. P. P. - 446).

Por que estas indulgências? Naturalmente para nos estimular a a orar pelos mortos no lugar dos mortos, e assim embalsamarmos com a oração a sepultura sagrada dos que dormem à espera do acordar do Juízo no último dia.

Nas visitas pastorais o Bispo reserva um dia para os mortos. São também dignos merecedores da visita do Pastor. É o exame do Pastor vigilante não só por motivos canônicos e litúrgicos; tem o fim estimular os féis a rezarem pelos fiéis defuntos, incentivar a devoção do sufrágio, recordar as grandes verdades de nossos novíssimos.

Por tudo isto, que havemos de concluir?

A Igreja quer que visitemos os cemitérios, que não nos esqueçamos desta obra de caridade. Não bata aquela visita, quanta vez por vaidade e ostentação, no dia de Finados, umas coroas depositadas nos túmulos, umas lágrimas que logo se enxugam e as flores que logo se murcham. Não é disto que precisam os mortos.

As flores provam amizade, não as reprovamos. São elas uma manifestação delicada de amor. As lágrimas não as condenamos. Jesus não chorou ante o sepulcro de Lázaro? Ficaremos todavia só em lágrimas de sentimentalismo? É preciso sufragar as almas de nossos defuntos queridos. Vamos aos cemitérios para os socorrer e não apenas para nos consolar e cumprir uma formalidade social. Enfim, visitemos os cemitérios como cristãos, como os que acreditam na ressurreição da carne.

 

Exemplo

O príncipe polonês convertido

O grande pregador Pe. Lacordeire numa das suas conferências aos alunos do Colégio de Sorreze, conta o seguinte fato ao tratar da imortalidade da alma:

Um príncipe polonês, incrédulo e muito conhecido pelo seu materialismo, havia escrito um livro contra a imortalidade da alma. Estava já pronto o livro e prestes a entrar no prelo, quando ao passar pelo jardim veio-lhe ao encontro uma pobre mulher e banhada em lágrimas lançou-se aos seus pés, dizendo: - “Meu caro senhor, meu marido morreu. A sua alma deve estar no purgatório e há de sofrer muito. Eu sou muito pobre, não tenho dinheiro para a espórtula de uma Missa por sua alma. Tenha a caridade de me dar uma esmola para mandar celebrar uma Santa Missa por alma de meu marido”.

O incrédulo príncipe teve pena da pobre mulher, e embora não acreditasse na imortalidade da alma e combatesse toda crença, levou a mão ao bolso e encontrou uma moeda de ouro. Deu-a logo à mulher. A pobrezinha, radiante de alegria, foi logo à primeira igreja e encomendou diversas Missas por alma do saudoso esposo. Cinco dias depois, o príncipe relia os manuscritos do seu livro contra a imortalidade da alma. - De repente, levantando a cabeça, deu com os olhos num homem misterioso que lhe parou em frente a mesa de trabalho do escritório. Era um camponês. - Príncipe, diz o desconhecido, venho agradecer-lhe. Sou o marido daquela pobre senhora que há poucos dias pediu a Vossa Alteza uma esmola para mandar celebrar Missas por alma do esposo falecido, pela minha alma. A caridade de Vossa Alteza foi tão bem aceita de Deus, que me foi permitido vir agradecer tão grande benefício.

Diante disto o príncipe, comovido, se converteu, rasgou os originais do livro ímpio que havia escrito, lançou-os ao fogo e tornou-se bom cristão até a morte.

 

27 de Novembro

AS APARIÇÕES DE ALMAS DO PURGATÓRIO

Que são as aparições?

Contam-se fatos prodigiosos e muitas aparições de almas do purgatório. Isto poderia talvez impressionar a alguns e jugarem que podemos desejar ou procurar, com certa curiosidade, indagar a sorte dos mortos ou facilmente ter comunicação com as almas do purgatório. Quanta ilusão perigosa e quanta superstição e crendice em torno disto! É mister discernirmos bem as verdadeiras das falsas aparições, e mostrarmos o pensamento da Igreja e dos Santos Doutores para que se evitem confusões e ilusões numa matéria tão grave e delicada. Porque tão sujeita a enganos e erros.

Que é uma aparição? É uma manifestação do outro mundo, de alguém que nos vem dizer o que lá se passa. Podemos acreditar nas aparições?

Há dois extremos igualmente prejudiciais. Um dos que facilmente aceitam toda sorte de aparições sem exame e não tem a prudência de estudar e esperar a opinião de pessoas criteriosa, teólogos ou autoridades eclesiásticas e superiores, que possam discernir com segurança a verdade de tais aparições. É uma leviandade. Assim o diz a Escritura: qui cito credit, levis est cord, quem facilmente em tudo crê, é leviano de coração, é um espírito leviano. Todavia, rejeitar sistematicamente e obstinadamente toda aparição, todos os fatos sobrenaturais, mesmo que tenham os sinais de verdadeiros, é prova de muito ceticismo, de orgulho, e pode levar à infidelidade a graça, como insinua a Escritura: “qui incredulus est infidehter atig” Quem é duro em acreditar, procede contra a piedade.

É mister um equilíbrio neste caso entre os dois extremos. Uma alma verdadeiramente humilde e obediente nunca poderá se enganar. Outra questão é se as almas do outro mundo podem se comunicar com os vivos. Podem voltar à terra quando queiram ou quando desejem os vivos? Respondemos sem hesitar, com a boa doutrina da Igreja e dos teólogos: - não e não! Isto só se dá por uma especialíssima permissão de Deus, raras vezes, e por milagre, para ensinamento e confirmação da imortalidade da alma, para lição dos vivos ou para pedir socorro e sufrágios.

Desde que nossa alma se separou do corpo pela morte, não tem mais órgãos para se comunicar com os homens, é puro espírito, e só por milagre se pode tornar sensível. E demais, quando a alma deixou o corpo, já foi entregue à Divina Justiça, e está no lugar que mereceu; o céu, o inferno ou o purgatório. Não pode, sem milagre, entrar em comunicação com os homens. Este milagre das aparições nós o encontramos na Sagrada Escritura. Samuel apareceu à Pitonisa de Endor e repreendeu a Saul porque havia perturbado o repouso dos mortos. Mostrou o castigo que lhe estava reservado por esta curiosidade vã. Na morte de Nosso Senhor, conta São Mateus que os túmulos se abriram e muitos mortos apareceram e foram vistos em Jerusalém. Nas vidas dos Santos encontramos inúmeras aparições, e a Santa Igreja, ao elevar à honra dos altares os servos de Deus, submete a um rigoroso processo todos os fatos e prodígios que deles narraram, embora não se pronuncie sobre eles. Portanto, há verdadeiras aparições.

 

Verdadeiras e falsas aparições

Há verdadeiras e falsas aparições. Estas muito mais frequentes do que aquelas.

Como distingui-las? Há sinais pelos quais facilmente podemos nos livrar de enganos e afastarmos o perigo da ilusão diabólica. Devemos imitar sempre a reserva prudente da Santa Igreja nesta matéria. A Igreja não admite revelação alguma se não for devidamente comprovada, e ainda assim, não obriga os fiéis a nela acreditar. Ninguém é obrigado a acreditar numa revelação particular por mais provada que tenha sido. Não obstante, depois de bem provadas, seria temerário abusar com uma sistemática atitude de ceticismo, diante do que Santos e homens doutos e equilibrados aceitaram e provaram não haver ilusões.

Diz Bento XIV que podem os fiéis acreditar e podem ser publicadas as revelações particulares para edificação do fiéis, contanto que sejam aprovadas pela autoridade eclesiástica. O Papa Urbano VIII manda que ao serem publicadas, declare o autor em nada querer se adiantar aos juízos da Igreja, e que tais fatos merecem apenas uma fé humana e não importam e definição da Santa Madre Igreja.

Eis as cautelas com que a Igreja cerca as aparições.

Há também regras seguras para discernimento das revelações segundo os bons autores de espiritualidade e os melhores teólogos. Umas se referem às pessoas que recebem as revelações, e outras à matéria das revelações e aos efeitos das mesmas. Quanto às pessoas é mister indagar dos dotes naturais. É um temperamento equilibrado? Não se trata de uma psiconeurose ou de histerismo?

Nestes casos, quantas alucinações perigosas e difíceis de serem discernidas logo de começo! Quanto ao estado mental, é pessoa discreta, de juízo reto, ou de imaginação exaltada e de sensibilidade excessiva? É instruído ou ignorante? Onde aprendeu o que sabe? Não estaria com o espírito debilitado por jejuns ou por alguma enfermidade? Quanto ao moral, é mister saber se se trata de pessoa sincera ou acostumada a exagerar e a mentir. É um temperamento calmo, ou apaixonado e sem equilíbrio? A resposta a estas perguntas não dará, certamente, uma solução para a prova da existência ou não de uma revelação verdadeira, mas ajudará muito a julgar do valor do testemunho dos videntes.

Quanto à matéria das aparições é mister muita atenção para julgá-las. Segundo a doutrina unânime dos Doutores, nenhuma revelação pode contradizer o dogma e o que foi ensinado pelo Evangelho. Diz São Paulo: ainda que um Anjo do céu vos pregue um evangelho diferente do que anunciamos, seja anátema. Deus não se contradiz. Nas falsas aparições há mentiras, erros teológicos graves, contradições e muitas vezes coisas contrárias às leis da moral e da decência.

Muitas pessoas de imaginação muito viva tomam seus próprios pensamentos por visões e locuções interiores. Dizia Santa Teresa: “acontece com certas pessoas de tão fraca imaginação que se embebem de tal maneira na imaginação, que tudo o que pensam claramente lhes parece que estão vendo”.

 

As aparições das almas do purgatório

Depois de termos mostrado a verdadeira doutrina da Igreja sobre as revelações ou aparições, tratemos das aparições das santas almas. Podem elas aparecer aos homens? Sim, raramente e por permissão de Deus. É uma graça para quem recebeu a aparição e uma graça para a pobre alma, sobretudo quando Deus permite que ela obtenha socorros para se livrar das chamas expiadoras. Deus o permite para excitar a nossa fé na imortalidade das alma e para que compreendamos melhor a sorte das pobres almas e procuraremos sufragá-las com mais zelo e caridade. Como distinguir as verdadeiras das falsas aparições das almas do purgatório? Já demos as principais regras deste discernimento segundo a doutrina e a teologia. Acrescentemos mais algumas. No século XVIII o sábio Cardeal Bons criticou severamente a facilidade e leviandade com que acreditavam muitos em revelações sobrenaturais e deu algumas regras que podem nos esclarecer muitos na matéria. Vamos comentá-las:

1o - “Toda aparição desejada ou provocada é suspeita”. Ninguém deve desejar ver nem conversar com os mortos, indagar a sorte dos defuntos, mesmo que o faça por motivo de caridade e para rezar por eles. Não se deve desejar aparição alguma de alma do purgatório. Seria temeridade e presunção.

2o – Se a apariç revela coisas ocultas que seria melhor silenciar sobre elas, faltas alheias, ensina coisas contrárias ao dogma e ao Evangelho, tem horror à água benta, ao crucifixo, etc., está provado que se trata do Demônio.

3o – As almas do purgatório aparecem geralmente para solicitar orações, recomendar restituições, etc. E feito isto, não voltam mais, a não ser para agradecerem. Se uma aparição se torna importuna dia e noite, ameaça, perturba a paz de um homem ou de uma família ou comunidade, é sinal certo do demônio.

4o – Ninguém deve aceitar serviços prestados pelas almas do purgatório que se vem colocar à nossa disposição, morar conosco, etc. É pura ilusão isto ou coisa diabólica.

5o – todos os bons teólogos místicos ensinam que as aparições verdadeiras logo de princípio perturbam e assustam, mas depois lançam a alma numa doce paz, aumenta a humildade, excita o amor de Deus e do próximo e produzem u grande desejo de perfeição. Quando alguém começa a se gabar das aparições, mostrar-se digno delas, perturbar-se em vão e encher-se de presunção, irritar quando os superiores não fazem caso das suas visões e desobedecerem, eis um sinal bem certo de engano.

6o – É mister que as aparições sejam expostas singelamente a um bom diretor, sem exageros nem reticências, nem diminuição da verdade. E depois ficar pelo que ele decidir e obedecê-lo cegamente.”

Com estas regras seguras dos bons teólogos e autores místicos, não haverá perigo de ilusão. Deus Nosso Senhor na sua misericórdia tem permitido muitas revelações da almas do purgatório. Parece mesmo que são mais numerosas do que qualquer outras. Quanta luz sobre o purgatório não nos deram por exemplo as revelações de uma Santa Catarina de Genova! Nesta matéria sejamos muito prudentes e criteriosos e não nos afastemos do pensamento da Santa Igreja e das normas que acima vão expostas.

 

Exemplo

O purgatório nas visões de uma mística canadense

Em 14 de Março de 1910 faleceu na cidade de Pointe Claire, no Canadá, uma mulher extraordinária, santa mãe de família, um modelo de esposa e cristão verdadeira, Madame Brault, Maria Luiza Richard. A publicação da vida extraordinária e maravilhosa desta grande mística, há bem pouco, causou sensação em todo mundo, tais os prodígios contados e provados desta mulher que se pode enfileirar ao lado de Ana Taigi e das grandes místicas da Igreja.

Dotada de uma grande simplicidade, espírito bem equilibrado e sensato, de uma piedade muito provada e sincera, hoje está perfeitamente averiguado que não se tratava de nenhum espírito mistificador nem de alguma falsa visionária. Teólogos e prelados ilustres examinaram fatos, confessores doutos e esclarecidos depuseram como testemunhas fidedignas no exame dos fatos impressionantes da vida maravilhosa desta grande mística de nosso século. Madame Brault tinha contato com as almas do purgatório e como o Santo Cura d’Ars podia dar testemunho da sorte das pobres almas. Dizia ela chorando, num dia de Finados:

“Os egoístas da terra se esquecem dos mortos. Como deve ser cruel para as pobres almas do purgatório o abandono dos homens! Dizem que amam os pais e parentes defuntos! Que mentira! Nós que amamos a Deus devemos amar nossos amigos do purgatório todos os dias de nossa vida. Eu quisera ser capaz de sofrer sozinha tudo o que padecem as almas do purgatório para poder libertá-las!

Madame Brault teve muitas visões das almas do purgatório. Elas lhe pediam orações, Missas e sacrifícios. As pessoas que ela via eram desconhecidas às vezes e fizeram inquéritos rigorosos de datas, lugares e circunstâncias, chegando-se à conclusão da impossibilidade de qualquer mistificação. Eram impressionantes as revelações desta mística. Em 1905, uma religiosa acompanhada de outra foi visitar Madame Brault. “Não quero visitar esta louca”, disse a Mestra de noviças. - “Ô, minha irmã, não diga assim! Madame é tão equilibrada e santa, tão discreta e humilde!” Afinal tiveram uma entrevista com ela. Foi uma palestra amável e singela. Depois de alguns instantes, Madame Brault chamou a Irmã e lhe disse:

“Minha Irmã, a senhora não reza mais por seus parentes falecidos?”

- Meus parentes morreram há muito tempo e eram muito bons, devem estar no céu.

- Sim, vosso pai e vossa mãe estão no céu. Um irmão porém, morreu repentinamente em tal lugar e tal data, e um sobrinho. E a senhora nunca mais rezou por eles. E preciso dizer ao sobrinho que vai se ordenar, que diga logo algumas missas por seu tio.

A Religiosa pasmou diante do que ouvira. Era impossível que Madame tivesse tido informações tão fiéis de seus parentes. Outra Irmã perdera o pai em 31 de Julho de 1903. Madame Brault lhe disse: “tenha confiança, Irmã, seu pai está no céu.

Tinha ele uma grande devoção à Santíssima Virgem, gostava de rezar o rosário em morreu num sábado. Naquele sábado mesmo Nossa Senhora o fez entrar no céu.

Ela nunca ouvira falar deste homem, e não lhe era possível conhecer tal pessoa.

“Sejamos libertadores das almas do purgatório, repetia ela depois dos êxtases.

Nosso Senhor nos deu as chaves da prisão do purgatório: a oração, o sofrimento, o sacrifício...”

1. No dia 21 de Dezembro de 1907, na relação que foi obrigada a fazer por escrito ao seu Diretor espiritual, viu ela um Padre no purgatório. Estava vestido de ornamentos sacerdotais e com um cálice todo em fogo. As mãos pareciam roídas e apareciam até os ossos. Úlceras por todo o corpo e torturas horríveis. À vista deste tormento, Madame Brault gemeu: “Ó meu Bem Amado, meu Jesus, quero sofrer por esta alma; por que não me dais a graça de sofrer mais par aliviá-la?

2. Depois vi Jesus se aproximar do Padre e derramar sobre aquelas chagas seu precioso Sangue. As chagas se cicatrizaram e as cadeias do pobre sacerdote caíram. Depois meu Jesus me disse libertaria aquela alma pelas minhas orações. A face do padre ficou limpa das úlceras, uma bela estola roxa lhe adornava o pescoço e os paramento me pareceram mais brilhantes e belos. Jesus me disse que libertaria a alma do sacerdote”.

3. No dia de Finados de 1908, foi ao cemitério rezar pelos mortos e viu Madame Brault, muitos mortos que lhe apareciam saindo das sepulturas em queixas doridas de cortar o coração: estamos esquecidos de nossos parentes! Não rezam por nós! Nossos amigos nos esqueceram, nos abandonaram!!!

4. Fez ela uma Via Sacra pelos defuntos e se retirou muito amargurada, pelo esquecimento dos pobres mortos.

5. “Compreendo, dizia ela ao confessor, o martírio das pobres almas nas chamas do purga!” Viu um padre conhecido no purgatório que lhe disse: “Eu sofro muito por ter rezado tantas vezes meu breviário quase sem pensar que falava com Deus e por rotina, e também pela minha pouca preparação e ação de graças muito rápida depois da Santa Missa”.

6. Enfim seria longo narrar as impressionantes visões do purgatório de Madame Brault, a grande mística de nossos dias. A biografia desta mulher extraordinária foi publicada pelo P. Louis Bouhier, S.S., antigo pároco da vidente. É a obra “Une mystique canadienne – Vie extraordinaire de Madame Brault” - Edition Beauchemin, 1941.

 

28 de Novembro

COMO EVITAR O PURGATÓRIO

Pode-se evitar o purgatório?

Há em geral entre muitos a ideia de que é impossível entrar no céu logo depois da morte, principalmente quando se pensa na Justiça de Deus, na Santidade Divina e a miséria humana. O purgatório não é sempre inevitável. Pode-se evitar o purgatório e é vontade de Deus que façamos tudo neste mundo para merecer logo o céu. É impossível! É dificílimo!... Sim, difícil, não já dúvida, mas impossível, nunca! Não digamos como tantos: contanto que eu arranje um lugar no purgatório... Por humildade, e em verdade, podemos falar assim, mas por covardia e para afrouxarmos no trabalho da nossa perfeição, nunca o podemos dizer, nem proceder assim. Havemos de fazer tudo para evitar o purgatório. “Aqui, disse Santa Catarina de Genova, pagamos com um, a dívida de mil, e na outra vida precisamos de mil para pagar um... Está em nossas mãos ganhar muito e preparar a entrada do céu logo depois da morte.

Santa Teresa viu almas entrarem no céu sem terem passado pelo purgatório.

Procurar evitar o purgatório é o melhor meio de se livrar dele. Evitemos o pecado venial, sejamos fiéis ao nosso dever, tenhamos uma grande pureza de intenção em nossos atos. Façamos muitas obras de caridade, fujamos de toda vaidade e hipocrisia em nossas ações, sejamos sinceros, humildes, simples tenhamos paciência em nossos sofrimentos, sejamos resignados à vontade de Deus em todas as coisas. Quantos meios ao nosso alcance para evitarmos o purgatório!

Zelemos a pureza de consciência e a pureza de intenção. Não é impossível escapar do purgatório. Está em nossa mãos. Uma alma fervorosa se abrasa neste mundo nas chamas do Divino Amor que purifica cada dia mais e se santifica de tal modo, que logo se lhes abram as portas do céu.

Fazer esforços par evitar o purgatório não é, como dizem alguns, uma covardia. É glorificar a Deus, é estimular a nossa perfeição, é corresponder à graça com generosidade, enfim, é um dos meios pais poderosos e eficazes de santificação;

Temos muita miséria e fraqueza. Vivamos num estado de compunção, contritos e humildes. Não tenhamos a presunção que perde tantas almas e as leva a esperar o céu com tão pouco sacrifício!

Enquanto estamos neste mundo, somos os milionários da graça e dos tesouros da Redenção. Somos mais felizes do que os Santos do céu e as almas do purgatório.

Eles não podem mais merecer, nem trabalhar para a salvação e para a glória do céu, como nós agora. Então, por que não aproveitarmos estas riquezas de valor infinito? Um dos maiores tormentos das pobres almas é o remorso. Que verme roedor! Pensarem eles que poderiam ter sofrido tão pouco e trabalhado um pouco mais, e já estariam no céu e teriam salvo tantas almas e feito tanto bem quando estavam neste mundo, e desperdiçaram os tesouros do Sangue Precioso de Jesus e agora padecem tanto! Poderiam ter evitado o purgatório... E nós?

 

Meios de evitar o purgatório

O primeiro e o único verdadeiro é evitar o pecado venial e toda imperfeição, exceto aquelas quase impossíveis à fragilidade humana. Sem privilégio especial não é possível ao homem evitar todas as faltas, diz o Concílio de Trento. Pelo menos, lutemos e tenhamos boa vontade. Tenhamos horror ao pecado, mesmo venial. Demos muita importância ao que é de perfeição, sobretudo os Religiosos à observância da Santa Regra. Há outros meios de evitar o purgatório. Entre eles, os meios sacramentais – o Batismo. Uma alma recém batizada que morre está livre de toda pena, tem o céu imediatamente. Felizes as criancinhas inocentes e felizes, os que morreram com a inocência batismal.

A confissão frequente, bem praticada, com sincero arrependimento, com emenda de vida cada dia mais, é um meio poderoso de vigilância, de combate às faltas e imperfeições. Uma confissão semanal ou de quinze em quinze dias para lucrar as indulgências, e confissão sem rotina, bem preparada, bem contrita, como purifica a alma e vai fazendo seu purgatório nesta vida! Como é poderosa a absolvição que nos dá o sacerdote; e a penitência sacramental, embora tão pequena, tem muito valor para a remissão da pena temporal.

E a Eucaristia? Não apaga o pecado venial e nos purifica cada vez mais, dando-nos força para a luta? Ó, as almas eucarísticas, unidas ao Senhor na intimidade do seu Amor, abrasadas nas chamas deste Amor, podem temer as chamas do purgatório?

Purifiquem-se muito bem par a Comunhão aqui na terra, que estarão se purificando para a Visão eterna do céu logo após a morte. Uma alma verdadeiramente eucarística não teme o purgatório. Depois, temos a riqueza da Extrema Unção e da Bênção apostólica na hora da morte. Falaremos depois destes meios, chaves do céu e libertadores do purgatório. E demais, os religiosos, por exemplo, têm os méritos da vida comum, as indulgências da Ordem ou Instituto religioso, as penitências, as meditações, as boas leituras, enfim a multidão dos recursos espirituais que bem aproveitados, escrupulosamente, cada dia, sem ser mister que se entreguem a coisas extraordinárias e difíceis e até impossíveis, quantos meios para evitarem o purgatório com a simples fidelidade à Regra! A perfeita observância, como diz São Bernardo, pode levar da cela para o céu. “De cella ad coelum”.

Evitarão o purgatório as almas simples e inocentes, aqueles pobrezinhos ignorantes que sempre viveram numa profunda humildade a servirem a Deus na simplicidade do seu coração. Quantos destes pequeninos amados de Nosso Senhor após os sofrimentos desta vida não passam diretamente para o céu!

Enfim, é o segredo de Deus, o mistério insondável. E a caridade? Não nos foi prometido cem por um e o reino do céu pelas boas obras de misericórdia? Quem pode duvidar que uma alma caridosa que passou a vida a fazer o bem aos pobres e desgraçados, não tenha o céu logo após a morte? Ó, sim, podemos evitar o purgatório, e direi mais, devemos evitar o purgatório. Esta é a vontade de Deus!

 

A Extrema Unção e Indulgência apostólica

A Extrema Unção tem o poder de nos abrir logo as portas do céu. É a opinião do angélico Santo Tomás: “A Extrema Unção acaba a cura espiritual do homem e faz desaparecer de sua alma tudo quanto poderia impedi-lo de entrar na glória e consuma sua preparação par a vida eterna.

Supõe naturalmente que o enfermo a receba com as devidas disposições. A Extrema Unção é como que o complemento da penitência. Esta redime os pecados e aquela faz desaparecer os restos do pecado. Um dos efeitos da Extrema Unção é fortificar a alma contra o temor exagerado da morte e ajudá-la a se conformar inteiramente à vontade de Deus. Só este ato de conformidade, diz Santo Afonso, pode levar uma alma logo para o céu sem passar pelo purgatório, porque é um ato de caridade de grande valor. Enfim, que tesouro desconhecido é a Extrema Unção, e tantos deixam de a receber na hora extrema porque os parentes e amigos, com receio de assustar o enfermo, o privam deste recurso! Na sua Teologia moral, Santo Afonso conta esta visão: Percebeu no purgatório a alma de um homem seu conhecido e foi-lhe revelado que este homem não teria morrido da doença que o levou a sepultura, se tivesse recebido a Extrema Unção.

A virtude do Sacramento o teria curado e teria se livrado de um purgatório tão doloroso e menos longo do que o que estava padecendo.

Porque então deixar os enfermos sem a Extrema unção, sob o pretexto de que é o sacramento que mata, apressa a morte e assusta o enfermo? Um dos efeitos do Sacramento é curar também o corpo, e o maior de todos, curar a alma de todos os males e consequências do pecado, e abrir-lhes as portas do céu. A Igreja, nossa Mãe, tem outro tesouro à nossa disposição na hora derradeira: é a Indulgência plenária ou apostólica. Esta indulgência nos pode abrir logo o céu. Vejam as preces do sacerdote ao dá-las aos enfermos: “Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus Vivo, que deu ao Bem-aventurado Apóstolo Pedro o poder de ligar e desligar, pela sua piíssima misericórdia, receba a tua confissão e te restitua a estola primeira que recebeste no Batismo. E eu, pela faculdade que me foi dada pela Sé Apostólica te concedo a indulgência plenária e a remissão de todos os pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.

Que beleza! A inocência do Batismo restituída a um pecado na hora da morte! Não é a porta do céu? E o sacerdote acrescenta, para confirmar a absolvição: “Pela Sacrossanta Humanidade e pelos mistérios da reparação humana, o Deus Onipotente te perdoe todas as penas desta e da futura vida, te abara as portas do paraíso e te leve à felicidade eterna”.

Haverá maior riqueza para um cristão? Até as penas da outra vida, isto é as do purgatório estão remidas pela indulgência plenária. Meditemos bem as orações e o rito da Extrema Unção, procuremos nos preparar sempre para recebermos na hora derradeira com as devidas disposições a Indulgência plenária ou Apostólica.

Eis aí quantos meios de evitar o purgatório à nossa disposição! Não é pois verdade que podemos nos livrar do purgatório?

 

Exemplo

As irmãs auxiliadoras do purgatório

Em 21 de Novembro de 1855 uma jovem piedosa lia num opúsculo, “O Mês do Purgatório”, por um autor desconhecido, esta página profética e suplicante: “Ó Espírito Santo, vós suscitastes, em épocas diferentes, ordens religiosas de toda espécie para todas as necessidades da Igreja militante. Ó Pai das Luzes, cheios de compaixão e de zelo pelos mortos, nós vos suplicamos, suscitai também em favor em favor da Igreja padecente uma nova ordem cujo fim principal seja se ocupar dia e noite no alívio e na libertação das almas do purgatório”...

Quem lia isto, comovida e inspirada, era a senhorita Eugênia Maria José Desmet.

Sempre foi uma alma piedosa e desde pequenina teve uma devoção ardente pelas almas do purgatório e uma inclinação pelos pobres e miseráveis, aos quais procurava sempre amparar carinhosamente. Ao ter a inspiração tão forte da fundação de uma obra para socorro das almas do purgatório, não pôde mais ter sossego. Era uma alma sincera, um espírito muito equilibrado e nada sujeito a fantasias. Neste mesmo dia 1 o de Novembro, ao sair da igreja, a senhorita Desmet encontra uma amiga que lhe fala na necessidade de uma associação em favor das almas do purgatório. Era um coincidência muito estranha! A piedosa jovem sabia que era necessário agir, mas tinha medo de ilusões, e pediu a Nosso Senhor alguns sinais da sua Santa Vontade. Queria cinco graças: a bênção do Papa para a obra – a aprovação de diversos bispos – a extensão rápida da associação – um certo número de almas piedosas que se destinassem a este apostolado – e um padre que tivesse a mesma ideia.

Em menos de dois anos alcançou tudo quanto desejava. O projeto foi apresentado ao Pio IX, que o aprovou de todo coração. Diversos senhores bispos, e entre eles o Arcebispo de Paris, deram a sua bênção e aprovação rapidamente. O padre que tivesse a mesma ideia, seria o Santo Cura d’Ars. A senhorita Desmet nunca viu nem escreveu ao Cura d’Ars, mas através do Pe. Tocanier coadjutor do Santo, foi este consultado. São João Vianney disse: “Diga a ela, referia-se a M. Desmet, diga a ela que estabeleça uma congregação pelas almas do purgatório quando ela quiser”.

Não ficou satisfeita ainda a senhorita. Queria que o Santo Cura d’Ars meditasse e rezasse para saber se era vontade de Deus o projeto. Assim o fez. Num dia de finados, o Santo passou de joelhos longa hora, rezou muito e levantando-se com os olhos banhados em lágrimas, disse ao Pe. Tocanier: “a obra é inspirada por Deus, foi Deus quem inspirou uma tal dedicação. Duas coisas pode ter certeza; que aprovo a vocação dessa senhorita à vida religiosa e a fundação desta congregação, que há de se estender rapidamente pela Igreja; está aí uma obra que Nosso Senhor pede há muito tempo”.

A respeito do noviciado, disse o Cura d’Ars: “poucas para começar, mas bem escolhidas e de boa semente...

O pe. Olivant poderia mais tarde dizer das fundadoras: é um punhado de almas de elite.

Qual o fim do Instituto nas obras? Foi ainda o Cura d’Ars quem o inspirou: trabalhar pelas almas do purgatório, dedicando-se às obras de caridade.

Realizareis, disse às fundadoras, realizareis a plenitude do espírito de Jesus Cristo, aliviando ao mesmo tempo os seus membros sofredores na terra e no purgatório”.

Em 19 de Janeiro de 1856, E Agênia Smet chegou a Paris e se retirou com algumas companheiras, suscitadas por Deus, numa residência modesta. Três dias depois foi procurar o Arcebispo Mons. Sibour, que a recebeu com muito carinho e prometeu fazer tudo pela obra. Em Junho do mesmo ano estava a Congregação estabelecida. Vieram muitas provações. Em pouco tempo a morte do Arcebispo e do Santo Cura d’Ars. Não obstante, a obra prosperou. Em 27 de Fevereiro de 1871, Pio IX deu o Breve de aprovação e Leão XIII, em 1878, aprovou as Constituições.

As Irmanzinhas do Purgatório abriram casas em outras nações e foram até para a China realizar o seu programa: glorificar a Deus socorrendo as almas do purgatório, aliviando todas as misérias humanas.

Madre Maria da Providência foi o nome da senhorita Smet em religião.

Foi admirável esta santa criatura! Passou dolorosas provações, mas tudo venceu heroicamente. O Cura d’Ars lhe havia profetizado muitas cruzes: “vossas cruzes são flores que hão de dar muitos frutos. Só vós haveis de saber um dia quanto sofrimento vos há de custar para firmar vossa obra. Porém se Deus está convosco, quem será contra vós?” A profecia se realizou. “A Igreja padecente deve ter mártires neste mundo, dizia Madre Maria da Providência”. Dizia ela também, gemendo de dor na doença: “amar sofrendo e sofrer amando para vos dar almas, ó meu Jesus!” É preciso sofrer para pagar tantas graças!

No Instituto das Irmanzinhas do Purgatório duas devoções se cultivam com amor: a do Sagrado Coração de Jesus e da Providência Divina. A piedade e devoção a Maria Santíssima é tudo na obra sob a invocação de Nossa Senhora da Divina Providência. Cada dia e a cada hora hão de repetir as Irmãs: “Meu Deus, nós vos oferecemos pelas almas do purgatório todos os atos de amor pelos quais o Sagrado Coração de Jesus vos glorificou nesta mesma hora, quando estava na terra”.

Não é uma bela invocação que podemos também adotar?

Rezar, sofrer, trabalhar! Era o lema da Madre Maria da Providência, fundadora da Irmanzinhas do Purgatório. Seja o nosso lema: rezar, sofrer e trabalhar pelas almas do purgatório! - (Vie de La R, M. Marie de la Providence.)

 

29 de Novembro

AS ÚLTIMAS VONTADES DOS MORTOS

Somos obrigados a executar com justiça e consciência as últimas vontades dos nossos mortos. O que no leito de morte nos pediram, o que deixaram em testamento seja respeitado, porque daremos contas severas a Deus desta tremenda injustiça se lesarmos os direitos dos mortos e não cumprirmos suas últimas vontades.

As pobres almas do purgatório são vítimas da Justiça de Deus, porque devem expiar seus pecados, e muitas vezes também vítimas das injustiças dos homens.

Herdeiros que defraudam os bens dos mortos e nem se lembram de lhes sufragar a pobre alma com uma só Missa! Filhos que discutem e se odeiam por uma miserável herança e cometem toda sorte de injustiças, lesando-se mutuamente numa louca ambição, ao invés de em paz honrarem a memória dos pais e cumprirem as cláusulas dos testamentos. É uma das mais tremendas injustiças.

Lesar os vivos é um pecado, mas lesar os mortos tirando-lhes os sufrágios por injustiça, é um pecado que só pode atrair a vingança de Deus. Diz o Espírito Santo que haverá um juízo sem misericórdia para quem não usou de misericórdia. “Que juízo tremendo e duro não há de ser o de quem defraudou os direitos dos mortos?

Lesar um pobre, disse o Quarto Concílio de Cartago, é se fazer assassino do pobre”. Que não será o que lesa o direito das pobres almas?

Cumpramos as últimas vontades de nossos mortos com muito escrúpulo e cuidado, porque, ai! De nós, se não o fizermos! Tem-se visto castigos tremendos pesar sobre os que roubam os direitos dos defuntos. Se deixaram legados para Missas, dinheiros para obras de caridade, propriedades para determinados fins, respeitemos estas vontades!

Façamos executar o mais depressa possível os testamentos. Principalmente não retardemos as Missas que deixaram para serem celebradas. É um perigo! Tomemos bem nota das últimas recomendações dos agonizantes. O Concílio de Trento recomenda aos Bispos que velem atentamente o cumprimento dos legados feitos pelos fiéis defuntos. Vários concílios chegam a lançar excomunhão sobre os que cometem injustiças e fraudes nos legados, sobretudo de Missas. É preciso cumprir o mais depressa que for possível. As demoras muita vez importam em grande sofrimento no purgatório par os defuntos e prejuízo para os vivos.

Muito cuidado com os testamentos! Procurai não entregar, a não ser em mãos seguras os legados de Missas. São os mais sérios e importantes. Segundo muitas revelações particulares, estas injustiças tem custado anos e até séculos de purgatório a muitos! Não se roube o que é do direito dos fiéis defuntos!

Lembremo-nos das expressões severas do Concílio de Cartago: “Egentium necatores” - são assassinos das almas necessitadas, os que lezam os testamentos e não cumprem as últimas vontades dos mortos. Depressa, sem hesitação sejamos fidelíssimos e pressurosos em cumprir as últimas vontades dos mortos. Com isto nos livraremos de muitos castigos.

Não se brinca como severo Juízo de Deus na defesa dos direitos dos mortos!

Respeitai os mortos!

 

30 de Novembro

MEDITAÇÃO FINAL

Lições do purgatório

Antes sofrer agora... depois... depois será terrível! Agora, nossas orações, sacrifícios esmolas têm um valor de certo modo infinito, pelos méritos do Sangue Preciosíssimo de Jesus Cristo. Podemos fazer por nós, isto é, ganhar para nossa alma aqui, e para as almas que sofrem no purgatório. Depois... ah!, quando nossa alma se separar do corpo, daremos contas até de uma palavra ociosa, como diz o Evangelho, e pagaremos até o último ceitil das nossas dívidas para com Deus.

Agora quanto mérito e quanta riqueza para a vida eterna!

Aproveitemos o tesouro da misericórdia de Deus. Não abusemos da graça.

Aproveitemos, sobretudo, o tesouro infinito da Santa Missa.

É o que melhor podemos dar às almas de nossos entes queridos. A Santa Missa é o primeiro e o maior dos sufrágios pelos mortos. Por ela se apagam nossos pecados e aliviadas são as almas do purgatório.

Afirma São Jerônimo, um dos grandes Doutores da Igreja: Enquanto o sacerdote celebra a Santa Missa, muitas almas são libertadas do purgatório.

E são Leonardo de Porto Maurício o grande Missionário e apóstolo, fala indignado dos que se esquecem dos seus mortos queridos e não lhes sufragam as almas, que talvez sofram nas chamas expiadoras: Permiti que eu vos diga, fala o Santo, se há gente avara e sem coração é a que não serve nem manda celebrar uma só Missa pelos seus mortos e que até desvia legados e esmolas de sufrágios. Piores que os demônios. Os demônios atormentam os condenados e estes atormentam as almas santas do purgatório!

Oh! não nos esqueçamos dos nossos graves deveres para com nossos defuntos!

Pelo amor de Deus, vamos: sufrágios, orações, sacrifícios, esmolas pelas almas benditas do purgatório!

Veremos quantas graças nos virão do céu dado esta caridade! A ingratidão nunca entrou no purgatório, disse Santa Margarida Maria. O que fizermos pelas almas, receberemos cem por um e o reino dos céus.

O dogma do purgatório contém ensinamentos de uma verdadeira escola de perfeição. Quem pensa o que é e o que se padece, depois desta vida, para expiação e purificação da alma antes de ver a Deus, não teria o orgulho e o descuido da sua perfeição, como vemos hoje em tantas almas, mesmo piedosas, mas esquecidas da tremenda realidade do purgatório.

Quanto mais pensarmos no purgatório, mais o havemos de procurar evitar ou atenuá-lo.

Descendamus in infernum vivenies, ne descendamus morientes, dizia São Bernardo. Isto é: desçamos ao inferno pela meditação enquanto estamos vivos, para lá não irmos depois da nossa morte.

Assim também façamos com o pensamento do purgatório. Vamos, sim, vamos sempre meditar esta verdade, para que a impressão salutar que ela nos causa nos ajude a tender a perfeição, a procurar ter um pouco mais de zelo pela nossa santificação.

Dizia uma santa alma: Oh! Se os homens soubessem o que lhes custará, na outra vida, a vida de pecado que levam, mudariam o modo de proceder!

A sorte das almas em nossas mãos Num dia de Finados, o grande rei da oratória sacra francesa lembrava aos fiéis do seu tempo estas verdades que acho bom e útil recordar aos leitores meus de hoje:

“Cristãos, permiti-me uma reflexão da qual me sinto penetrado e espero de vós o mesmo. Temos zelo pela glória de Deus, mas em nossa ignorância é inexcusável grosseria não aplicarmos este zelo, muitas vezes devidamente nos verdadeiros interesses de Deus, um exemplo.

Admiramos estes homens apostólicos que, levados pelo Espírito Divino, atravessam os mares e vão ganhar para Deus as almas dos infiéis em países bárbaros. No entanto, sabeis que a devoção às almas do purgatório, o alívio e a libertação destas pobres almas é uma obra de zelo que em relação ao seu objeto não é inferior à conversão dos pagãos, e de certo modo a ultrapassa?

Como? Perguntarei. Sim, porque as almas do purgatório, almas santas e predestinadas, confirmadas em graça, são incomparavelmente mais nobres que as dos pagãos. Estão atualmente num estado mais próprio da glorificação de Deus que os pagãos...

As almas que sofrem no purgatório estão num estado de violência, porque privadas se acham da vista de Deus. Todavia, deveis saber, o purgatório é um estado de violência para o próprio Deus. Ora, em que consiste estes estado de violência em relação a Deus? Ei-lo:

No purgatório Deus vê as almas e as ama com sincero amor, amor de pai enternecido. E no entanto não lhes pode fazer bem algum.

Almas cheias de mérito, de virtudes e de santidade, e que não podem ainda receber a recompensa. A nós cabe a missão de livrar estas almas. E Deus, tão misericordioso, as deve punir. O amor de Deus é uma torrente que há de inundar as santas almas no céu e, no entanto, pela violência da sua justiça, as deve purificar nas chamas expiadoras.”

Em nossas mãos está, pois, a sorte das almas do purgatório. E não havemos, pois, de as socorrer?

Ide, exclama São Bernardo, voai em socorro das almas do purgatório. Intercedei por elas com vossas orações. Oferecei por elas o santo sacrifício da Missa!

A sorte das almas sofredoras está em nossas mãos. Diz a Sagrada Escritura:

Benefac justo et invenies retribuitionem magnam. Fazei o bem ao justo e tereis grande recompensa. As almas do purgatório são santas almas de justos, cheias de méritos e de virtudes. Quanta santidade naquelas chamas expiadoras! Pois bem.

Tudo o que fizermos por elas terá grande recompensa. É a palavra de Deus que no-lo garante!

 

Resoluções

Finda-se o mês de Novembro. Espero tenha sido para vós, leitores queridos como vos pedi, um mês de muito sufrágio e lembrança caridosa dos mortos.

O dogma do purgatório é mister seja sempre lembrado. Faz bem à nossa alma e às almas de nossos caros defuntos.

Portanto, vamos às resoluções:

1a – Não passarmos um só dia sem orar pelas almas do purgatório.

2a – Ofereçamos pelos defuntos, esmolas aos pobres, atos de caridade.

3a – Cumpramos o dever de justiça e de caridade, mandando celebrar a Santa Missa por uma alma de nossos entes queridos, pais, parentes e benfeitores.

4a – Em vez de muita pompa fúnebre e lágrimas de desespero, sufrágios, sufrágios e piedosa meditação do purgatório.

5a – Finalmente, escolhamos cada ano o mês de Novembro para alívio da benditas almas por especiais sufrágios. Cada segunda-feira, se for possível, a assistência à Missa, uma Comunhão, um Terço pelas almas do purgatório, sobretudo a mais abandonadas.

A devoção às almas do purgatório é a grande devoção da hora. Nunca foi mais necessária como nestes tempos calamitosos. São tantos os que morrem cada dia e tantas as pobres almas abandonadas!

E demais, esta devoção nos oferece as vantagens:

1a – Aumenta o nosso mérito pela caridade. É uma fonte de paz interior.

2a – Temos a certeza de sermos agradáveis a Nosso Senhor, a Maria Santíssima e aos Eleitos do Paraíso. E já não disse Santo Tomás que a oração pelos mortos é mais agradável a Deus que a que fazemos pelos vivos?

3a – As santas almas conhecem seus benfeitores e... a ingratidão nunca entrou no purgatório.

4a – Esta devoção, diz Bourdalone, é um sinal de predestinação. Quem a possui tem como que um caráter, um selo de predestinado. Ó, dizia o célebre orador, se Deus me fizesse conhecer uma libertada do purgatório pelas minhas orações, com que confiança não a invocaria eu!

5a – Depois de nossa morte, Deus há de inspirar aos nossos amigos e parentes, façam eles por nós o que fizemos pelas santas almas.

Quem ora pelas almas, disse o Papa Adriano VI, as obriga ao reconhecimento e a rezar também pelos seus benfeitores.

“Tudo que oferecemos por caridade aos defuntos se muda em méritos para nós, e depois da morte acharemos estes méritos”, escreve Santo Ambrósio.

Podemos pedir a proteção divina pelos sufrágios às santas almas. É um ato de caridade tão meritório, que nossa oração toca logo o Divino Coração de Jesus.

Como é doce e consolador poder orar pelos mortos, vivermos em união com eles pelo sacrifício do altar e nossas preces!

Na verdade, santo e salutar é o pensamento de orar pelos defuntos, no dizer dos Macabeus do Livro Sagrado.

Requiem aeternam dona eis, Domine! - Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno!

 

 

Exemplo

A piedade filial recompensada

Em Ravena, na Itália, vivia um pobre menino órfão de pai e mãe, entregue aos cuidados de um irmão mais velho que muito o maltratava. O pobrezinho vítima de tantos maus tratos era uma criança de uma inteligência viva, de um grande coração, e muito piedosa. Um dia, ao passar por uma rua, encontra uma moeda de prata. Um sorriso de alegria lhe aflorou aos lábios descolorados pela miséria. Pelo menos naquele dia teria algum dinheiro para comer. Andava tão fraco de fome a vagar pelas ruas. Depois, refletiu um instante: - Meu pai morreu. Deve talvez estar no purgatório e sofrer muito. Prefiro morrer de fome a deixar sem uma Missa a alma de meu pobre paizinho.

Entra numa igreja, procura um sacerdote e lhe diz: - Padre, achei esta moeda de prata e penso na pobre alma de meu pai, que deve estar no purgatório. Sou muito pobre, e meu pai sem socorro.

O sacerdote achou aquilo admirável numa criança. Indagou a origem do pequeno, notou ser um menino vivo e muitíssimo inteligente e piedoso, pois havia recebido boa formação religiosa dos pais, já mortos. Resolveu adotar o menino; recolheu-o em casa, deu-lhe educação e estudos, e mais tarde veio a ser sacerdote e um grande talento, um gênio, um santo Doutor da Igreja: São Pedro Damião.

Vede como Nosso Senhor recompensa os que se interessam pelas almas do purgatório e sobretudo recompensa a piedade filial dos que não apenas choram, mas não se esquecem do sufrágio e da Santa Missa pelos seus pais já mortos.

É um dever de justiça e de caridade rezar pelos pais mortos.